@Stinkerbell escrita por Human Being


Capítulo 1
#EsqueceramDeMim




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Seu nome é Yuri Plisetsky, e ser Yuri Plisetsky é uma merda.

Pelo menos é isso que o patinador artístico de quase dezessete anos pensa de sua vida.

E no caso de algum desavisado dizer que é muito cedo para um rapazinho de sua idade ser assim tão pessimista, ele tem ótimos argumentos para provar seu ponto.

Primeiro, ele teve que perder a final do Grand Prix de Patinação Artística em Marselha por causa de um entorse no tornozelo que o meteu em uma tala gessada por umas três semanas. E, como desgraça pouca é bobagem, ele ainda teve que assistir de camarote ao desenrolar dos fatos seguintes à medalha de ouro de Yuuri Katsuki, que também quebrou seu recorde mundial no programa curto. Isso deixou Viktor Nikiforov, seu técnico-e-colega-de-competição, com uma talvez inédita medalha de prata.

Obviamente que o imbecil não só beijou a medalha do Leitão, como também cumpriu sua promessa de casar com o Lombinho algumas semanas depois. Ah, para qualquer idiota que lhe disser que isso é uma ‘sucessão de fatos surpreendentes’, ele vai ser bem rápido em dizer que ele, por exemplo, sabia de antemão que era exatamente isso que ia acontecer.

E é evidente que Yakov Feltsman, seu técnico, e Lilia Baranofskaya, sua coreógrafa, o arrastaram até a merda da cerimônia informal de casamento; dizendo ainda por cima que o certo seria que ele carregasse as alianças.

Puta que o pariu, até o Yakov estava começando a criar sentimentos carinhosos pelo Porquinho, era só o que faltava.

Mas o romance barato de banca de jornal que era a vida cotidiana do idiota do Viktor e seu Katsudon conseguia ser melhor do que o resto dos seus problemas recentes.

Pra começar, mesmo que ele já estivesse livre da merda da tala, ele ainda não estava liberado para saltos e rodopios, só os aquecimentos e as sequências de dança. Ou seja, treininho café-com-leite. E claro que isso quase o fazia chorar de tédio.

Mais irritante do que isso, porém, era ver em primeira mão como Yakov e Lilia estavam ficando tantas vezes que já dava para dizer que eles tinham voltado a ter um relacionamento. Ele até tinha o pressentimento que, qualquer dia desses, ia dar de cara com o velho na farmácia, comprando viagras e camisinhas.

E ele que achava que a vida sexual do Viktor e do Leitãozinho era a coisa mais nojenta que ele podia imaginar.

Só que, por alguma razão que sua mente desconhecia, Yakov e Lilia não queriam abrir para todo mundo que estavam, bem, voltando. Como se não fosse óbvio até pra uma pessoa com um Q.I. de dois dígitos que era exatamente isso que estava acontecendo. Não, sério, porque era ridículo ver os dois imbecis suspirando um para o outro enquanto fingiam pro resto dos mortais que não estavam juntos.

E ele ainda tinha que aguentar a falta de empatia das pessoas com seus problemas.

Ora vejam só, até a Mila, quando ele foi atrás dela pra ter uma porra de um ‘ombro amigo’, respondeu pra ele que ele ‘tinha mais é que arrumar uma pessoa pra transar’ em vez de ficar prestando atenção na vida alheia. Tipo, caralho, cara, a vida dele era essa merda e ela ainda vem lhe dizer isso?

E não era como se a vagabunda não estivesse tentando fazer exatamente o que ela tinha falado pra ele fazer, também.

Ah, sim. A cereja do bolo de sua vida miserável era que Otabek Altin, o Herói do Cazaquistão, estava agora treinando no rinque de São Petesburgo sob a ‘desorientação’ do Yakov.

