Todo o Espaço Entre Nós escrita por Tai Bluerose


Capítulo 7
Selek de Vulcano


Notas iniciais do capítulo

Desculpem qualquer erro. Boa leitura.



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Capítulo 7: Selek de Vulcano

 

Spock costumava pegar no sono rapidamente quando decidia fazê-lo, no entanto ele ainda continuava acordado duas horas depois de se despedir de Jim. Spock não conseguia fazer sua mente parar de reviver a fusão que tinha compartilhado com o amigo. Era ilógico ficar pensando naquilo, ainda assim ele o fazia.

Minha mente para sua mente... Nossas mentes em uma só...

Uma só.

 

Ao longo de sua vida, Spock fizera poucas fusões mentais. Menor ainda era quantidade de fusões mais profundas, aquelas que permitiam compartilhar sentimentos e lembranças.

Em sua maioria, as fusões que Spock realizou foram superficiais: na escola em vulcano com instrutores para aprender a dominar a técnica, e com seres aleatórios durante algumas missões para conseguir uma informação que não poderia ser obtida de outra forma.

Quando criança, Spock se misturou a mente de sua mãe uma vez, apenas para mostrar-lhe que tinha aprendido como fazer. Embora ela estivesse claramente feliz e maravilhada por ele, Spock percebeu que a mãe não ficara tão à vontade. Naquele dia, seu pai o advertiu de que fusões mentais não podiam ser realizadas a qualquer momento, nem com qualquer pessoa, nem contra a vontade da outra pessoa. Não era ético. Não era lógico.

Spock e seu pai nunca compartilharam uma fusão.

O único outro vulcano com quem Spock fundiu sem ser um instrutor adepto da mente, foi T’Pring, no dia em que foram ligados, aos sete anos. A ligação era estabelecida em tão tenra idade para que os dois indivíduos ligados desenvolvessem e fortalecessem seus laços até o dia do casamento. A verdade é que T’Pring nada mais foi, para Spock, do que uma porta continuamente fechada em sua mente. Ela sempre o bloqueou e sempre o ignorou, até o dia em que Spock decidiu ingressar na Frota Estelar e deixar Vulcano. Naquele dia, ela inesperadamente veio visitá-lo.

― É do meu conhecimento que você vai para o planeta dos humanos. ― dissera T’pring a Spock, austera e inabalável como sempre fora.

― Esta informação é correta.

― Finalmente decidiu se rebelar contra nossa cultura e abraçar sua natureza ilógica?

Não havia qualquer inflexão em sua voz, nenhum sinal de zombaria ou sarcasmo. Não havia sentimento algum que T’Pring deixava transparecer, nem sequer por um milésimo de segundo. Ainda assim, as palavras dela eram afiadas quando dirigidas a Spock. Sempre foram.

― Não estou abdicando da minha cultura, tampouco pretendo fazer isso. Estou indo para a Terra visando uma carreira científica. A Frota Estelar tem muito mais a oferecer na área da exploração cientifica do que a Academia de Ciências de Vulcano. Minha decisão foi inteiramente baseada na lógica.

― Suas escolhas realmente não me interessam. No entanto, não pretendo ser esposa de um oficial da Frota Estelar. Eu vim lhe informar que pretendo solicitar o rompimento do nosso vínculo pré-marital. ― T’Pring parou por um momento, como se esperasse notar qualquer demonstração de surpresa de Spock em reação a sua declaração. Mas Spock não estava nem um pouco surpreso. ― Para que isso seja feito, você precisa estar de comum acordo. Você pode vir comigo, aceitar o rompimento e terá tempo suficiente para encontrar alguém que o aceite. Ou pode se recusar e eu permanecerei sua noiva. Mas esteja ciente de que eu esperarei até que o seu tempo chegue e eu escolherei o kal-if-fee. Não duvide de que farei isso, já tenho um campeão para lutar por mim. Sua única alternativa será matar ou morrer.

― Eu não duvido. ― Spock até imaginava quem seria seu desafiante. T’Pring sempre fora muito próxima de Stonn.

Spock não tinha o desejo de matar ou morrer por T’Pring e não queria esperar até o dia em que a loucura do Pon farr o obrigasse a fazer isso. Ele não tinha o desejo de nada em relação a T’Pring. Naquela mesma semana, eles romperam seu vinculo pré-marital.  Spock nunca mais voltaria a encontrar T’Pring.

