Todo o Espaço Entre Nós escrita por Tai Bluerose


Capítulo 16
Nyota


Notas iniciais do capítulo

A queda de Spock/Uhura e a ascensão de Kirk/Spock
.
.
Por favor, se coloquem no lugar da Uhura nesse capítulo, e tentem ser compreensivos com ela.
.
Se encontrarem algum erro me avisem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/726158/chapter/16

Ela sentiu aquela sensação estranha de afundamento no estômago no momento em que os viu juntos no Espaçoporto. Ela não deixou que aquilo a afetasse e agiu naturalmente. Mas ela sabia que algo havia mudado. Havia uma tensão diferente entre os dois homens, e Kirk parecia abatido e culpado; talvez fosse por causa da recente tragédia na família dele, mas Nyota duvidava que esse fosse o único motivo.

 Se ela dissesse que estava absolutamente surpresa, ela estaria mentindo.

Os sinais estavam lá desde o início. No começo, ela os interpretou erroneamente. Depois, ela não deu a eles a devida importância porque era absurdo demais. Por fim, ela escolheu ignorar a verdade, porque parecia ser menos doloroso.

Ela estava errada.

.

.

Nyota lembra de estar atraída por Spock desde a primeira vez em que o encontrou. Ele era completamente diferente de todos os homens que ela já conhecera, e muito mais maduro que qualquer cadete em toda a Academia. Ela soube, desde o primeiro momento, que ela queria estar com ele.

Não foi uma tarefa fácil ganhar a atenção e a admiração dele. Levou tempo, muita insistência e muita paciência da parte dela. Astúcia também. Ela logo percebeu que Spock não poderia ser facilmente atraído apenas por beleza física, era preciso mais que isso. Ela ainda lembra com carinho da expressão de surpresa no rosto de Spock, quando ela o derrotou no jogo de xadrez pela primeira vez. Ela soube, naquele momento, que tinha fisgado a atenção dele.

 Eles se tornaram amigos muito próximos com grande facilidade. Entretanto, ela só conseguiu que ele aceitasse seu pedido de namoro depois que ela deixou de ser sua aluna. É engraçado que muitas pessoas acreditavam que eles estavam dormindo juntos mesmo quando eles eram apenas amigos, no entanto eles só foram ter sexo de verdade durante a primeira missão depois do Narada.

Ela não se importou com a demora. Sexo não era o mais importante para ela numa relação, o que pareceu deixar Spock aliviado. Ela sabia que, com Spock, tudo tinha que acontecer aos poucos, no tempo dele.

Eles tinham muito em comum: o apreço pela música, a dedicação ao trabalho e aos estudos, a fascinação pela lingüística. E a admiração de Nyota pela língua e a cultura Vulcana lhes rendia horas e horas de conversa entusiasmada. Como namorado, Spock era gentil, atencioso e amável, do jeito dele, é claro.  Se ela pudesse usar uma palavra para descrever aquele primeiro ano de namoro seria “perfeito”.

A cada dia que passavam juntos, ela aprendia a enxergar através da máscara estóica de Spock, a perceber as pequenas demonstrações de emoções em seu rosto. Ela nunca admitiu tal coisa, mas sentia um pouco de vaidade por saber que ela era a única a conseguir penetrar a concha Vulcana de Spock. A única a extrair as emoções nele.

Ver o verdadeiro Spock.

Isso foi verdade. Até kirk.

No início, ela sabia que Spock não gostava muito de Kirk, por causa do que aconteceu no Kobayashi Maru e, para ser honesta, por causa das coisas que Nyota contou a Spock sobre Kirk — nada muito lisonjeiro. Quem pode culpá-la? Kirk era um bastardo arrogante na Academia. Bom, pelo menos era tudo o que ela conhecia dele na época. Não que Kirk tivesse feito muito para mudar a opinião dela.

Alguns dias após os eventos do Narada, ela encontrou Spock olhando para a tela de seu computador com uma expressão consternada.

— Qual o problema, amor? — Ela se sentou muito perto dele, sem saber se ele queria ser tocado ou não naquele momento.

— A Frota quer que eu explique minha decisão em tirar Kirk da nave e enviá-lo para Delta Vega. Não era o procedimento padrão. Eu poderia simplesmente tê-lo confinado em uma das salas de segurança.

— Por que você não fez isso então? — Nyota perguntou, repentinamente curiosa com a questão. Spock demorou um pouco a responder.

— Envergonho-me em admitir que meu comportamento foi menos que ótimo. Não posso oferecer outra resposta à Frota Estelar além da verdade. Não houve qualquer raciocínio lógico por trás da minha decisão. Meus atos foram consequência de emoção não controlada. — Ele fez uma pausa. — A presença de Kirk estava desestabilizando meus controles emocionais. As emoções dele estavam penetrando meus escudos, por mais que eu tentasse bloqueá-lo. Eu tive que mandá-lo para o mais longe possível.

Nyota lembra que as palavras de Spock estavam carregadas de emoção naquele dia. Ela entendeu que a declaração de Spock significava que “James Kirk é uma pessoa tão irritantemente irritante que é capaz de tirar do sério até mesmo um vulcano.” Esse foi o seu primeiro engano. Um engano gerado pela ingenuidade, mas ainda assim um engano.

O que aquela declaração realmente significava, e ela viria a perceber com o passar dos anos na Enterprise, era que James Kirk tinha, desde o princípio, a capacidade de afetar Spock emocionalmente de uma maneira que ninguém mais conseguia. Nem mesmo ela.

Aquele foi o primeiro sinal que ela deveria ter notado, mas não notou.

.

.

Durante muito tempo, ela disse a si mesma que Spock, sendo um vulcano, não seria capaz de corresponder ao seu amor e a sua paixão da mesma forma que um humano faria. Mas se tornou cada vez mais doloroso notar a crescente afeição de Spock por Kirk, a maneira como os olhos dele pareciam arder de emoção contida sempre que estava com Jim. Ela demorou a reconhecer aqueles olhares como o que eles realmente significavam, mas quando finalmente percebeu, foi difícil não notá-los.

Sempre que ela via o olhar de Spock para Kirk com alguma mulher, ou a evidente preocupação dele sempre que Kirk voltava ferido de alguma missão, Nyota dizia a si mesma que precisava ter uma conversa com Spock sobre Jim.

 Eles deviam ter conversado sobre isso, sobre o que estava acontecendo. Mas ela adiava, porque ela tinha medo de perdê-lo.