Isso era pra ser uma coisa boa. Tipo, o Otabek era seu melhor amigo e um oásis de sanidade no meio do hospício que era aquele rinque. Mas aí a Mila botou naquela cabeça dura dela que ia dar pro cara - como se isso não fosse a coisa mais fodidamente nojenta da face da terra. E ele tentou avisar aquela louca que isso era uma ideia ruim pra cacete.

Porque, né, vamos combinar que de hétero, o Otabek não tem nem a cara.

Justiça seja feita de que ele não é tão pintoso quando o Viktor, ou o marido suíno dele, ou o Christophe Giacometti, ou… Vá, essa velha senil vai resolver procurar homem hétero no meio da patinação artística? Ela acha o quê, que isso é hóquei? A essas alturas do campeonato ela tinha que saber que procurar homem hétero na patinação artística é coisa de gente pinel. Não porque ele achasse que patinação era coisa de gay, mas… todo mundo que ele conhecia dentro da patinação era gay. A diferença é se o cara tava dentro ou fora do armário.

E claro que isso inclui o babaca do JJ Leroy, mesmo com seu papinho de ‘hétero topzera pega-todas-na-balada’.

Assim, talvez - taaaaalvez - a única exceção fosse o Georgi Popovich. Mas isso estava bem longe de ser um pensamento animador.

Para piorar sua situação crítica, essa semana o Yakov achou que o tinha visto mancando na perna do tornozelo machucado. Isso lhe custou uma ressonância e uma semana de repouso forçado, longe do rinque que era pra ele nem sequer ter ideias.

— Mas não pense que você vai vagabundar só porque está longe dos patins. - Disse Yakov. - Você pode não estar treinando, mas tem bastante coisa para fazer.

— Hoje à noite você vai assistir o Skate Canada e avaliar cuidadosamente os programas livres dos outros atletas. - Lilia completou. - As sequências de dança deles podem ser um começo para que melhoremos a nossa.

Dito isto, o casal de velhos gagás saiu pela porta para um “jantar romântico” que, por ele, podia durar a noite inteira - porque ele não queria sequer imaginar o que ia acontecer dentro daquela casa se os dois chegassem juntinhos e abraçados para depois acabarem no mesmo quarto.

Então lá estava ele, sozinho em casa com seu laptop e a rede wi-fi da casa da sua coreógrafa.

— Esses velhos não podem tar falando sério - Ele resmungou enquanto entrava no streaming da ESPN. - Como se eles não estivessem carecas de saber que a galera boa de verdade tá aqui, não na porra do Canadá. Quem eles querem que eu assista? O JJ? O Michele? O Cristophe? Puta perda de tempo do cacete, eu tinha mais o que fazer.

Na verdade, porém, ele tinha sim tentado se programar para ver o Skate Canada. Com o Otabek. Que o dispensou com uma mensagem de texto tipo ‘Foi mal. Cinema’; pra ele saber depois que ele tinha ido pro cinema com a Mila.

Então que, né, ser Yuri Plisetsky é uma merda do caralho.

Enquanto ele assistia o streaming da ESPN - não porque o Yakov mandou, mas porque ele não tinha outra coisa pra fazer sozinho naquela casa - o sotaque do narrador canadense começou a irritá-lo. Tipo, puta merda, já lhe era difícil acompanhar o sotaque americano, o canadense era pior ainda.

Mais irritante do que isso, porém, era o fato do narrador estar descaradamente rasgando seda para o JJ.

— Quer saber - Ele se levantou da cama num pulo. - Eu não sou obrigado a passar por isso.

Chegando na cozinha, Yuri começou a revirar a geladeira atrás de alguma coisa para comer. Não que ele estivesse com fome, estava mais para tédio. Tanto tédio que, talvez, comer alguma coisa fosse melhor do que ficar vendo aquela palhaçada.

Para o azar dele, aquela era a casa de uma ex-bailarina que ainda era meio maníaca com a sua dieta. Ou seja: nada que se aproveitasse naquela geladeira; ele teria que se virar com a sua Fanta Laranja e os seus pacotes de Doritos.

