As Crônicas de Reddie Hunter escrita por HunterPotterhead


Capítulo 32
VINGANÇA


Notas iniciais do capítulo

Segundo cap da noite :B



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REDDIE

Eu estava dormindo. Depois de ontem, nós voltamos pra casa, tomamos banho, nem demos boa noite e fomos dormir. Eu estava dolorida e sabia que já era manhã, por causa da luz que invadia pela fresta da janela. Mas nem a pau que eu acordaria de vez, a cama de Sel era confortável. E eu realmente merecia descansar um pouco mais.

Estava tão exausta ontem que meu sono foi tão profundo que não tive pesadelos. Mas havia material para minha mente me torturar. Eu vivi um pesadelo na realidade quando matei o Mollit. A sensação foi que eu estava matando a minha mãe.

De novo. Sem hesitar.

Na próxima noite, eu já sabia que Anne iria aparecer bem mais para assombrar meus sonhos. E Ethan. Se eu caísse ontem, e ele fosse junto, eu morreria com o coração mais despedaçado do que ele já é. O problema não era eu cair. Sei lá, eu dava jeito de enviar pragas pra Edward até do inferno, mas sim Ethan morrer junto por minha causa. Uma coisa era me ajudar, outra já era tomar aquele risco por minha culpa.

Eu morreria com mais um peso gigantesco nas costas. Talvez fosse um aviso do destino batendo na minha porta.

“Reddie Hunter, você traz morte e perigo para as pessoas que a cercam. Favor se afastar o quanto antes dessas pessoas decentes antes de matá-las. Tenha um bom dia de merda”.

Desgraça.

Eu estava tendo dor de cabeça enquanto dormia. Ou na verdade estava acordada, mas a preguiça me fazia pensar que estava dormindo. Entretanto eu não penso enquanto durmo. Dane-se, não importa, de qualquer maneira. Não fazia ideia de que horas eram e tampouco queria sair da cama. Estava frio.

Então eu tive que abrir os olhos porque Selena resolveu praticar pra escola de samba com uma colher de pau e uma panela. Acho que tenho que avisar que ela vai ter mais chances de entrar em uma no Brasil. Se eu fosse a juíza, pelo menos, iria dar um zero pra ela.

Acho que nem uma juíza de escola de samba brasileira gostaria de acordar com uma aluna enchendo seu saco logo pela manhã depois de ter quase caído de um prédio no dia anterior.

— Sel, vai se foder. – Resmunguei – Não é todo mundo que tem poder de se curar rápido, sua vagabunda.

— Vamos, vaca, acorde aí. Tem café com chantilly.

— É, já tô acordando. Me espera lá embaixo, daqui umas quatro horas eu desço. É bem rápido.

— Sonho? Pizza? Milk-shake? Coca-cola? Frango Frito? Mortadela? Do que tu gosta, mulher?

— Eu gosto de dormir.

— Ah, me lembrei, tem doce de leite lá na cozinha também.

— Legal, eu vou lá comer depois.

— Eu vou chamar o Ethan, aí você acorda rapidinho.

Abri os olhos e a fuzilei.

— Ethan? Por favor, Sel. Pelo menos me oferte algo mais decente. Tipo dinheiro.

— Eu só estou avisando que eu e Luna seremos madrinhas do casamento de vocês. Imagina aí os filhos de vocês, o cabelo preto com olhos vermelhos, ou então com cabelo vermelho e olhos azuis. Awnt, seriam tão fofos. Já pensou nos nomes?

— Meu pau. Você me deu vontade de vomitar, só por isso que vou sair dessa cama.

— Meus métodos nunca falham – Ela sorriu orgulhosa, como se tivesse tido três dias inteiros de sono e com mais energia do que nunca. – Vamos, tem muita coisa pra fazer hoje.

Gente feliz e animada de manhã cedo me irrita pra um caralho.

— Eu não era uma hóspede?

— Isso não te permite ficar dando uma de vagabunda na minha casa. Mexe esse traseiro e vamos trabalhar.

— Calem a boca – Luna resmungou, colocando um travesseiro sobre sua cabeça.

— Eu te odeio, Cook.

— Também te amo, vegetal vermelho.

