Capítulo 6 – Acompanhando a transmissão / Parte 1

Depois de fazer a revelação eu permaneci encarando a televisão que mostrava imagens do treino da adversária de Erika. Era uma mulher alguns centímetros mais baixa, sua pele era muito clara e os cabelos castanhos, mas eu não prestei muita atenção.

— Puta que pariu – ouvi a voz de Jill sussurrar e virei meu rosto para olhá-la.

Ela estava encarando a televisão, mas não parecia estar prestando atenção. Era como se a mente dela estivesse encaixando as peças e tudo o que eu poderia fazer era esperar ela completar o quebra-cabeças. Eu quase podia ver as engrenagens se movendo enquanto ela assimilava.

— Você é aquele Arthur – ela sussurrou alguns instantes depois – Nossa. Como eu não percebi antes – comentou me encarando – Mesmo nome, mesmo sobrenome que ela, mesmo olhos azuis.

— As pessoas dificilmente me reconhecem – falei me sentindo desconfortável.

— Por isso você não estava muito interessado em que eu viesse até a sua casa – ela disse soltando um riso baixo – Caralho, eu estou na casa de Alex Lancaster – sussurrou olhando ao redor – Porra eu nunca pensei que chegaria tão perto delas.

— Isso não é o mais comum – comentou James dando a volta no sofá e se sentando do meu outro lado, logo recebendo dois olhares curiosos, o meu e o dela – É que geralmente as pessoas são fãs de uma delas, não das duas. Ai!

Meu tapa acertou em cheio a cabeça de James perto da nuca e logo depois o empurrei para o chão. Jill riu da cara de indignado do meu amigo e voltou a me encarar. Eu mantive a minha expressão nada amigável.

— Posso assistir com vocês? – ela perguntou ainda sorrindo.

A encarei diretamente nos olhos. Tinha esperança nos verdes que me encaravam de volta, e um pouco de ansiedade. Por alguma razão foi fácil ler ela naquele instante. A garota de curtos cabelos escuros realmente queria ficar para assistir e parecia muito ansiosa que eu permitisse sua presença. Soltei um suspiro cansado dando uma olhada de relance para a televisão vendo que começaria um intervalo antes deles terminarem os minutos sobre a adversaria de Erika.

— Você não pode ver em outro lugar? – perguntei mantendo uma postura defensiva, mas num tom que indicava que eu não a estava expulsando.

— Não acho que todo mundo tenha esse canal na TV – ela disse fazendo referência ao fato de que o programa era exibido em um canal da TV fechada.

Soltei um suspiro resignado. Se isso estivesse acontecendo poucos instantes depois dela ter entrado aqui eu provavelmente insistiria para que ela saísse. Mas depois dessa tarde conversando e trabalhando com ela eu não me senti tão desconfortável com aquela presença estranha em minha casa. Algo nela inspirava confiança em mim, como se houvesse algo em Jill que me dissesse que eu não precisava ter os receios de sempre com ela.

— Vamos buscar as coisas James – falei me levantando e arrastando meu amigo pela parte de trás da gola de sua jaqueta do time de futebol.

Antes de sair da sala eu pude ver o pequeno sorriso aliviado e satisfeito nos lábios finos antes de ela se recostar no estofado e encarar a televisão se fazendo confortável no sofá.

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Era estranho. Muito estranho.

Estávamos eu Jill e James sentados no enorme sofá da sala. Na mesa de centro haviam vários salgadinhos e aperitivos, alguns doces e latas de refrigerante. James estava perto do braço do sofá e se escorava nele esticando as pernas sobre a borda da mesa. Jill estava do meu lado direito na outra ponta do sofá. Seu braço esquerdo com o cotovelo por cima do estofado enquanto que o direito descansava em sua coxa com a lata de refrigerando pairando ao lado de seu joelho.

E eu estava no meio, minhas pernas cruzadas sobre o sofá, meus tênis estavam no chão a minha frente. A mão de Jill estava a alguns centímetros do meu ombro. Estávamos a ver mais um intervalo. As últimas cenas mostradas eram flashes de lutas antigas onde Erika havia defendido seu cinturão. Aquela era a vigésima oitava defesa dela, afinal ela havia mantido a invencibilidade na categoria Bantamweight por quase 5 anos. Erika detinha o título desde que a categoria Featherweight feminina foi aberta. Aquela era a 6 defesa de título do ano.

Nas minhas mãos eu tinha um pacote grande de M&M’s e tentava relaxar minhas costas no sofá, mas não estava tão fácil assim. Apesar de tudo eu ainda achava muito estranho ter aquela terceira presença em casa nessa hora. Mais alguns minutos, mais cenas de lutas de Erika, mais cenas de vitórias dela. Eu sorria sem notar a cada vez que Alex aparecia ao lado dela nos finais de lutas. Estava torcendo imensamente para ela conseguir chegar a tempo.