Naquele dia Spock sentiu-se aliviado por não ter mais T’Pring ligada a sua mente. Mas também ficou profundamente preocupado com a possibilidade de jamais encontrar alguém cuja mente fosse compatível a sua.

Alguns anos depois, Spock conheceu Nyota. Suas mentes não eram inteiramente compatíveis, mas isso poderia ser cultivado com o tempo. E eles eram compatíveis em muitos outros aspectos. Nyota foi um verdadeiro presente. Fusões em um nível mais íntimo só aconteceram com ela. Foi a primeira vez em que Spock pôde perceber que esse tipo de mistura de mentes poderia ser muito agradável. A primeira vez, desde T’Pring, que Spock pensou que poderia se ligar a outra pessoa permanentemente.

Em todas essas diferentes experiências, Spock notou algo em comum: a outra pessoa, mesmo quando psi-nulos, como os humanos, instintivamente tenta repelir uma mente invasora. A mente é a parte mais íntima de todo ser. Há sempre um pouco de estranheza quando sua mente é conectada a outra, mesmo com seu consentimento.

Mesmo Nyota, tendo se acostumado à mente de Spock tocando a sua, ainda o repelia um pouco, sempre que iam iniciar uma fusão. Spock não se incomodava, era uma reação natural, todos reagiam assim; sua própria mente sentia o costumeiro desconforto inicial.

Por tudo isso, antes de iniciar a fusão com Jim, Spock manteve o máximo de seu controle. Ele não queria assustar Jim nem causar qualquer dano à mente dele. Não queria que Jim se sentisse desconfortável. Não queria que Jim se sentisse invadido. Spock queria que Jim apreciasse, por mais ilógico que esse desejo fosse.

Para sua surpresa, a mente de Jim não ofereceu qualquer resistência. Nenhuma. Não lutou, não deu sinal de qualquer desconforto. Spock não se sentiu ser repelido nem por um segundo, pelo contrário, sentiu sua mente ser puxada para dentro de Jim com tamanha facilidade que se deixou ir e se perdeu ali por um momento. Não sabia se Jim tinha notado esse lapso de sua parte, provavelmente não.

 Até agora, Spock não conseguia entender a facilidade com que sua mente se conectou a de Jim e a naturalidade do humano ao recebê-lo. Foi uma sensação fascinante sentir como se Jim fizesse parte de seu próprio corpo. Como se fossem um só. Uma única mente.

Spock precisou de algum esforço para se controlar e se concentrar no que pretendia fazer, no que pretendia mostrar a Jim, não queria acabar vendo ou sentindo o que o amigo não pretendia mostrar. Seria uma grave invasão de privacidade. No fim, não foi tão ruim dar a Jim acesso aquelas memórias de sua infância, de sua mãe e de I-Chya. Foi reconfortante ter Jim tão próximo e isso o assustava, porque...

Apesar de todas as suas diferenças, suas mentes eram compatíveis. Inteiramente. E isso era algo que ele não precisava saber. Não agora.

Desistindo de dormir, Spock saiu da cama, acendeu um incenso e começou a meditar pelo resto que lhe sobrava de noite.

.

.

― Kirk está aí com você?!

Nyota ficou surpresa quando Jim Kirk entrou de repente pela porta do quarto de Spock em Novo Vulcano. Jim ficou visivelmente constrangido ao ver o rosto de Nyota na tela de transmissão e começou a balbuciar pedidos de desculpas por invadir a privacidade de Spock e Uhura.

Jim cumprimentou Nyota rapidamente e fugiu pelo corredor.

Spock queria ter dito que Jim não estava atrapalhando e que Jim não tinha culpa por qualquer coisa. Spock deixara a porta do quarto aberta, logicamente Jim pensaria que não havia problema em entrar, como de fato não havia. Mas Jim já tinha saído e Nyota o olhava interrogativamente.

― Sim. Ele veio para descanso, e para visitar alguém.

Nyota pensou um pouco e finalmente disse:

― O Embaixador Spock, não é?

Foi a vez de Spock demonstrar alguma curiosidade.

― Por que você diz isso?

― Estou supondo. Jim sempre me pedia para estabelecer uma linha de comunicação direta com o Embaixador. Imagino que ele fosse querer vê-lo pessoalmente em algum momento.

― Eles conversavam frequentemente?

― Uma vez por mês, às vezes duas.

― Há quanto tempo isso vem acontecendo?

