A Marca do Pecado escrita por Kyra_Spring


Capítulo 8
Homecoming




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            Ed levantou-se, atordoado. Ele havia caído num lugar estranho, coberto por mato irregular e úmido. Estava muito escuro, o céu encoberto, e era impossível ver qualquer coisa além de um raio de dez centímetros dos seus olhos. Cambaleando, tentou dar alguns passos e tropeçou em alguma coisa mole. Abaixou-se para ver o que era e descobriu que era o doutor Strathmore.

            “Envy não os soltou, o desgraçado...”, ele pensou, e com cuidado começou a procurar por Tatiana, que certamente estava por perto. Ela estava poucos passos à frente, desacordada como o doutor. “Se os dois estão aqui, então... onde está aquele homúnculo maldito?”. As pernas estavam fracas e trêmulas, e ele foi obrigado a se sentar para não cair. Lentamente, a respiração foi voltando ao normal e seus olhos foram se acostumando à escuridão. Então, divisou algo amontoado no chão. Aproximou-se e tocou o tal objeto, mas logo afastou as mãos com repugnância. Eram tiras de pele ensangüentadas, provavelmente deixadas para trás por Envy. Logo, percebeu que elas formavam uma trilha, juntamente com poças de sangue vermelho-escuro que sumiam pela grama, mas não teve força para seguir as marcas.

            Ainda fraco, voltou para perto de Tatiana e de Daniel. Ele começava a voltar a si, com gemidos abafados de dor. A moça, porém, permanecia imóvel, e de repente um arrepio gelado percorreu toda a espinha de Ed. Com delicadeza, sentou-se perto dela e apoiou a cabeça da moça em seu colo, depois verificou o pulso dela. Constatou, com alívio, que ele estava normal, assim como a respiração dela. “Envy deve estar morto, a essa hora”, Ed pensou, não sem uma pontada de satisfação insana. “A travessia deve ter acabado de vez com a estrutura molecular dele, que deve ter se desmanchado por aí”.

_O que diabos aconteceu, hein? – disse o doutor, tentando se sentar – Parece que... que...

_Sim, doutor, estamos em Amestris – respondeu Ed, sem deixar o outro terminar – É claro que o nosso querido Envy deu uma ajudinha, mas estamos aqui, e aparentemente inteiros.

_Aparentemente, você disse bem – observou Strathmore – Você conhece a Troca Equivalente melhor do que eu, e sabe que provavelmente alguma coisa nos foi tirada.

_Talvez não – Ed deu um sorrisinho – Algo nos é tirado se tentamos fazer uma transmutação poderosa. A abertura da Porta é apenas uma conseqüência, e é por isso que perdemos algo quando a cruzamos, porque não oferecemos o suficiente para que a transmutação fosse completa. Nesse caso, não tentamos transmutar nada, apenas abrimos a Porta. E, de qualquer forma, acho que Envy foi uma moeda de troca bastante útil, apesar de tudo.

_Ele está morto?

_Provavelmente. Se olhar daquele lado, vai ver que ele andou deixando seus pedaços pelo meio do caminho. Talvez, por isso, estejamos inteiros.

            De repente, um gemido abafado se fez ouvir. Era Tatiana, que também voltava a si. Ela se levantou de um solavanco, de olhos arregalados, olhando em volta ofegante. Ed a obrigou a olhar diretamente nos olhos dele, e a abraçou forte. A moça começou a chorar, um choro de medo e de angústia que parecia estar oprimindo-a por horas.

_Ed... Ed... O que está acontecendo? – ela correspondeu ao abraço imediatamente – Onde estamos? E o meu avô? Eu quero voltar para casa!

_Tati... Tati, por favor, me escute! – ele a segurou pelos ombros e a fez encará-lo – Não dá pra explicar agora, mas não estamos mais no parque. E o seu avô... o seu avô... – mas não pôde continuar. A moça entendeu imediatamente, e seus olhos azul-safira se encheram de lágrimas – Sinto muito, tentamos salvá-lo, mas o Envy, ele foi mais rápido do que nós!

