Garras e Presas escrita por May


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Oi para todo mundo 0/
Desculpem novamente pela demora. Ando ocupada demais durantes essas últimas semanas de faculdade. Decidi compensar postando esse capítulo, bem mais curto que o normal, mas a intenção é o que conta xP
Boa leitura 0/



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Marianne sabia, sem que alguém precisasse lhe dizer, que ela havia mastigado muito, muito mais do que era capaz de engolir.

Enfrentar Bog, cujos maneirismos e estilo de luta ela conhecia de cor e salteado em um duelo descompromissado era uma coisa. Agora enfrentar uma goblin desconhecida, cuja extensão de habilidades era um mistério e que certamente não encararia aquilo como um embate amistoso era outra bem diferente. E uma alfa, como se isso tudo não bastasse. Só os goblins mais fortes, valentes e viscerais tinham o privilégio de serem líderes e possuírem uma porção de terreno cujas fronteiras nem o Rei ou Rainha do Pântano poderia atravessar sem um convite. Se Poppy havia conquistado aquela posição ainda tão jovem, com certeza não era à toa.

Os músculos em seu ombro direto a lembraram de seu atual estado ao darem um espasmo doloroso. O punho que segurava a espada já estava coberto de suor, deixando o cabo da arma escorregadio. Já estava começando a questionar a firmeza em suas pernas, também. O confronto com Bog mais cedo havia exigido um bocado de suas forças. Sem contar as “atividades” da tarde, que a deixaram sonolenta e com os membros amolecidos.

“Eu e essa minha libido descontrolada!”

 Amaldiçoou brevemente o seu orgulho e seu temperamento explosivo. Caíra nas provocações de Poppy feito uma pata e agora não haveria mais volta, a não ser que quisesse ser taxada de covarde. E se tinha uma coisa que Marianne se recusava terminantemente a fazer era exibir traços de covardia. E essa situação ia muito além de simplesmente manter sua honra intacta. Sentia como se o destino de seu reino e todo o peso da verdade por trás da crise estivessem apoiados em seus ombros. Precisava levar Roland de volta para o Reino das Fadas, precisava provar ao seu pai, ao conselho e ao restante do povo que aquelas histórias sobre castigos divinos não passavam de lorotas. Não permitiria que ninguém ficasse em seu caminho, nem mesmo se esse alguém fosse uma goblin com capacidade e pretensão para quebrar seus ossos como se fossem agulhas de pinheiro.

Poppy observou como o semblante da fada passou de incerto para determinado num decorrer de poucos segundos. Abriu um sorriso largo, revelando dentes que eram espaçados como os de Griselda, mas que eram afiados como pontas de lanças.

— Ainda há tempo de voltar atrás, se estiver em dúvida. Pode inclusive pedir ao seu companheiro que encare essa barra para você. Sentirei-me mais a vontade lutando contra o Rei do Pântano do que quebrando os bracinhos de uma fadinha delicada.

— Esqueça. Eu vou fazer você engolir esses insultos junto com alguns de seus dentes, se estiver com uma boa pontaria. – Marianne ameaçou num rosnado, erguendo o punho esquerdo.Poppy soltou uma risada rouca que lembrava um latido.

— Claro. Vamos ver se você é tão afiada com uma espada na mão quanto é com a língua.

— Será que dá para vocês andarem logo com isso? – Roland resmungou lá de seu canto, ainda encolhido feito um tatuzinho-de-jardim – Já está ficando tarde e eu preciso me apressar para encontrar meu botãozinho de rosa...

— Cala a boca! – As duas gritaram juntas, ao que o loiro choramingou.

Tentando não se deixar distrair pelos clamores da platéia mais atrás, Marianne afastou as pernas e as plantou com firmeza no chão, esperando pelo movimento da adversária enquanto estudava seu físico a procura de algum ponto fraco que ela pudesse usar para acabar com aquilo o mais rápido possível. Não parecia haver um, porém. Mesmo não sendo muito familiarizada com os padrões de força e imponência da Floresta Sombria, ela podia saber só de bater o olho que Poppy era um espécime formidável.

