Dude estava dormindo em um dos meus travesseiros quando saí do meu banheiro nessa manhã de domingo. Acho que ele, definitivamente, não havia gostado da cama acolchoada que comprei pra ele ontem a tarde. Ele era um gato muito calmo e simples pelo que pude notar da nossa convivência de menos de 24 horas. Tinha que admitir que ele se parecia com Jill; os dois eram calmos e discretos. Ouço Alex me chamar para o café da manhã e pego ele nas mãos acordando-o. O pequeno filhote pisca os olhos de um jeito fofo e depois se encolhe na minha mão me ignorando completamente e voltando a dormir.

Acredito que ele não tenha dormido muito essa noite, mas não sei o porquê. Antes de eu finalmente dormir ele ainda estava acordado e andando pelo meu quarto explorando os lugares e não parecia estar com vontade de dormir. Desci as escadas e entrei na cozinha, tomamos café e Erika decidiu ir com Alex para o estúdio, algo sobre uma reunião. Fui convidado, mas decidi ficar em casa hoje.

Elas haviam acabado de sair e eu estava colocando comida para o gato quando a campainha tocou. Fui até a porta deixando, mas logo antes de chegar ouvi o miado do pequeno que havia me seguido e, quando olhei para baixo vi ele passar por entre meus pés e colocar as patas dianteiras contra a porta. O peguei no colo antes de abrir a porta da frente.

Jill estava parada ali, as mãos nos bolsos de trás dos jeans claros, a jaqueta de couro de sempre estava aberta mostrando uma blusa branca. A primeira coisa que ela viu foi o gato, porque ele estava miando para ela. Eu o estendi na direção dela e Jill abriu um enorme sorriso enquanto pegava o pequeno nas mãos e o colocava contra seu peito onde ele se aconchegou como se sentisse saudades dela. O que talvez fosse o caso.

— Entra – falei abrindo espaço e ela caminhou para dentro da minha casa acariciando o gatinho – Como foi com seu tio? – perguntei quando chegamos na sala.

— Melhor do que eu esperava – ela respondeu me olhando e dando um sorriso aliviado quando se sentava no sofá.

Me sentei na outra ponta e a encarei esperando pela história. Jill riu por minha reação em ficar encarando-a e, claramente, esperando a continuação. Depois de respirar fundo ela deixou Dude em cima do sofá e começou a contar.

— Brigamos um pouco quando eu cheguei – ela contou e eu fiquei sério – Na verdade ele brigou comigo por ter sumido de casa. Vamos dizer que fui duramente repreendida e que ele ficou realmente preocupado comigo por não atender suas ligações. Mas depois ele me pediu desculpas pelas coisas que falou sobre Dude – contou Jill olhando para o filhote – Fui proibida de pegar turnos extras pra manter Dude. Meu tio disse que vai me ajudar se eu precisar, que preciso providenciar logo um lugar descente pra ele e tenho que me comprometer a cuidar dele da forma certa.

— Veio busca-lo então – falei sorrindo e ela sorriu de volta acenando e fazendo carinho no gato que não saia de perto dela.

— Sim. Arthur eu agradeço demais por você ter ficado com ele. Muito obrigada mesmo, eu não teria mais ninguém além de você – ela disse se levantando, provavelmente porque pretendia ir embora.

— Não foi trabalho nenhum – falei levantando também – Mas espera um pouco que vou buscar umas coisas do Dude pra você levar.

— Como assim coisas dele? – ela perguntou segurando Dude no colo e eu a chamei com um aceno para me seguir – Arthur eu não trouxe nada dele. Aliás ele não tem nada ainda.

— Bem, agora tem – falei guiando o caminho pela escada e pelo corredor de quartos até a minha porta – Eu não sabia quanto tempo ia ficar com ele e não podia simplesmente deixar o gatinho em qualquer lugar. Ontem depois que você saiu eu fui comprar algumas coisas pra ele – falei abrindo a porta e entrando o meu quarto enquanto olhava por cima do ombro vendo ela entrar um tanto acanhada ali dentro – Bom, primeiro eu precisava comprar comida pra ele, até porque me dei conta de que não sabia se apenas leite era o suficiente. De toda forma não foi nada muito trabalhoso e eu apenas comprei algumas coisas.

— Você não precisava ter comprado nada – ela disse suspirando – Não queria te dar um trabalho desnecessário. Ele tem algumas coisas em casa, mas não lembrei delas quando trouxe ele. Me desculpe por isso.

— Não foi problema nenhum Jill – falei pegando uma sacola que estava em cima da minha escrivaninha – E depois, foi divertido ir a um pet shop outra vez. Me lembrou que eu quero voltar a ter um cachorro. E não me culpe pela quantidade, Alex foi comigo e ela meio que se empolgou rápido demais – contei dando um riso sem graça, afinal, Alex havia comprado pelo menos umas 20 embalagens de comida para gato.

— Então eu te deixo sozinho por um dia e você sai com Alex Lancaster? – ouço Jill perguntar e, quando olho para trás ela tinha Dude na altura de seu rosto encarando-a – Você é um cara de sorte Dude – completa ela rindo.

— Aqui está tudo – digo trazendo a duas sacolas grandes – Tem uma caixa de areia também com areia extra. Não me culpe, foi Alex quem comprou – me apresso em dizer quando vejo ela arregalar os olhos.