_Envy... Envy é aquela garota que se parecia comigo? – ela gaguejou, a voz trêmula e chorosa.

_Na verdade, Envy não é bem uma garota – o rapaz tentava explicar o que pudesse, sem chocá-la ou fazê-la pensar que ele era louco – Não dá pra explicar agora. Você está ferida?

_Acho que não, mas... – ela começou, mas Ed cortou:

_Então temos que sair daqui o mais rápido que pudermos. Vamos.

_Não! – ela gritou e se levantou, tremendo. As lágrimas corriam livres pelo rosto da moça, mas a expressão dela era dura e decidida – Você me deve uma explicação! Quero saber onde estou, o que houve com meu avô e o que aconteceu conosco!

            Ed recuou, assustado. Strathmore a encarou com pena. Ele entendia o que a moça estava sentindo, o medo, a revolta, o desejo de ver algo conhecido e familiar. Mesmo assim, nada disse, apenas observou. Edward, então, suspirou e disse:

_Sei o quanto isso vai parecer estranho, mas não estamos mais em Londres. Na verdade, nem na Europa. Estamos em Amestris, um país muito distante.

_E onde ele fica? – ela disse – Ásia? África?

_Na verdade, é um outro mundo – ele disse, e antes que ela pudesse transformar a expressão de assombro em palavras, continuou – Um mundo paralelo. O doutor Strathmore construiu uma máquina que podia nos trazer para cá. A verdade é que nasci aqui, e passei a maior parte da minha vida aqui.

_Não seja ridículo! – ela deu uma risada fria de desespero e incredulidade.

_Por favor, apenas me escute – ele implorou, sentindo tudo sair do controle – Aqui, desenvolvemos uma ciência chamada alquimia, e através dela podemos transmutar uma coisa em outra.

_Você está me fazendo de palhaça – ela já não estava mais tão segura – Só falta você dizer que vocês tentam transformar chumbo em ouro e produzir o elixir da vida com a Pedra Filosofal!

_A Pedra existe, só que não é isso que ela faz – ele continuou – A verdade é que os dois mundos, o nosso e o seu, são separados por uma Porta, que pode ser cruzada se tentarmos uma transmutação humana. Eu fiz isso, para trazer meu irmão de volta à vida, e fui mandado para Londres.

_Você está mentindo! – ela se desesperou – Quero voltar para casa, ouviu? Eu quero o meu avô, quero a minha casa, quero a minha vida!

            Ela correu às cegas, tropeçando e caindo o tempo todo. Ed tentou correr atrás dela, mas Strathmore segurou-o pelo braço. Mesmo assim, ele se soltou e continuou a correr. Ele era mais rápido, e logo se aproximou dela. Pôde ouvir que ela chorava, e tentou dizer:

_Por favor, acredite em mim! Eu nunca mentiria para você!

_Você é louco, isso sim! – ela berrou, em resposta – Fique longe de mim!

            Então, ele percebeu que de nada adiantaria tentar explicar. Num instante, bateu as mãos uma contra a outra e, depois, no chão. Então, Ed sentiu algo correr pelo seu sangue, algo como uma corrente elétrica. Era muito mais forte do que a sensação que o Wirbel lhe proporcionara, porque essa era real, espontânea, e partia de dentro dele mesmo. Não pôde conter um sorriso de excitação ao ver que uma redoma de luz se formava ao redor dele e do ponto onde ele tocava, e que Tatiana parara de correr e se virara. Naquele momento, ela observava a cena, assombrada.

            Então, ele parou. No lugar onde ele tocava, ao invés da terra seca e dos pedriscos entre a grama, havia um bloco de pedra lisa e polida. Ela se aproximou, devagar, um misto de assombro e fascínio nos olhos. Ed a encarou, com um sorriso de triunfo, e disse:

_Agora, você acredita em mim?

