— Não se esqueçam que a entrega do trabalho é nesta sexta-feira! — avisou o professor enquanto seus alunos saiam da sala.

Willian já agradecia mentalmente o fato de poder ir para casa. Por culpa de Allena, quase foi impossível assistir as aulas sem dormir, esperava que ao menos hoje pudesse ter uma boa noite de sono. Enquanto andava pelo corredor, observando os outros jovens, sentiu-se sendo vigiado e, não demorou muito para uma cara emburrada aparecer ao seu lado.

— Por que você sumiu quando chegamos aqui? Me senti abandonada! — reclamou Allena segurando vários papéis com anotações coloridas. Típico dela.

— Apenas me retirei quando percebi que estava com companhias melhores. E eu não sou sua babá para ter que ficar cuidando de você. — respondeu indiferente.

— Oh, será que alguém ficou com ciúmes por ter sido trocado? — provocou, imaginando a reação exagerada do moreno.

— Eu com ciúmes de você? Dei é graças à Deus por não ter que ver você e esse seu cabelo por mais tempo! —disse sem antes revirar os olhos para tal suposição.

— Só para você saber, eu nunca trocaria minha alteza, Willian Michels. — Allena dizia em um tom brincalhão, enquanto apertava as bochechas de Will carinhosamente, fazendo o mesmo desviar o olhar.

Allena tagarelava sem parar sobre como as pessoas eram antipáticas, e como ela havia se perdido nos corredores e teve que pedir ajuda, contou também que foi elogiada pelas suas roupas. Nesse momento, Willian encarou-a.

— Alguém te elogiou? — perguntou incrédulo.

— Sim. E, por que você só prestou atenção apenas nessa parte?

— E precisa perguntar? Com certeza isso foi um choque para mim. Aliás, a pessoa era cega? — provocou-a.

— Olha, não vou nem me dar ao luxo de responder essa pergunta besta. — disse revirando os olhos.

— Ei, Will! — nesse momento, tanto Willian quanto Allena se viraram em direção ao chamado, encontrando uma bela garota de longos cabelos dourados e olhos tão azuis como o céu, sorrindo, enquanto vinha em direção aos dois. — Que bom que te encontrei! Sabe o trabalho para sexta? Então, eu estou supeeeer ocupada, será que você poderia quebrar um galho?? — pediu fazendo um “biquinho” para Willian, que sem expressão alguma no rosto, pegou a folha que continha o tema atribuído a garota, murmurando um “Está bem. ” de cabeça baixa.

Allena observava os dois assustada. Parecia que até tinha visto um fantasma de tanto que seus olhos se arregalaram, mas, rapidamente, começou a se perguntar o porquê de Willian ter reagido daquela maneira, além de ter aceitado fazer um trabalho para a garota que, no exato momento, se distanciava. Será que eles tinham alguma relação exceto colegas de classe? Sem querer se preocupar com coisas que não eram de sua conta, ela chacoalhou a cabeça, tentando afastar qualquer pergunta, o que acabou chamando a atenção do moreno.

— Está pirando de vez? — perguntou depois de vê-la balançando a cabeça negativamente por várias vezes.

— Acho que sim. — respondeu com um pequeno sorriso. — Preciso fazer minha carteira na biblioteca, pois já tenho um livro para pegar! Então até mais, Will, e não esqueça de fazer meu almoço! — acenou, não dando chance de Willian falar algo.

— Não basta acabar com minha paciência, quer acabar com minha comida. — suspirou cansado. Lembrou-se de Lana ao olhar o papel contendo o tema, e perguntou-se “Até quando? ” antes de seguir para o dormitório.

~~

Willian colocava um prato na mesa, enquanto o arroz terminava de cozinhar, foi então que lembrou de Allena, o que o fez por mais um prato. Aquela garota comia como estivesse ficado amarrada sem comer por quatro dias, o que fazia ele se perguntar se ela se exercitava ou era sua genética que não a deixava engordar. Ela havia caído em sua vida de paraquedas, fazendo de seus dias monótonos, um inferno. Sua vizinha era um demônio de atentada.

— Que cheiro bom!! É hoje que tiro a barriga da miséria! — exclamou animada, fazendo Will dar um pulo pelo susto.

— Não te ensinaram a bater na porta antes de entrar? Está achando que aqui é casa da mãe joana?

— Não é minha culpa de estar aberta. Entro mesmo! — já sentindo-se em casa, abriu a geladeira e colocou a jarra de suco na mesa, sentando-se.

— Que castigo!! — gritou Willian com as mãos para o alto, como estivesse pedindo ajuda.

— Dramático. Acho que você seria um bom ator! — fez sinal em “v” com os dedos. — Castigo não seria fazer o trabalho de outra pessoa? — perguntou “inocentemente”. Ela realmente estava curiosa sobre o que havia acontecido.

— Do que está falando? — se fez de desentendido, esperando que ela não perguntasse mais sobre isso. — Pegue, coloquei o dobro de comida, já que você tem um monstro chamado fome. — serviu-a.

— Não se faça de bobo, Will, quem era aquela garota que você aceitou a fazer o trabalho sem sequer a olhar? Parecia um cachorrinho obediente! — disse, enquanto comia tão rápido que nem parecia mastigar.

— Isso não é da sua conta, sua intrometida! — Willian ainda tentava ser paciente, mas não sabia até quando. — Mastigue certo antes que se afogue. Desse jeito vai terminar de comer antes que eu tire minha comida.

— Então se eu te der meus trabalhos você também irá faze-los? Ou está se fingindo de capacho para conquistar ela? — Allena não aceitava o modo em como ele se submeteu, sendo que nesses dois dias de convivência, ela conheceu o Sr. Sarcasmo em pessoa.

— Cala a boca, Lion! — irou-se, batendo a mão sobre a mesa. — Esse assunto não te diz respeito, você não sabe nada sobre mim, é apenas uma parasita irritante que vem comer aqui!

—  Não vou devolver se não me pedir desculpas! Espero que passe fome! — Allena com uma mistura de raiva e tristeza, levantou-se e dirigiu-se ao fogão. Pegou as panelas, ajeitando-as sobre os braços e saiu porta a fora.

~~

Willian escuta sua barriga roncar pela milésima vez, então em passos firmes sai de seu quarto e bate na porta de Allena em plena duas horas da madrugada.

—  Lion, abra essa porta! Quero minhas panelas de volta, estou com fome! —  exclamava, e agradecia mentalmente por não haver mais vizinhos. — Por sua culpa tive que almoçar fora!

Cansado de esperar, ele entrou sem permissão. Já que ela podia, por que ele não? Os cômodos estavam todos com a luz apagada, exceto a cozinha. Assim que chegou lá, ele se deparou com Allena encolhida no chão – a mesma ainda não tinha uma mesa com cadeiras -, com a panela nas mãos, comendo e chorando ao mesmo tempo.

— Devolva minhas panelas! —   pediu, pensando que aquele choro todo era apenas drama. Allena entregou-as, levantou-se e foi em direção ao seu quarto com a cabeça baixa. — Ei, não tem nem o que raspar aqui, você comeu tudo, sua monstra! —   seguiu-a.

— Eu precisava jantar. Agora você pode lavar elas para usar amanhã. —  disse, enquanto se enfiava embaixo das cobertas. —  Boa noite, Willian!

Willian contou até dez antes que sufocasse ela com aquelas cobertas. Vendo que ela não responderia mais, saiu em passos pesados, praguejando sua vizinha esfomeada, pensando em como a vida seria melhor sem ela para atrapalhar.