— Já falei pra não me chamar assim. – Revirei os olhos.

— Sempre está de mau humor pela manhã?

— Sempre é tão irritante de manhã? – Arqueei uma sobrancelha e Sel assentiu sorrindo.

Levantei da cama e saí do quarto, ouvindo ainda as batucadas de Sel para acordar Luna, que praguejava alto. Fui ao banheiro, lavei o rosto e escovei os dentes. Encontrei Ethan na cozinha, e as lembranças do dia anterior me deram dores de cabeça.

“Sorte sua não me denunciar por assédio físico”.

“Nossa, sua bunda é muito linda”.

Meu Jesus Cristo.

Senti meu rosto esquentar, então antes que Ethan me notasse na porta da cozinha, retornei ao banheiro e lavei o rosto novamente, eu não iria ficar corada na frente dele. Respirei fundo.

Eu ignoraria qualquer piada sobre ontem.

Entrei na cozinha, disposta a achar o doce de leite que me fora prometido por Sel.

— Bom dia, cerejinha. – Revirei os olhos, esse apelido era ridículo. Por mais que me recordasse o apelido que Martina me dava, na época que eu morava em Seattle, Cereza. Talvez por isso o apelido me irrite tanto. Lembra-me de coisas que não tenho mais.

— Bom dia, bom saber que gosta de levar socos pela manhã.

Quando avistei o pote nos armários, reprimi um bufo de frustração. O doce de leite estava na última prateleira.

E 1,58 parece não ser a altura suficiente para alcançá-lo.

Talvez seja um sinal da vida dizendo para eu voltar a ser fitness mais cedo já que uma vasilha com maçãs estava bem perto de mim, na bancada que eu somente precisaria esticar o braço.

Arrastei uma cadeira para perto da prateleira e subi nela.

— Não é mais fácil me pedir pra pegar? – Ethan se levantou pra colocar um prato na pia e começou a lavar.

— Eu tenho minhas próprias pernas e mãos, obrigada.

Revirei os olhos e fiquei incrédula ao perceber que mesmo com a cadeira, somente a ponta dos meus dedos alcançava o pote, o que resultou em eu ter que me esticar na ponta dos pés para pegá-lo.

Eu estava de meias, e deve ser isso que me ajudou a escorregar da cadeira de madeira lisa. Abafei um grito e aguardei o impacto do meu corpo contra o chão enquanto ainda segurava o pote. Eu quebro uma costela de novo, mas agora que me esforcei pra pegar esse pote ninguém tira ele de mim. Porém, dois braços fortes me enlaçaram pela cintura antes que eu caísse, e eu ofeguei quando me deparei com o sorriso satisfeito de Ethan.

— Eu falei que era mais fácil me pedir ajuda.

— Continuo falando que tenho minhas próprias pernas e mãos, mas obrigada por me segurar Ross – Ele arqueou uma sobrancelha – Se puder parar de invadir meu espaço pessoal, eu vou agradecer mais ainda.

Ele me soltou, me deixando em pé no chão. Então pegou o celular do bolso e no segundo seguinte ouvi minha própria voz dizendo “Eu te amo”.

Dei um soco no estômago de Ethan e ele ofegou, aproveitando sua distração, peguei seu celular e apaguei a gravação.

— O que dizia mesmo? Eu não ouvi direito – Eu disse com um sorriso de canto de escárnio. – Opa. Acho que apaguei. Foi mal, Ross.

— Tudo bem, eu mandei pro meu e-mail, sabia que ia fazer isso.

O olhei incrédula, e quando fui ver seu e-mail no celular, ele o tomou de volta e desligou, fazendo assim o celular bloquear.

— Desgraçado.

— Ei, o desgraçado aqui salvou sua vida ontem. – Ele sorriu prepotente.

Eu devia ter caído naquela hora, ninguém ia sentir falta de mim mesmo. Que merda.

— Legal cara, panfleta e sai colando em poste, eu já agradeci – Revirei os olhos. Eu estava revirando muito os olhos aquela manhã. Daqui a pouco nem iam voltar pro lugar.