_Isso foi... isso foi fantástico – ela disse, quase sussurrando – Isso tudo ainda é muito estranho para mim, mas... agora faz um pouco mais de sentido.

_A alquimia, apesar de perigosa e traiçoeira, é uma ciência muito bela – explicou ele – E misteriosa, ainda entendo muito pouco sobre ela. Posso contar um pouco, se quiser, mas primeiro precisamos procurar um abrigo. Talvez alguém nos abrigue.

            Ele notou que ela o observava de uma maneira diferente, fascinada. Ainda havia lágrimas nos olhos dela, pelo avô e por tudo o que deixara para trás, mas agora ela parecia mais decidida e destemida. Ele havia errado ao pensar, na primeira vez que a vira, que ela era frágil, pois, naquele momento, a moça parecia ser feita de aço e de fogo.

_E então... eu não vou poder voltar, não é? – ela disse numa voz rascante e triste.

_Descobriremos um jeito, Tati – Ed a observou com doçura no olhar – Até lá, vou cuidar de você. Isso é uma promessa, tá bem? Vou tentar encontrar o meu irmão, ele vai nos ajudar.

            Os três começaram a caminhar, tentando seguir uma linha mais ou menos reta e evitando andar em círculos. Tati chorava quase inaudivelmente, e mancava um pouco, mas tentava andar no mesmo ritmo que Ed e Daniel. Nenhum deles falava, apenas ouviam o silêncio, perdidos em pensamentos. A certa altura do campeonato, a moça perguntou:

_Você falou do seu irmão... o que houve com vocês?

_Uma sucessão de erros, eu diria – respondeu Ed, com um sorriso amargo – Ele também é alquimista, e cometemos o maior erro da nossa vida ao tentar trazer de volta à vida nossa mãe por meio da alquimia.

_Vocês o quê? – ela arregalou os olhos, abismada, e fez o sinal-da-cruz. Só então ele lembrou-se que a moça era muito religiosa e que aquilo soaria como uma blasfêmia a ela.

_Estávamos desesperados – ele tentou se justificar – E pagamos caro por esse erro: perdi um braço e uma perna e meu irmão, o corpo inteiro. Consegui selar a alma dele a uma armadura, e ele começou a viver uma semi-vida desde então. Estávamos procurando a Pedra Filosofal para consertarmos tudo o que fizemos de errado.

_Seu irmão era uma alma presa a uma armadura? – ela estava cada vez mais confusa, mas decidiu não fazer perguntas. Ed mostrou as próteses, e ela arregalou os olhos! – Deve ser horrível!

_Nem tanto – ele deu de ombros, com um sorrisinho triste – Doem muito na hora em que são colocadas, mas depois param. Então, muita coisa aconteceu. No final, fiz o que deveria ter feito desde o começo: troquei meu corpo pelo do Alphonse. Ele não merecia pagar pela minha burrice. A verdade é que a idéia foi minha, e que eu nunca me perdoei pelo que fiz.

_E então, você foi para... o meu mundo? – aquilo tudo ainda era estranho demais para ela.

_É – ele confirmou com a cabeça – E, quatro anos depois, conheci você. Nem faço idéia de como estão as coisas por aqui, se as pessoas vão me reconhecer...

_É claro que vai – entre a sombra, ele viu o sorriso meigo da namorada – Duvido que alguém seja capaz de esquecê-lo. Vai ser legal conhecer os seus amigos...

_Com certeza... – ele concordou, e deu um sorriso de alívio. Ela estava lidando muito melhor com a situação do que ele esperava, mas de alguma forma ele sabia que ela tinha consciência de que seria difícil voltar para a vida que conhecia.