― Desde Nero.

Spock tinha o rosto livre de expressão, mas para alguém mais atento e mais acostumado as micro-expressões de Spock, Nyota podia ver a sombra de uma ruga entre as sobrancelhas do vulcano. Nyota sabia que Spock estava de alguma forma entrando em algum tipo de conflito interno ao receber aquela informação.

― Entendo. Por que você nunca me contou? ― Spock indagou com certa frieza. Ou talvez Nyota estivesse interpretando errado.

Nyota deu de ombros. ― Não é como se fosse um segredo. Jim nunca me disse que era um segredo ou qualquer coisa assim. Mas ele sempre me pedia para direcionar as chamadas para sua cabine, conclui que ele queria privacidade. Não achei que fosse importante. Ou da conta de qualquer outra pessoa.

― Eu certamente gostaria de ter sido informado. ― Spock declarou com firmeza e, desta vez, Nyota teve a certeza de que não tinha imaginado a frieza incomum no tom de voz dele.

― Por que está chateado, Spock?

― Não estou chateado.

― Sim, você está. Eu te conheço. Eu só não sei se você está chateado porque eu não te contei sobre isso ou se você está chateado porque o capitão tem mantido contato com o outro Spock.

Spock percebeu que Nyota tinha ficado aborrecida e notou o tom de sarcasmo que ela usara, embora ele não conseguisse perceber ou compreender a razão daquele comportamento.

― Meu desconforto e desaprovação se dão por uma única razão, e creio que você vai concordar comigo: não é nada agradável saber que há uma versão sua vinda do futuro de outra dimensão, que poderia fornecer a outros informações que poderiam alterar nosso continuum espaço-tempo de forma drástica...

― Ah, por favor, pare, Spock. Isso é ridículo, você sabe. Está com medo de que Jim descubra os esqueletos em seu armário?

Spock ficou surpreso e visivelmente confuso.

― Eu não tenho esqueletos no meu armário.

― É uma expressão humana, Spock. Significa que você está com medo que Jim descubra algum segredo seu. E quer saber? Você está sendo egoísta. O que te leva a crer que Jim conversaria com o velho Spock unicamente pra tentar descobrir coisas sobre o futuro ou sobre você? Já lhe ocorreu que Jim pode simplesmente gostar do velho? Ou você está com ciúmes?

―Vulcanos não sentem ciúmes.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, olhando para a imagem do outro na tela.

― Você não me informou que tinha convidado Jim para Novo vulcano. ― Nyota se ouviu dizendo após um momento. Talvez ela quisesse lembrá-lo de que ela não fora a única a ocultar informações relacionadas ao capitão. De qualquer forma, era ridículo eles estarem tendo aquela discussão por causa de Kirk.

― Não vi porque a informação era relevante.

Nyota quase deu um sorriso de escarnio, mas se segurou.

― Bem você devia ter conversado comigo antes, ou pelo menos me informado depois.

― A oportunidade e a ideia de convidá-lo só me ocorreu três dias antes de minha partida, período em que você já tinha partido para sua própria viagem. Retomando sua questão não respondida, ― Spock continuou ― não, Jim não veio especificamente para visitar meu homologo mais velho. Embora partiremos para visitá-lo em exatos vinte e três ponto dezesseis minutos. Jim veio por questões familiares. E por se tratar de um assunto pessoal, sinto não poder lhe fornecer informações mais precisas no presente momento.

― Tudo bem, Spock. Eu entendo ―Nyota falou, querendo encerrar aquele assunto.

Spock não achou que Nyota entendia realmente, e só por isso continuou:

― Jim está passando por um momento difícil. Como um amigo, devo lhe fornecer apoio e conforto enquanto ainda posso estar perto dele. Ele fez o mesmo por mim no passado. Acredito ser o certo retribuir o gesto.

Algo na maneira de Spock falar, quase melancólico e preocupado, fez os sentidos de Nyota se alarmarem.

― Agora você me deixou preocupada. O que aconteceu? Spock... Somos namorados, parceiros, amigos. Você pode confiar em mim. Você pode. Não pode?

Spock suspirou, algo que ele raramente fazia. Não era um comportamento comum entre os vulcanos.

― O irmão dele, George Samuel Kirk, morreu. Jim está em Novo Vulcano aguardando autorização da Frota Estelar para buscar o sobrinho. Não posso dizer mais.

