Sentindo a água morna escorrer pelas costas arranhadas e sobre a garganta machucada, levemente avermelhada, San deixava escorrer sujeira e lágrimas, tentando assim se livrar da sensação das mãos dos dois homens em sua pele. Os soluços já tinham passado, apenas chorava silenciosamente. Mesmo sem ter uma noção de quanto tempo estava lá resolveu sair.

Já seco e vestido em um pijama de um tecido macio e quente, três números maior que seu manequim, San saiu do banheiro sem saber muito o que esperar, procurou por seu salvador pelo quarto, encontrando-o sentado no chão, mais especificamente largado no chão.

Sem saber como agir, sentou na cama, do lado oposto e começou a secar o cabelo com a toalha. Passado uns minutos ouviu a voz rouca e baixa dele ecoar pelo quarto pouco mobiliado.

Tá tudo bem?Não sei, fui assaltado, espancado e quase violentado, realmente não sei se assimilei tudo. - A voz saiu mesmo tom mas sem a emoção que All esperava.Me desculpe não ter impedido, te procurei na sala mas disseram que já tinha saído, quando te encontrei..- A voz falhou e ficou um longo minuto em silêncio: - Me desculpe.Porque me procurou? Porque ainda se importa? Achei que já estivesse saciado com o desafio de pegar o calouro assustado. Ainda quer mais!? - A raiva por trás das palavras surpreendeu All.Suas palavras me fazem pensar que me vê como um canalha. É isso que pensa de mim? - O tom ainda baixo, neutro apenas enfureceu San, mesmo uma fúria que aparentemente não tinha um sentido.E não é? Você aparece do nada e me cativa, depois some me deixando a deriva, não me liga, não me procura… E-eu… Eu me senti como um qualquer,  uma simples conquista, uma puta. - Ao fim das palavras, as lágrimas já tinham subido a seus olhos e desciam em seu rosto, pondo pra fora tudo que tinha dentro, a raiva pelo abandono, o medo que sentiu a algumas horas, e a frustração de não o ter.- O que eu sou a você?- a voz não passou de um sussurro angustiado.Me desculpe. - A voz tão perto fez o menor se arrepiar, e sentiu as mãos grandes o puxarem em direção ao corpo grande, o aconchegando de forma tão fácil, fazendo parecer tão certo: - Eu não sumi porque quis, estou muito atarefado com serviço, graduação e ,especialização. E sobre não te ligar, quando estou com você celular é a última coisa que me lembro, e quando você se vai quero me bater por não ter pedido.

Ao final das palavras San sentiu um beijo suave contra a têmpora, e os braços se estreitarem ao seu redor o aquecendo, deixando sua mente relaxar de suas neuras deixou-se levar e logo adormeceu.

Enquanto o menor cochilava em seus braços All pode apreciar de perto as formas do rosto delicado, era um homem, mas ainda conservava as dimensões de um adolescente. O nariz arrebitado, sobrancelhas levemente mais escuras que os fios da juba de cachos, os cílios grossos emoldurando os olhos levemente arredondados, lembrando-o de uma corça. Os lábios rosados, cheios e macios, ohh ele sabia o quanto eram macios. Não se controlou e passou o dedo levemente sobre a carne quente e convidativa, mas se contorceu em raiva ao notar que o lábio estava partido, sentindo a raiva o dominar desejou ter terminado com a vida dos miseráveis que atentaram contra seu pequeno.

—Meu pequeno? -Sussurrou baixo- Você já está sob a minha pele, não te deixarei ir. - Disse beijando em seguida a testa do adormecido.

…..

Sentindo o cheiro de café San começou a despertar novamente, sentindo seu corpo protestar quando tentou levantar rápido, lembrando que estava machucado e o porquê. Varreu o cômodo onde dormira com os olhos, reconhecendo o quarto de All. Seu estômago estava vazio e doendo de fome, deslizou fora da cama em passos incertos e seguiu seu olfato até a origem do cheiro delicioso de café, ovos e cuscuz (sim ele gosta de cuscuz, problem?). Seguiu pelo corredor onde encontrou uma sala pequena que possuía um balcão separando-a da cozinha, onde encontrou All de camisa regata branca distraído com fone de ouvidos enquanto preparava aparentemente um café para ambos. Sentindo tímido olhou para os pés descalços e então se deu conta que estava vestindo somente uma camisa negra com a estampa do The Birthday Massacre, e nada mais. Olhou para All que colocava tempero nos ovos, e sentiu uma brisa passando na bunda nua, corado feito uma lâmpada de neon correu e sentou-se em um dos bancos altos próximos a bancada. E esperou quieto que o cozinheiro o notasse. Ao virar depositando os pratos cheios de frutas picadas, frios e ovos fritos notou o pequeno o olhando.

—Bom dia.- Jogou a frase que lhe veio a mente por não ter nada melhor a falar.

—Bom dia- O tom de voz do pequeno não demonstrava nada além de timidez, com um suspiro fundo deu a volta no balcão e sentou-se no banco ao lado o encarando enquanto ponderava as próximas palavras.

—com fome? Sirva-se.- A voz carinhosa e rouca fez San sorrir e aceitou a sugestão de comer e não conversar. All serviu-se de tudo um pouco e mantinha um rabo de olho sempre sobre o menor, que mesmo em um ritmo menor que o seu comia bastante. Durante aquele silêncio confortável ouviu um toque de celular que não lhe pertencia. Observou o menor correr como um raio em direção ao quarto. E após poucos minutos retornou com a face meio pálida.

—Minha mãe ligou pra polícia e estão todos atrás de mim, preciso ir pra casa agora ou ela vai surtar. - A informação o assustou de início, mas levando em conta o que aconteceu não era pra menos.

—Tudo bem, termine o café e eu te levo lá.

—Desculpe, acabei perdendo a fome com o susto. Vou me trocar e te espero-

Passado vinte minutos já deslizavam pelas ruas, bastante movimentadas pelo horário, e San segurava de leve na jaqueta, ainda sentindo receio de se aproximar de novo. Até que sentiu a grande mão de All puxar as suas e cruzar no seu estômago. Sorrindo se aconchegou ali sentindo dentro de si o coração louco batendo feito atabaques. Apesar do medo do que o aguardava e sentia-se estranhamente feliz.