Mesmo agora, olhando para Spock, enquanto ele se explicava e falava sobre seus recém descobertos sentimentos por Jim, tudo ainda parecia absurdo. Ela se sentia perdida, suspensa entre a névoa enquanto Spock parecia tentar convencê-la a acreditar numa piada ruim.

Quando Spock disse que eles precisavam conversar, ela já sabia qual seria o assunto. Quando ela perguntou a Spock o que estava acontecendo entre ele e Jim, ela já sabia qual seria a resposta. Ainda assim, ela não esperava que Spock fosse tão claro. Tão direto.

Ela tinha essa pequena e insistente esperança de que Spock dissesse que ela estava vendo demais, que ela estava sendo ilógica. Ela esperava que ele dissesse que ele ainda a amava acima de tudo e que eles estavam bem. Ela não esperava uma confissão de Spock.

No começo, ela se sentiu entorpecida, mas a mágoa e a irritação foram crescendo.

“Jim não fez de propósito,” Spock dizia, “ele estava emocionalmente abalado e frágil. O beijo simplesmente aconteceu.”

Simplesmente aconteceu.

Soava como se fosse algo inevitável. Como se estivesse fadado a acontecer.

No fundo, ela acreditava nele. Ela sabia que Spock não era o tipo de pessoa que iria para cama com Kirk pelas costas dela. Ela sabia disso. Mas toda a desconfiança, dúvida, raiva e ciúmes acumulados durante os anos finalmente romperam o dique.

— Simplesmente aconteceu? Você sempre soube como Kirk é ao seu redor e você nunca fez nada para desencorajá-lo. Não me surpreende ele achar que poderia beijar você.

— Jim não—

— Não ouse defendê-lo. Não aconteceu nada? Nada?! Vocês estavam lá agindo como um casal de namorados no primeiro encontro. Você o levou para jantar. Sério, Spock? E você não viu nenhum problema nisso?

Ela nem percebeu quando ela levantou de seu assento ou quando ela começou a andar de um lado para outro, nem notou que estava aumentando o tom. Spock estava ficando mais desconfortável. Ele se moveu em sua cadeira, tentando manter sua postura.

— Jim me explicou a diferença entre um jantar romântico e um jantar entre amigos. Nós nunca—

— E você precisou que ele dissesse isso? — Nyota riu de frustração e irritação, percebendo que Spock poderia estar em um encontro com Jim sem nem perceber.

 Ela lembrou quando, em seu primeiro ano de namoro, Spock só soube que eles estavam tendo seu primeiro encontro depois que ela disse isso a ele com todas as letras no final do jantar. Na época, ela achou fofo. Agora, ela não podia negar que seu relacionamento com Spock sempre foi marcado por pequenas falhas de comunicação.

— Aparentemente vocês dois parecem incapazes de não cruzar a linha que separa a amizade do romance.

— O jantar não foi com o propósito que você imagina.

— Não mesmo? Ele disse que gosta de você, ele te beija, e você o leva para jantar num restaurante. Você parece não notar a maneira como as pessoas enxergam vocês dois quando estão juntos. E como isso me faz parecer. Você parece não se importar. Céus! Algumas pessoas na Enterprise acreditavam que você e Kirk eram amantes; Pior, alguns achavam que eu era a amante. Como eu deveria me sentir quando sou eu a sua verdadeira namorada e as pessoas comentavam isso em torno de mim?

— Eu não estava ciente desse fato — o tom de surpresa dele foi perceptível. — Se eu estivesse ciente deste fato eu teria—

— Você teria feito o quê? Você nunca se importou com Kirk cheio de dedos sobre você; Acho até que você gostava. Sempre me dizendo para não tocá-lo intimamente em público e lá está você, dando a ele um beijo vulcano no meio do Espaçoporto.

— Eu já informei a você que não era um beijo vulcano, era um cumprimento.

— Então porque você nunca me mostrou aquele?— ela perguntou em tom de súplica.

— É destinado somente à família.

Foi como um tapa na cara dela. Ela engoliu o nó em sua garganta. A expressão de Spock mostrava que ele percebera imediatamente que tinha dito a coisa errada.

— Certo. Ok.

— Nyota, não foi o que eu—

— Não, eu entendi. Está claro agora que eu sempre estive mais empenhada nesse relacionamento do que você.

— Isso não é verdade.

— Não é?

— Você sabe que sempre fiz o máximo de mim para agradá-la.

— É verdade. E isso é parte do problema. É sempre como eu me sinto com nossa relação e nunca como você se sente com isso. Você nunca permitiu que eu te alcançasse. Você estava comigo, mas não estava totalmente. Você me beijava com carinho, mas não com paixão. Nós fazíamos amor, mas você sempre parecia perdido depois disso. Você em quis mais fazer a união de mentes comigo? Por quê?

Spock desviou os olhos sem responder.

— Por quê? — Nyota insistiu. — Spock?

Ele suspirou visivelmente cansado.

— Eu não sei. Apenas não parecia certo. — Spock fez uma pausa. — Eu temia que se uníssemos nossas mente muitas vezes durante o ato sexual, eu acabasse nos ligando como um casal.

— E você não queria isso — ela acusou.

— Eu não queria impor isso a você. Não estávamos prontos.

— Mas você fez uma fusão com Jim.

— Sim. Por razões e em situações completamente diferentes, que não possuíam qualquer apelo ou conexão sexual. Minhas fusões com Jim foram puramente fraternais.

— Mas você admite que gostou disso.

Spock demorou um pouco, pensando se seria sábio responder. Por fim, ele respondeu.

— Sim.

Nyota sentiu seus olhos arderem. Ela sentiu uma mistura de ciúmes, mágoa e raiva. Como um humano ilógico, sua primeira reação foi tentar transmitir um pouco daquela dor. A Nyota racional, madura e equilibrada jamais diria aquelas palavras, não para Spock. Entretanto, ela as disse. E ela se arrependeria mais tarde. Ela já se sentia arrependida agora.

— Você vai jogar fora seis anos de namoro por uma aventura com Kirk? Com Jim Kirk de todas as pessoas? Ele gosta de mulheres, mulheres pequenas, delicadas e sensuais; dispostas a pular na cama dele sem qualquer compromisso. Você não é nenhuma dessas coisas. E você não será nada além de mais uma conquista exótica para ele acrescentar em sua longa lista. Para os padrões sexuais dele você vai parecer frígido. Quanto tempo você acha que vai levar até ele se cansar de você?

