Paparazzi escrita por Kyra_Spring


Capítulo 10
Capítulo 9: Dream On




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            O problema de se desmaiar é a desorientação que vem quando você acorda.

            Acordei sem ter a menor idéia de onde eu estava. A primeira coisa que percebi foi que havia um cheiro estranho de anti-séptico forte no ar. Também senti que havia alguma coisa grudada em mim. Esparadrapos, talvez...? E o silêncio daquele lugar estava me sufocando. Só então abri os olhos. A visão demorou um pouco a entrar em foco, mas não demorou muito para que eu percebesse que aquele era um quarto de hospital.

            Só então me lembrei do que tinha acontecido. Caramba, tinha sido tão grave assim? Intimamente, torci para que Uehara estivesse na mesma situação que eu – embora, honestamente, eu ficaria mais feliz se soubesse que ele estava no necrotério e não no hospital. Só então me lembrei de Roxas, e levantei de um solavanco. Ele estava bem? Onde ele estava?

            Isso se mostrou uma estupidez. No segundo seguinte, a dor me nocauteava e me arremessava deitado de volta na cama.

- Não faça isso, idiota, ou os pontos vão soltar – eu podia reconhecer aquela voz de desprezo em qualquer lugar. Era Larxene, sem dúvida.

- Quanto tempo eu fiquei apagado? – perguntei, minha voz saindo meio áspera.

- Bem, agora são nove da noite... você está assim desde as cinco da tarde de ontem – ela respondeu, olhando o relógio – Tem sorte por estar vivo, se tivessem acertado aquela corrente na sua cabeça ou no seu pescoço, você estaria acabado.

- Minha mãe vai me trucidar... – murmurei, imaginando quantas facas a dona Yoko iria atirar em mim por sair brigando na rua – O que ela falou?

- Bem, ela chorou muito por te encontrar semi-moído no hospital – ela disse – E estava aqui há até quinze minutos atrás, quando os meninos meio que a expulsaram para a cantina para que ela comesse alguma coisa. É provável que ela volte logo.

- O que aconteceu?

- Um tempinho depois de você sair, Roxas apareceu todo arrebentado na sua casa, e nos contou o que estava acontecendo. Aí, ele, os rapazes e a Xion foram ver o que aconteceu. Eu e Naminé ficamos na sua casa e chamamos a polícia. Pelo que sei, eles seguraram o Uehara e seus gorilas até a polícia aparecer e levar todo mundo.

- Estão todos bem? E... Roxas?

- Zex tá com um olho roxo e Demyx precisou levar uns três pontos acima da sobrancelha. Roxas estava meio machucado, mas nada muito grave. Só alguns curativos e pontos, mesmo. Você, por outro lado, deixou todo mundo preocupado. Chegaram a pensar que você tinha tido uma concussão cerebral ou algo assim. Mas, por sorte, sua cabeça é dura demais para isso. Não houve fraturas nem nada, só um monte de escoriações e hematomas, mesmo.

            Bem, pelo visto eu era um cara de sorte.

- Agora, a pergunta mais importante: quando eu vou poder sair daqui?

- Em alguns dias. Foi a forma que encontramos para fazer você repousar pelo tempo necessário.

            Engoli em seco. Cara, como eu odeio hospitais...

            Minha mãe apareceu logo depois. Assim que viu que eu tinha acordado, desabou em prantos, alternando um “ah, eu fiquei tão preocupada com você” com um “que tipo de idiota você é para entrar numa briga de rua com esse tipo de gente?”. Bem, pelo menos ela esperaria eu sair do hospital para realmente brigar comigo, e isso era bom.

            Depois, pelo visto, a notícia de que eu havia voltado se espalhou como um incêndio. No dia seguinte, um monte de pessoas veio me visitar. A Scherzo veio inteira. Zexion estava com óculos escuros, provavelmente para esconder o hematoma. Demyx, por outro lado, parecia até meio orgulhoso da marca que tinha no rosto.

- Fiquei sabendo que o Uehara quebrou o braço – ele disse – Não sei se foi você que fez isso ou se fomos nós, mas ele não vai te encher por uns tempos.

- Eles vão voltar – eu disse – E, dessa vez, vão atrás de todos nós. Droga... as coisas não deviam tomar essa proporção. Vocês não deviam ter se envolvido.

- Se não tivéssemos aparecido, eles teriam matado você – retrucou Marluxia – E, de qualquer forma, eles atacaram o Roxas. Poderia ser qualquer um de nós.

            Todos ficaram em silêncio. Só agora eu tomava consciência da gravidade da situação.