― Eu não sabia que ele tinha um sobrinho.  Jim está bem?

― Ele finge estar, na maior parte do tempo, mas as vezes ele fica melancólico e eu o ouço andando dentro do quarto na maior parte da noite. Admito não saber exatamente como ser de apoio nesse momento.

― Você já está o ajudando Spock. Não é bom ficar sozinho quando se perde alguém.

 ― Foi o que o Dr. McCoy me disse.

― E como você está?

― Estou perfeitamente funcional.

― Espero que dê tudo certo. Se precisar da minha ajuda para qualquer coisa, não hesite em me chamar. Bem, você disse que vai sair com Jim, não é mesmo? Vou deixá-lo agora. Nos falamos novamente mais tarde.

― Certamente.

― Tchau, Spock. Já estou com saudades.

― Impossível. Ainda nem encerramos nosso diálogo, como já pode sentir minha falta.

― Você me entendeu, Spock.

― Vida longa e próspera, Nyota.

― Vida longa e próspera, Spock. Te amo. Tchau!

Nyota encerrou a vídeo chamada antes que Spock pudesse dar qualquer outra resposta.

.

.

.

― Jim!

― Hey!

O rosto do velho vulcano mudou numa inegável demonstração de surpresa e felicidade. A expressão de seu homólogo era tão aberta, que Spock sentiu-se um pouco desconfortável. Ficou mais desconfortável ainda quando Jim abraçou o vulcano sem qualquer restrição.

Spock podia, literalmente, sentir a alegria de Jim. Decidiu reforçar seus escudos mentais e parar de absorver as emoções que emanavam do humano.

 ― Spock insistiu que deveríamos avisar da nossa vinda, que não era costume vulcano aparecer sem avisar, mas eu queria muito fazer-lhe uma surpresa. Espero não estar atrapalhando.

― De modo algum, meu amigo. Estou muito feliz que tenha vindo. Venha, entre. ― E finalmente o velho Spock pareceu notar seu homólogo mais jovem parado atrás de Jim. ― Você também Spock.

Jim acompanhou o ancião vulcano para dentro da residência. Spock os seguiu em silêncio, seus olhos fixos nos braços dados dos dois a sua frente.

― É realmente muito bom te ver, Spock. ― Jim falou com sinceridade. ― Eu estava com saudades.

― Por favor, Jim, pode me chamar de Selek. É por este nome que todos me conhecem por aqui. Para evitar transtornos. Afinal, este universo já tem seu próprio Spock.

― Que nada! Dois Spocks nunca é demais. ― Dizendo isso, Jim deu uma piscadela para o jovem Spock. Spock não soube como responder ao gesto.

― Se você acha. ― Selek olhou de Jim para a expressão confusa de seu eu mais jovem. ― Gostariam de algo para beber?

― Se for algo gelado, eu aceito ― Jim se sentou no sofá. ― Nossa, esse planeta é quente!

― Infelizmente, como apenas eu vivo aqui, esta casa não está equipada com controle de temperatura. ― Selek informou. ― Se eu soubesse que planejava visitar Novo Vulcano, eu teria feio os ajustes necessários.

― Não se incomode com isso. Não foi nada planejado. Spock me convidou meio que de ultima hora. Chegamos ontem.

― Espero que tenham feito uma boa viagem. Me deem alguns minutos para preparar um chá.

― Podemos ajudá-lo? ― Jim se levantou e foi até o ancião.

Selek olhou de Jim para Spock sentado logo atrás. ― Se desejarem.

Selek serviu chá a eles. Chá bem gelado para Jim. Selek e Jim começaram a conversar sobre os mais variados assuntos. Eles também falaram sobre como algumas missões da Enterprise tinham se resolvido, o que levou Spock – o mais novo – a concluir que de fato seu capitão vinha mantendo contato com o ancião.

Spock sentiu-se um pouco excluído durante aquela conversa, apesar de Jim frequentemente o incluir na interação com bastante entusiasmo. De fato, Jim se esforçava para fazer Spock interagir também.

 Spock definitivamente não estava sendo ignorado, mas havia algo ali que o fazia se sentir deslocado. Havia uma naturalidade, uma facilidade na amizade entre Jim e Selek que Spock não entendia. Era como se os dois se conhecessem há anos. Spock podia ver que Jim se sentia confortável na presença do ancião tanto quanto se sentia na presença do Doutor McCoy. Isso intrigava Spock porque...