Spock piscou e a encarou com perplexidade. Ele ficou muito quieto e silencioso. A temperatura do quarto de Spock era um pouco mais elevada, mas naquele momento, Nyota sentiu como se o lugar ficasse repentinamente frio, mesmo que ela sentisse o sangue correndo quente em suas veias, uma veia latejando em sua cabeça, um gosto amargo em sua boca.

Spock se levantou de sua cadeira e andou até a janela. Quando ele falou, sua voz não era mais que um sussurro.

— Mesmo que Jim entre em contato comigo amanhã, e me diga que estava completamente enganado sobre os sentimentos dele por mim, ainda assim, eu manterei a minha decisão de terminar meu relacionamento com você. É a decisão lógica e mais sábia.

Nyota olhou para ele surpresa e decepcionada. Ela ficou ali mais alguns segundos, esperando que ele dissesse mais alguma coisa ou mudasse de opinião. Ele não fez.

Ela soltou uma única risada autodepreciativa e saiu.

.

.

O segundo sinal veio dois meses após Spock ter voltado para a Enterprise como Primeiro Oficial de Kirk.

Aqueles dois primeiros meses não foram os melhores. Kirk e Spock frequentemente se desentendiam. Eles pareciam mais dois antagonistas do que uma equipe de comando.

Foi durante esse período conturbado que Nyota propôs a Spock que eles passassem para o próximo nível de sua relação. Eles fizeram sexo pela primeira vez. E foi em boa hora. Era evidente como Spock estava tenso e necessitado de conexão com alguém. Ela percebeu satisfeita como ele tinha apreciado o ato, se não pelo puro prazer, pela necessidade de aliviar a tensão.

Ela estava feliz, porque a nova intimidade tornara os dois mais próximos ainda, e Spock se sentia mais confortável para se abrir com ela.

Foi durante uma de suas noites juntos, que Spock confessou algo que a deixou perplexa.

Spock se levantou da cama e começou a se vestir, claramente desanimado por ter que voltar à ponte. Quando ele estava calçando as botas, ele deixou escapar:

 — Acredito que eu não seja o imediato adequado para o Capitão Kirk. Eu claramente falho em compreendê-lo e em agradá-lo em qualquer coisa, por mais que eu tente. Ele parece não dar valor aos meus conselhos ou às regras da Frota Estelar. Ele é muito diferente do Capitão Pike. Ele é muito diferente de mim. Começo a acreditar que foi um erro ter permanecido aqui.

Nyota se apoiou nos cotovelos, seu copo parcialmente coberto pelos lençóis da cama.

— O que você quer dizer? — Ela perguntou intrigada.

E então, Spock começou a falar sobre o outro Spock, o velho. Sobre a conversa que tiveram quando Spock estava decidido a ir embora para Colônia Vulcana. Nyota lembra da sensação estranha que sentiu ao descobrir que Spock tinha ficado na Enterprise não por causa dela, como ela sempre gostou de imaginar, mas ele decidiu ficar por uma esperança de amizade com Kirk.

Naquele dia, ela disse a si mesma, que Spock precisava se conectar a outras pessoas. Que ele precisava de amigos, por mais que ele fizesse parecer que não. Depois de tudo o que Spock tinha perdido na destruição de seu planeta natal, era compreensível e até saudável que ele buscasse a amizade de outras pessoas além dela. Uma amizade masculina.

Por que Kirk de todas as pessoas?

Porque aquele velho vulcano deu a Spock a garantia de que ele e Kirk seriam amigos. As probabilidades de ser rejeitado eram menores, ela supôs, e ela sabia que Spock já tinha lidado com rejeições suficientes. Foi isso que Nyota disse para se convencer. Foi um auto-engano. E não seria o último.

Ela sabia muito bem qual era a razão da constante desavença entre Kirk e Spock. Ela descobriu isso quando percebeu que Kirk, apesar de parecer o contrário, também estava se esforçando para ser amigável com Spock.

 “Se fizemos funcionar no Narada, Bones, tenho certeza de que Spock e eu podemos repetir isso. Só precisamos nos ajustar um com o outro,”ela ouviu Kirk dizer ao doutor McCoy  algumas semanas antes.

Apesar dos esforços de Kirk e Spock para formarem um verdadeiro time de comando, eles acabavam se desentendendo vez após vez. A causa era simples: eles não se conheciam.

Para ser mais claro, Kirk não conhecia Spock, e claramente não sabia muito sobre como lidar com vulcanos. Possivelmente, Spock era o primeiro vulcano com quem Jim interagia.

Em várias ocasiões, Jim compreendeu alguma declaração de Spock como sendo uma crítica, ou uma ofensa, ou um ataque. Nyota estava ciente de como a maneira de falar dos vulcanos podia ser erroneamente interpretada como arrogância e desdém, quando os Vulcanos estão, na grande maioria das vezes, apenas tentando fornecer uma informação.

Um de seus trabalhos na Academia foi justamente uma dissertação sobre como a diferença no padrão de linguagem dos vulcanos dificultou a interação entre humanos e vulcanos durante o início da missão do então Capitão Archer. Apesar desse conhecimento prévio, ela, mais tarde, veio a experimentar essas dificuldades em primeira mão durante seu relacionamento com Spock. Levou um tempo para ela aprender a focar no que Spock dizia e não em como ele dizia. Kirk ainda não tinha convivido tempo suficiente com Spock para notar isso.

Por sua vez, Spock estava constantemente comparando a maneira de Pike coordenar as coisas com a maneira de Kirk, o que, evidentemente, irritava Kirk. Spock estava habituado ao Pike, que era tão comprometido com as regras quanto Spock. Spock estava sempre confuso com a maneira intuitiva, impulsiva e completamente ilógica que Kirk tinha de tomar decisões.

O problema de Kirk e Spock não era a falta de comunicação. Eles até conversavam, mas claramente não se compreendiam.

O que eles tinham em comum, o comando da Enterprise, era justamente o que gerava suas discordâncias. Eles precisavam se conhecer, mas sem a interferência do peso de Capitão e Primeiro Oficial.

— Encontre algo que vocês dois gostem. Um tema neutro que não esteja relacionado ao navio.  — Ela se ouviu aconselhar.

Nyota se pergunta agora se foi sábio dar tal conselho. Se ela tivesse permitido que eles continuassem como estavam, será que, com o tempo, eles encontrariam sozinhos um meio de alcançar um ao outro? Ou a relação entre Capitão e Primeiro Oficial culminaria em ódio mútuo e definitivo?

Alguns dias depois, Nyota viu Spock convidar Kirk para um jogo de xadrez na Sala de Recreação 02. Kirk aceitou. O plano parecia ter funcionado. Kirk não era tão bom quanto Spock, mas ele era bom o suficiente para fazer o jogo durar mais de 20 minutos. Kirk perdeu e pediu uma revanche. Surpreendentemente, Kirk venceu a segunda partida.

