Histórias de um Mundo Sem Fim escrita por Reyna Voronova


Capítulo 4
[Ficção Científica, Songfic] Soyuz-01 - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Este conto, diferente dos anteriores, não terá uma sinopse, mas sim uma explicação acerca do conto em si.

Escrevi este conto baseado no mais recente álbum da banda Arctic Monkeys, o Tranquility Base Hotel + Casino. Tive a ideia de escrever minhas impressões sobre algumas músicas, e como esse álbum realmente foi muito marcante para mim, resolvi começar por ele. Porém, resolvi interligar as minhas impressões tecendo um fio narrativo, isto é, criando um enredo para as impressões que tenho ao ouvir o álbum. Basicamente, eu tentei unir dois gêneros: o gênero ficcional com o gênero resenha, já que um pouco das minhas impressões (ainda que descritas de uma maneira mais visual) estão contidas em cada trecho e cada subcapítulo foi embasado pelas faixas do álbum.

Você também poderá observar que este conto é dividido em duas partes. Nesta primeira parte, cobri as cinco primeiras faixas do álbum (cada "subcapítulo" representa uma faixa), e na segunda parte, cobrirei as seis faixas seguintes. Recomendo muito que você escute as cinco primeiras faixas desse álbum para completar a experiência. Não creio que o conto vai fazer muito sentido se lido separadamente, já que ele foi completamente baseado nas minhas experiências ao ouvir o álbum.

Você pode ouvir as cinco primeiras faixas na minha playlist do Spotify:
https://open.spotify.com/user/r9jfxdk6bjkbv5xmpc911geiy/playlist/62HI6CSjiNVWMinKqHpk8A?si=lZkULC4gQkiKqTfxHEZFpw



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Prólogo

“Elevator down to my make-believe residency…”

 

 

A música do elevador começa a tocar enquanto você se observa no reflexo do espelho, esperando seu andar. Um som agradável e calmante que parece ter sido gravado há muito, muito tempo, e cuja qualidade não é a mesma que as músicas de hoje em dia. Ainda assim, é uma música que lhe agrada. Sua mão está na cintura. Afasta o blazer cor de creme e bate com o pé um pouco impacientemente enquanto o elevador percorre seu caminho vertical até seu quarto de hotel.

Plim, o som do elevador faz assim que chega ao seu andar. As portas se abrem e revelam uma imensidão de branco, nas paredes, no frigobar, nas cortinas, até na roupa de cama e banho. Você percorre o quarto, os sapatos de couro com salto ressoam quando você percorre o azulejo — também branco — do quarto até o frigobar: retira uma cerveja e vai para a sacada.

Só há uma coisa no quarto que não possui os mesmos tons de branco nauseante e estonteante: o céu, rosa e azul, lentamente se dissolvendo para negro.

A cerveja está acabando e o céu está se escurecendo muito rapidamente para o seu gosto. Talvez nem seja porque está anoitecendo rápido; é porque vem chuva por aí. É hora de partir.

 

 

“I’ve played to quiet rooms like this before…”

 

 

Há um clima de calmaria à medida que você sai do quarto de hotel, um conforto acalorado que se dissipa à medida que você pega novamente o elevador para a cobertura do hotel, onde a nave te espera para sua viagem intergaláctica.

Você embarca. Ainda de blazer cor de creme e os sapatos marrons que fazem barulho à medida que sobe as escadas de ferro, percorre o caminho que separa você do seu meio de transporte e finalmente adentra a nave.

Os motores são ligados num barulho ensurdecedor, mas tudo parece tão calmo que os sons não parecem perturbações que cheguem aos seus ouvidos. Tudo ainda parece silencioso e límpido como seu quarto de hotel.

A nave já não está mais em contato com o solo. A noite já cai.

Você pode perceber que o céu se torna mais escuro e mais estrelado. Aquele ambiente que você frequentou já foi substituído. Você percorre o céu aberto, o universo. Você reclina sua cabeça no assento quando vê pela janelinha a escuridão interminável do espaço e, a anos-luz de distância de você, outras estrelas e planetas que nãos os seus. Você reclina a cabeça como que sentindo a infinitude do universo; como se o universo ao seu redor fosse uma extensão de você. E é.

Não há nada prendendo vocês — você e qualquer outra pessoa que esteja aí dentro — senão os motores que impulsionam a nave. Do contrário, vocês cairiam eternamente em vácuo, a falta de matéria, luz e sons. Mas os sons já não parecem te incomodar, de qualquer forma. Você se preparou bem para bloquear as ondas sonoras de serem captadas pelos seus ouvidos e decodificadas e compreendidas pelo seu cérebro.

Você se tornou uma representação muito boa do vácuo, a essa altura, pois sua percepção se recusa a sentir os sons e a luz parece se recusar a te iluminar. Você está vazio, seu cérebro é uma jarra sem conteúdo. Abstraiu-se de tudo aí dentro para se tornar um pedaço de vácuo com uma forma humana.

 

 

“Does it wipe that stupid look off of your face?”

 

 

Algo de errado parece estar acontecendo. Sua mente volta a parecer algo físico e não aquela mistura que parecia estar passando do estado líquido para o gasoso. Todas as luzes se acendem. Luzes de emergência, luzes de simples iluminação, luzes as quais você sequer sabe a função e menos ainda por que elas estão ali. Barulhos agudos e insuportáveis vindos da cabine também se juntam às luzes num cenário caótico e aterrador, te deixando em pânico.

Uma turbulência começa a chacoalhar a nave, como se meteoros, asteroides e outros detritos espaciais estivessem sendo jogados por algum planeta em sua direção. Os barulhos de pedras acertando metal, colidindo frente a frente com ele, raspando e rasgando o casco da nave, tornam-se mais frequentes.