A luta começaria em 50 minutos e eu me cansei de comer doces e salgadinhos. Peguei meu celular e procurei pelos contatos o telefone da pizzaria onde sempre comprávamos. Perguntei qual sabor Jill iria querer, ela perguntou qual costumávamos pedir. Quando falei que geralmente seria calabresa e frango ela disse que poderia ser qualquer uma dessas. Fiz o pedido de uma grande de frango, uma média de calabresa e outra média de quatro queijos e soltei o celular ao meu lado para prestar atenção na cobertura ao vivo que o canal ia iniciar.

Eu estava concentrado no apresentador que narrava a imagem na tela de uma van preta deixando o hotel onde Erika estava quando senti Jill socar meu braço.

— Seu celular – ela me avisou antes que eu pudesse reclamar da forma indelicada de chamar minha atenção.

Peguei o aparelho vendo que era Erika e o atendi, até me esquecendo de que Jill estava ao meu lado.

— Oi mãe – falei voltando a olhar a imagem na tela e imaginando que ela estava dentro da van enquanto me ligava.

— Boa noite meu garoto— ela disse e pude sentir um tom triste em sua voz.

— Mãe Alex não chegou ainda? – perguntei já entendendo o porque o tom dela estava daquele jeito e ouvi ela soltar um suspiro cansado – Ela vai chegar. Eu sei que vai.

— Eu não consegui falar com ela ainda. Tentei antes de te ligar— ela continuou com um suspiro – Eu realmente quero que ela consiga, mas eu liguei pra saber como você está. Você e James estão assistindo tudo ai em casa?

— Sim mãe, estamos – respondi sorrindo, o jeito protetor dela comigo não sumiria nem quando eu tivesse 40 anos, disso eu tinha certeza – Mas é você quem está indo lutar. Eu quem deveria estar perguntando como você está.

— Você me conhece Art— ela falou rindo num tom de brincadeira – Vai dar tudo certo, treinei pra isso.

— Eu sei que sim – sorri encarando a televisão que mostrava outra van saindo de outro hotel, quando ia falar mais alguma coisa a campainha toca – James vai pegar as pizzas! – falei pro meu amigo que ainda estava largado no sofá mesmo com o som irritante, quando ele se levantou eu voltei ao celular – Vai dar tudo certo, mãe. Ela vai chegar a tempo de ver você ganhar e eu vou estar aqui assistindo tudo com James. Quando vocês voltarem vamos comemorar.

— Com certeza que vamos — ela me respondeu soando um pouco mais animada – Eu tenho que desligar filho. Estamos chegando e logo eu vou ter que descer. Amo você Arthur.

— Também te amo mãe. Boa luta – desejei antes de desligarmos.

Pela transmissão eu vi a van dela parar em frente a entrada e Erika sair usando um jeans preto e uma jaqueta azul com os braços brancos. Era a jaqueta do uniforme da academia dela. Respirei fundo e senti o cheiro das pizzas que James deixou em cima da mesa de centro depois de Jill abrir um espaço para elas.

— Tia Alex não chegou lá ainda? – perguntou James e eu notei que ele tinha prestado atenção na conversa.

— Parece que não – respondi suspirando – Mas mãe disse que tentou ligar pra ela e não conseguiu. Espero que seja porque ela está num avião voando para ver a luta.

Começamos a comer as pizzas enquanto prestávamos atenção na movimentação dentro e fora da arena onde aconteceria a luta. Estava quase na hora de começar e as câmeras mostravam um pouco da preparação de cada lutadora nos vestiários. Eu não conseguia mais comer e apenas virei o resto de meu refrigerante quando vi Erika sozinha em seu canto no vestiário se concentrando. A adversaria foi anunciada e as câmeras focaram apenas nela até que toda a conferencia pelo juiz fosse feita e ela entrasse no octógono.

Então anunciou-se o nome de Erika e a câmera cortou ara a saída do vestiário onde ela estava. A morena veio caminhando de cabeça baixa com um moletom verde por cima dos ombros e cujo capuz lhe caia sobre a cabeça. Reconheci o moletom preferido de Alex e suspirei desejando mais do que tudo que ela estivesse lá. Ela foi caminhando entre a infinidade de pessoas, sempre com a cabeça baixa e o olhar para o chão.

— Eu sempre quis saber – ouvi a voz de Jill, mas não virei meu rosto – Por que ela faz isso? Porque nunca olha pra nada nem ninguém quando entra no octógono??

A ouvi questionar e sabia que a pergunta era para mim. Eu sabia o porque exato, cada motivo e razão por trás daquilo. Mas era algo pessoal demais, muito além de mim. Não me senti confortável para contar isso ainda para ela. Então me limitei a suspirar enquanto encarava Erika se aproximar do octógono.

— Ela fez uma promessa quando começou logo antes começar a treinar numa academia boa – falei apenas um pouco mais alto que um sussurro – Jurou que nunca olharia para a plateia e o público antes de uma luta.

Quando terminei de falar achei que ela fosse me questionar mais. Entretanto, me surpreendi quando, depois da minha longa pausa, vi de relance ela assentir em concordância e ficar quieta apenas olhando a televisão. Fiquei agradecido por ela não tentar pressionar uma resposta melhor. A cada instante Jill se provava uma pessoa mais confiável e eu não sabia ainda se era bom ou ruim.