Jim sorria. Mas não era seu irritante sorriso arrogante, era um tipo diferente. Kirk parecia verdadeiramente divertido, não com a vitória, mas com a reação de Spock.

— Revanche, senhor Spock? ­— Nyota ouviu kirk dizer.

— Certamente, Capitão.

De onde ela estava sentada, ela conseguiu ver claramente a expressão surpresa e intrigada de Spock ainda tentando entender como perdera para Kirk. Nyota ficou surpresa ao reconhecer aquele olhar e a semelhança daquele momento com o momento em que ela viu aquele olhar pela primeira vez. Os olhos de Spock estavam cheios de curiosidade e admiração.

Kirk fisgara a atenção de Spock.

Depois daquele dia, suas noites com Spock começaram a diminuir em duração e frequência, porque Spock começara a gastar mais de seu tempo livre com o Capitão.

 Na época, ela não ficou chateada, porque aquela mudança na rotina estava fazendo bem para Spock e para o resto da tripulação também.

A cada nova partida de xadrez, menos a tripulação tinha que presenciar discussões na ponte ou na Sala de Transporte. E as missões eram concluídas com um nível de eficiência admirável. Spock e Kirk pareciam funcionar quase em sincronia. E se antes eles não podiam trocar duas frases sem gerar uma tensão ruim, agora, eles pareciam se entender mesmo sem dizerem muito.

E tudo graças a um simples jogo de xadrez. Tudo graças ao conselho de Nyota.

 Às vezes, Kirk e Spock conversavam muito durantes os jogos, outras vezes eles jogavam em silêncio. Algumas partidas duravam uma hora inteira, e a cada semana, o tempo que gastavam na Sala de Recreação 02 parecia aumentar mais.

A maneira como eles agiam um com o outro depois de seis meses era incrível. Nyota podia ver como Spock estava feliz. Ela e Spock se encontravam com menos frequência agora, e o sexo acontecia com menos frequência ainda, mas ela não se importava. Spock estava feliz. E para ser sincera, ela também estava.

 Ela, contagiada pela admiração de Spock por seu capitão, começou a conhecer melhor Kirk. E apesar de todas as reservas que ela tinha em relação à Kirk, ela começou a notar que ele era uma pessoa um pouco diferente do que ela pré-julgara.

A visão que Nyota tinha sobre Kirk foi se transformando. Kirk sabia como conquistar lealdade e admiração, verdade seja dita. Ele estava sempre fazendo o máximo para se provar. E sempre fazia de tudo por sua tripulação. Nyota começava a entender porque Spock se afeiçoara a ele tão rápido. Ela até achava engraçado o Capitão ser um tema frequente em suas conversas com Spock. Ela se divertia em vê-lo tão empolgado com algo.

— Sabe, se alguém me disse alguns meses atrás que eu o ouviria falar sobre Kirk tantas vezes e com tanta bajulação eu não acreditaria — Nyota disse durante um jantar em seus aposentos. — Você soa quase como um garotinho apaixonado. Isso é adoração de herói? — Ela brincou.

Spock apenas arqueou uma sobrancelha, sua expressão levemente irritada mostrando a Nyota que suas palavras eram absurdas.

— Eu não estou bajulando o Capitão. Estou apenas expondo que, apesar de seus modos impulsivos, de sua juventude e inexperiência, o Capitão Kirk possui habilidades de comando admiráveis e certamente merece reconhecimento. Acredito que a Frota Estelar tem falhado em reconhecer as capacidades do Capitão, mantendo ele e a Enterprise em pequenas missões.

— Eu estava apenas brincando com você, você sabe. Mas você tem razão, eles estão nos mantendo na coleira. Mas não é sem lógica. Kirk serviu apenas durante alguns meses na Republic e na Farragut. Duvido que o Comando da Frota ache que alguns meses de experiência como alferes e tenente sejam o suficiente para designá-lo para missões de longa duração, mesmo que ele tenha salvado a Terra. Você realmente acredita que Kirk está pronto?

— Acredito que o Capitão tem a capacidade necessária para liderar uma missão no Espaço Profundo. E você se esquece que o Capitão Kirk foi altamente elogiado pelo Capitão Garrovick, o que prova que seu serviço como tenente, embora curto, foi notadamente excelente. De fato, ele recebeu a total aprovação do Capitão Pike. Todos esses fatos somados deveriam ser suficientes para atestar o potencial do Capitão.

Era realmente impressionante que o Spock que agora defendia a honra de Kirk com tanta determinação era o mesmo Spock que, meses atrás, estava constantemente frustrado com o mesmo capitão.

— Okay, você venceu.

— Acredito que a falha do Comando da Frota em reconhecer as capacidades do Capitão Kirk seja porque eles não tiveram a oportunidade de vê-lo em ação tanto quanto nós.

— Talvez você devesse enviar um relatório para eles. — Ela brincou, mas Spock tomou a declaração como um conselho genuíno.

— Vou levar isso em consideração.

— Sabe de uma coisa, parte de todo o sucesso do Kirk é por sua causa, Spock. Foi você quem teve uma longa experiência de comando. Foi você quem serviu diretamente a um capitão. Sem a sua ajuda e orientação, talvez Kirk não tivesse se saído tão bem até agora.

— Foi exatamente o que o Capitão disse.

— Que bom que ele reconhece a sua ajuda.

— De fato.

— Mas chega de falarmos sobre o Capitão. — Ela ofereceu o seu melhor sorriso encantador e deslizou a mão sobre a mão dele na mesa. — Você vai passar a noite aqui?

— Negativo. Tenho relatórios para terminar.

— Quando então?

— Na próxima licença de terra.

— E quando vai ser isso?

— Eu falarei com o Capitão.

Muitas noites terminavam como aquela. E refletindo melhor agora, Spock às vezes arranjava alguma desculpa para permanecer no navio durante as licenças, com a desculpa de que, como Vulcano, ele não precisava de descanso, e o Capitão precisava da licença mais do que ele. Nyota se perguntou, algumas vezes, se Spock realmente preferia ficar na nave o tempo todo ou se ele estava simplesmente evitando as situações em que eles poderiam ter algum contato sexual.

Ela, ainda assim, não viu qualquer razão para preocupação. Eles estavam bem, e ela estava acostumada a seguir o ritmo do Spock.

