Les Marcheé escrita por Marurishi


Capítulo 13
Desde que




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Desde que a Tríade Imperial fora fundada e dada a liderança a Lorde Meyne, Lady Hestea fazia questão de exibir seu status de esposa e era respeitada por isso. Mesmo após a mudança da lei onde não mais haveria benefícios de títulos por casal, e sim, individuais, ela permanecia em sua arrogância fingindo ter o que não tinha.

Ela era boa em falsidade e raras as pessoas fora do seu convívio conheciam seu verdadeiro caráter. Somente as veilanas e sua família sabiam o quanto ela era terrível. No entanto, tinha apoio dos pais, que aproveitavam muito os favores da corte através da filha e genro. Quanto as veilanas, apenas tinham que se calar e suportá-la.

Seu status na corte lhe permitiu estudar magia e desenvolver poderes em níveis maiores, não era a melhor e nem a maior, mas tinha alguns talentos específicos. Em segredo, estudou a magia negra, proibida e perigosa.

Era inteligente e astuta, pesquisava no passado possíveis falhas daqueles que eram os mais poderosos para encontrar uma forma de alcançar seus objetivos. Sabia muito sobre os segredos do passado, dos ancestrais Protheroi e do mal que um dia se levantou contra Les Marcheé.

Seu objetivo era se tornar Imperatriz, tão poderosa que todos se curvariam diante de si; teria tudo o que desejasse. Por anos planejou meticulosamente a forma de agir para ter sucesso, sabia que só poderia derrubar os Imperadores usando de um poder maior, algo que eles não pudessem combater ou controlar. Sua ideia era voltada unicamente para os dias antigos e a Batalha das Sombras.

Lady Hestea desejava despertar aquela ira maléfica e usá-la a seu favor, exatamente como o Imperador Protheroi fez no passado. Sem se importar com consequências ou o quão terrível e medonho era seu plano, julgava-se mais inteligente e capaz do que aqueles nobres de antigamente, afinal, os tempos eram outros e o conhecimento atual era incomparavelmente maior.

Como não tinha nenhuma ocupação louvável, muito de seu tempo era dedicado a saber da vida alheia e ficar sempre atenta em tudo o que ocorria na corte. Seus ouvido sempre abertos escutavam em todos os lugares e seu status permitia transitar livremente por vários ambiente. Era de um valor incalculável ser esposa de Lorde Meyne, líder da Tríade, a quem tudo vinha a saber e por consequência era mais fácil obter informações precisas.

Foi assim que, há um ano, soube dos avisos de Pannastovik sobre um novo poder despertado em Boandis no litoral. Imediatamente lembrou da Era das Sombras. O poder que surgiu pelo mar nos dias antigos e trouxe a destruição e terror, havia tido sua entrada justamente por aquela região.

De todos os nobres poderosos, Lady Hestea tinha uma pequena lista daqueles que eram aliados ou ameaça aos seus planos. Mas atualmente, nenhum deles lhe preocupava, pois ninguém demonstrava lembrar ou se importar com os dias do passado.

Se havia aqueles que poderiam lhe causar preocupações, eram os da família Protheroi, mas o único que representava alguma fagulha de medo e expectativa era Lorde Guy Protheroi, Mago da Noite. No entanto, ele parecia tão alheio ao passado e tão apático sobre as histórias dos dias antigos que Lady Hestea não acreditava que ele fosse capaz de desejar despertar aquele mal, e com certeza, se o fizesse, não seria em prol dos mesmos objetivos que ela.

Tratou logo de reformular seus planos. Tinha pleno conhecimento que não seria capaz de despertar aquele poder por si, que precisaria usar alguém para isso. Sua magia era insuficientemente, e também não poderia colocar em risco seu disfarce de bondosa Lady e perfeita esposa.

Então, soube do novo poder despertado em Boandis, esse alguém que poderia ser necessário aos seus planos. Sua prioridade era encontrar essa pessoa e corrompe-la pra ser um aliado, ou destruí-la caso fosse uma ameaça. Teria que ser o mais rápido possível, antes que se tornasse poderoso demais para ela lidar sozinha.

O tempo todo pessoas descobriam-se detentoras de magia, mas Lady Hestea procurava por alguém em específico, procurava pela pessoa que Pannastovik havia alertado. Havia apenas uma maneira de fazer essa pessoa se manifestar, seria colocando Boandis em risco.