— Vocês realmente não precisavam ter feito tudo isso – ela disse me olhando com um olhar agradecido e um sorriso tímido; algo me disse que nunca ninguém havia feito nada por ela dessa forma.

Dei de ombros e coloquei a sacola nas mãos dela. Jill logo foi embora dizendo que precisava voltar logo para casa porque não queria preocupar seu tio outra vez. Por um momento eu tinha ficado apreensivo com esse tio, mas agora eu podia dizer que entendi o ponto dele. Aparentemente os dois eram sozinhos e, pela personalidade de Jill, eles provavelmente não tinham muitas conversas profundas. Mas apesar disso ficou mais claro pra mim que ele apenas tentava cuidar dela da maneira que podia, apesar de ela não parecer precisar disso.

Naquela noite eu expus minha vontade de arrumar um cachorro e Alex ficou completamente do meu lado. Pelo visto a nossa visita ao pet shop não havia influenciado apena a mim. Erika tentou argumentar que parávamos muito pouco tempo em casa para poder cuidar de um filhote. Sugeri que adorássemos um animal mais velho depois disso e ela tentou nos convencer de que não era uma boa hora para ter um novo animal de estimação. Mas no final do jantar Alex e eu já havíamos mudado a cabeça dela e ficou decidido que iriamos adotar um cachorro nas próximas semanas, mas Erika impôs a condição de que seria ela a escolhe-lo.

Na segunda a rotina parecia ter voltado ao seu normal dos últimos dias. Encontrei Jill no estacionamento, ela me agradeceu novamente por ficar com Dude. Seguimos juntos para as primeiras aulas que transcorreram calmas sem nenhuma novidade. As provas estavam se aproximando, mas estávamos tranquilos quanto a isso. Durante o almoço nós conversamos um pouco, mas depois ela se juntou a seus outros amigos e eu acabei encontrando James. Meu melhor amigo me contou que já haviam boatos circulando pela escola a respeito de Jill. Mais especificamente a respeito dela estar possivelmente saindo com uma das garotas do grupo que costumava andar com ela.

Não prestei muita atenção a esse comentário, eu não queria me meter na vida dela. A ultima vez que conversamos sobre um assunto mais sério acabamos por ficar dias sem conversarmos direito. Preferi manter minha curiosidade para mim a respeito da garota, que imaginei ser a de cabelos castanhos que vi abraçar Jill em várias ocasiões. As aulas continuaram e, no último período, eu e ela nos sentamos mais perto para conversar um pouco sobre o próximo projeto que o Sr. Tomson tinha proposto. Seria um projeto individual, mas não haveria problema nenhum em trocar ideias com os colegas.

Após terminarmos os exercícios da aula, e eu até fazer parte dos que eram para a próxima aula, Jill e eu começamos a conversar sobre nossas possibilidades de assuntos para o trabalho. Seria um trabalho escrito sem apresentação oral onde deveríamos fazer uma análise de alguma obra clássica de nossa escolha. Conversávamos sobre nossas opções quando o sinal tocou e nos levantamos. Jill guardou suas coisas mais rápido e disse que me encontraria no estacionamento depois de ir entregar um livro para alguém. Tínhamos combinado logo no começo da conversar que iriamos até a minha casa para vermos quais das obras tinham um exemplar na nossa biblioteca.

James estava tendo uma reunião com o resto do time. Havia uma pequena aglomeração de líderes de torcida e alguns de seus namorados na saída para a parte de trás do estacionamento que era a mais próxima do ginásio onde a reunião do meu melhor amigo estava acontecendo. Elas provavelmente estavam ali esperando as amigas que esperavam seus namorados do time de futebol. Me sentei sobre a tampa traseira do meu carro e fiquei esperando que um dos meus amigos aparecesse.

Não demorou cinco minutos e eu vi o grupo de Jill sair pela porta. Estavam em 4 pessoas, incluindo Jill. Uma delas era a garota de cabelos castanhos que agora eu pude notar ter traços latinos. Havia também dois rapazes, um alto e magro com cabelos pretos e pele clara e outro mais baixo que também era magro e com cabelo preto, apenas um pouco mais comprido. Jill andava perto do rapaz mais baixo, os dois um pouco para trás. Ainda haviam quase 10 líderes de torcida perto da porta. Quando Jill passou por elas seu olhar se fixou em uma delas. A garota de cabelos castanhos claros soltos na altura dos ombros estava usando um uniforme e sustentou o olhar de Jill.

Vi minha amiga sorrir para a garota, um sorriso de canto enquanto ela encarava todo o corpo da líder de torcida. Antes que elas se afastassem a garota sorriu de volta para Jill que deixou seu sorriso aumentar e virou o rosto para seguir em frente. Mas antes que ela pudesse se afastar muito um dos jogadores entrou na frente dela empurrando-a para trás e quase fazendo com que Jill caísse. De longe observei que uma discussão começava.

Vários outros jogadores estavam se juntando ao redor deles impedindo minha visão do que acontecia. Olhei ao redor e notei que James não estava em nenhum lugar a vista, provavelmente tinha ficado para conversar mais um pouco com o treinador. Ouvi as vozes alteradas e alguns dos jogadores começarem a rir e a falar coisas que não conseguia entender por estarem falando ao mesmo tempo. Pensei por um segundo se deveria ou não me aproximar.

Aquilo não parecia caminhar para um desfecho agradável. Eu provavelmente me envolveria num grande problema, mas sabia que iria me arrepender se não fosse até lá.