Spock estava claramente satisfeito com sua amizade com Jim. E por consequência, parecia estar se aproximando mais do Doutor McCoy também. Ela não se incomodou por Spock passar cada vez mais tempo com eles, pois, talvez, Kirk e McCoy fossem os primeiros amigos de verdade que Spock tinha. Ela sabia que a infância de Spock tinha sido bem solitária, e ela não se lembrava de ver Spock na companhia de ninguém na Academia da Frota além do Pike e dela mesma.

E mais uma vez ela deixou a situação fluir, sem qualquer objeção. Eles eram todos amigos e amigáveis um com os outros.

 Ela até gostava de ter Kirk por perto, porque ele era divertido, e porque Kirk conseguia convencer Spock a participar de certas atividades em grupo. Kirk estava sempre tentando incluir Spock em tudo o que fazia, sempre tentando fazer Spock socializar com outros membros da tripulação, mas sem pressioná-lo; Nyota se sentia grata a Kirk por isso.

Por vezes ela se ouviu usando a frase “O Capitão também vai” e várias outras variações disso para convencer Spock a concordar com algo. Sempre funcionava.

De fato, ela nunca viu mal nenhum na amizade deles. Mas então Kirk e Spock pararam de jogar xadrez na Sala de Recreação e começaram a realizar seus jogos nos aposentos do Capitão.

No início, a única coisa que a incomodava era o tempo que Spock gastava lá com Kirk, jogando seu maldito jogo de xadrez e o pouco tempo que passava com ela. Mas ela disse a si mesma que ela era uma mulher madura, que não arranjaria uma discussão por razões tão bobas. Mas então, ela começou a notar como Kirk agia em torno de Spock. E ela ficou chocada por não ter notado isso antes. Kirk estava sempre flertando com Spock.

Ela mais uma vez convenceu a si mesma de que não significava nada. Flertar era algo natural de Kirk. Ele flertava com qualquer um. Além disso, ela não lembrava de já tê-lo visto com algum cara. Ela não se preocupou verdadeiramente com aquele fato até notar que, algumas vezes, Spock respondia ao flerte de Kirk. Ela só não sabia se ele fazia isso consciente ou inconscientemente.

Você soa quase como um garotinho apaixonado.

Foi dito como uma brincadeira. Talvez não fosse totalmente verdade para Spock na época. Talvez ele só não tivesse se dado conta.

Inevitavelmente, ela começou a se perguntar, mesmo achando a ideia absurda. Mas fale sobre esse monstrinho destrutivo: a dúvida.

— O que você e o Capitão fazem todas as noites? — Ela se arriscou a perguntar em uma de suas cada vez mais raras noites juntos.

— Nós jogamos xadrez.

— Só isso? O que mais? Você pode me dizer, não ficarei chateada.

Spock olhou para ela confuso.

— Nós jogamos xadrez.

— Por quatro horas seguidas? Todos os dias?

Spock piscou para ela duas vezes. Ela quase podia ouvir as engrenagens dele girando, tentando entender se ele perdera algum ponto da conversa. Depois de um tempo, ele disse:

— Às vezes conversamos durante o jogo. Isso atrasa um pouco nossas jogadas, eu confesso. Às vezes eu ajudo Jim com os relatórios. Em algumas ocasiões, Doutor McCoy está presente. Ele e Jim gostam de tomar uma bebida terráquea a base de álcool. Mas o Doutor McCoy não tem muita paciência para xadrez, então ele sempre acaba fazendo algum de seus comentários irascíveis enquanto jogamos, o que também atrasa nossas jogadas. Entretanto, na grande maioria das vezes, nós apenas jogamos. Por que você pergunta?

Ela fica em silêncio por um momento, se perguntando quando Spock parou de chamar Kirk de Capitão e passou a chamá-lo de Jim.

— Por nada.

Ela sabia que Spock está dizendo a verdade. E ela se sentiu tola por chegar a pensar que Spock se apaixonaria por alguém como Jim Kirk. Era preciso mais que beleza física para atrair a atenção de Spock, ela disse a si mesma. Ela deliberadamente ignorou o conhecimento de que Kirk definitivamente não era apenas um rostinho bonito, e ele já havia conquistado a admiração, o respeito  e o afeto de Spock há muito tempo.

E finalmente, o momento que traria tudo à tona.

A morte de Jim.

.

.

Nyota não chorou na frente de Spock. Ela sempre disse a si mesma que não choraria por homem nenhum, ou Vulcano. Entretanto, apesar do seu esforço e controle emocional, as lágrimas vieram. Ela as segurou durante todo o caminho de volta para seu próprio apartamento, e as derramou assim que estava completamente sozinha. Ela se deixou cair contra a porta de entrada, e deslizou lentamente até o chão. Ela abraçou os joelhos e deixou que toda a dor saísse.

 Eles estiveram juntos por anos, e ela ainda não conseguia entender como ele podia ter se apaixonado por outra pessoa.

A relação deles nunca foi perfeita, ela admitia. Ela nem sempre conseguiu entender ou aceitar as particularidades dele como Vulcano tão bem quanto ela gostaria de afirmar. Mas ela se esforçou para fazer dar certo.

Essa não era a primeira vez que eles discutiam, nem a primeira vez que eles se separavam. Entretanto, essa era a primeira vez que o pedido de separação vinha de Spock. Nyota sempre soube que no dia em que isso ocorresse, a separação seria definitiva.

Desde a morte de Jim, ela sabia que esse momento estava chegando. Ela sentia que ela e Spock não eram mais os mesmos um com o outro. Ela sabia que algo havia morrido em Spock naquele dia, quando Jim morreu, e esse algo foi o amor dele por ela.

.

.

A morte de Kirk foi um choque para todos. Nyota já tinha se apegado a James Kirk, como seu Capitão e seu amigo, o suficiente para sofrer com a morte dele. Ela ficou surpresa ao notar então o quanto gostava dele apesar de tudo. Excetuando aquela infame noite naquele bar em Iowa, Kirk jamais foi menos do que respeitoso com ela.

Ela sempre achou engraçada a forma como ele se exibia para alguma delegação alienígena por tê-la como sua Diretora de Comunicações. Por alguma razão, Kirk parecia acreditar que ela era a melhor Oficial de Comunicações em toda a Frota Estelar. Embora Nyota estivesse ciente de suas habilidades e não fosse nem um pouco modesta quanto a elas, dizer que ela era a melhor era um exagero. Ela se considerava muito longe de ser como a lendária Hoshi Sato, em quem ela se inspirava.