- O que os médicos disseram? – mudei de assunto rápido – Quando posso voltar a ensaiar?

- Você vai ficar aqui o tempo que for necessário – Zexion rebateu – Os ensaios podem esperar.

- Nem a pau! – reclamei – O Stairway tá chegando, a gente não tem tempo pra isso!

- Dane-se, dá pra atrasar os ensaios – Larxene estreitou os olhos – É um milagre você não ter quebrado nada, então você vai ficar quietinho pelo tempo que for necessário.

            Eu já ia xingar todos eles, quando vi a porta se abrindo. Era Roxas. Ele estava com um curativo no rosto, e uns hematomas também, mas ele estava inteiro, apesar de tudo. Eu estava aliviado. Então, não havia sido em vão. Ele estava melhor do que eu. Ele ficou parado na porta, olhos arregalados. Será que eu estava tão mal assim?

- Axel... – a voz dele era um sussurro – Como... como você está?

- Eu tenho nove vidas, cara – sorri – Pode não parecer, mas estou inteiro.

            Naquela hora, nossos olhares se cruzaram.

            Não sei explicar o que senti naquela hora. O olhar dele era tão intenso, tão intenso, que parecia queimar. Por um momento, consegui traduzir tudo daquele olhar. Ele estava aliviado, também. E preocupado. Mas também parecia haver alguma coisa de acusação nos olhos dele, raiva, medo... E eram coisas que eu podia compreender.

            Ele estava daquele jeito por minha causa.

- Vamos deixar vocês conversarem – disse Demyx, lançando um olhar aos outros. Então, os quatro saíram, deixando-me sozinho com Roxas.

            Aquilo foi proposital. Malditos.

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            Quando cochilei na ambulância, tive um sonho estranho.

            A princípio, só consegui perceber que o sol estava se pondo, que Axel estava ao meu lado, e que estávamos tomando sorvete. Parecia aquele dia no parque, à beira do lago. Mas algo estava errado... apesar de estarmos sob o sol, eu sentia tanto frio que era como se estivesse congelado até os ossos. E Axel permanecia com os olhos fixos no horizonte, como naquela tarde.

            Então, ele se virou na minha direção. E eu entendi o que estava acontecendo.

            Ele estava pálido como cera. Os olhos muito verdes e o cabelo muito vermelho contrastavam com a palidez da pele. E percebi que ele estava vestido de preto. Ele me encarava, os olhos em chamas, como se ele estivesse sentindo dor. Tentei dizer algo, mas minha voz não saía. Era como se algo impedisse as palavras de saírem, eu não sei explicar.

            E foi ele quem quebrou o silêncio. Deixando o sorvete cair, ele murmurou:

- Roxas... por quê?

            Mas então percebi que ele não olhava realmente para mim. Ele olhava na minha direção. Comecei a correr, até que cheguei ao lago. Mas meu reflexo não estava ali. Olhei para as minhas mãos, e também não consegui enxergá-las. Eu estava ali, mas ao mesmo tempo não estava. Eu não existia realmente. Eu era um fantasma.

            A sensação de não existir... de não ter nada, de não ser nada... é a sensação mais terrível que existe.

            Acordei com um salto. Ainda estava na ambulância, pelo visto eu dormi muito pouco. Mas meu coração estava tão acelerado que parecia que ia explodir a qualquer momento. O enfermeiro que estava ali me encarou com um olhar de preocupação e perguntou:

- Está tudo bem?

- Sim... – respondi – Foi só um sonho estranho...

            Chegamos ao hospital. Nessa hora, Axel e eu nos separamos. Ele foi para uma sala, enquanto eu ficava no saguão, dando as informações que eu podia sobre ele. Depois, uma enfermeira me levou a uma sala de sutura. Pelo visto, eu não estava mal. Tinha, sim, escoriações por todos os lados, e precisei levar uns pontos no braço e na testa, perto do cabelo. Só então parei para pensar que minha câmera havia sido completamente destruída. Essa sim me fez me sentir mal. Eu não teria dinheiro para comprar outra por um bom tempo...

            Assim que os curativos estavam prontos, perguntei quando eu poderia ver Axel. Fiquei procurando médicos e enfermeiros até que um deles me dissesse o quarto onde ele estava. Também liguei para a sra. Shimomura. Ela ia querer saber, claro. E acho que ela chegou bem perto de uma crise de choro enquanto nos falávamos pelo telefone.

            Assim, fui até o quarto em que ele estava. Ele ainda não havia acordado.