Nicho entrou na cozinha, desejando a nós dois um bom dia, o que retribuímos. Comecei a comer bem de boas meu doce de leite. Era tão bom que fazia meu mau humor matinal se dissipar. Nicho fez um misto quente e Ethan fritava bacon. Eu fiz café e coloquei doce de leite no fundo e cobri com chantilly, açúcar e uma jujuba na ponta do chantilly. Melhor ideia que já tive na vida.

Era tão doce. Mas tão bom.

Um por um, Bryan, Luna, Jack, Selena, Rafa e Aaron entraram na cozinha, cada um se servindo de algo. Ficou muito cheio pra mim, então furtei uma fatia de bacon de Ethan enquanto ele se virava pra dar bom dia para Luna. Joguei na boca assim que ele retornou sua atenção e notou com uma expressão confusa que tinha menos bacon no prato. Peguei meu café e fui sentar no sofá da sala.

Estava passando um desenho qualquer de sábado de manhã. E eu não me incomodei em procurar o controle para mudar de canal. O pessoal estava conversando sobre algo que não entendi muito bem, estava no estilo foda-se aquela manhã, concentrada nas minhas meias listradas em preto e branco e tomando meu café calmamente.

Pelo que peguei dos poucos trechos de conversa, havia uma missão. Um monstro qualquer, mas por incrível que pareça, não fiquei interessada. Eu estava dolorida. E tinha um monte de caçadores naquela casa. Eles podiam muito bem cuidar disso sozinhos. Eu não faria tanta diferença.

Selena chegou a me convidar para a missão, mas eu neguei. Realmente preferia ficar em casa comendo besteiras como uma adolescente sedentária. E ao que parecia, Nicho também preferia ficar em casa. Na verdade, depois de ontem, somente Selena, Ethan e Jack iriam caçar. Luna e Bryan iriam fazer um tour por Londres. Aaron e Rafa pareciam estar querendo trabalhar nuns feitiços. Eu e Nicho só estávamos com preguiça mesmo.

— Hey – Nicho chamou, também jogado no sofá.

— Hey. – Respondi meio desanimada, meu café maravilhoso havia acabado. E eu não tava com vontade de fazer outro.

— Vamos tomar sorvete no parque?

— Tá nevando. – Ele arqueou uma sobrancelha. Como se neve impedisse alguém de tomar sorvete. Dei de ombros. – É, vamos. Mas vamos de pijama mesmo. Eu não estou a fim de subir e trocar de roupa.

Ele também deu de ombros, até porque também estava com preguiça de ir tirar o pijama. Nós dois estávamos de calça moletom, a minha preta e a dele cinza, e camiseta de algodão azul, só diferenciando no tom, a dele era azul escuro.

Me levantei e espreguicei. Selena, Ethan e Jack subiram as escadas do porão armados para uma luta contra o inferno. Porra. Sel estava com uma metralhadora nas costas e duas espadas celestiais nas mãos.

— Isso tudo realmente vai ser usado ou vocês só querem se exibir mesmo? – Indaguei arqueando uma sobrancelha.

— Os dois. – Sel respondeu sorrindo. – Tem certeza que não querem ir?

— Temos. – Nicho e eu respondemos em uníssono.

— Nós vamos ao parque tomar sorvete. – Eu disse e Sel franziu o cenho, inclinando levemente a cabeça olhando de mim para Nicho.

— Então tá. - Ela deu de ombros, mas parecia meio incomodada com o fato de sairmos juntos.

Nesse momento, Luna desceu correndo as escadas e como o sofá estava em seu caminho, ela saltou e deu uma cambalhota por cima de Nicho e continuou correndo.

— Já perdeu, trouxa! – Ela gritou e gargalhou, correndo porta afora.

— Luna, espera! – Bryan gritou e saiu correndo feito um pato manco, ainda terminando de amarrar seu cadarço – Sua doida volta aqui, eu não apostei corrida nenhuma!

Ele, diferente de Luna, rodeou o sofá e saiu pela porta, nenhum dos dois teve a decência de fechá-la então uma rajada de neve entrou na casa. Fui fechar, mas já tinha um monte de flocos espalhados pela sala de estar.

Sel deu de ombros.