Ela sabia que Kirk a admirava e dava mais crédito a ela do que outros deram no passado. Kirk foi atingido por uma flecha certa vez, para resgatá-la de nativos alienígenas durante uma missão em Orgellis III. Ela ainda achava que ele era muito convencido, arrogante, às vezes, e mulherengo demais, mas ela aprendeu a gostar dele.

Então, sim. Ver Jim morrer partiu seu coração.

Ela jamais se esquecerá da dor de ver seu Capitão, seu amigo, morrer na sua frente. Ela jamais se esquecerá do grito de dor e fúria que Spock emitiu.

Nyota nunca o viu chorar, nem mesmo pela morte da mãe. Jamais o viu em semelhante estado de desespero, raiva e dor.

Ela sabia que Spock estava sofrendo, mas ela não sabia como alcançá-lo.

Ver Spock no auge da fúria e do desejo de vingança foi surpreendente e assustador. Aquele não era o vulcano que ela conhecia, era um guerreiro vulcano saído da era pré-Surak. Por um momento, ela temeu que Spock fosse matar Khan com as próprias mãos. Mas Spock finalmente cessou seus golpes. Não porque ouviu a voz dela, ela percebeu, mas porque ouviu o nome de Jim.

Ela ficou ao lado dele o tempo todo, embora parecesse que Spock nem notasse que houvesse qualquer pessoa em volta dele. Spock recusou todos os enfermeiros que se aproximaram tentando levá-lo para curar as mãos. As mãos dele ainda estavam manchadas de sangue vermelho e verde, as falanges em carne viva. Os hematomas em seu rosto começavam a ganhar um tom escuro de verde. Mas Spock se recusou a se afastar do quarto onde Kirk estava.

Nyota segurou a mão dele, e quando o fez, percebeu que Spock não estava se protegendo. Ela sentiu todas as emoções dele. Dor, raiva, medo, angustia, perda, vergonha e uma sensação de vazio, solidão. Era esmagador. Spock estava com dor, ela sentiu. Dor emocional, dor psíquica.

Ele olhou para ela pela primeira vez desde que trouxeram Khan de volta. Ela não viu mais a fúria nos olhos dele, nem tristeza. Ela não viu nada. Era como se ele tivesse se perdido em algum lugar dentro dele mesmo.

Ela segurou o rosto dele com as mãos e olhou para ele com compaixão e carinho.

— Vai ficar tudo bem, querido. Ele vai ficar bem.

O desejo dela de protegê-lo era maior que qualquer outra coisa. Ela sabia que Spock não estava habituado a sentir fortes emoções. Ela sabia que ele estava perdido tentando lidar com as emoções que ele estava sentindo agora. Ela o beijou na bochecha. Ele se inclinou para  dentro do abraço dela, sem dizer nada.

Eles ficaram horas ali. Esperando.

Nyota sentiu uma emoção forte vir de Spock.  Repentinamente, Spock se levantou.

Mesmo antes do Doutor McCoy aparecer, Nyota já sabia o que ele iria dizer. Não, ela sentiu que Spock sabia o que McCoy iria dizer. Spock tinha sentido Jim. Como Spock sentiu Jim? Ela não sabia explicar, apenas supor.

— A transfusão funcionou. Jim vai ficar bem. O bastardo sortudo está vivo.

Toda a postura corporal de Spock mudou. Ele estava aliviado. E a primeira coisa que Spock disse em horas foi “Eu posso vê-lo agora?”.

Eles só puderam ver Kirk três dias depois. Isso deu tempo a Spock para meditar e restaurar seus escudos mentais.

Ela entrou no quarto do hospital junto com Spock. Foi a primeira vez que ela realmente considerou a possibilidade de Spock estar verdadeiramente apaixonado pelo Capitão.

Kirk parecia muito fraco e debilitado, apesar de McCoy dizer que Jim estava progredindo. As manchas roxas ao redor de seus olhos e a pele extremamente pálida davam a ele um aspecto moribundo. Entretanto, os computadores mostravam que seu coração bombeava com energia e saúde.

Ela ficou em silêncio, observando mais Spock do que Kirk. Ela sentiu como se não devesse estar ali.

— Vou dar um tempo pra vocês — Ela disse e começou a se afastar. Ela já estava na porta quando ouviu Kirk gemer de dor. Ela se virou na direção da cama. Kirk ainda estava inconsciente. Ela viu quando Spock tocou o dorso da mão de Kirk com a ponta dos dedos.

— Estou aqui, Jim — ele sussurrou. — A nave está bem.

Jim voltou a ficar imóvel.

McCoy entrou pela porta repentinamente, assustando Nyota, que só então notou que seus olhos estavam marejados. Ela os limpou disfarçadamente.

— Muito bem, a visita acabou. — McCoy informou enquanto empurrava Spock para fora do quarto.

 Antes, ela apenas tinha suspeita e dúvidas, agora ela tinha certeza.

Spock visitou Kirk todos os dias em que ele esteve inconsciente. Spock aproveitava todo momento livre para ir vê-lo, mesmo quando ele achava que Nyota não sabia que ele tinha ido.

Uma semana depois de Jim finalmente acordar do coma, Nyota tentou trazer o assunto para discussão. Ela se sentou em frente a Spock quando ele estava meditando. Ele olhou para ela com olhos culpados e preocupados.

— Você quer conversar sobre o que aconteceu? — Ela se sentia extremamente desconfortável. Era algo que ela sabia que devia fazer, mas sentia vontade de sair correndo e não ouvir. — Sobre Jim.

Spock olhou sobre o ombro dela, para lugar nenhum. Seus olhos se encontraram. Spock estendeu a mão para alcançar o rosto de Nyota. Ela achou que ele iniciaria uma fusão mental, mas ele apenas acariciou o rosto dela.

— Eu preciso de meditação. Esse comportamento não irá se repetir, eu prometo. — Foi tudo o que ele disse. E naquele momento ela aceitou aquilo como suficiente. Ele estendeu dois dedos e ela retribuiu um beijo vulcano.

O tempo passou e, como em um acordo silencioso, os dois evitaram mencionar aqueles dias novamente.

 Houve então a primeira grande mudança no comportamento do Spock. Não uma mudança ruim, mas algo para considerar. Alguns dias após Kirk voltar a seus deveres como Capitão, Spock começou a ser muito mais atencioso, mais presente, mais caloroso. O namorado perfeito. Ao mesmo tempo, ele tinha restringiu seu contato com Kirk.

Se ela achou estranho Spock começar a ignorar Kirk depois de passar dias ao pé de seu leito no hospital? Sim, ela achou, e isso levava a muitas questões. Mas por outro lado, Spock só tinha olhos e mãos para ela agora, e ela resolveu aproveitar o que tinha.