Ela era uma fêmea de goblin da mesma ramificação de Griselda, com a pele macilenta, a boca larga, os olhinhos diminutos e as mãos de apenas três dedos. A diferença, porém, era que ela era muito maior e muito, muito mais robusta e musculosa. Seus braços e pernas eram grossos e torneados, e Marianne tinha certeza de que ela era perfeitamente capaz de quebrá-la ao meio com um flexionar dos braços ou com uma joelhada certeira em sua espinha. Os longos cabelos louro-sujos estavam presos em uma trança elaborada que caia por suas costas, e os enormes chifres afiados nas laterais de sua cabeça eram como uma coroa majestosa e letal. Se aqueles cornos assassinos encontrassem caminho até seu corpo, não haveria curandeiro ou remédio capaz de salvá-la. Ficou subitamente consciente de sua compleição frágil e totalmente despreparada para o combate. Sua espécie não era guerreira, pelo menos não ao nível dos goblins. Não possuía garras e presas que pudesse usar para cortar e se defender, nem escamas ou uma carapaça dura que protegesse seu corpo de ataques mais violentos. Teria que apelar para movimentos mais evasivos e defensivos enquanto esperava que sua adversária abrisse uma brecha. E torcer para que fosse capaz de resistir à dor e à fadiga por tempo o suficiente.

— Mantenham os olhos na mosca varejeira enquanto estou ocupada. – Poppy comandou aos seus subordinados, indicando Roland com um apontar do dedão – Vou acabar com isso rápido.

E antes que Marianne pudesse pensar em uma resposta a mais essa provocação deliberada, Poppy avançou.

Para uma goblin musculosa e pesada, ela era inacreditavelmente rápida.Impulsionou-se em sua direção quase sem fazer um ruído, a soqueira já em posição de ataque. O deslocamento de ar resultante foi o único aviso que Marianne teve. Ergueu a lâmina da espada o mais depressa que pode, bloqueando um violento golpe destinado ao seu rosto. A força do impacto fez com que fosse arrastada alguns centímetros para trás, levantando uma nuvem de terra avermelhada. Grunhiu, tentando manter o equilíbrio e não perder a firmeza no manejo de sua arma, seus olhos fixos na expressão gaiata de sua adversária. Ela já acreditava que aquela luta estava no papo. Rosnou raivosamente, mandando o receio às favas enquanto aplicava pressão no cabo da espada e procurava afastar a goblin de si.

Poppy saltou agilmente para trás e ergueu a soqueira na altura do rosto ao mesmo tempo em que Marianne erguia a espada e cortava o ar em um movimento circular. O encontro da lâmina com a soqueira produziu um som agudo e uma pequena chuva de faíscas. A princesa deixou escapar um silvo de agonia quando o impacto reverberou por seus músculos cansados até seu ombro ferido, que protestou dolorosamente contra a ação. Bloqueou com dificuldade mais um golpe de Poppy, a força do ataque fazendo-a tropeçar para o lado. Apoiou o braço esquerdo no chão e rapidamente saltou para longe do alcance da ponta da soqueira, batendo as asas brevemente para pousar com suavidade. Poppy arreganhou as presas para ela.

— Vai apelar para as suas asinhas agora? Eu já devia imaginar que fadas se apoiariam nessa vantagem pra compensar fraqueza e falta de habilidade.

Os pés de Marianne atingiram o solo com a força de um pedregulho. Endireitou os ombros com um bufo, furiosa e envergonhada. Voar era sua segunda natureza, não precisava sequer pensar para fazê-lo, então raramente ponderava sobre todas as vantagens que isso lhe trazia em comparação com criaturas terrenas. Nunca precisara atentar a esse fato quando duelava com Bog por razões óbvias. Mas ela não daria a Poppy o prazer de pensar que ela estava usando daquela vantagem para compensar alguma falha, oh não. Se ela queria um combate apenas em terra, era isso o que ela teria.

— Eu não preciso das minhas asas para acabar com a sua raça. – Grunhiu entredentes. E erguendo a espada, avançou para sua oponente com um grito de guerra.

