Entrei na cozinha com um pouco de sono ainda, com o começo dos treinos de Carlos eu havia alterado minha rotina de exercícios e ia para a academia todos os dias com ele para ajudar nos treinos. Por conta disso passei a ficar até após o fechamento com ele enquanto ele fazia a manutenção dos equipamentos, tanto pra ensiná-lo quanto para supervisionar. A consequência disso é que passei a chegar muito mais tarde em casa e, por isso, dormir mais tarde também e ainda não havia me acostumado. Encontrei apenas Erika em frente à bancada com um prato de torradas com geleia e ovos mexidos. Fui direto para a frigideira em cima do fogão para pegar o que restava dos ovos, mas a voz dela me impediu de continuar.

— Sua mãe quer falar com você – ela me disse séria e parei surpreso com o tom de voz – Ela tá te esperando no escritório.

— Tá tudo bem? – questionei um tanto temeroso e Erika deu um meio sorriso me estendendo a torrada que estava no prato dela.

— Só vai falar com Alex logo – ela me disse me deixando ainda mais confuso com aquela situação, mas apenas aceitei e peguei a torrada mordendo-a antes de sair da cozinha e indo na direção do escritório que ficava no térreo perto dos fundos enquanto mastigava.

Alex estava sentada do lado de lá da mesa com alguns papéis e o notebook aberto a sua frente. Quando abri a porta ela me olhou por cima da tela e só fez um gesto para que eu entrasse enquanto apertava mais algumas teclas no aparelho e o colocava para o lado enquanto eu entrava e me sentava na cadeira em frente, com a mesa de vidro entre nós.

— Bom dia, mãe. Tá tudo bem? – perguntei antes de colocar o último pedaço da torrada na boca para mastigar enquanto ela me respondia.

— Bom dia – ela disse se mantendo séria e me deixando apreensivo – Vamos ter certeza agora se está. Aconteceu algo muito interessante essa semana sabe – ela começou sem me dar tempo de refletir o que poderia ter de errado e eu apenas engoli prestando atenção nela – Eu mandei um grupo de currículos de volta pra equipe indicando os que eu havia selecionado para a próxima fase da seleção, acho que você lembra que Hank está se afastando por causa da esposa e nós já queríamos aumentar o grupo de segurança – eu concordei com a cabeça sobre aquela informação, sabia muito bem disso e já estava compreendendo qual o caminho que essa conversa iria tomar – Pois então, eu selecionei quatro currículos pra próxima fase e mandei para o Lion. O interessante é que ele me ligou ontem, totalmente confuso, porque um dos currículos que eu selecionei não a nossa equipe quem me mandou.

Alex me encarava fixamente e eu devolvi o olhar em silêncio. Ficamos ali nos olhando por muito tempo, ela parecia esperar que eu dissesse algo, ao mesmo tempo eu estava decidido a não me delatar tão rápido. Como eu já esperava Alex não teve paciência de ficar ali por muito tempo e rolou os olhos pra mim não muito depois, fingi inocência e notei o início do sorriso no canto dos lábios dela.

— Ok, garoto, chega de palhaçada – ela disse já com o sorriso aumentando – De quem é o currículo? Já sei que foi você quem colocou ele no meio dos meus papéis no começo da semana quando, vi você saindo do escritório um dia e liguei os pontos.

— Você pretende desconsiderar sua pré-seleção? – foi a primeira coisa que falei, precisava saber se ela ia manter a seleção do currículo de Martin ou se já o havia descartado.

— Quem faz as perguntas aqui sou eu rapazinho – Alex se levantou e deu a volta na mesa se apoiando com o quadril no vidro e cruzando os braços logo ao meu lado – Vai me falar de onde surgiu esse currículo ou terei que tomar medidas drásticas?

— Medidas drásticas, mãe? – a encarei notando o ar de riso e Alex só riu de mim mesmo, mas decidi abrir um pouco o jogo – Se você desconsiderou a sua pré-seleção eu te falo, se ainda está considerando manter ela então eu prefiro que você termine as etapas e decida quem vai admitir na equipe. Essa decisão tem que ser tomada por você sem nenhuma interferência minha.

— Ninguém sabe que você colocou esse currículo aqui, não é? – ela me perguntou um pouco mais séria, mas ainda com um tom de riso no fundo – É algum amigo seu que não aceitaria sua interferência assim e ficaria bravo se eu desse o emprego por sua causa – foi uma afirmação, mas eu não neguei e Alex sorriu compreendendo bem a situação – Eu já tomei a minha decisão antes de falar com você Art. Tava imaginando que era algum amigo seu, mas minha decisão não é baseada em você. Agora – ela fez um gesto me chamando para me levantar – Eu tenho certeza de que fez isso para ajudar, com boas intenções, mas vamos evitar mexer nas minhas coisas sem me consultar, combinados?