Esse comportamento durou por muitos meses, tempo suficiente para ela começar a achar que tinha se enganado. Spock não estava apaixonado por Kirk. Ele apenas vira seu melhor amigo morrer, isso bagunçaria o emocional de qualquer um, mesmo o de um Vulcano. Ela não queria pensar na possibilidade de Spock estar fazendo o que ele sempre fazia quando o assunto era sentimentos: tentando ignorar e evitar o que gerava aquilo o máximo possível.

Nyota lembra de notar que Jim parecia mais abatido e triste durante aqueles meses. Ela acreditava que era efeito da experiência de morte e ressurreição. Mas era impossível ele não ter notado o distanciamento de Spock.

Claro que, com o tempo, eles caíram na orbita um do outro novamente. Nyota sabia que Spock sentia falta do tempo com Kirk, não foi surpresa quando ela os viu voltarem a seus jogos de xadrez. Foi como se eles tivessem recomeçado do zero, mas com alguma tensão presente. Ela notou. Outros também.

— Ei, rola alguma coisa entre o Capitão e o comandante Spock? — Nyota ouviu uma alferes recém chegada perguntar a um tenente do departamento de ciências durante o almoço.

— O que? Não. Que eu saiba o Comandante Spock namora a Tenente-comandante Uhura. Senhor Spock e o capitão são apenas amigos. — O jovem tenente parou para pensar por um momento. —Pelo menos é o que eles dizem.

Eles não notaram que Uhura estava próxima para ouvir. Ela sabia que eles não eram os únicos a tirar essas conclusões.

— Acho que o Capitão está tendo um caso com a Carol — ela disse durante o jantar em seus aposentos. — Eu os vi juntos em um restaurante durante a última licença.

Ela não sabia exatamente porque disse aquilo. Mentira, ela sabia. E ela se sentia uma megera horrível sempre que fazia. Ela nunca foi uma pessoa para fofocas; dar aquela informação a Spock não servia a nenhum propósito, a não ser reforçar a ideia de que Kirk não estava interessado nele. Ela se sentia pior ao perceber como esse tipo de informação deixava Spock desconfortável.

— Se nenhum dos dois está comprometido com outra pessoa, então a expressão correta não é “um caso”, mas “namoro”.

— Mas é contra as regras da Frota Estelar, não é? Ele é o Capitão e—

— Enquanto o relacionamento deles não prejudicar o andamento das atividades na Enterprise, não vejo porque relator algo tão insignificante para a Frota Estelar. Além disso, a Drª Marcos parece deixar o Capitão mais feliz.

A ultima parte foi dita em um tom muito mais baixo.

Eles ficaram em silêncio depois disso. Spock se levantou e começou a caminhar em direção à saída.

— Você não vai ficar para a noite?

— Hoje não. Preciso de meditação. — Ele se refreou quando notou a carranca dela. — Mas eu posso meditar amanhã se você exigir minha campainha.

E ter sexo por piedade? Não, obrigada. Ela evitou dizer isso em voz alta. — Não, tudo bem. Você pode ir.

“se você exigir minha campainha”

Exigir.

Aquelas palavras a fazia se sentir como dona de Spock e não sua namorada. Obviamente, ela também não disse isso a ele.

Ela podia ter Spock de volta, mas era apenas o corpo. Sua alma estava sempre distante. Se antes Spock parecia um garotinho apaixonado e confuso, agora ele parecia resignado e vazio.

Para não perder a pessoa que ela amava, ela se recusou a reconhecer uma verdade dolorosa: ele já não a amava mais como antes.

.

.

Nyota acordou no dia seguinte com a cabeça doendo como o inferno. Essa era uma das razões para ela odiar chorar. Ela evitou olhar para seu rosto inchado no espelho do banheiro e entrou sob o chuveiro; a água mais gelada que era pôde configurar. Ela ficou ali até sentir seu corpo começar a tremer de frio.

Ela saiu e vestiu sua roupa mais confortável. Enquanto ela penteava o cabelo, seus olhos pousaram sobre o colar ao lado de sua maquiagem. Um presente de Spock. Ela pegou a jóia e olhou atentamente para a volkaya lapidada, talvez uma das últimas amostras do mineral Vulcano. Mais que isso, uma jóia de família da Casa de Surak.

“Isso pertenceu a minha mãe. Foi dado a ela por meu pai como um presente de noivado. Ela deu a mim, para presentear alguém que eu considerasse muito. Quero que aceite isto como prova do meu profundo apreço por você.”

Foi o presente de um ano de namoro. Talvez Spock tenha se precipitado a dar a ela presente tão valioso. Mas ela não duvidava de que ele realmente a amava quando o deu.

Há sempre um momento de clareza total depois de chorar toda a dor, a raiva e a angústia para fora do corpo. É como se você fosse incapaz de enxergar as coisas por um ponto de vista diferente sem antes esgotar todas as lágrimas, sem extravasar tudo que está preso na garganta.

Ela percebeu que não sentia mais vontade de chorar, nem seu peito doía. Sentia apenas tristeza.

Ela se sentou no sofá, ainda olhando para o colar em suas mãos.

Ela sabia que Spock estava apaixonado por Jim, por que ela não terminou logo com ele? Porque ela viu que Spock também estava disposto a continuar com ela. Ela pensou que talvez fosse passageiro. Provavelmente, Spock pensou o mesmo.

Os momentos que eles passavam juntos ainda eram doces, agradáveis e prazerosos. Mas a que preço? Ela via como Spock parecia cada dia mais sobrecarregado, como se ela exigisse demais dele.  Ela não conseguia mais sentir o mesmo nível de paixão nele.

― Você se segura tanto, Spock, que me pergunto se você ao menos sente algum prazer. — Ela disse a ele durante a última vez que eles fizeram sexo, antes dessa viagem para Novo Vulcano com Jim. Sexo, eles não faziam amor há muito tempo. Ela também deveria ter notado.

― Devo entender que está desapontada com minha atuação esta noite?

― Não é isso. Eu estou satisfeita. Mas não sei se você está. Você não deixa suas emoções transparecerem. Não sei se você está gostando ou não.

O que ela realmente deveria ter perguntado naquele dia, era se ele ainda queria fazer aquilo. Spock estava cada vez mais desconfortável com o ato sexual, e ele já não queria mais fazer fusões mentais com ela.

“Eu não sei. Apenas não parecia certo.”

Nyota suspirou derrotada.