— Vai derreter e evaporar, não tem problema. – Notei que Sel já não sorria mais tanto como antes, e abriu a porta para sair, sendo seguida de Ethan, que estava meio carrancudo e Jack, que parecia estar alheio ao mau humor repentino de seus companheiros de equipe – Bom passeio. Aaron, não esquece que a gente vai jantar junto hoje! – Ela gritou e Aaron colocou a cabeça pela porta da cozinha assentindo.

Então foram embora e fecharam a porta. Revirei os olhos. Então tive uma ideia.

— Nicho, aqui tem um violão?

— Tem.

— Vai lá pegar.

— Virei empregado?

— Sim. – Dei de ombros e abri um sorrisinho.

Nicho revirou os olhos, mas subiu as escadas e voltou com o instrumento nas mãos. O violão era preto mesclado com azul marinho.

Vontade de virar ladra bateu certa, agora. Só pra ter ele no meu trailer.

Falando no meu trailer, eu gostaria que ele tivesse inteligência artificial e eu pudesse ligar pra ele pra perguntar se estava tudo bem. Se rolar um arranhão, eu caço o miserável responsável até o inferno. Eu deixei num lugar com câmeras, era o estacionamento do aeroporto afinal de contas. Ah, saudades daquela máquina maravilhosa.

Eu fui pegar um casaco, o frio estava demais do lado de fora. Então vi a jaqueta de Ethan por perto. Ele me emprestou uma vez, por que não emprestaria mais uma vez, não? A vesti, sentindo o calor aconchegante dela novamente. O perfume de Ethan ainda estava nela.

Meninas, dica de moda de look ideal pra ir tomar sorvete: Pijama de moletom e jaqueta duas vezes maior que você.

Eu e Nicho saímos, logo sentindo a rajada de vento frio. Era pra irmos tomar chocolate quente ou café, mas íamos mesmo tomar sorvete. Naquele frio da desgraça, em honra dos velhos tempos. Agradeci por meu cabelo estar preso num rabo de cavalo, mas minha franja ainda ricocheteava contra o vento. O ruim de ter o cabelo repicado é, não importa o quão bem eu prenda, sempre a franja e mais algumas mechas vão ficar soltas, por isso é melhor ficar com ele solto. Mas nessa situação, é melhor uma franja e algumas mechas que o cabelo inteiro batendo na minha cara.

Chegamos a sorveteria, que por sinal estava vazia. O atendente parecia querer dormir e fez uma cara confusa quando entramos. Eu comprei um sorvete de doce de leite de casquinha e Nicho um de chocolate. Tem coisas que realmente não mudam. Nicho passou o braço ao redor do meu pescoço e eu coloquei meu braço na sua cintura e fomos conversando e tomando sorvete até o parque.

Nicho Yamazaki, uma das pouquíssimas pessoas que eu não me importo que invada meu espaço pessoal.

— Ainda não me contou o que fez durante todos esses anos. – Nicho falou e eu suspirei,

— Já falei. Caçando. – Dei de ombros, não querendo dar muita continuação ao assunto – Nada de mais. Você que deveria me falar, arranjou até namorada...

— Sel não é minha namorada.

— Por que não?

— É complicado. E você e o Ethan? – Ele mudou de assunto e eu corei.

— Quanto às minhas atitudes de ontem, eu sou totalmente inocente, fui vitima de um velho que levou um pé na bunda e foi descontar nas pessoas alheias. Mas a Sel, como o cupido disse... Teve muita sorte. Não tem eu e Ethan para conversar. Para de tentar mudar de assunto. – Dei um tapa em seu braço. – Seja homem e assuma!

— Você é muito radical sabia?

— Não é ser radical, é ser realista, quanto tempo vai ficar nesse chove não molha? Nesse “É complicado”? – Fiz aspas com os dedos – Você é um homem ou um saco de batata?

— Um saco de batatas. Não há nada mais bonito no campo que uma batata, todo mundo ama batata. – Ele disse e eu dei um tapa na minha testa.

— Covarde.

— Covarde nada, só tô esperando a hora certa.

— Seu relógio está muito atrasado então. Nicho, você não pode ficar nisso cara, pede logo ela em namoro, é tão difícil assim? Deixa de ser lerdo, garoto!