            O sol então se levantou no céu. Logo, eles perceberam que estavam num imenso pasto, e que ao longe era possível ver uma casinha. Mesmo cansados, os três correram até lá, com uma forte esperança. Se houvesse alguma pessoa boa e caridosa morando naquela casa, ela poderia ajudar os viajantes. Ed bateu na porta, fortemente, e uma senhora baixinha e gorducha, com cabelos fartos e ruivos, apareceu.

_Senhora, pode ajudar três pobres viajantes cansados e cheios de fome? – ele disse.

_Deus do céu, parece que vocês foram pisoteados por uma manada de búfalos! – disse a senhora, observando os três de cima a baixo – Entrem, entrem! Vou preparar algo para vocês comerem!

            A senhora era solícita e simpática, e tinha um sorriso capaz de fazer flores murchas voltarem à vida. Rapidamente, começou a zanzar pelos cômodos da casa, enquanto os três sentavam-se em cadeiras de palhinha da sala. A casa era pequena, mas muito organizada e aconchegante. Minutos depois, ela estendia três pilhas de roupa limpa e seca para eles, dizendo:

_Peguei algumas roupas do meu marido e dos meus filhos que acho que vão servir para vocês. Tem um chuveiro quente no fim do corredor. A propósito, sou a sra. Bouvier. Vá você primeiro, querida – ela se dirigiu à Tatiana – Você parece ferida, e um banho quente vai lhe fazer muito bem.

            Tati agradeceu, desajeitada, e pegou a roupa que a senhora entregava a ela. Assim que a moça se trancou no banheiro, eles começaram a conversar animadamente:

_Muito bem, o que os traz à minha pobre casinha? – disse a sra. Bouvier.

_Estamos tentando chegar à Cidade Central – disse Ed, inventando logo uma mentira que soasse o mais convincente possível – Meu irmão Alphonse está lá. Pegamos algumas caronas, mas um motorista nos deixou no meio da estrada e agora eu não tenho a menor idéia de onde estamos. A propósito, meu nome é Edward, e este é meu pai, Daniel. A moça lá no chuveiro é a Tatiana, minha namorada.

_Cidade Central? Meu filho está lá! – a senhora exclamou, animada – Ele partiu, dizendo que só iria voltar quando se tornasse um alquimista federal. Mas vocês estão muito longe! Na verdade, vocês estão ao sul, perto de um povoado chamado Orchid Lake.

_Orchid Lake? Eu não acredito! – Ed colocou as mãos no rosto – Motorista imbecil, ele nos disse que estava indo para a Cidade Central! Obrigado pela ajuda, sra. Bouvier, se pudermos ajudar em alguma coisa...

_Não se preocupem! – ela acenou negativamente com a cabeça – Faz tanto tempo que não recebo visitas que vocês estão me fazendo um grande favor!

            Assim que Tatiana saiu do chuveiro, vestindo uma calça corsário e uma blusinha florida, a senhora foi para a cozinha, dizendo que ainda precisava preparar o café. A moça parecia encabulada, porque não era costume das garotas européias usarem calças ao invés de vestidos. Ed contou a ela a história que eles inventaram, e ela acatou. O rapaz ainda acrescentou, não sem uma risadinha:

_É melhor ir se acostumando, as garotas amestrianas se vestem assim!

_Eu me sinto uma imbecil! – ela sussurrou – Onde já se viu uma moça usar calças?

_Você se acostuma... Aliás, acho que você vai gostar daqui. É quente e ensolarado quase o ano todo, e as pessoas daqui são legais.

            Depois, a dona da casa os chamou para o café, composto por bolo de laranja, leite (que Ed se viu obrigado a recusar educadamente), café, chá e pãezinhos. Os três estavam realmente famintos, e em pouco tempo só restaram as migalhas. A senhora era animada, e conversava muito. Ed ia se esquivando o quanto podia, dando respostas curtas. A sra. Bouvier parecia satisfeita com as respostas, e assim que eles terminaram o café, disse:

_Descansem o quanto puderem. Depois, posso levá-los até a estação de trem de Orchid Lake. Conheço o bilheteiro, posso convencê-lo a fazer um preço camarada para vocês.