            Mas... vê-lo daquela forma, aqueles curativos todos, os olhos fechados... de repente, aquele sonho estranho voltou à minha mente. Sacudi a cabeça com força, tentando afastar aquilo da minha mente. Será que ele estava morto no meu sonho? Ou será que eu estava? O que aquilo significava? Eu estava tão preocupado com ele...

            Resolvi voltar para casa e ir até lá mais tarde. Minha mãe quase teve um surto psicótico quando me viu. Tive que explicar o que aconteceu, sempre dizendo que Axel não teve absolutamente nada a ver com aquilo e que havia sido ele quem havia impedido conseqüências piores. Não tenho certeza, mas acho que ela não acreditou muito nisso.

            Voltei no dia seguinte. Um rodízio estava sendo feito ali pelo pessoal da Scherzo e por Xion desde a noite anterior. Naminé apareceu um pouco depois de mim. Contamos toda a história à sra. Shimomura, ao mesmo tempo em que tentávamos convencê-la a pelo menos ir até a cantina comer alguma coisa para não desmaiar. Eu esperava do lado de fora, mesmo depois de ficar sabendo que ele já estava consciente. Acho que estava com medo de encarar Axel, depois de tudo.

            Enfim, decidi entrar. Eu não poderia protelar aquele momento para sempre.

            Quando eu entrei, todos os que estavam lá saíram, deixando-nos a sós. Que droga, isso tornava tudo muito mais difícil. Axel exibia um sorriso de deboche. Imbecil, nem ele parecia levar a própria condição a sério.

- Bem, parece que nada de muito grave me aconteceu – ele foi dizendo – Sem fraturas, sem lesões internas... Bem, parece que sou um cara de sorte, não é?

- Pare com isso – eu cortei, apertando os olhos – Por favor... pare com isso.

- Roxas... – ele me encarou, surpreso. Depois, deu um sorrisinho triste e baixou os olhos, murmurando – Entendo... E não o culpo por isso.

            Não entendi aquela frase. A cabeça dele permanecia baixa, e o cabelo me impedia de ver seus olhos.

- A culpa é minha... – ele murmurou, e dessa vez quem ficou surpreso fui eu – Eles não teriam ido atrás de você se eu tivesse ficado no meu lugar, quando tive a chance...

- Do que você está falando? – eu disse, minha voz mais aguda que o normal.

- Eu devia ter ficado longe, quando tive a chance... – a voz dele ia ficando mais baixa e mais trêmula, à medida que ele falava – Você estava bem com Naminé... você ficaria seguro ao lado dela... mas em vez disso, eles... e eu...

            De repente, era como se ele não me percebesse mais ali. E eu pude perceber que lágrimas começavam a escorrer pelo rosto dele.

- Isso não devia ter acontecido! – então, a voz dele subiu de repente. Ele ergueu o rosto, os olhos dele estavam vermelhos – O problema era comigo, eu não podia ter deixado nenhum de vocês se envolver! Eu não podia deixar você... você... – e, então, ele desabou completamente, escondendo as mãos no rosto e chorando abertamente.

            Céus... ele era tão frágil...

            E eu, estúpido como sempre... dependendo tanto dele... ferindo-o, daquela forma...

- Me perdoe, Roxas – ele implorava, sem parar de chorar, sem tirar as mãos do rosto – Pelo amor de Deus, me perdoe. Eu devia... eu devia ter impedido. Me perdoe... me perdoe...

            Foi então que eu percebi. Ele também precisava de mim, naquela hora.

- Você entendeu tudo errado, seu tonto – eu disse, chegando mais perto – Não tenho do que culpá-lo. Você me salvou, lembra? E eu não consigo me imaginar sem tê-lo como amigo. E é por isso que você não precisa fingir que é forte só porque está na minha frente.

- Roxas... – ele parecia uma criança perdida – Quando eu o vi lá, caído... eu pensei direto no pior... e eu não podia deixar isso acontecer, não podia! Eu era... responsável... por você...

- Tá tudo bem agora – sorri, colocando a mão no ombro dele – Nós estamos bem, você está bem... então, por favor, não se culpe. Isso só vai partir meu coração ainda mais.

            E eu não sei explicar o que aconteceu, daí para frente.

            Só sei que... a partir daquele momento... eu também me sentia responsável por ele.

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            E, de repente, minha máscara caiu.

            Eu queria que Roxas me acusasse, que brigasse comigo, que me odiasse... seria mais fácil, ele ficaria longe de mim, e nunca mais se machucaria por minha causa. Mas, em vez disso... ele continuou como sempre, com o mesmo olhar gentil e compreensivo. Mesmo enquanto eu desabava, mesmo enquanto eu mostrava o quão fraco e inútil eu era... o olhar dele não mudava.