Como podia Jim se sentir tão a vontade com alguém que vira tão poucas vezes? Spock se perguntava isso porque ele mesmo conviveu com Jim por quase vinte e quatro horas terráqueas por 4.73 anos em uma nave, cultivando sua amizade dia após dia, e ainda assim, não sentia que Jim parecesse tão confortável em sua presença.

Jim parecia muito mais feliz naqueles poucos minutos na casa de Selek do que em todas as horas na casa de Spock. Era uma coisa boa, afinal. Melhor do que vê-lo triste. Spock ficou pensando isso enquanto observava o sorriso de Jim.

Spock só se deu conta de que Selek tinha perguntado algo a seu respeito quando o sorriso de Jim morreu por um segundo e Jim olhou em sua direção com uma expressão condescendente.

― Você ainda não soube da novidade? Spock é capitão agora. Embarcará em sua própria e novinha nave depois do recesso de inverno. Acho que essa é nossa última viagem juntos.

Os olhos escuros de Selek se direcionaram para Spock. Spock sabia que seu homólogo estava, naquele momento, lembrando-se do conselho que tinha lhe dado alguns anos atrás, sobre permanecer na Frota Estelar, na Enterprise e tentar ser amigo de Jim. Conselho que Spock estava obviamente negligenciando algumas partes agora.

Não houve tempo para nada mais ser dito sobre a promoção de Spock, fato pelo qual Spock agradeceu mentalmente, o PEDD de Jim soou.

― Estão me contatando. É da Frota Estelar. ― Jim olhou para a tela de seu dispositivo e se levantou ― Com licença um minuto.

Jim foi para o cômodo adjacente, deixando os dois vulcanos sozinhos.

― Já foi designado para uma nova nave? ― Selek indagou.

― Sim. Uma nave científica. ― Spock respondeu desapaixonadamente.

― Então você foi o escolhido para capinear a T’Saura.

Spock levantou uma sobrancelha para o ancião.

― Sabe sobre a nave?

― Apenas ouvi falar sobre o projeto. Quanto tempo durará a missão?

― A princípio, um ano terrestre. Mas essa será apenas a primeira missão.

― Entendo.

― A Frota Estelar ter me escolhido foi lógico, dado a minha experiência de trabalho tanto com humanos quanto com vulcanos. Eu também estou de acordo. É uma ótima oportunidade de pesquisa. ― Spock acrescentou sem entender de verdade por que sentiu a necessidade de se justificar para seu homólogo.

― De fato. Uma decisão lógica.

― De fato.

Eles ficaram em silêncio e a voz de Jim conversando com alguém podia ser ouvida no cômodo ao lado. Spock acreditou que o assunto tinha finalmente morrido, mas Selek voltou a falar:

― Eu também já fui jovem, inexperiente e orgulhoso como você Spock. Eu também já tive medo daquilo que eu não compreendia. Eu também já acreditei que me perderia. Eu também escolhi fugir, certa vez. Sem dúvida, não foi a melhor decisão da minha vida.

Spock olhou para Selek com um pouco de confusão.

― Eu não estou fugindo ou planejando fugir para qualquer lugar. Não sei do que você está falando.

― Imagino que o assunto não cabe a mim. Você deve tomar suas próprias decisões. Seguir seus próprios caminhos.

― É o meu objetivo.

― Talvez seja um pouco de egoísmo da minha parte, mas só quero o seu bem e o de Jim.

― Esclareça-me um ponto. Porque insiste em tratar Jim como se ele fosse seu velho amigo? Jim não é o mesmo homem que você conheceu no seu universo. Não me parece correto levá-lo a crer em uma amizade se você a faz com base em seus sentimentos por outra pessoa e não por ele.

Selek sorriu infimamente para seu eu jovem e se permitiu sentir indulgência por ele.

― Você tem razão, Spock. Mas também está enganado.

 ― Esclareça.