Contudo, as perspectivas para aquela noite melhoraram significativamente quando ele abriu o freezer.

Porque lá ele achou uma garrafa aberta de vodka Stolichnaya.  

Era o crime perfeito. Porque Lilia podia ser rigorosa com sua dieta, mas com certeza gostava de tomar seus gorós. Assim como Yakov - esse sim que gostava, aliás. Então que a garrafa era compartilhada pelos dois com uma razoável frequência.

Isso significava que, se um deles percebesse que a garrafa estava mais vazia do que devia estar, pensaria imediatamente que foi porque o outro andou tomando umas doses.

Vá, não era como se ele fosse acostumado a beber. Seu avô era muito rígido pra essas coisas, não deixava ele chegar nem perto de bebida alcoólica e de cigarro. Mas ele sabia por outras pessoas que seu avô, nos tempos áureos dele, era bom de copo…

Ele sabia que não devia, realmente não devia fazer isso. Mas uma cabeça vazia é a oficina do diabo, e não há coisa mais próxima de ‘oficina do Diabo’ do que a cabeça de um Yuri Plisetsky morto de tédio.

Além do que ele era um Plisetsky. Tolerância alcoólica tem que estar no seu sangue, se é verdade o que falam por aí sobre seu velho.

E foi com esses pensamentos em mente que o patinador artístico de quase dezessete anos, medalhista de ouro em sua estreia na categoria sênior, encheu metade de sua garrafa de Fanta Laranja com vodka russa de primeira - e depois voltou para seu quarto.

OOO

— Hmmmmm - Yuri sorriu, tomando eu ‘hi-fi’ caseiro no gargalo. - Isso é que é jeito de assistir essa merda. Porque não tem a mínima condição de passar por isso sóbrio.

Mas era verdade. Agora que estavam acontecendo as apresentações da categoria sênior masculina, Yuri podia atestar que assisti-las bêbado era bem melhor do que assisti-las sóbrio, mesmo que com seus “amiguinhos”.

Que, aliás, foram bem rápidos em lhe chutar a bunda pra irem foder.

Sim, claro, ele estava falando daquela velha vagabunda da Mila e daquele enrustido do Otabek, que fica aí posando de macho quando ninguém, absolutamente ninguém está comprando essa história de merda. Nem a Mila. Vá, porque ela pode ser uma piranha, mas pelo menos não deve ser tão burra assim.

Ou então ela é, e nesse caso ela merece ser a próxima Isabella Yang.

Ele bebeu outro gole grande de sua fanta com vodka.

— Ooooo, olha lá, é o Michele. - Ele trouxe o laptop para mais perto e colocou-o em modo de tela inteira. - Ei, pera lá, ele tá usando uma roupa vermelha e dourada com um leão bordado? Tipo, é sério que ele tá usando uma porra duma roupa vermelha com um puto dum leão dourado?

Sem pensar duas vezes, ele se logou no Twitter para seguir a hashtag do Skate Canada. Alguém tinha que comentar alguma coisa sobre Michele Crispino entrando no rinque usando um leão dourado com vermelho, é absolutamente inaceitável que isso passe em branco e…

Milissegundos antes dele clicar em ‘send’ para mandar seu tweet pro mundo, ele pensou melhor.

Ele não podia postar uma coisa dessas como @yuriplisetsky. De jeito nenhum.

É pra isso que servem os fakes do twitter.

E é evidente que ele tinha seus fakes, criados para trollar uns fandoms na internet.

Era o crime perfeito. Todos os seus fakes eram criados a partir de emails temporários, impossíveis de rastrear. E sua conexão estava redirecionada para a Puta-que-pariu por um proxy porque é lógico que ele não ia baixar pornô na rede da casa da Lilia sem um proxy.

Yuri deslogou-se de sua conta principal e se logou novamente no twitter com um fake chamado @hOm3stuk_trAx.

Agora sim, ele podia ficar à vontade para soltar suas preciosas observações sobre o Skate Canada 2017.

OOO


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