Aventureiro De All Star escrita por Gabriel Lima


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/726509/chapter/1

      O chão era nojento, com vermes se contorcendo perto de fezes no canto daquela calçada estreita. Vivo nessa cidade há anos, mas nunca conheci essa parte, a suja e verdadeira, onde no meio da madrugada não há pudor sobre onde você vai fazer cocô. Por que eu vim pra cá? Eu estava de boa há pouco em meu apartamento, vendo tevê, quando decidi vestir um casaco e caminhar pelo centro durante a madrugada.

      Não demorou muito pra que um estranho de All Star branco fosse notado ali entre os mendigos naquele lugar sujo. Eu nem sei por que andava pela calçada quando a rua estava livre e nenhum carro passava, talvez fosse a mania cotidiana de se manter nos limites da segurança. Foi por isso que abandonei a do meu lar (se é que eu posso chamar de lar) para adentrar em toda a insegurança dessa parte de minha cidade, desconhecida por mim.

      Uma mão me parou de repente enquanto eu tinha um olhar frenético para a calçada, olhei para o sujeito encapuzado e um forte palpitar de medo em meu peito me trouxe de volta à realidade. Enquanto meu coraçãozinho se esforçava ao máximo pra trabalhar, tentei ver o rosto daquele sujeito, mas apenas pude ver um queixo amarelado pela luz do poste.

 ─Perdeu playboy, passa tudo, celular, carteira...

 ─Pô mano, eu não tenho nada... ─ eu disse com a voz rouca de nervosismo. Ele me empurrou com a outra mão, tirando-me da calçada.

 ─Tá me tirando maluco? Aparece aqui com essa roupa e me diz que não tem nada? ─ disse ele. “Acha mesmo que eu viria com dinheiro pra você me assaltar?” pensei, “Anda, diz isso! Provoque-o...”. Mas logo eu estava arfando de novo, desesperado entre o medo e a intenção. Ele observou com uma careta minha crise e incapacidade de responder.

 ─Quer saber? Dá o fora daqui! Anda, vaza! ─ ele me chutou, fazendo-me mancar ao tentar fugir, e ouvi um disparo enquanto corria, devo ter ficado branco de medo, até perceber que ele atirou para o alto. “Como quer fazer isso se sente tanto medo?” pensei, “Merda, nem pra isso eu sirvo!”.

      Quando fiquei sem folego apoiei-me num poste pra respirar, a mão ao lado de uma lixeira, e a outra verificando se não havia perdido meu RG e bilhete único (sim, eu só vim com isso). Então, quando meu nível de adrenalina caiu, comecei a escutar o movimento de muitas pessoas, como numa feira, mas ao ver as chamas dos isqueiros entre aquela centena de vultos no meio da rua percebi onde havia chegado. “Uma cracolândia” pensei.

      Um passo para trás e a vontade de voltar todo o caminho até aqui e tomar um ônibus pra casa se tornava cada vez maior. “Não, vai continuar acontecendo, se quer fazer isso, tem de ser agora” pensei, “Por que estou com medo?”. E bem devagar dei um passo à frente, e depois outro e outro, até minha caminhada ficar quase normal. Os usuários nem me notavam, apenas esbarravam em mim, sem disfarçar que há muito haviam esquecido o desodorante. A dor em minha perna fazia com que eu mancasse como alguns deles, traficantes me perceberam, eu abaixava a cabeça diante do olhar deles, sentindo-me culpado por não lhes dar o que tanto queriam, ficando ali como um penetra num velório. Mas isso não é novidade, sinto-me culpado por quase qualquer coisa.

      A imagem daquelas figuras deformadas me hipnotizava, como animais bizarros e ao mesmo tempo fascinantes. “Eles fizeram o mesmo que estou tentando, só que de um jeito diferente não é mesmo?” pensei, “Há inúmeras maneiras de fazer isso”. Aquela rua não acabava nunca, eu me sentia andando numa paulista de apocalipse zumbi. Desde antes de me apontarem uma arma eu já tentava ignorar o que meu olfato captava, mas agora estava quase vomitando. Não há forma delicada de dizer isso, eu estava caminhando entre os mortos...

      Deve ter passado meia hora, a rua chegava ao fim e eu não conseguia parar de olhar pra trás, já não havia mais almas perdidas passando por mim, e eu parecia sentir falta disso.

 ─Sei o que está pensando... ─ uma voz surgiu de um beco, meu coração voltou a palpitar, mas o sujeito preferiu se manter no anonimato, sua sombra parecia estar recostada na parede. Então ele continuou:

 ─Isso é o seu destino, ou simplesmente o que você quer? Às vezes a resposta não importa, pois gostamos de chamar de destino aquilo que não queremos ser responsáveis...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Aventureiro De All Star" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.