The Call escrita por Pat Black


Capítulo 4
Antes disso eu nunca fora arrebatado por um amor tão súbito e doce.


Notas iniciais do capítulo

O trecho que nomeia o capítulo é do poema, ou frase, de Walt Whitman.



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O sábado não foi melhor que a sexta, e a jornada dupla de trabalho não ajudou a melhorar aquela sensação de cansaço que me tomava.

Acho que estou ficando gripada. Pensei caçando as chaves na bolsa para entrar no apartamento.

A primeira coisa que vi foi Maggie e Glenn no maior amasso no sofá, e petrifiquei a imaginar o quanto minha amiga podia ser rápida em suas conquistas.

— Desculpe, eu não sabia que...

— Tudo bem, Lane. — Minha amiga respondeu ajeitando a blusa e o cabelo, enquanto Glenn agarrava uma das almofadas e ajeitava sobre o colo.

Eles estavam ofegantes e ruborizados mais pela pegação que por vergonha.

Saí da sala o mais rápido possível, tomei um banho e me escondi em meu quarto.

Estava morta.

Não com sono, apenas cansada.

Tirei o celular do bolso e fiquei a olhar para ele um instante, pensando se deveria ligar para Rick ou não.

Meu lado racional dizia que não. Que aquilo tinha sido uma situação inusitada e engraçada que vivemos, ele e eu, mas que não passaria disso. Que eu esqueceria toda a nossa conversa em alguns dias. Que todo o ocorrido seria uma boa história para contar para os amigos.

Mas minha parte emocional, aquela que regia minha vida, me dizia que Rick tinha sido a pessoa mais interessante com quem eu tinha conversado desde sempre.

Ele só ter dezoito, quase um adolescente, acabava por validar os argumentos do meu lado racional. Geralmente eu preferia homens mais velhos, não muito, três ou cinco anos, apenas o suficiente. Acho que como a maioria das garotas.

Já meu lado emocional arguia que idade não importava. E acredito que estava certo. Rick podia ser jovem, mas não tanto. Três anos não eram nada. Ele ainda morar com os pais também não. Afinal, foram os velhos que resolveram seguir o filho até Atlanta.

Procurei o contato dele no celular e fiquei observando a tela por alguns segundos.

Eu não tinha problemas em ligar para um homem. Achava mesmo que aquilo de esperar o cara te ligar depois de um encontro era uma das maiores besteiras no início de um relacionamento. Porém, aquilo com o Rick não era um flerte — achava que não — o que me dava muito mais liberdade para ligar sem segundas intenções.

E era muito excitante aquilo de conversar com um estranho pelo telefone. Irreal pra caramba. Mesmo assim emocionante.

Tomei coragem, liguei para ele e esperei.

Rick atendeu ao primeiro toque, no que imaginei que ele podia estar esperando alguma ligação, ou melhor, a minha ligação.

— Alô?

O mesmo sotaque da noite anterior. Aquele fator a mais que tinha me feito continuar na loucura daquela ligação e não desligar como qualquer pessoa normal teria feito.

— Sentiu minha falta? — Perguntei me erguendo e caminhando até a janela.

Não queria correr o risco de ficar sonolenta.

Oi Lane. — Ele respondeu, sem me responder.

— Estava aqui pensando se deveria ligar. Se a nossa conversa de ontem tinha sido real, ou eu bebi mais do que me dava conta.

Ninguém nunca tinha me chamado de um sonho antes. — Rick respondeu e ouvi um barulho, como se estivesse se levantando.

— Não foi isso que eu disse.

Vamos deixar como se fosse. Fez bem para minha auto-estima.

Gostei do tom amigável de sua voz. Ele parecia mais solto essa noite que na anterior.

Como foi seu dia? — Rick perguntou e me sentei na borda da janela, afastei as cortinas e passei a observar o movimento da rua.

— A rotina habitual em dose dupla. — Respondi. — Trabalho em um café e os clientes foram um pouco mais mesquinhos que o normal.

Te trataram mal? — Ele soou preocupado.

— Pior! — Informei. — Poucas gorjetas.

Rick riu com gosto, aquele som descendo pela minha espinha e fazendo borboletas voarem em meu estômago.

Forcei-me a lembrar de que ele tinha namorada.

— E o seu dia?

Fiquei em casa, escapei de ser preso por trabalho infantil e passei a tarde estudando com o Shane.