Executaria seu plano em breve. No entanto, para aquela manhã seus planos eram outros. Arrumou-se impecavelmente para desfilar pelo centro da cidade. Pretendia ir numa loja de brinquedos comprar bonecas de porcelana para suas filhas.

Não era nenhuma data especial, porém, achou que seria bom agradar as meninas dessa forma para se mostrar bondosa e carismática. Sabia que não era boa mãe, mas não queria que suas filhas a odiassem.

Enquanto escolhia dentre tantas opções de bonecas bonitas, sua mente foi invadida por memórias da sua infância:

“— Mamãe hoje é meu aniversário? — a pequena Hestea perguntava duvidosa.

— É claro que sim! Por qual outro motivo eu teria comprado um vestido tão caro com uma presilha de diamantes, se não fosse seu aniversário?  — Lady Velece, mãe de Hestea parecia impaciente com as perguntas da filha.

— Por que eu ganho presente só no meu aniversário? Carmela ganhou um par de sapatos e não era o aniversário dela.

— Seu aniversário é a única data que podemos exibir você para os Imperadores, quando pedimos a graça deles, por que eu te daria algo bonito e caro se não pudesse te exibir? Que graça tem Carmela ganhar sapatos novos se os Imperadores não vão ver ela usando!  — Lady Velece arrumava o cabelo de Hestea, puxando com rigor, doía bastante, mas Hestea tentava não deixar escapar nenhum gemido para não aborrecer a mãe.

Naquele dia houve uma grande festa, muitos vieram felicitá-la e trouxeram-lhe presentes, entre os quais estavam bonecas de porcelana.

Como o esperado, seus pais foram até os Imperadores pedir uma graça de aniversário. Na verdade, não se importavam com a graça, queriam sim, exibir a pequena filha como seu troféu, em toda sua riqueza e pompa para auto afirmar seu status na corte. Mas Hestea não ligava para essas coisas, ela queria brincar com suas novas bonecas.

Ao final da noite, enquanto a mãe dava as ordens as veilanas que cuidavam de Hestea, a pequena fez um pedido inesperado.

— Mamãe, hoje é meu aniversário ainda, será que posso pedir um presente especial?

— Você já ganhou muito hoje e me custou caro.

— Mas o que eu quero da mamãe é mais importante e não é caro. Eu quero um beijo e um abraço de boa noite de aniversário.

— Não seja ridícula! Abraços e beijos nunca valerão mais que presilhas de diamantes e ametistas! A menos que sejam beijos e abraços para conquistar riquezas, esses sim, são valiosos. Um dia você aprenderá a dá-los com essa finalidade. Mas no momento você não tem nada pra me oferecer, portanto, eu não tenho motivos para te beijar ou abraçar  — e com essas palavras saiu do quarto.

Hestea chorou, e as veilanas apenas a repreenderam, porque "uma menina rica não precisa chorar, quem chora são as meninas pobres e fracassadas".

 

Lady Hestea escolheu duas bonecas, ambas de cabelos pretos e bochechas vermelhas. Pediu para embalar com muitos laços e pensou que quando entregasse as bonecas, abraçaria suas filhas, como sua mãe jamais a abraçou nem mesmo no dia que era seu aniversário.

Mas sua mãe havia lhe dado muitas coisas importantes e ótimos ensinamentos sobre abraços, beijos e presentes, como se deve usá-los em troca de algum benefício, e no momento, Lady Hestea precisava que suas filhas ficassem do seu lado caso viessem a saber o que ela pretendia fazer, além do que já havia feito.

 

Havin Perko era o bibliotecário, com mais de 68 anos, sendo 50 deles dedicados à restauração e trabalho na biblioteca.

Era um nobre, homem sério, de grande respeito e responsabilidade. Fazia seu trabalho com dedicação e inteligência, tinha muitos títulos de nobreza mas preferia não chamar-se de lorde e escolheu ter uma vida simples.

Assim que teve a oportunidade foi em busca dos arquivos, as informações solicitadas por Codhe eram básicas, pois apenas precisava do nome da veilana para mandar uma nota requisitando sua presença na biblioteca. Eram muitos os arquivos, mas Lady Shalot, diretora da biblioteca, sempre exigiu muita ordem e isso, Havin e Belle, faziam com grande esmero. Isso tornava fácil encontrar o que se desejava.