Os choques das armas, os grunhidos, rosnados e insultos que as duas fêmeas atiravam uma para a outra eram acompanhados por assovios, gritos de incentivo, rugidos e risadas dos goblins do clã dos rochedos, que saltavam para cima e para baixo nos galhos das árvores, fazendo uma algazarra infernal. Tal algazarra também fazia coro às exclamações de temor do grupo que acompanhava o Rei do Pântano. Adrian, Ricard e Edwin praticamente se esgoelavam, chamando pela princesa e implorando por um basta naquela maluquice. Sunny e Pareh assistiam ao embate num silêncio estupefato; Sunny parecia prestes a hiperventilar. Roland procurava engatinhar para o mais longe possível da zona de fogo, choramingando e se queixando sobre mulheres e as doideiras que elas eram capazes de fazer para por as mãos em caras bonitos como ele. O Diabinho e os goblins procuravam guinchar e bradar incentivos no mesmo volume que os do grupo rival, o que só deixava a barulheira ainda mais ensurdecedora. E Griselda se limitava a segurar o pulso esquerdo de Bog com toda a firmeza. Não era páreo para a força bruta colossal do filho; aquilo era simplesmente um aviso. Um aviso para que ele não interferisse, por mais que sua expressão transtornada mostrasse que ele queria fazer justamente o contrário.

Bog não se sentia tão desamparado e incapaz desde a noite em que conhecera Marianne, quando acreditara que ela o havia atraído para longe de sua antiga fortaleza com o pretexto de “esticar as asas” para facilitar uma invasão. Ele sabia que não tinha o direito de interferir, sabia que deveria respeitar a escolha de sua companheira e confiar que ela seria capaz de transpor aquele obstáculo, mas ter que assisti-la se extenuando e se colocando em um risco desnecessário estava sendo uma tortura! Marianne não estava em condições nem de duelar descompromissadamente, quanto mais de entrar num embate sério e que poderia acabar em morte! Lutas entre goblins eram violentas, viscerais, e misericórdia com os perdedores não era algo que sua espécie costumasse cultivar. Ele podia dizer só de olhar que Poppy não estava para brincadeiras e que não seria compreensiva com as limitações da princesa ferida. Marianne estava com uma corda amarrada no pescoço e Bog se desesperava ao pensar que não poderia fazer nada para impedir a catástrofe iminente.

“Por quê? Por que ela tem que ser tão teimosa, tão orgulhosa?!”

 Poppy bloqueou mais um golpe em círculo da espada, virou o punho para o lado e deixou que a lâmina deslizasse pela extensão da ponta da soqueira. Com um gesto brusco do braço, empurrou a arma da adversária bruscamente para o lado, e a súbita mudança de rota fez com que Marianne perdesse o equilíbrio. Ela tropeçou para trás, tentando desesperadamente firmar os pés, e a goblin se aproveitou de seu momento de descuido para acertar suas canelas com a sola do pé direito. Marianne caiu para o lado, o choque súbito a impedindo de recuperar o prumo com um bater das asas. Foi então que viu, quase em câmera lenta, o pé de Poppy vindo em direção ao seu rosto. Só teve tempo de fechar os olhos em reflexo antes da sola se conectar brutalmente com a lateral de seu crânio.

Era como se sua cabeça estivesse explodindo. Milhares de estrelas pipocaram diante de seus olhos antes de sua visão escurecer momentaneamente, a dor tamanha que a obrigou a usar de todas as suas forças restantes para não desmaiar. Desabou feito uma pedra no chão, rolando pela grama até parar completamente, seu rosto quase enterrado na terra vermelha.

Bog gritou por ela em terror. Sunny, Pareh e o Diabinho guincharam em alarme. Roland silvou baixinho. Os goblins ofegaram, fecharam os olhos e balançaram as cabeças em desgosto enquanto os do clã dos rochedos rugiam e silvavam de empolgação. Adrian, Ricard e Edwin imediatamente desembainharam suas respectivas espadas e fizeram menção de voar até onde as combatentes estavam, trêmulos de preocupação e raiva.

— Não! Fiquem onde estão! Se interferirem, só vão piorar as coisas! – Griselda os advertiu. Apertava o pulso do filho com tanta força que era um feito que já não o tivesse quebrado.