― Apesar do DNA idêntico, da semelhança entre diversas características físicas, psicológicas e comportamentais, este James Kirk não é o mesmo James Kirk que eu conheci. Mas apenas porque eles tiveram experiências de vida diferentes, por culpa de Nero... e minha. Mas não significa que eu não queira conhecer este Jim e ser seu amigo também. Ele é uma pessoa agradável e incrível a sua própria maneira, ele de fato se tornou um amigo. Se tornou meu amigo porque eu tirei tempo para conhecê-lo. Portanto sua preocupação de que eu possa estar usando este Jim como uma espécie de substituto para aquele Jim é errônea. Ninguém poderia ocupar o espaço que James Kirk do meu universo ocupou em minha vida. Nem mesmo outro James Kirk poderia. ― Selek suspirou, cansado, e desviou os olhos para a janela, para o céu laranja de Novo Vulcano. ― A minha amizade com o Jim deste universo é verdadeira e se baseia no que aprendi e compartilhei com ele. Não precisa temer que eu vá prejudicar Jim de alguma maneira. A não ser que... Há uma razão para você não me querer perto dele?

― Não foi o que eu disse.

― Algum problema aqui? ― Jim apareceu na entrada da sala. Olhou interrogativamente de um vulcano para outro.

― Não. ― Spock e Selek responderam em uníssono, com exatamente o mesmo tom desinteressado e o mesmo movimento de cabeça. Jim achou a cena estranha e ao mesmo tempo legal.

― Algo importante? ― Spock perguntou.

― Assunto de rotina. ― Jim respondeu fingindo desinteresse e virou-se para o ancião. ― Selek, eu gostaria de um pouco de água, por favor.

― É claro, Jim.

Selek saiu da sala e Jim se aproximou de Spock.

― Era do navio médico. ― Jim sussurrou. ― Peter está bem e disseram que eu já tenho autorização para buscá-lo.

― Esta é uma boa notícia, Jim ― Spock respondeu.

― Eu não queria dizer na frente de Selek, não quero preocupá-lo com notícias tristes.

― Entendo.

Jim observou Spock e achou que o amigo estava perturbado com alguma coisa. Jim se aproximou mais ainda e segurou o braço de Spock.

― Está tudo bem Spock? Você parece meio... verde.

― Eu estou perfeitamente funcional, Jim.

Spock percebeu que os olhos azuis de Jim procuravam alguma coisa dentro dos seus. Jim ainda encarou Spock por mais alguns segundos antes de soltar-lhe o braço.

Quando Selek voltou com a água, Jim informou que ele e Spock já estavam de partida. Spock ficou surpreso, mas não se opôs a ideia. Selek também não ficou ofendido.

― Provavelmente voltarei a encontrá-lo antes de voltar para a Terra ― Jim disse a Selek quando se despedia.

― Será uma honra recebê-lo novamente, Jim.

.

.

.

Logo que Jim entrou na casa de Sarek, ele agradeceu pelo controle de temperatura e pelo ar mais frio. Ele estava suado como o inferno. Já tinha se arrependido da sua brilhante ideia de descartar o hovertaxi no meio do caminho e voltar a pé. Além do calor intenso, Spock não dissera nada além de respostas de uma única palavra.

― Você ficou muito tempo exposto ao clima natural daqui. Aconselho se hidratar adequadamente. ― aquela era literalmente a primeira frase longa que Jim escutava Spock dizer desde o momento em que eles chegaram a casa de Selek. Spock avaliou Jim mais um momento. ― Sua respiração também está descompassada. Vou pegar o hypospray.

― Não precisa, Spock. Estou bem. Só preciso de um pouco de água ― Jim protestou, mas ele realmente estava com dificuldade para respirar, a diferença atmosférica estava começando a cansá-lo.

― Eu dei minha palavra ao Dr. McCoy de que não deixaria você sofrer um colapso. ― Spock voltou com o hypospray em mãos. ― Precisa de ajuda para aplicar?

― Por favor.

Spock se aproximou e posicionou o hipospray no pescoço de Jim, fazendo a aplicação. Spock se afastou e Jim passou os dedos sobre o pescoço.

― Eu o machuquei? ― Spock ficou preocupado.

― Não. Na verdade não senti nada. Isso sempre pareceu uma picada dolorida quando Magro aplica. Talvez seja porque ele faça como uma forma de me punir.

― Provavelmente. Você ficará melhor em alguns segundos.

― E você? Também está melhor agora?

Spock inclinou a cabeça levemente ao encarar Jim.

― Esclareça.

― Você parecia um pouco aborrecido. Achei que era melhor voltarmos.

― Foi impressão sua. Não era necessário ter voltado tão cedo se não era seu desejo.

― Porque você não gosta dele?

― A quem exatamente você está se referindo?

― Você sabe que me refiro ao Spoc-Selek.

― Engana-se. Eu não desgosto dele. Pelo contrário, eu o admiro e o tenho como exemplo.