Elissa Irebe, a veilana que trouxe o livro das borboletas alguns anos atrás, tinha um cadastro com a lista de livros que retirava da biblioteca para leitura, todos sempre devolvidos dentro do prazo e sem nenhum dano. Títulos de romance, botânica, zoologia, história e geografia... Absolutamente nada fora do comum, apenas uma veilana que trabalhava em Bellephorte como tantas outras. Pelos registros já fazia algum tempo que, aparentemente, não retirava nada para ler da biblioteca.

Imediatamente Sr. Havin chamou o mensageiro e solicitou a presença da veilana, Elissa, na biblioteca para o dia seguinte. O mensageiro foi rápido e algumas horas depois retornou com a resposta.

— Sr. Havin, deve haver algum engano, não há nenhuma veilana Elissa Irebe em Bellephorte. Esse nome é desconhecido por todos.

Em tanto anos de sua vida, muitas coisas aconteceram, algumas bem preocupantes, mas era a primeira vez que Sr. Havin se deparava com um caso de nome falso. Claro que a veilana existia, ele até se lembrava de seus olhos castanhos, mas por que motivo teria dado um nome que não era o seu? Agora as informações que pareciam simples, tornaram-se complexas, pois encontrar a tal veilana seria mais difícil sem saber seu verdadeiro nome.

 

Em Bellephorte, Lady Beriune entrou na sua biblioteca particular, e nos momentos em que ela estava ali, ninguém ousava incomodá-la. Assim, ela tinha total privacidade e liberdade para estudar ou ler o que desejasse.

Sentou-se em uma larga poltrona se acomodando entre almofadas de forma relaxada para iniciar sua leitura. Quando abriu seu livro ouviu um barulho suspeito a sua direita e rapidamente virou-se, encontrando Lorde Thwar apoiado na parede.

— Meu Lorde, o senhor me assustou!! — sorriu.

— Está mesmo muito desatenta, não costumava ser assim — falou baixo, lento e intimidador. — Como foi possível um dos seus livros, com aquele tipo de magia, ter saído daqui sem que fosse notado?

— Ora, não há motivos para preocupações com aquele livro — respondeu no mesmo tom.

— Por que sinto como se estivesse escondendo-me algo?

A Imperatriz soltou um riso baixo e encolheu os ombros desviando o olhar para o lado.

— Pensei ter um plano perfeito — voltou seu olhar ao Imperador —, mas claro que meu amado saberia, afinal, é meu esposo, Imperador de Les Marcheé, e me conhece tanto... — terminou a frase quase em um suspiro, onde sua mente recordava memórias distantes, nem sempre tão boas.

Soltou o livro sobre a mesa com força e o barulho retumbou pelas prateleiras. Levantou-se com expressão séria e aproximou-se de onde Lorde Thwar estava em pé.

— Não se preocupe, meu lorde, tenho tudo sob meu controle — falou impaciente.

— Por que deixou sair? — revidou direto e questionador.

— Para proteger! — respondeu sem rodeios. — Sabe o que Pannastovik tem nos avisado e nós temos sentido o tempo todo. Estão tentando quebrar as fronteiras, estão tentando despertar aquele mal antigo. ELA — enfatizou o pronome feminino com ira —, está querendo retornar!

Fez uma pausa para controlar sua raiva. Suspirou algumas vezes e continuou com mais cautela:

— O coração dos homens sempre tão oscilantes, ora pendem para o mal ora para o bem; agem por impulso sendo levados a loucura por simples ideias e hipóteses — levantou seu olhar para encarar aqueles olhos violetas que tanto amava. — Codhe está tendo um momento difícil em seu coração e o destino está agindo de forma tortuosa. Eu quero protegê-lo! E bem sabe o motivo de grande peso e preocupação.

— E como dar a ele um poder destrutivo seria uma proteção? Agora temos um mal entendido, pois soa como se o livro fosse parar nas mãos dele por força inimiga.

— Isso é uma meia verdade, o livro foi dado a ele por mim, mas por culpa do inimigo — deu alguns passos para trás. — Se não houvesse más intenções e pensamentos loucos sobre despertar trevas e fúrias, eu não teria sido forçada a dar um presente tão funesto.

— O que exatamente contém naquele livro? — Perguntava, mas tinha certeza da resposta, queria apenas uma confirmação. — Que tipo de poder foi inserido ali?

— E se agora Codhe fosse capaz de dominar um selo Tione?

— E se ele próprio usar do seu presente para auxiliar na entrada das sombras?  — cruzou os braços pretensiosamente a desafiar as ideias da Imperatriz.