Pensei em perguntar pela tal Lori, no por que deles não estarem juntos em um sábado à noite, mas resolvi não trazer a sombra da namorada dele para nossa conversa.

— Trabalho infantil?

Coloquei meu irmão para fazer as tarefas domésticas.

— Ele ficou muito chateado?

Não está falando comigo.

Seu tom era despreocupado, o que queria dizer que aquilo era algo normal entre eles.

— Não tenho irmãos. — Revelei.

Você tem sorte. — Rick respondeu e gemeu.

— Rick? O que foi? — Perguntei me levantando, um pouco assustada.

Nada. Só me apoiei no pé engessado sem querer.

— Nossa! Tenha cuidado, ok?

Queria dar uma olhada pela janela. Depois da chuva de ontem não achei que a noite hoje estaria tão bonita.

— Está mesmo. — Falei olhando para o céu estrelado.

Qual a visão que tem da sua janela? Não precisa me contar em que parte da cidade está, nem o nome dos locais, apenas o que vê. — Ele explicou.

Tínhamos evitado contar sobre nossa aparência, sobrenomes, onde morávamos, e esse tipo de coisa que poderia nos identificar.

Ainda era muito cedo para esse tipo de revelação.

— Tem uma lavanderia do outro lado da rua. Fica ao lado de uma loja de miudezas. E na esquina posso ver a lanchonete. Tudo está fechado agora e as ruas estão vazias. — Ajeitei meu cabelo e encostei a testa no vidro da janela. — Em um sábado à noite minha vizinhança parece se recolher cedo, ou correr para áreas da cidade onde estão os bares e boates da moda.

Temos uma lavanderia do outro lado da rua também. Mas ela fica aberta vinte e quatro horas.

— Seu bairro deve ser mais tranquilo. — Constatei. — A dona da lavanderia me contou que só começou a fechar mais cedo depois do terceiro assalto.

Verdade? Três vezes? Nossa! — Rick suspirou. — Não é horrível como o mundo vem se tornando mais e mais violento?

— É sim. Eu mesma já fui assaltada uma vez. — Contei.

Machucaram você? — Ele perguntou e sua voz tinha um tom que ainda não tinha associado a ele, algo muito masculino e viril.

Aquelas borboletas voltaram a fazer ciranda em meu estômago.

— Não. — Falei com leveza para tranquilizá-lo. — Levaram minha bolsa, com quase todo o dinheiro que eu tinha naquele mês, mas foi só. — Observei um casal a passar do outro lado, abraçados e a rir. — Maggie me ajudou com  aluguel e consegui tirar uma nova carteira de motorista sem problemas. Foi mais o susto, eu nunca tinha sido assaltada antes e fiquei muito abalada.

Onde estava quando aconteceu?

— No metrô. — Contei. — Eu ainda estava me acostumando com a cidade grande, e não tinha muita malícia. Quando paramos em uma estação, e as portas abriram, um rapaz me deu um empurrão e puxou minha bolsa. Foi tão rápido que nem vi o rosto dele.

Esses idiotas gostam de se aproveitar de pessoas desacompanhadas.

— Estatisticamente são as mulheres e os idosos que mais sofrem assaltos atualmente. Não que mulheres sejam frágeis, mas os assaltantes costumam achar que são.

Com a mãe que tenho, nunca duvidaria da força feminina.

— A coroa é dura?

Feito aço. Meu pai nunca ganha uma discussão. Isso, quando tenta.

Fiquei feliz do Rick não ser um cara machista. Ainda estava um pouco envergonhada por ter ligado para ele.

— Estão casados há muito tempo?

Mais de duas décadas. Já tinham cinco anos de casados quando conseguiram engravidar. Depois mais cinco antes de meu irmão resolver aparecer. Eles nem esperavam mais por outra criança. Queriam uma menina, mas veio o Jeff.

Ele terminou de falar como se aquilo fosse algo irônico, mas não perguntei nada e deixei para lá.

— Vinte e cinco anos de casados. — Suspirei. — É tão bonito ver algo assim.

É preciso muito amor.

— Hoje, na Cafeteria, atendi um casal de idosos, deviam estar nos setenta, bastante conservados. — Comentei a me lembrar. — A maioria dos clientes pede para viagem, mas eles escolheram uma das mesas próximas as janelas e ficaram quase o tempo todo de mãos dadas. Foi muito bonito de ver.