— Menina, me deixa.

— Estou abrindo seus olhos. Tem mais três meninos naquela casa. Fiquei aí pensando que a fila não anda...

Nicho se virou pra mim indignado parando de tomar sorvete.

— Ela não me trocaria assim!

— Já vai jantar com o Aaron hoje... – Cantarolei e Nicho bufou ficando vermelho de raiva. – Quando você perceber, ela já vai estar com outro e tu vai levar uma rasteira da vida.

— A Sel não é assim.

— A Sel como qualquer garota, não espera pra sempre. Ainda mais ela que é imortal.

— Então o Ethan vai ter que agilizar, né? – Ele me lançou um olhar malicioso e eu estreitei os olhos.

Como pode perceber um tá jogando a batata quente de falar de sua vida amorosa pro outro.

— A Sel gosta de você, eu não gosto do Ethan, aturo ele.

— Eu não tenho os poderes da Sel, mas sei quando alguém tá mentindo.

— Me deixa garoto! Não estou mentindo! Estou sendo clara como água com meus sentimentos em relação ao Ethan.

— Só se for água de esgoto, né?

— Que nada, é água potável – Revirei os olhos e terminei de comer minha casquinha de sorvete e Nicho já tinha devorado a dele há séculos.

Chegamos ao parque, tão lindo que senti a nostalgia de sentar num banco e começar a fotografar coisas para desenhar depois. As árvores estavam sem folhas, já que era época de inverno, mas o lugar não deixava de ser bonito por isso. Eu me sentei num banco de madeira e Nicho se deitou apoiando a cabeça no meu colo, como quando éramos crianças. Deixei o violão apoiado do lado do banco.

— Reddie, tá na cara que você tá mentindo.

— Não estou! – Teimei, eu realmente não estava mentindo. Aturo Ethan. Só isso. Espero.

— Fala logo a verdade criatura!

— Não tem nenhuma verdade além dessa.

— Mentir é feio sabia?

— Nossa, a gente não tava falando de você e sua falta de atitude?

— Tá mudando de assunto!

— Fez isso primeiro. – Dei de ombros. – Fica aí de bode, achando que ela vai te esperar pra sempre...

— Eu vou pedir ela em namoro, só tô esperando a hora certa.

— Como disse antes... Você e todas as suas ferramentas que demonstrem horas estão atrasados. Super atrasados. Perdeu o trem meu amigo.

Nicho revirou os olhos.

— Mas ainda dá tempo de correr atrás dele, toma coragem, seja homem. Mas pelo que eu tô vendo, a Sel que vai ter que te pedir em namoro, se não a coitada vai pegar teia de aranha.

— Já falei que tu é radical demais.

— Deve ser porque eu sou mortal, a vida tá aí, e você tá desperdiçando ela.

— Mas eu tenho tempo!

— Nem sempre o tempo está ao seu favor... – Eu ia continuar, mas paralisei ao levantar a cabeça e ver ele.

O velho e bêbado cupido cambaleava com uma garrafa na entrada do parque.

Se Edward aparecesse assim, minha vida seria tão mais fácil.

Meu sangue ferveu de ódio me lembrando a desgraça que ele me fez passar ontem. Levantei na hora, antes que o infeliz desaparecesse, fazendo Nicho cair de cara no chão, tossindo neve.

— Ei! – Ele reclamou. – Não se faz isso com uma batata.

— Filho de uma puta... Vai me pagar por isso.

Eu corri na direção do cupido, peguei impulso e saltei nele, deixando a marca do meu sapato na sua cara. Ele só percebeu o ataque quando já estava no chão gemendo de dor. Sorte que o parque estava vazio.

Ninguém iria ver nada.

O puxei pela gola da camiseta imunda, meu rosto tão próximo do seu que meu nariz quis se contorcer com o fedor do álcool.

— Então acha legal brincar com a mente das pessoas? Vamos ver se acha legal isso também. – Puxei a adaga que estava dentro do meu sapato.

É tão bom sempre estar armada.