Eu a abracei deixando claro que havia entendido o recado e pedi desculpas por ter me intrometido além de prometer que não iria voltar a fazer algo do tipo. Ainda tentei descobrir qual havia sido a decisão dela, mas não consegui absolutamente nada e me conformei indo para a cozinha com ela para terminarmos o café e eu seguir para a aula. Não adiantei nada pra Jill, não quis criar expectativas sendo que eu nem tinha uma informação concreta, por isso segui minha rotina normal. Participei das aulas, depois fui com Carlos para a academia e, depois de deixar ele em casa, voltei a tempo de jantar com Erika e Alex.

No início da nova semana foi quando a notícia surgiu. Chegamos, James e eu, no estacionamento e Jill estava sentada em sua moto nos esperando. Assim que saí do carro ela me abraçou forte me pegando de surpresa. James nos encarou ainda mais confuso que eu e ficamos mais confusos outra vez quando ela me deu um empurrão e acertou um soco relativamente forte no meu ombro.

— Que é que tá acontecendo? – James perguntou, colocando os braços sobre o teto do carro, enquanto eu ainda estava chocado demais com as ações da nossa amiga.

— Não se se minha vontade maior é encher essa sua cara bonitinha de soco por não ter me contado que deixou um currículo do meu tio com tua mãe ou se te agradeço por ter feito isso – ela falou com a mão fechada na frente do meu rosto.

Ri da reação dela, mas ergui as mãos demonstrando que queria evitar os socos. Já James ficou ainda mais confuso por não entender o que estava acontecendo.

— Tio Martin recebeu um telefonema ontem – ela começou se sentando na moto estacionada logo a minha frente – Era a equipe da sua mãe, informando que ele havia sido selecionado para a etapa de entrevistas para o cargo de segurança da equipe. Nós nem acreditamos, tu não tinha me dito nada sobre ter deixado um dos currículos dele nessa seleção.

— Eu não tinha contado pra ninguém que havia colocado o currículo dele nessa seleção, Jill – admiti sorrindo e puxando a minha mochila do banco de trás do meu carro – Minha mãe não sabia de quem era, só depois descobriu que fui quem colocou ele no meio dos outros.

— Então não foi nenhum tipo de indicação sua? – Jill perguntou séria e percebi que esse era uma insegurança que estava na cabeça dela e, provavelmente, na de Martin também.

— Não foi nenhuma indicação. Alex só descobriu que era um currículo fora dos que a equipe trouxe pra ela quando selecionou ele para a fase seguinte e devolveu os escolhidos para o responsável – contei a ela e acho que James começou a entender o que estava acontecendo e parou ao meu lado esperando a conversa terminar.

Ficamos mais alguns minutos ali onde acabamos explicando por alto o que havia acontecido ao meu melhor amigo. Mas não demoramos muito porque Jill recebeu uma mensagem de Lillian perguntando onde estávamos. Entramos e seguimos nossas aulas normalmente, ou ao menos o que estava sendo o normal desde que descobriram quem eu era. A maioria dos alunos ainda me encaravam com um misto de curiosidade e interesse, mas notaram que eu não seria feito de idiota com ‘novos amigos’ surgindo na minha rotina. Ainda assim, percebi que certos alunos, os mais populares, ainda estavam muito incomodados comigo e com a atenção que eu passei a receber.

James me contava que estava incomodado, principalmente com o pessoal do time de futebol. Segundo ele, os amigos de Mattheus estavam agindo estranho, se reunindo nos treinos e incomodados com ele. Felizmente, sendo o capitão do time e o jogador de confiança do treinador, ninguém estava muito disposto a fazer algo contra ele. Isso me deixava preocupado, não queria que meu melhor amigo sofresse com essa situação que era unicamente problema meu, mas ele me tranquilizou dizendo que estava mais do que feliz em me apoiar nessa situação. De toda forma, percebi que James passou a evitar os colegas de time e a ficar mais tempo conosco.

O lado bom é que percebi a confiança se estabelecendo entre todos nós e meu amigo, naturalmente desconfiado, passar a se sentir mais confortável com meus novos amigos. Eu sabia que essa situação ainda teria desdobramentos por mais algum tempo, principalmente com a primeira audiência do processo contra Mattheus se aproximando. Mas, até ali, eu estava me mantendo tranquilo com tudo e até feliz com as coisas boas que estavam ocorrendo. Eu poderia ter que enfrentar alguns problemas com mídia e garotinhos mimados, mas pelo menos sentia meu grupo de amigos cada vez mais ligado e sabia que poderia contar sempre com o apoio deles.