Marianne só podia se impressionar com a própria resiliência. A dor em seu crânio era terrível e a intensa tontura a impedia de sequer se mexer demais. Fechou os olhos com força e balançou a cabeça para clarear a mente, tentando suprimir a agonia de uma quase concussão. Sentia o sangue quente escorrendo pela lateral de seu rosto, no lugar onde as unhas de Poppy a cortaram. Seu ombro ferido doía ainda mais depois do encontrão com o solo. Os pontos pretos continuavam a dançar diante de seus olhos e, por um instante terrível, ela achou que fosse realmente perder a consciência.

“Não! Não desmaie agora! Você tem uma missão a cumprir, lembra?”

 Trincou os dentes em determinação a apoiou-se nos braços para se erguer, ainda mantendo o cabo da espada firme em seu punho. Suas pernas bambearam e ela cambaleou para frente, mal conseguindo se firmar. Os goblins no alto das árvores riram e zombaram de seu estado deplorável. Poppy arqueou uma sobrancelha.

— Olha, eu tenho que admitir que você é dura na queda. – Ela a cumprimentou – Não é qualquer um que consegue se levantar depois de um coice desses, ainda mais uma fada.

— Coice? Hunf. Eu já bati de frente com uma coruja. Comparado ao estrago que as garras dela eram capazes de fazer, esse seu pontapé não foi nada. – A princesa respondeu com um sorriso atrevido. Os olhinhos escuros da alfa pousaram no grande ferimento em seu ombro.

— É mesmo? Então essa experiência não te ensinou absolutamente nada. Quando alguém maior e mais forte te ataca, você corre ou se esconde. Pelo menos essa é a regra absoluta de sobrevivência da sua espécie, não estou certa?

— Um pouco. – Marianne balançou a cabeça mais uma vez e voltou a firmar os pés no chão, a espada novamente em riste – Mas eu nunca fui muito de seguir as regras da minha espécie, sabe...

— Percebe-se. Eu acharia isso admirável se desconsiderasse nossa situação atual. Neste momento só consigo pensar que isso é uma tremenda burrice.

— Burrice é ficar tagarelando e não prestar atenção no que está acontecendo bem na sua frente!

Poppy xingou ao ver Marianne disparando a toda velocidade em sua direção e ergueu a soqueira na altura do rosto em um gesto defensivo. Foi então que a princesa a surpreendeu ao não girar a lâmina contra sua soqueira, mas sim em direção ao chão. A ponta da espada se fincou no solo com um som de trituramento. A goblin só teve tempo de se perguntar se seu chute danificara o cérebro da fada antes de Marianne forçar a lâmina para o alto num movimento vertical. A ação levantou uma espessa nuvem de terra e poeira que encobriu quase completamente a visão da alfa. Ela rugiu em choque e ultraje, a poeira fazendo seus olhos arderem e lacrimejarem.

— Filha de uma-

— Você disse que valia tudo, inclusive usar o terreno ao seu favor! – Marianne gracejou antes de mudar a posição de sua arma, segurando-a no alto rente a sua cabeça e avançando para uma estocada certeira. Poppy abaixou a cabeça a tempo de não ser diretamente atingida. Silvou ao sentir o fio da espada cortando-a superficialmente acima do supercílio antes do aço se chocar contra seu chifre esquerdo. Os braços de Marianne tremeram com o impacto e ela precisou morder o lábio inferior para não gritar de dor, seu ombro parecendo queimar de agonia.

A saída astuta que a fada bolara causara uma onda de espanto nos goblins do clã dos rochedos, que haviam parado de uivar e caçoar e agora observavam a contenda com ares de assombro. O grupo liderado pelo Rei do Pântano, por outro lado, comemorava aos brados.

— Isso! Essa é a nossa Marianne! – Sunny festejou com um soco no ar – Acho que agora ela tem uma chance, não é? – Perguntou esperançoso a Pareh.