_Desculpe, senhora, mas não podemos pagar as passagens – desculpou Strathmore, sem jeito – A gente estava vindo de carona por não poder pegar o trem, e acabamos chegando aqui.

_Podemos trabalhar para a senhora! – Ed teve uma idéia – Podemos fazer o que a senhora quiser, eu e o meu pai somos fortes e podemos ajudá-la.

_Não precisa, eu já disse! – a senhora sorriu – Posso ajudá-los com as passagens.

_Eu insisto – Strathmore se adiantou – Sei consertar coisas, e faço questão de ajudar alguém que foi tão boa e generosa conosco – e pegou a mão dela e beijou. A mulher enrubesceu logo depois.

_Bem, o galinheiro está desmoronando. Se puderem fazer alguma coisa...

            Foi pedir e fazer. No segundo seguinte, os dois foram até a parte externa da casa, onde havia uma casinha muito velha e embolorada. Ao lado dela, uma pilha de tábuas novas, um saco de pregos, martelo e serrote. Apesar de nenhum dos dois ter muita experiência em construções, eles fizeram o melhor que podiam. Em algumas horas, construíram uma casinha sólida, e ainda ajudaram a transferir as galinhas para sua nova casa. Enquanto isso, Tatiana fez questão de ficar dentro de casa, ajudando nas tarefas domésticas e tomando o cuidado de não dizer nada que ameaçasse o segredo deles.

            No outro dia, bem cedo, a sra. Bouvier os acompanhara até a estação de trem, e comprou três passagens rumo à Cidade Central depois de uma acalorada discussão com o bilheteiro. Ela ficou esperando até o trem partir, e ficou na estação acenando para eles até sumirem de vista. Antes de embarcarem, ela ainda deixou os nomes dos filhos dela e de vários conhecidos seus na Cidade Central, se precisassem de mais alguma coisa, e deu a eles uma enorme cesta cheia de bolinhos e refresco. O trem ganhou velocidade, e logo os campos e casas começaram a parecer borrões.

_Parece que está tudo no lugar por aqui... – disse Ed, pegando um jornal que alguém havia esquecido sobre o banco – Vejamos... O governo saiu das mãos do marechal e passou para um Parlamento... que interessante! Aqui tem o anúncio oficial para as inscrições para o exame de alquimista federal.... Ei, espere um pouco aí...

            Ele bateu os olhos numa manchete que dizia “BLACK ROSE FAZ MAIS UMA VÍTIMA E INTRIGA A POLÍCIA”. O lide ainda acrescentava: “Assassinato de alquimista federal põe exército em polvorosa, e ainda não há pistas que levem à captura dos responsáveis”. Rapidamente, ele começou a ler. A reportagem falava de uma espécie de organização criminosa que já contava várias vítimas e que obrigara o Exército a se envolver e a tomar o controle das investigações. O texto ainda falava que a responsável pela investigação, a segunda-tenente Marion Hughes, era famosa pela resolução de alguns dos casos mais difíceis que já passaram pelas mãos do Exército. Havia uma foto dela, e Edward logo a reconheceu. Ela era irmã de Maes Hughes, e ele a vira algumas vezes, em passagens rápidas pelos quartéis do leste e central.

_Parece que chegamos em um período bem turbulento – disse ele, passando o jornal para Daniel e Tatiana – O Exército está com uma batata quente nas mãos e, pelo que entendi, eles não tem a menor idéia do que estão enfrentando – e, num tom de confidência – E pensar que já estive no meio disso tudo...

_Como assim? – os dois falaram ao mesmo tempo.

_Eu era alquimista federal – disse ele, com um quase-sorriso – Um alquimista a serviço do Exército, ou, como éramos carinhosamente conhecidos, um cão do exército. Éramos a elite, e mesmo assim todos nos odiavam. Não que não tivéssemos dado motivo, antes. No fim, pouco antes de ir para Londres, fui obrigado a abandoná-los, senão eu e meu irmão seríamos assassinados.