Vejo esse tipo de amor todos os dias com meus pais. Eles discutem, é claro, mas nada que não resolvam no mesmo dia. — Rick parecia sonhador.

Não sei dizer por que, mas tenho certeza que ele era o tipo de rapaz para quem o casamento seria tratado como um laço sagrado. Que, assim como seus pais, quando escolhesse sua esposa seria para a vida toda.

Lane?

— Estou aqui.

Se importa de me dizer como você é?

Acho que essa era a pergunta que ele queria me fazer desde que a nossa conversa rendeu na noite anterior. Eu podia entender. Também queria ter uma imagem dele para aliar aquela voz de sotaque forte e sensual.

Não sei por que, mas para mim não importava muito que ele fosse bonito, atlético, ou qualquer um desses estereótipos. Meu primeiro namorado era um gordinho de aparelho e sofri horrores quando terminamos.

Mas, sei lá, para os rapazes isso de ser bonita parecia ser algo importante.

— Sou loira, olhos verdes... uso óculos e estou acima do peso. — Menti.

Não uso óculos e sou magra por causa da genética de minha família. Nunca fiz uma dieta na vida. Jamais liguei pra isso. Até me achava magra demais.

Agora tenho algo para imaginar quando converso com você. — Ele disse satisfeito.

— Sim. Uma gordinha de óculos.

Desde que não afete sua saúde, estar acima do peso não faz diferença alguma.

— Não é o que maioria dos caras pensa. — Disse. — E você? Está acima do peso também? — Perguntei rindo, um pouco arrependida daquela mentira.

Não. Sou uma cara normal. Não musculoso como meu amigo Shane, mas não estou acima do peso. A única coisa boa que ficou dos dois anos que joguei no time da escola.

— E tem um pé quebrado.

Isso também. — Ele riu.

— Você é loiro ou moreno? Afro-americano? Coreano?

Coreano?

— Minha amiga está namorando um rapaz que se mudou recentemente e ele é coreano... Uma longa história. Te conto outro dia.

E contei.

Tenho cabelos castanhos, olhos azuis e um nariz grande.

Foi uma descrição mínima, mas sabia que ele devia ser atraente, mesmo que não fosse bonito. Com aquela voz, não podia não ser.

— Sabe o que dizem sobre homens com nariz grande?

Ele riu mais forte.

Pensei que eram os pés. Ou são as mãos?

Gente! Comecei a suar frio. Já contavam quatro meses que terminei com meu último aspirante a namorado, e como nunca fui de transar por transar, estava em celibato esse tempo todo.

— Não foi isso que estava falando, seu danadinho.

Não?

— Rick!!!

E estava falando do quê?

— Algumas estatísticas apontam que o formato do nariz indica muito da personalidade de uma pessoa.

Acredita mesmo nisso?

— Acredito. Adoro estatísticas. — Ele já deveria ter percebido. — E para que saiba que não estava me referindo a nada indecente, um estudo apontou que um nariz grande, geralmente, indica pessoas independentes e que gostam de liderar. — Informei. — Foi sobre isso que eu estava falando.

Ok... Estou com vergonha agora.

Fiquei em silêncio, depois perguntei:

— Mas eu gostaria de saber: qual o tamanho de seu pé?

— Lane!!!

E gargalhou gostoso junto comigo.

— Nossa! Essa nossa conversa foi mais surreal que a de ontem.

Um pouquinho mais.

Ele ficou em silêncio, depois falou muito baixo, quase em um sussurro e estremeci de prazer.

Gostei que tenha ligado para mim novamente.

— Também gostei de falar com você.

Eu te ligo da próxima vez. Não quero que gaste muito.

— Não gasto quase nada. — Informei, por que era verdade.

Ele pareceu não acreditar, mas nada disse sobre o assunto de gastos com ligações novamente.

Vai fazer algo amanhã à noite? — Rick me perguntou após um longo silêncio.

Pareceu-me que ele estava buscando coragem para perguntar se podíamos nos encontrar, mas se referia apenas sobre nos falarmos por telefone novamente.

— Vou assistir uma apresentação de minha amiga. Ela é cantora. Mas estarei em casa antes das dez.

Te ligo depois das dez então.

— Combinado.

Ele ficou calado novamente e fechei os olhos, por que podia ouvir sua respiração.

Até amanhã, Lane.

— Até amanhã, Rick.

 


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