— Deuses, permitam que isso acabe o mais rápido possível... – Adrian rezava – Protejam nossa princesa, eu não serei capaz de encarar o Rei Dagda se algo acontecer-

— Marianne! Presta atenção! – Bog gritou de repente, sobressaltando a todos e voltando a chamá-los para a realidade da situação. Poppy aproveitou-se do segundo em que os braços de Marianne se paralisaram com as vibrações dolorosas e agarrou-a pelos pulsos. A princesa ofegou e soltou um palavrão, mas não conseguiu se livrar a tempo do aperto férreo da adversária. O punho maciço da goblin se chocou contra suas costelas com uma força esmagadora. O grupo mais atrás exclamou em choque e horror ao mesmo tempo em que a torcida rival no alto bradava sua aprovação. Bog soltou um rosnado sofrido, desesperado ao ver sua companheira sofrendo tal violência sem poder fazer nada para ajudá-la. Roland simplesmente bufou.

— Hunf. Bem feito. Quem sabe agora ela pense duas vezes antes de sair por aí esmurrando os outros...

 Marianne não o ouviu. Sequer conseguiu gritar, todo o ar lhe fugindo numa única lufada, suas entranhas explodindo numa dor aguda. Ela emborcou para frente, dobrando-se sobre si mesma ao mesmo tempo em que sentia o estômago querendo expulsar o pouco alimento que conseguira engolir no café-da-manhã. Vomitar na frente de sua rival seria a pior das humilhações, então engoliu a bile amarga e tossiu, um bocado de saliva escapando de sua boca e pingando no gramado. Amaldiçoou seu corpo cansado e dolorido, sua atual fragilidade consequente de outro de seus momentos de imprudência.  Sabia, sabia que não deveria ter deixado que as provocações de Poppy lhe subissem o sangue. Permitira que seu orgulho falasse mais alto e agora estava sendo jogada de um lado para o outro como uma boneca de trapos. Provavelmente estava matando os outros de preocupação, principalmente Bog. Fechou os olhos quando a ânsia de vômito voltou, respirando fundo enquanto Poppy aproximava seu rosto do dela. Abriu-os e contemplou o filete de sangue que escorria lentamente do corte acima do supercílio da alfa.

— Então? Vai jogar a toalha ou não? – Ela perguntou. Marianne meramente arreganhou os dentes, avermelhados com o sangue que pingara em sua boca. A goblin, estranhamente, respondeu com um meio sorriso – Você é teimosa, hein. Quase como um goblin.

— Isso diz mais sobre você do que sobre mim.

— Heh. – Ela balançou a cabeça. Ainda segurava os pulsos de Marianne no alto – Eu te tenho a minha mercê e ainda assim você tenta ficar por cima da carne seca?

— Fazer o quê. É um dos meus maus hábitos.

— Outro dos seus maus hábitos parece ser o de comprar brigas que não tem a capacidade de ganhar.

— É, já me disseram isso. – Marianne ergueu a cabeça, encarando seus pulsos ainda presos no aperto de Poppy. Seu rosto de repente se iluminou – E quer saber mais um dos meus maus hábitos? É o de literalmente não dar o braço a torcer!

E dizendo isso, ela se alavancou do chão, utilizando o braço da alfa como ponto de apoio. A goblin, que definitivamente não esperava por aquilo, foi pega completamente desprevenida quando Marianne jogou as pernas para trás no ar, pegando impulso, e logo depois as jogou para frente, os dois pés firmemente unidos. As solas de suas botas fizeram contato violentamente com o nariz achatado. Chegou ao ouvir o barulho de alguma coisa quebrando. Poppy urrou de dor e imediatamente a soltou, agarrando o nariz com as duas mãos enquanto o sangue escuro espirrava por entre seus dedos.

Outra vez a gritaria ensurdecedora. Os membros dos clãs dos rochedos chamaram por sua líder, alguns fazendo menção de correr para ajudá-la. A alfa ergueu um dedo em negação.

— Não! Fiquem aí! Eu não preciso de ajuda! – Rosnou encolerizada enquanto tentava colocar seu nariz quebrado de volta no lugar. Seus olhos negros queimavam de raiva, dor e outra emoção que Marianne não conseguiu identificar. Estava zonza demais para isso. Sentia que estava prestes a cair de joelhos no chão, suas pernas se recusando a continuar a sustentar seu peso. Estava no limite de suas forças, enquanto Poppy parecia apenas precisar se recompor para voltar ao combate. Naquele momento, ela soube que suas chances de vencer a luta, que já eram poucas, haviam se esvaído completamente. Amaldiçoou sua fraqueza e mentalmente pediu desculpas a Bog e a todos os outros que os acompanhavam.