            Por quê, seu idiota? Por que você não começa a me odiar de uma vez? Não seria muito mais fácil assim, para todos?

            Então, ele tocou o meu ombro, e disse que iria ficar tudo bem.

            E eu queria acreditar... mas não conseguia...

            Foi então que eu decidi, por alguns segundos, parar de pensar. E puxei-o para perto de mim, abraçando-o. Naquela hora, eu precisava que alguém me abraçasse. Precisava sentir que havia alguém perto de mim que confiava em mim e em quem eu poderia confiar. Um amigo... um amigo que havia visto meu pior lado e, mesmo assim, o havia aceitado. E ele correspondeu ao abraço.

            Amigos... irmãos... quem sabe.

            Não sei por quanto tempo fiquei daquele jeito, apenas chorando, apenas... deixando tudo ir. Só sei que demorei a perceber que meu ombro estava ficando úmido, também. Isso me surpreendeu.

- Peraí... – levantei o rosto, tentando me recompor – Que é isso, Roxas? Basta um chorão aqui hoje, está bem?

- Eu queria poder te ajudar – ele tentava esconder as lágrimas – Eu queria poder salvá-lo, de vez em quando, ao invés de só você me salvar.

            Encarei-o, sem saber o que dizer. E, então, sorri.

- E o que você acha que acabou de fazer, agora? – aquelas palavras eram naturais demais – Ou naquele dia no parque? Ou em todas as vezes que você esteve lá para me ouvir? Você tem me salvado uma vez atrás da outra, só não percebeu ainda.

- É que... – ele gaguejou – Eu não queria te ver assim...

- Isso não vai se repetir, eu juro – respondi – Até porque eu também não quero ver meus amigos se ferindo outra vez. Céus, até a Xion foi para o meio da bagunça! Por mais que eu tenha ficado feliz em saber que ela quis me ajudar, não acho certo uma garota se arriscar dessa forma, também... aliás, não acho certo ninguém se arriscar dessa forma. Não... a partir de agora considero todo o nosso grupo oficialmente aposentado do ofício de brigões de rua.

            Nos encaramos por um momento. Os olhos dele ainda estavam vermelhos, mas o rosto estava mais tranqüilo, mais otimista. Isso me deixou tão feliz...

- “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” – recitei – Isso nos torna responsáveis um pelo outro. Você me cativou, Roxas. E eu espero ter feito o mesmo com você.

- Como a raposa e o príncipe do livro? – ele disse, sorrindo – Qual deles eu sou?

- Bem, você é o loiro aqui, não eu – acabei rindo – Mas... eu farei qualquer coisa por você. E, em qualquer lugar que estivermos... não vou me esquecer disso nunca.

- Pode apostar que farei o mesmo – ele sorriu também, enxugando uma última lágrima teimosa.

- E... – bem, talvez essa fosse a melhor hora de pisar naquele terreno delicado – Se em qualquer momento algo te perturbar, fale comigo. Tem coisas que você não conta. Se você achar que é melhor mantê-las em segredo, para si, tudo bem, eu entenderei. Mas se em qualquer hora você precisar de alguém para ouvi-lo, pode contar comigo. Em qualquer hora, entendeu?

            Ele parou um instante, o sorriso morrendo. Então, ele respondeu:

- Sim. Eu me lembrarei. Prometo.

- Isso é bom... – então, tentei parecer despreocupado, e coloquei as mãos atrás da cabeça – Agora, estou preso aqui por alguns dias, não é?

- Sim, está – ele riu – Então é melhor se comportar até lá.

- Posso te pedir um favor?

- Claro, pode pedir.

- Pode pedir para a minha mãe trazer meu livro “O Pequeno Príncipe” para cá? Quero lê-lo de novo.

- Está bem – ele sorriu. Era um pedido inocente, ele não poderia recusar.

- Ah, sim, tem mais uma coisa.

- O que é?

- Pelo amor de Deus, não deixe o Zex trazer lição para mim! – OK, aquilo pode até ter sido a princípio uma tentativa de descontrair o ambiente e fazê-lo rir, mas... droga, eu estava falando sério! Se havia sido tudo tão sério quanto eles disseram, seria até desumano esperar que eu fizesse dever de casa naquele estado! – Se ele falar de trazer lições, não deixe. Diga que o médico proibiu.

- OK, eu direi – ele deu uma risada alta. Com aquilo, eu fiquei mais aliviado. No final das contas, tudo ficaria bem.

            E, de repente, fazer planos para o futuro parecia mais agradável.

            Porque... eu podia ver claramente um futuro bom.

            Um futuro que também incluía Roxas.


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