Mais um dia eu me sento na cama, cansado de meu trabalho. Desfazer todos os erros de minha mãe não é tão fácil quanto pensei.

Com sinceridade, não tenho do que reclamar. Esses três anos em que me afastei da fundação me fizeram crescer enquanto pessoa, me tornaram mais capaz, alguém que pode enfim proteger os Pokémon de pessoas mal-intencionadas, cegas pelo poder que eles nos oferecem. Tendo visto um caso desses dentro de minha própria casa, sei bem o quão difícil pode ser convencer de que está se cometendo um erro. Espero que, quando ela retorne de Kanto, possa também se redimir do que fez.

Mas minha cabeça logo se distrai do trabalho. Não gosto de pensar em minha mãe, inconsciente, sendo tratada por conta dos efeitos daquele UB-01. Symbiont. Nihilego. Somente o ato de pensar nesses nomes já é capaz de me dar calafrios.

Em vez disso me recordo dos bons momentos que tive. Logo Sun me vem à tona, o treinador que foi responsável por trazê-la de volta. O treinador que tanto me ensinou desde que o conheci. Não somos amigos, mas que bom que estava presente quando foi necessário. Como ele e Hau disseram quando nos encontramos no Battle Dome, nós conseguimos mais quando estamos juntos. Nunca serei grato o bastante por ele e por tudo o que fez por minha família.

Não penso muito nele, logo me distraio ao me lembrar daquele colega dele. Hau.

As pessoas têm pena de mim. Meu pai desapareceu em um experimento. Minha mãe, louca e internada. Talvez por isso eu me sinta tão mal ao pensar em mim.

Mas ele… ele sim merece pena. Por tantos outros motivos.

Poucos o chamam pelo nome, para começar. Sempre o chamam de “neto do kahuna Hala”. Soube que ele foi criado pelo avô após ter sido abandonado pelo pai, que saiu em jornada para se tornar um treinador, sem nunca voltar. Talvez o peso do cargo de sucessor tenha sido muito para que tivesse coragem de retornar. O que só aumenta a responsabilidade do pequeno Hau.

Ele treinou muito, é verdade. Não que tivesse outra opção. Seria uma vergonha caso ele não fosse considerado digno pelo Tapu.

Mas foi quando Sun veio para Alola, e tudo mudou. Ele foi abençoado pelo Tapu na primeira oportunidade, foi digno do Z-Ring. Derrotou o pequeno Hau por duas vezes, derrotou Hala logo em seguida. Sun estava predestinado a ser esse grande treinador. Hau… em segundo plano. O segundo lugar. O fracasso.

Seria minha reação. Mas não a de Hau. Ele continuava sorrindo. Sempre sorriu. Mesmo derrotado.

Não sei como ele consegue não levar tudo isso a sério.

Eu me lembro do dia em que lutei com ele, venci com certa facilidade até. Ele não se importava com o resultado, não tinha tanta vontade de ganhar. Seu Popplio estava feliz com isso, por algum motivo. O que não faz o menor sentido. Se você está em jornada, se você se dispõe a passar pelas provas dos capitães, você precisa vencer.

Tanta coisa se passou de lá para cá. Sun se tornou o campeão do desafio das ilhas. Campeão da liga criada pelo professor Kukui. Hau… bem, ele foi desafiá-lo. E saiu derrotado mais uma vez. Medalha de prata.

E mesmo assim ele continuava a sorrir. Coisa que eu não pude fazer quando lutei com Sun. Mesmo sendo grato a ele por tudo o que fez. Por ter protegido Lillie quando eu não pude. Por tê-la salvado no meio daquela confusão.

Preciso aprender a ser forte como Sun. E preciso aprender a ser sorridente como Hau.

Sou interrompido em meus pensamentos por batidas à porta. Uma visita que eu nunca espero, por mais que eu saiba que sempre vem.

Não é Lillie, pois está cuidando de nossa mãe em Kanto. Não deve ser Wicke, ela tem ordens para não me incomodar a menos que seja uma emergência. Não creio ser Sun, visto que tem se ocupado com o cargo de campeão.

Abro a porta e encontro aquele rosto sorridente com quem preciso aprender a fazê-lo.

— Whoa, Gladion! Aceita uma malasada?

Ele não esperou o convite para entrar, já sabia que eu não o faria. Sentou-se em minha cama, exatamente aonde eu estava a pouco. Sei que ele adoraria oferecer essa malasada para Lillie, por mais que ela nunca tenha tido olhos para Hau, apenas para Sun. Até mesmo nas companhias havia sido derrotado pelo rival. Até nisso chegou em segundo lugar.

Me lembrei outra vez de como me senti quando Sun me venceu. A derrota te ensina muita coisa, e estou tentando aprender o máximo possível com ela.

Mas Hau… Eu me alegro por ele, e o invejo. Pois mesmo tendo sido vencido, jamais será um perdedor.