Bog tremia dos pés a cabeça, apavorado e enfurecido além da conta. Viu quando Poppy enfim conseguiu se recompor, o sangue vermelho agora manchando todo o seu rosto, e encarou Marianne com uma expressão estranhamente determinada. Um rosnado demoníaco retumbou em seu peito, fazendo com que sua mãe e todos os outros se voltassem para ele em súbito alarme. Pro inferno com as leis da Floresta Sombria e o orgulho goblin! Não permitiria que Poppy continuasse a machucar Marianne, nem que para isso precisasse matá-la! Segurou seu cetro em uma posição de ataque e abriu suas asas, ignorando os protestos de Griselda.

— Bog, você não pode interferir! Se o fizer, Poppy vai se ofender e é a Marianne quem pagará o pato-

— FRIIIIIIIIIIIIIIIDAAAAAAAAAAAAA!!!

Os dois goblins deram um salto de meio palmo do chão com o guincho de furar os tímpanos que Roland soltou. Todos ao redor, inclusive as combatentes abismadas, se voltaram de imediato para ele. O ex-capitão da Guarda Real havia se erguido nos joelhos e fixava os olhos esbugalhados em algum ponto da folhagem mais adiante, um sorriso imbecil retorcendo suas bonitas feições.

— Meu amor! Você voltou! Você veio me salvar desses malucos!

O zumbido agitado de um pequeno par de asas indicou a aproximação do recém-chegado. Saindo de dentro do mato rasteiro, apareceu um inseto grande e rechonchudo. Lembrava estranhamente uma mosca que crescera demais. Os pelos espalhados por seu tórax e abdome estavam eriçados em alarme e seus enormes olhos compostos pareciam varrer o solo da Floresta a procura de alguma coisa. Ela pareceu estancar no ar quando se deu conta da presença do grupo inusitado, em especial da de Roland. Olhou pelos lados como se procurasse uma brecha que possibilitasse uma fuga rápida.

— Frida, você não está me vendo aqui? Ah, sua distraída. – Roland ronronou – Vamos, não seja assim. Eu estive procurando por você esse tempo todo. Que bom que você está bem. Conseguiu despistar o gato do mato?

Mais tarde, Marianne se perguntaria se a Poção do Amor dera a Roland o poder de invocar desastres com a mera força das palavras.

Todos os goblins presentes imediatamente ficaram alertas, tensos. Bog estremeceu, farejou o ar por alguns instantes e deixou escapar um sonoro palavrão.

— Ta de brincadeira-

Foi então que Stuff soou o alarme: um som profundo, vibrante e melancólico que lembrava uma buzina de nevoeiro. Seus companheiros e o grupo nas árvores começaram a rosnar e abrir e fechar os punhos em agitação. Sunny, Pareh, Adrian, Ricard e Edwin se arrepiaram e viraram as cabeças de um lado para o outro, procurando a ameaça que deixara os goblins em frenesi. O Diabinho choramingou e correu para se esconder atrás do corpanzil de Lizzie. Poppy gritou uma ordem que Marianne não entendeu, concentrada demais em olhar da mosca no alto para Roland. Foi então que o som agourento de folhagem sendo esmagada sob as passadas de alguma coisa enorme e pesada chamou sua atenção. Virou a cabeça na direção do barulho. Então deu de cara com um par de gigantescos olhos verdes com pupilas verticais, que se dilataram ao pousarem em seu rosto pálido e transtornado de choque.

Bog gritou alguma coisa que ela também não assimilou. A clareira inteira explodiu em uma confusão de gritos, silvos e rosnados, mas ela não deu atenção a nada disso. Como poderia, quando estava presa no olhar penetrante do imenso gato do mato, o focinho preto e irrequieto captando o cheiro do medo que certamente a empesteava, os olhos cruéis cintilando famintos?


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