            Eles continuaram conversando. Tatiana fazia muitas perguntas, que Strathmore ajudava a responder e Ed corrigia de vez em quando. Eles iam explicando como era Amestris, sua geografia, seu povo, seus costumes... Mas a maior curiosidade da moça era sobre a alquimia, e a Lei da Troca Equivalente a fascinava muito. Conforme ele ia falando o postulado, ela ia repetindo, baixinho.

_Então, deixe-me ver se eu entendi – ela disse – A Troca Equivalente sempre tem que ser cumprida, certo? Se ela não é cumprida por bem, é por mal, e algo é tomado do alquimista.

_É por aí – disse ele, sorrindo – Há como burlá-la, mas nada é de graça. Você tem que oferecer algo em troca, algo que implica num pecado sem tamanho... – de repente, o sorriso em seu rosto – Olha, não quero mais falar sobre isso. Você se importa?

_Não, não, claro que não! – concordou Tati, sem entender.

            Por várias horas, o grupo permaneceu em silêncio. Strathmore acabou cochilando, assim como Tatiana, mas Ed continuava observando, admirado. Tudo parecia tão igual, mas de alguma forma ele sentia que tudo estava diferente, tão diferente... De repente, uma excitação começou a tomar conta dele. Como Alphonse reagiria quando o visse novamente? Será que o reconheceria? E, se reconhecesse, como reagiria? Também pensava nos outros que deixara para trás, em Roy Mustang, seu superior, em Izumi Curtis, sua sensei... Tantos bons amigos que ansiava em ver...

            O caminho era longo, e o trem só chegou na madrugada do dia seguinte. O alquimista não conseguira pregar o olho um único minuto, e só conseguia contar os minutos até o momento da chegada. Então, sentiu o ranger metálico das rodas freando nos trilhos. Os outros dois despertaram de um solavanco, e observaram pela janela as luzes da Cidade Central.

_É aqui que você mora? – disse Tati, maravilhada – Tem tanta luz... E é tão bonita...

_Londres não tem tantas lâmpadas, não é? – disse Ed, a voz quase sussurrante, um sorriso fascinado nos lábios – Eu tinha me esquecido de como era linda...

            Ele se sentia uma criança. Rapidamente, desceu correndo os degraus que separavam o trem da plataforma, e respirou fundo. Foi uma sensação maravilhosa, o sentimento de enfim estar voltando para casa. Apressou os amigos, e saiu correndo pela rua que levava ao centro da cidade. O sol já começava, lentamente, a se levantar, e as luzes, a se apagar. Os três seguiram pela rua até chegarem ao centro da cidade. Logo de manhã, já havia muito barulho e muito movimento de pessoas, carros e bicicletas.

_Céus, isso é enorme! – exclamou a moça, olhando em volta – Deve ser muito maior que Londres!

_Isso torna tudo mais difícil... – pensou Ed – Talvez a gente consiga um bico pra ir se virando até descobrir alguma cara conhecida – então, lembrou-se da lista de pessoas que a sra. Bouvier recomendou e observou-a – Ao que me parece, tem uma lojinha aqui por perto. Talvez a gente consiga um trabalho, afinal de contas, já tenho alguma experiência com vendas – ele deu um sorrisinho.

            Eles foram. O dono, um homem gordo e rabugento, disse que não estava contratando ninguém, mas assim que eles falaram da senhora bondosa de Orchid Lake, a história mudou. Ed conseguiu uma vaga como entregador e Strathmore, como encarregado do estoque. Tatiana, por sua vez, conseguiu uma vaga no balcão. O homem gordo deixou bem claro que daria a eles uma semana de experiência e que, se eles falhassem, seriam demitidos sumariamente.