Enfiei a adaga até o cabo em sua virilha. O cupido arregalou os olhos e berrou. Senti minha dignidade ser vingada afinal. Girei a lâmina, ainda pouco me importando com os berros do desgraçado. Me sentia uma psicopata, com a expressão indiferente e uma sensação de prazer, mas estava despejando as minhas frustrações em quem as causou. Um sentimento de dever cumprido se apossou de mim. A vingança era tão satisfatória que dei um sorriso de canto.

Sangue respingava nos lábios do cupido. Dos meus entreabertos saía uma neblina causada pelo frio. Me aproximei do seu ouvido, ainda me deliciando com cada grito de agonia, e em um sussurro falei:

— Nunca mais mexa com a minha mente. Eu te caço e te mato de vez. Não se atreva nem a pensar em me ter como alvo. Só faça isso quando estiver querendo morrer. – Agradeci por estar sem lentes, eu sabia que minha expressão estava insana de ódio. – Estamos entendidos ou eu vou ter que desenhar com seu sangue? – Apontei minha faca em sua bochecha, cravei a lâmina, e com mais gritos, escrevi a letra R. – Estamos entendidos?

Daqui que cicatrizasse, minha inicial serviria de lembrete.

O Cupido, ainda tremendo e gemendo, assentiu.

— Agora some.

Arranquei minha adaga lentamente de sua virilha, o ferimento não parava de escorrer sangue de cor dourada. O cupido desapareceu, deixando uma fumaça rosa e manchas de seu sangue na neve branca.

Peguei um lenço que estava no meu bolso e limpei a lâmina da adaga, não queria nem resquício daquele desgraçado perto de mim. Nicho estava ainda deitado na grama, com cara de paisagem e pose de modelo de roupa íntima, esperando eu ir até ele. Dei um sorriso de satisfação.

— Então né... É pra hoje? Ou ainda quer caçar o coitado até os confins da terra?

— Ah, não. Eu acho que ele entendeu meu recado. – Estendi minha mão, embora Nicho não precisasse de ajuda, e ele a pegou se levantando rapidamente, sentando de volta no banco logo depois. – Vamos tocar um pouco.

Só vamos seguindo a vida ué.

Peguei o violão e meus dedos começaram a dedilhar Radioactive. Eu e Nicho começamos a cantar alto, feito hippies retardados. Mas hippies retardados felizes.

Tocamos e cantamos Demons, RU Mine e Numb. O nosso gosto musical não havia mudado e eu estava feliz por isso. Talvez também estivesse feliz por aceitar ter ficado em Londres por mais um tempo.

Eu tinha esquecido como era conviver com pessoas. É estranho, e ao mesmo tempo, bom. E, também me sentia mal. Só de colocar a vida de um deles em risco, como aconteceu com Ethan ontem, era o suficiente pra fazer meu estômago revirar de medo. Se mais alguém morresse por minha falta de competência, seria o suficiente para meu fio de sanidade ao qual me agarrei se partisse. Eu ainda não saí do fundo do poço. Ainda tenho crises, de medo, solidão, raiva de mim mesma por ter sido incapaz.

Eu tenho medo de conseguir ir do fundo do poço pro fundo de uma cova, porque eu sei que minha vingança vai acabar me matando. Eu não vou ter mais outros motivos pra viver. Eu irei ver que consegui me vingar, mas e depois? Não tinha planos pra depois.

Mas por ora resolvi me concentrar nos poucos momentos que minha mente consegue encontrar paz, como agora. Estou com meu melhor amigo de infância, revivendo nossas conversas triviais como quando éramos crianças.

— O que aconteceu com seus pais?

Suspirei. Sabia que Nicho iria uma hora perguntar disso.

— Essa é uma história bem triste. Não acaba bem. Acaba muito mal na verdade. E comigo sozinha.

Ele franziu o cenho, mas pareceu compreender que eu não queria falar disso.

— E por que a história acabou se você ainda está aqui?

— Não sei muito bem. Talvez eu esteja vivendo num epílogo bem merda.

— Talvez a história não tenha acabado. Talvez ainda dê pra você fazer seu próprio final.

— Eu sei meu final, Yamazaki. Ele não é muito bom também. – Fiz uma careta. – Eu não faço ideia do que fazer pra mudar ele. Nem sei bem se eu quero mudar ele.