— Então nós o destruiremos — afastou-se erguendo a voz ameaçadora. — Não importa quem seja, se ousar se levantar contra Les Marcheé e ameaçar o nosso império, nós juramos destruir.

— Por que não faz nada a respeito de Lady Hestea, sabe dos pensamentos dela, buscando formas de trazer dias negros para todos se envolvendo com as trevas.

— Meu amado, ela é apenas uma tola sendo um instrumento nas mãos das trevas. — virou-se de costas para o Imperador e olhando para o horizonte através da janela de vitrais, falou astutamente. — Deixe aqueles seres tétricos a usarem, assim estarão ocupados pensando que estamos sendo enganados.

— Os Kailes são as verdadeiras entidades malignas e não são tão tolos assim. Logo, perceberão que já estamos ciente do seu despertar — falou baixo e pesadamente. — Lady Hestea é tola, dá mostra explicita de suas ações e por essas atitudes, expõe e condena seus mestres. Eles não vão tolerar ela por muito tempo.

— No entanto, meu amado bem sabe que eles não podem agir por si, precisam dela. Precisam de toda a inveja e ganancia que ela possui no coração — olhou para o horizonte além do vitral da janela. — Ela é um instrumento perfeito para todos eles.

— Por que não os silenciamos novamente? Deixemos esse mal adormecido como tem estado por séculos — descruzou os braços esperando aceitação de sua proposta.

— Porque eu não quero! — a resposta exaltada da Imperatriz o deixou surpreso. — Todos os Imperadores que nos antecederam conviveram com o medo e ameaça do retorno dessa desgraçada e sua prole. O Mar Infinito não é tão distante assim, mesmo que fosse, é insuficiente para detê-la. Eu quero eliminá-la para sempre, para que aqueles que vierem depois de nós possam, verdadeiramente, ter paz!

— Ainda considero um erro manter Lady Hestea livre e impune, e mais errado ainda manter o esposo dela na liderança da Tríade. — Lorde Thwar também demonstrava exaltação na voz.

— Lorde Meyne nada tem a ver com a má conduta da esposa — aproximou-se rapidamente de Lorde Thwar completando com indignação. — Por que a cada oportunidade que tem, o acusa de algo sem base? Ele nunca cometeu nenhum erro e tem nos sido inteiramente fiel.

— Nenhum erro? — falou com indignação e reprovação. — Inteiramente fiel a quê? Aos sentimentos dele, certamente. Pois se você esqueceu, eu bem lembro quem ele é, ou melhor, o que ele foi! 

Lady Beriune abriu a boca para retrucar algo, mas apenas o fitou indignada. Já tiveram discussões semelhantes antes e ela sabia o que estava acontecendo, novamente Lorde Thwar demonstrava ciúmes e continuou com as acusações.

— Não se engane, minha amada! Quando ele conhecer toda a verdade, talvez não lhe seja mais tão fiel, o conhecemos perfeitamente — e concluiu fatídico. — Ele não é um lago congelado, é uma avalanche.

Lady Beriune sorriu docemente como se tentasse assim acalmar seu esposo e se aproximou tocando-lhe a face.

— Ciúmes infundados.

— Então pare de dar mais mérito do que ele realmente merece.

— Não há mérito desmerecido, ele é meu braço direito. Tem me auxiliado desde que nos conhecemos e isso é algo que não posso esquecer jamais — explicou com naturalidade. — Além do mais, a Tríade é minha guarda pessoal e não é correto que eu esteja desprotegida, preciso de alguém poderoso o suficiente para me defender.

Lorde Thwar riu abertamente como se tivesse ouvido uma piada muito engraçada.

— Defendê-la? — riu mais alto. — Nem mesmo nos sonhos alguém poderia sequer causar-lhe um arranhão, Lorde Meyne no estado em que se encontra não tem essa serventia, mesmo porque, minha amada, não necessita de proteção. Pare de dar a ele méritos que não são dignos! — saiu da biblioteca em passos rápidos e pesados, sem olhar para trás.

Lady Beriune fez uma careta, revirou os olhos, pegou seu livro e sentou-se novamente na sua poltrona favorita. Mas não leu nada, ficou meditando sobre quais eram os méritos que ela dava a Lorde Meyne que ele não merecia.

— Mas que bobagem... por isso precisamos manter os homens ocupados! — estreitou os olhos e fez uma careta, voltando seus pensamentos para seu livro.


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