Você ouve os comandantes elevando a voz, provavelmente tão em pânico quanto você. E você, claro, numa tentativa pífia de se salvar, coloca o cinto de segurança do assento — porque, convenhamos, as chances de se salvar da situação em que vocês já se encontram é quase nula; exceto, claro, se você acreditar em Deus e numa intervenção milagrosa, mas já adianto que isso é pouco provável dado o cenário descrito.

Os comandantes saem da cabine vestidos em trajes de proteção e alertam: terão que escapar da nave para terem alguma chance de sobreviverem. Você se levanta e veste o mais rápido possível seu traje no meio da balbúrdia de sons e luzes de emergência.

E por fim, o metal da nave se rompe com um meteoro, e os sons deixam de existir para serem abafados pelo vácuo cósmico.

A nave se parte em vários pedaços, numa bagunça quase irreal, porque não há sons para reger essa destruição. Os pedaços de metal se partem como pão sendo cortado, e você e os comandantes da nave flutuam sem direção, rumo ao vazio escuro do universo.

 

 

“Do you remember where it all went wrong?”

 

 

Vagando pelo espaço sem rumo, esperando apenas que o oxigênio acabe para que você finalmente possa descansar dessa viagem interminável que é flutuar pelo vácuo.

No entanto, você se depara com uma estação espacial que está afortunadamente posicionada na direção aleatória que o seu corpo tomava enquanto aguardava sua morte pela falta de oxigênio. Já os comandantes não tiveram a mesma sorte e tomaram outras direções, provavelmente saíram voando para a morte certa. Afinal, quais eram as chances de encontrar uma estação espacial enquanto se está flutuando pelo espaço sem um cabo de segurança e com um estoque de oxigênio limitado? Certamente, são chances minúsculas, mas você foi um dos agraciados com ela.

A estação estava também na rota dos asteroides, os mesmos asteroides que foram de encontro à nave onde você estava, e por causa disso ela parece danificada, até mesmo abandonada. Ninguém em sã consciência permaneceria num local que poderia colidir com asteroides a qualquer momento, portanto, os antigos habitantes daquele lugar devem ter ido para algum planeta próximo ou construído outra estação em algum lugar. Quem sabe os comandantes de sua nave também não tenham a mesma sorte que você e encontrem uma estação espacial — dessa vez, com habitantes —, não é mesmo?

Assim que você se aproxima da estação, você se agarra em algo para não sair flutuando novamente e entra na instalação abandonada torcendo — quase rezando — para que haja oxigênio e que haja naves sobressalentes que te levem para longe daquele deserto cósmico.

 

 

“Last night when my psyche’s / Subcommittee sang to me in its scary voice”

 

 

As portas da estação se abrem, permitindo sua entrada, e assim que você adentra a instalação, elas se fecham, te engolindo na escuridão daquele lugar abandonado. Você sobressalta quando ouve as portas de algum metal maciço se fechando abruptamente, blam!, atrás de você.

A instalação, além de completamente deserta, não tem energia, o que deve indicar que também não há oxigênio para sua sobrevivência. Todos que estavam ali deixaram aquele lugar, levando tudo de útil que estava ali para outro lugar, talvez algum lugar a anos-luz de distância de você.

Sua esperança mais uma vez se quebrou assim como todos os pedaços da nave se colidindo com o asteroide e te deixou mais uma vez vagando sem rumo pelo espaço, aguardando a morte certa.

Você olha ao redor, tentando enxergar alguma coisa em meio ao breu. Talvez seus olhos consigam captar algo mesmo com a falta de luz. Você também tenta dar alguns passos cautelosos dentro da instalação, com medo de pisar em algo importante ou algo que possa te ferir, consequentemente, estragando seu traje de proteção.

E você pisa em algo que parece se quebrar.

Você toma um susto e dá um salto para trás, achando que o piso da estação possa estar cedendo sob seus pés. Você volta ao mesmo lugar onde estava, agora pisando com ainda mais cuidado, e tateia o chão em busca de algo. Apesar das luvas, parece ser um pedaço de vidro.

Andando com mais cuidado, você olha ao redor em busca de algo que possa fornecer luz, ou ainda melhor, oxigênio. Mas tudo o que você vê é uma das janelas altamente resistentes — ou que pelo menos assim deveriam ser — quebradas. O vidro em que você pisou provavelmente era um resquício do material da janela. A estação não está hermeticamente selada, para seu desgosto e temor.

Você começa a tremer. Você sente seus joelhos falhando porque certamente ali não vai haver oxigênio. Aquele lugar estava esquecido por tudo e todos, por que haveriam de ter deixado oxigênio para você, uma pessoa completamente aleatória que chegou naquele lugar destruído por asteroides sabe-se lá quanto tempo depois de ter sido abandonado.

Você olha para trás, para a porta, e tenta correr apesar das limitações da falta de gravidade na esperança de abrir a porta e escapar daquele lugar escuro e desolado, quase um castelo mal-assombrado de uma ficção científica. Você pula em direção às portas, mas elas não se abrem, fazendo você bater seu braço no metal que as constitui. Mas seu sangue está quente, e você mal sente a dor, voltando a socar a porta para que ela se abra aos seus apelos violentos.

Tudo isso é em vão. Você, já enfraquecido e sentindo o braço doer agora, se senta diante da porta, aguardando a morte iminente. Você cruza os braços e enfia sua cabeça e o capacete de vidro dentro dela. Se bem que esse capacete é inútil. Você pensa em retirá-lo para morrer logo e evitar a agonia, evitar o pensar na morte.

As luzes da instalação subitamente se ligam.

Você nota a diferença de luz e ergue a cabeça. Pintado nas paredes de metal, você lê suas boas-vindas à Estação Espacial Soyuz-01.

 

 

FIM DA PARTE UM.


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