            A primeira entrega era a vários quarteirões dali. Ed recebeu uma bicicleta velha, enferrujada e instável, que não inspirava nenhuma confiança. Equilibrando-se como pôde, pedalava lentamente, certo de que dali a alguns minutos a pobre bicicleta desmancharia sob o seu peso. Era um embrulho frágil, e exigia muito cuidado da sua parte. Enfim, conseguiu cumprir a sua função e voltar sem maiores incidentes.

            A semana transcorreu sem incidentes. Eles conseguiram alugar quartos numa pensãozinha barata, e o dono da loja concordou em mantê-los lá. O tempo passou, e nenhuma pista apareceu. Ed poderia ter ido até o Quartel-General Central a hora que quisesse, mas estava decidido a evitar aquele lugar o máximo que pudesse. Era um recanto de lembranças muito amargas, lembranças de dias que definitivamente ficaram para trás e que não voltariam mais.

            Os jornais sempre traziam notícias sobre a tal Black Rose. Vários assassinatos aconteceram, além de roubos e outros crimes, e aparentemente até alquimistas federais seriam envolvidos no caso. A gravidade da situação só não era maior do que o mistério que a envolvia. Qual era o significado das tais rosas de ônix encontradas em todas as cenas, considerando que a ônix era uma pedra raríssima que nem sequer existia em Amestris? Era um enigma macabro.

            Ed progredia em seu trabalho. Havia conseguido uma bicicleta nova e agora conseguia fazer suas entregas mais rápido. Ele também se tornou conhecido pela simpatia e eficiência, e as pessoas gostavam dele. Ninguém nem fazia idéia de seu passado como alquimista federal, e ele ficava muito feliz pelo fato de as coisas continuarem assim. Todos os dias, procurava por alguém que talvez conhecesse o seu irmão, mas ninguém nem fazia idéia. Um belo dia, ele estava fazendo a última entrega do dia, e pedalava a toda para terminar o mais rápido que pudesse. Tudo aconteceu rápido demais: de repente, uma menina num skate cortou a frente dele a toda. Ed tentou frear; a bicicleta parou, mas ele foi arremessado em direção ao concreto, e caiu ralando o rosto no chão.

_Sua toupeira! Não olha por onde anda? – reclamou a menina, que também havia se desequilibrado e caído. A bicicleta ficou toda ralada e acabou entortando, enquanto o skate quebrou-se ao meio – Olha só o meu skate! É bom que você compre um novo pra mim, ou falo pra minha mãe.

_Ah, tá, tá, tá, sua chatinha. Eu o conserto, dê ele aqui! – ele pegou os pedaços, montou-o e tocou-o. Sua alquimia emendou os pedaços novamente, e o skate ficou como novo – Tome. Se não se importa, eu estou trabalhando, e... Ah, droga! Olha só, o pacote da senhora Vlasak está destruído! – ele abriu a caixa, onde havia um relógio todo quebrado. Foi consertando os pedaços um a um, e o deixou parecendo novo – Isso sem falar da minha bicicleta. Não vai dar tempo de consertar, e vou ter que entregar isso aqui a pé... – então, olhou para o lado e viu que a menina ainda estava lá – E você, o que ainda está fazendo aqui? Se manda!

_Você é alquimista? Que legal! – disse ela – Pode me ensinar?

_Não, eu não posso – retrucou ele, azedo – Preciso ir, tá bem?

            Ele foi, deixando a garota para trás. Ela era muito familiar... Era capaz de dizer que já a havia visto antes, e não foi uma vez só. Empurrando a bicicleta avariada, terminou a sua última entrega e voltou para a pensão. Como fazia todos os dias, a dona reclamou com ele por estar trazendo a bicicleta para dentro do lugar. Sem nem tirar os sapatos, ele se esborrachou em sua cama, e já estava prestes a cair no sono quando despertou de um solavanco.

            Ele conhecia aquela garota. Ela era Elysia Hughes.


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