― É que parece que você ficou meio incomodado com ele. Você nem falou muito enquanto estávamos lá. Tive a impressão de que vocês estavam discutindo.

 ― Não estávamos.

― Certo. Talvez seja uma competição entre irmãos. ― Jim se direcionou à cozinha para pegar água. Spock o seguiu.

― “Competição entre irmãos”?

― Sim. Até faz sentido. Ele é como um irmão mais velho que parece ser mais legal porque ele é mais experiente e já fez tudo o que você gostaria de fazer. Isso sempre gera um pouco de atrito. Eu e Sam sempre tínhamos esse tipo de disputada boba. Se você tivesse tido um irmão mais velho você entenderia e veria que é parecido.

Spock observou Jim pegar um copo com água e bebê-lo.

― Na verdade, eu tive um. E ainda não entendo.

Jim franziu as sobrancelhas.

― Você está brincando, certo?

― Porque eu brincaria?

― Eu pensei que você fosse o primeiro hibrido vulcano-humano.

― De fato eu sou.

― Mas então?

― Sybok não era filho de Amanda. Ele era filho do primeiro casamento de meu pai com uma vulcana chamada T’Rea. T’Rea se tornou adepta do Kolinahr, o que exige a separação com todos os laços emocionais. A ligação de T’Rea e Sarek foi quebrada e o casamento anulado, permitindo a Sarek se casar com minha mãe uns quatro anos mais tarde. Eu cresci com Sybok até os meus 10 anos de idade.

― E o que aconteceu com ele?

― Sybok tinha ideias muito incomuns. Foi considerado um rebelde e expulso de Vulcano quando tinha 16 anos. Não o vi desde então, embora minha mãe tenha tentado entrar em contato com ele. Foi um esforço infrutífero.

― Eu sinto muito Spock.

Jim ficou pensativo e Spock percebeu a melancolia do humano novamente.

― Algum problema Jim?

― Não é nada, só... ― Jim olhou profundamente nos olhos de Spock, depois desviou, posicionando-se de lado. Escondendo o rosto para que Spock não o analisasse. ― Às vezes eu percebo o quanto não sei sobre você. E agora tenho medo de não poder conhecê-lo mais.

― Jim...

Jim respirou fundo e se virou com determinação.

― Eu preciso te dizer uma coisa, Spock.

― Vocês já chegaram. ― Sarek apareceu repentinamente na porta da cozinha. ― Ótimo. Teremos companhia para o jantar. Espero que não se incomode, Senhor Kirk.

― Ah... Claro que não, Embaixador. ― Jim se esforçou para esboçar um sorriso.

― O que você dizia, Jim?

Jim voltou sua atenção para Spock novamente, mas não conseguia ignorar a presença de Sarek ali, embora o embaixador os tivesse deixado sozinhos novamente.

― Eu... Esqueça. Acho que ainda estou um pouco cansado. Preciso de um banho frio.

― Entendo.

Jim se afastou, mas parou e virou para Spock.

― E Spock. Poderia se sentar ao meu lado na mesa, durante o jantar? Assim você pode me dar um toque sempre que eu disser algo muito ilógico. Não quero envergonhar o seu pai.

― Você não vai, Jim. Você sempre se saiu muito bem em nossas missões diplomáticas.

Jim sorriu e deu de ombros.

― É diferente. Nas missões eu sempre posso flertar um pouco, ser galante e sorrir. Isso costuma conquistar a maioria das espécies. Mas pela minha experiência, essa técnica parece não funcionar com vulcanos.

Spock inclinou a cabeça da maneira que Jim sabia indicar curiosidade. Jim sorriu mais uma vez para ele e saiu.

Spock não tinha certeza se Jim estava certo.


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Notas finais do capítulo

Vulcanos não sentem ciumes, não é Sr. Spock? Pois sim ^-----^


Me desculpem. O capítulo 6 original ficou pronto há um mês, mas por acidente acabei excluíndo o capítulo, e por burrice não tinha salvado uma cópia. Fiquei com tanta raiva e tristeza que levei um tempão pra conseguir me recurar e reescrever. Claro, ficou diferente e algumas coisas acabaram saindo diferente do que eu tinha planejado. Mas acabei gostando.
Espero que tenham gostado.

Obrigada a quem leu até aqui. Comentários me fazem feliz, se desejarem fazê-los.

Beijos e até o 7.
Tai



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