— Qualquer um tem o direito de mudar seu final se não gostar dele.

— Nem sempre dá, jovem. – Balancei a cabeça. – Pra isso teria que mudar a história inteira, desde o começo.

— Talvez seja necessário um novo começo.

— Seu otimismo me irrita. Vamos voltar a sua falta de atitude com a Sel.

Nicho revirou os olhos e eu ri.

— Prefiro falar como virou uma caçadora. Como tinha uma adaga no seu sapato, cara?

— Eu aprendi desde cedo uma coisa, sempre ande armada. É uma regra básica pra mim, tipo tomar café todos os dias. Você tem que falar como conseguiu seus poderes isso sim, projeto de Jack Frost.

— Eu nasci com eles. Desencadearam quando... Coisas ruins aconteceram. Talvez tenha sido por isso que virei um... “Super herói” – Ele fez aspas com os dedos – Não aconteceu bem do jeito que eu queria, mas aqui estou eu, salvando pessoas dos caras maus.

— E com a mocinha é a Sel?

— Sel passa longe de ser uma mocinha. – Ele deu um sorriso, seu olhar voando longe para algum ponto nas árvores. – Ela não é uma heroína. Também não é uma vilã. Ela só é... A Sel, acho.

— Qual o seu medo, Nicho?

— Eu acho que não é medo exatamente, eu só estou procurando uma hora certa.

— Nossas vidas não são normais, você próprio faz a hora certa. Se estiver esperando que um momento mágico role como vocês dois num barquinho a remo num lago ao por do sol, desista. O máximo que vai ter são vocês comendo nutella assistindo Game of Thrones. Ou então faça você mesmo o momento especial. – Dei de ombros.

Nicho ia responder, quando começou a nevar mais forte, muito mais forte. Uma pilha de neve se amontoou sobre as nossas cabeças e resolvemos que já era hora de voltar.

— É, talvez você esteja certa.

— Eu sempre estou certa.

— E a modéstia?

— Mandei se ferrar – Nicho riu.

Ele foi pra minha frente e se agachou, eu arqueei uma sobrancelha.

— Vamos, sobe aí.

Por que não? Pulei em suas costas, enlaçando minhas pernas na sua cintura e meus braços no seu pescoço, provavelmente sou leve porque Nicho começou a correr de volta pra casa, uma velhinha nos olhou estranho, como se fôssemos loucos. Eu não me contive e gargalhei alto. Nunca mais tinha feito isso.

Infelizmente enquanto eu ria, um monte de neve entrou na minha boca. Me desequilibrei e caí das costas de Nicho, engasgando com a neve enquanto ele ria da minha cara.

— Rir da desgraça alheia é feio sabia?

— E engraçado também. - Nicho me pegou no colo estilo recém casados.

— Vamos, meu escravo. Leve-me até os meus aposentos temporários.

Nicho riu alto novamente e abriu a porta com um chute.

— Sorte a sua estar aberta, só queria ver como ia destrancar a porta.

— É o quê, Red? Eu sou multifuncional.

Senti vontade de rir e notei o quanto me tornava feliz estar com Nicho de novo. Ele foi a melhor parte da minha infância, um amigo em que eu me refugiava e conseguia me fazer rir mesmo que eu estivesse com o corpo todo dolorido e ferrado depois de um treino pesado com Patrick. E ao mesmo tempo me trazia a dor de lembrar o quanto já tive e perdi tudo.

Eu poderia dizer mil vezes pra mim que já era, que só me restava me vingar, mas era impossível não ficar me lamentando mentalmente a cada lembrança. A verdade é que eu não queria deixar as lembranças e esquecer meu passado. Não a parte feliz, fazia parte de mim. Dói? Pra caralho. Dói lembrar que já fui tão feliz, e por mais que eu tivesse valorizado o que tinha, tudo foi arrancado.

Acordei de mais um dos meus devaneios com o riso de Nicho, não sei por qual motivo.

E, um minuto depois, Selena e Ethan atravessaram a porta. Selena com uns arranhões, Ethan todo ferrado. Estavam sorrindo, e então o sorriso foi substituído por uma carranca do tipo: Ei, o que vocês estão fazendo nessa posição?

Então né.


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