Sim, ela exigira demais de Spock. Ele é Vulcano. Um vulcano que já estava apaixonado por outra pessoa, emocionalmente ligado a outra pessoa. É lógico que ele se sentiria desconfortável por transar com alguém que não era aquele que ele amava.

Ela estava muito magoada com Spock, mas, pela primeira vez, ela tentou se colocar no lugar dele. Ela pensou como deve ter sido confuso para Spock começar a ter aqueles sentimentos por Kirk, como ele deve ter se esforçado para reprimir isso. Como ele abriu mão de si mesmo e do próprio corpo para agradá-la.

Ele pensou que ele provavelmente se sentiu ilógico e envergonhado de si mesmo.

Ela se perguntou como seria estar namorando alguém por tanto tempo e, de repente, descobrir que está se apaixonando por outra pessoa. Se fosse ela, o que ela faria?

Ela provavelmente faria o mesmo que Spock. Tentaria permanecer com o relacionamento atual. Abandonar tudo por algo novo e incerto não seria lógico. Mas não se pode tratar os sentimentos como se fossem uma simples questão de lógica; Spock com certeza ignorou esse fato.

Spock vinha, durante todo esse tempo, se esforçando para manter o relacionamento deles tanto quanto ela, porque, obviamente, o relacionamento deles era importante para ele também. Ele se recusou a deixá-la, até perceber que não havia mais como continuar. Era o que Spock estava tentando explicar a ela, mas ela se recusou a ouvir.

Spock nunca a enganou, ela mesma fez isso. Ele estava se descobrindo, ela percebeu a verdade antes dele e nada fez para mudar o caminho das coisas. Nada fez para ajudá-lo. Porque ela o amava. Porque ela não queria perdê-lo. E porque ela não queria perder.

Eles estavam mantendo aquele namoro pelos motivos errados. Eles permaneceram juntos por tanto tempo porque era habitual para eles. Não era porque eles estavam profundamente apaixonados um pelo outro. Não mais.

Spock e ela tentaram permanecer juntos, mas só conseguiram se ferir.

.

.

.

No dia seguinte, Spock foi atender a porta de seu apartamento temporário e encontrou Uhura parada na porta.

— Ainda sou bem-vinda?

— Certamente.

Ele não parecia zangado ou chateado. Ele parecia o Spock de sempre. Nyota viu o tapete de meditação espalhado no meio da sala. O ar estava preenchido com o leve cheiro de incenso. Ela parou diante do asenoi ao lado do tapete. Ela se abaixou para pegar o objeto. Era feito de rocha vulcânica, e as gravuras em sua superfície brilhavam com a mesma cor laranja da pequena chama bruxuleante.

— Isso é bonito. Você comprou em Novo Vulcano?

— Foi um presente.

Ele se aproximou para receber o asenoi das mãos dela. Ele segurou o asenoi como se fosse feito de porcelana e cuidadosamente o colocou sobre a mesa da sala.

— Foi Jim quem deu a você?

Spock a observou com cautela.

— Afirmativo.

Ela se afastou para se sentar no sofá. Spock se sentou na poltrona do lado oposto. Nyota olhou em volta como se visse o lugar pela primeira vez, era um quarto de hotel comum como tantos outros. Talvez ela tivesse procurando algo... ou alguém.

— Confesso que fiquei com medo de que você já estivesse com ele aqui.

— Não seria correto nem com você, nem com ele. Ainda não resolvemos a situação entre nós dois.

— Não. Não resolvemos.

 — Nyota, eu—

— Não, Spock. Deixe-me falar primeiro. Me desculpe pelas coisas que eu disse. Eu me excedi.

— Você tinha motivos válidos para se exceder.

— Isso não justifica grande parte das coisas que eu disse, nem a maneira como agi. Mas eu não vou mentir, Spock. Eu não vou tentar ser legal, nem tentar ser forte. Isso dói. Isso dói de verdade. E eu não quero perder você. Mas eu vejo agora que nossa separação é necessária.

— Nunca foi a minha intenção causar dor a você, Nyota.

— Eu sei, Spock.

— Quando você soube? Quando soube que gostava do Jim dessa forma?

— Eu sempre acreditei que era apenas amizade, e mesmo isso me causava vergonha. Só depois que Jim... Depois de Khan... Eu-Eu o senti morrer. Foi quando percebi que o que eu sentia não poderia ser somente amizade. Eu estava assustado, com medo de que ele deixasse de ser meu amigo se ele descobrisse; tive medo de que você me deixasse se descobrisse. Eu escolhi reprimir aquele sentimento. Eu não parei para analisar isso a fundo. Mas depois que Jim me beijou, depois que ele se declarou pra mim... — Spock fez uma pausa, mantendo seu controle emocional no lugar. — Era fácil me recriminar e anular minhas emoções quando eu acreditava que ele jamais me corresponderia. Agora, minha mente procura a dele. Minha mente está constantemente buscando a dele. Você entende isso?

— Eu esperei tanto por esse momento — Nyota ouviu sua voz sair falha. Ela precisou se concentrar para continuar falando. — Desejei tanto ver você como está, aqui e agora, diante de mim. Falando com tanta emoção. Obviamente tão cheio de-de amor. No entanto, não por mim.

Ela sentiu as lágrimas mornas descerem por seu rosto.

— Nyota, eu sinto muito.

Ele se aproximou dela, sem saber como consolá-la.

— Não se preocupe, eu estou bem. Eu estou bem. — Ela olhou para ele e sorriu.— Você realmente está apaixonado por ele.

— Por respeito ao que você e eu tínhamos, eu tentei não estar.

Ela balançou a cabeça concordando. Ela sabia que era verdade.

— Ninguém pode controlar o coração, Spock.

— Agora eu sei disso.

 Ela segurou o rosto dele com as mãos e beijou os lábios dele ternamente.

Spock olhou para ela confuso.

— Você e eu terminamos. Estamos livres para seguir nossos caminhos, sem ressentimentos.

Spock relaxou, deixando seus ombros caírem.

— Eu não quero perdê-la. Você é minha melhor amiga.

— Eu continuarei sendo. Mas precisarei de tempo para ficar sozinha.

Spock assentiu.

— Eu compreendo.

Ela o abraçou uma última vez antes de ir embora.

Ela parecia bem por fora, mas por dentro ela ainda sangrava. Uma parte dela ainda gritava para voltar e ficar com Spock. Nyota não sabia se Kirk foi sincero com Spock, nem se Kirk merecia o amor de Spock, mas ela secretamente desejou boa sorte para os dois.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Todo o Espaço Entre Nós" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.