O país do Carnaval escrita por Stella


Capítulo 1
O país do Carnaval




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Nada melhor que acordar bem cedo ao som de uma marchinha de carnaval. Todas as manhãs, às seis em ponto, Carmen ouvia “Acorda, Maria Bonita” tocar num volume altíssimo. Aquele canto acompanhado de percussão dançante era o aviso de que um novo dia de trabalho estava começando. De vez em quando, ela ainda dava uma enroladinha antes de se levantar do colchonete, mas dessa vez ela se levantou na rapidez de um tiro, com toda a disposição e coragem que pôde reunir. Deu bom dia aos colegas da fábrica, engoliu o café na maior pressa e foi direto ao trabalho. Estava animada e cheia de planos para a noite. Dessa vez, cumpriria a meta de produção diária antes das 20. Teria tempo e disposição pra sair à noite e cair na folia.           

Começou a desenrolar com agilidade as bobinas de papel. Os alto-falantes fixados nas paredes vibraram com o som de um samba-enredo dos mais contagiantes. Carmen pensou na importância de sua função naquela fábrica. Se ela não estivesse ali para desenrolar as bobinas de papel, a Dona Lúcia não poderia colocar o papel na máquina. A máquina, por sua vez, não picotaria aquele papel em pequenos círculos coloridos, e Francisca e Grazielle não poderiam pesar a quantidade exata e depois lacrar os sacos. Carmen era uma desenroladora de bobinas de papel, mas isso era essencial para o futuro do país. Sem o trabalho dela, não haveria confete. Sem confete, não haveria carnaval. E sem carnaval, não haveria Brasil.                                       

A Dona Lúcia, operadora da máquina de cortar papel, começou a repetir de novo que, na época em que a mãe dela era mocinha, o carnaval não era essa festa maravilhosamente eterna que todo mundo estima e ama. Antigamente, durava só quatro dias. E aquela história intrigava Carmen.                                                  

E o que as pessoas faziam durante todos os outros dias do ano? ela perguntou.    

Ih, antes da lei do “Carnaval Sem Fim”, viver no Brasil era uma chatice insuportável Dona Lúcia respondeu. Todo mundo de mau humor, reclamando do trânsito, da educação, dos políticos e de não sei mais o quê. 

E aí, Dona Lúcia continuou a explicar, com um ar de conhecimento e sabedoria, que assim que a lei foi implementada, o mercado teve que se ajustar às novas necessidades. Uma festa que não acaba nunca é uma maravilha, mas também dá um trabalho danado. O pessoal que trabalhava com venda de vestidos de noiva e de ternos, por exemplo, teve que se adaptar e entrar no ramo de aluguel de fantasias. Afinal de contas, quem é o doido que vai se casar em pleno carnaval? Mas ao mesmo tempo em que certos setores da indústria foram extintos, outros ajudaram a impulsionar a economia do país. As empresas fabricantes de cerveja, de camisinha, de purpurina, e também os tocadores de cuíca, começaram a ter um lucro de mais de 200 por cento ao ano.       

Aquela conversa ia dar pano pra manga, e Carmen achou melhor cortar o papo e focar no trabalho. Precisava se esforçar ao máximo pra cumprir a meta do dia. Antes de dormir, ela costumava acompanhar pela televisão os desfiles das escolas de samba do Rio, mas naquela noite, veria tudo ao vivo. Ia sair na rua, sambar até ficar troncha, agarrar um cara qualquer no meio da calçada e dar um beijo de língua sem nem perguntar o nome.         

Mas quando a meta diária de confete finalmente foi atingida, às 22 horas, Carmen estava com as costas doendo, os braços quase dormentes de tanto desenrolar papel, a planta do pé ardendo e a cabeça latejando por causa dos sambas e marchinhas que tocavam em volume ensurdecedor durante todo o expediente.          

 É, não ia rolar de sair pra pular carnaval. De novo, Carmen estava acabada demais pra isso. Tudo bem, ela sussurrou para si mesma. Não foi dessa vez. Mas amanhã seria outro dia de trabalho, e talvez ela conseguisse poupar energia pra ir farrear à noite. Amanhã, sim. Amanhã ela ia sambar até cair dura no chão da avenida, e seu corpo coberto de purpurina seria soterrado por montanhas coloridas de confete.

 


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