Kaleidoscope escrita por Paradise


Capítulo 6
V


Notas iniciais do capítulo

Weak - AJR



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Hoje era o dia que eu precisava falar com mamãe. Sei disso porque papai não me deixou esquecer. Desde o caminho de ida para a escola, quanto o de volta foi esse o assunto. O único problema é que tinha aparecido uma festa inesperada hoje à noite e eu precisava me arrumar. Depois daquela aula de biologia eu esqueci completamente - durante dois dias e meio – de perguntar de quem era a festa. A minha indiferença tinha até aumentado quando Joel ofereceu uma carona antes de acabar a aula ontem. Ele passaria aqui para me buscar às 8. Portanto, tinha quatro horas para fazer tudo.

Comecei pelo banho e escolhendo a roupa. Era só algo casual, então peguei uma roupa certeira de festa. Calça jeans preta, tênis preto básico e uma blusa de manga curta com alguma estampa, desenho, foto ou frase no meio. Escolhi a primeira opção com uma camiseta listrada. Quando terminei de ajeitar meu cabelo e colocar o celular para carregar, já tinha se passado quase uma hora.

Corri para a cozinha, fiz um rápido sanduíche e voltei para meu quarto. Fechei a porta para não incomodar meu pai trabalhando e mandei mensagem para minha mãe. Liguei o computador e esperei a ligação via Skype dela. Só se passaram alguns minutos e ela ligou.

— Oi mãe – disse timidamente

— Oi meu amor! Como vai? – O computador dela estava apoiado em seu colo, filmando-a de um ângulo não muito favorável. Além disso, toda vez que eu falava, ela se aproximava e franzia a testa, como se a ajudasse a me escutar.

— Vou bem e você?

— Tudo bem. Bem estressada, se quer saber. Nossa, esse trabalho está me matando! Claro que, se eu conseguir fazer ele fechar o negócio, a empresa vai crescer de um jeito inimaginável! Vou te comprar vários presentes de todos os lugares que eu visito! Eu te comprei um ursinho daqui de Madrid, sabia?

— Eu não tenho mais onze anos, mãe... – Revirei os olhos e dei uma mordida no sanduíche.

— Eu sei, eu sei. Mas você sempre será meu bebezinho... É só uma lembrancinha para você saber que eu não esqueço de você quando estou viajando. Você sabe que preciso viajar o tempo todo, por isso é melhor deixar a guarda com seu pai.

— Eu sei, mãe. A gente decidiu isso juntos, lembra? Isso não me incomoda, o papai ta cuidando direito de mim.

Ela levantou as sobrancelhas, desacreditando.

— Estou vendo... Você está jantando um sanduíche no quarto!

— Não é meu jantar, é só um lanche. Vou sair mais tarde e comer com o pessoal. - Menti - Pizza provavelmente.

— Ahh, agora faz sentido as suas roupas. Mesmo que elas não são muito adequadas, hein.

— Como não? – Gritei, já me cansando da conversa. Só tinham se passado 30 minutos e eu queria ir embora. – Nem começa, mãe. Eu tenho 17 anos, não 40! Não vou vestir as roupas que você comprou para mim.

Ela balançou a cabeça, decepcionada. Bufei e revirei os olhos. Ela me repreendeu. Eu pedi desculpas.

— Seu pai vai te levar?

— Não, vou pegar uma carona com Joel.

— Joel? Você ainda fala com esse garoto?

— Ele é meu amigo, mãe. Nós já conversamos sobre isso...

— É que eu só acho engraçado como um dia eu te encontro chorando no seu quarto porque esse garoto destruiu sua amizade com aquela Alexis e aí, no dia seguinte, vocês voltam a ser melhores amigos!? Você sabe que nunca gostei dele.

— Mãe, não foi no dia seguinte! Demorou um ano e meio para eu voltar a falar com ele! E eu já voltei a falar com a Alexis. Tudo se resolveu, que saco.

Você só esquece o pequeno detalhe que logo depois que me achou no quarto, foi discutir com papai, né mãe. Vocês mal me consolaram por cinco minutos e já voltaram a brigar. Além do que, você só não gostava dele porque Joel é gay. Comecei a brincar com as coisas da minha escrivaninha.

— Bom, você sabe a minha opinião. – Ainda com uma expressão decepcionada, ela começou a olhar o meu quarto – Tá precisando dar uma geral aí, hein?

— Mãe, se você for continuar só me dando bronca, eu vou embora! – Falei, enfurecendo.

— Tá bom, tá bom. – Ela levantou as mãos, “se rendendo” – Vamos falar de outra coisa. Conversei com o Oscar na segunda, quando você esqueceu de me atender. Fiquei sabendo que vocês vão almoçar no domingo, que delícia. O que vão fazer? Onde vão?

— Acho que na casa dos tios, não sei. Não perguntei muito. – Ela esperou eu falar mais, só que eu só apoiei a cabeça na parede e continuei a encara-la. Isso pareceu frustra-la.

— Você não presta atenção em nada, não é mesmo? Só espero que esse ano não seja que nem o passado...

— Ah, chega. Eu tenho que ir. – Levantei bruscamente da cadeira e fiz que ia fechar o computador, mas ela gritou.

— Não, espera! Desculpa, meu anjo, não queria ser chata de novo. Eu só queria falar que, vocês vão conhecer uma pessoa muito especial domingo!

— Quem? – perguntei, ainda de pé

— Josie, a namorada do Oscar!

— O Oscar tá namorando?! Sério?

— Sim! Você não imagina a minha felicidade! É uma colega de faculdade, só que ela está no curso de medicina! Olha isso, Charlie, medicina! Essa é para casar.

Ninguém é para casar, mãe. Quantas vezes eu ainda vou ter que ouvir isso? Ela não melhora nunca.

— Eu estava tão preocupada, foi um alívio ouvir essa notícia.

— Ué, por que preocupada?

— Ah, Charlie, seu irmão nunca teve uma namorada antes... Eu estava começando a imaginar que... bem... – Ela fez uma pausa breve, mas foi o suficiente para eu prever o que diria – Ainda bem que eu não tenho um filho gay!

Me assustei. Eu estava esperando ela falar isso, mas mesmo assim foi muito inesperado. O jeito como ela falou quebrou meu coração. Mas, mais que isso, pegou todos os pedacinhos que caíram no chão e amassou entre os dedos. Eu não conseguia pronunciar nenhuma palavra. Meu celular tocou e percebi que faltava pouco para Joel chegar. Me despedi com pressa dela, fechei o computador e sentei no chão.

A ficha não caiu. Eu ouvia a voz dela repetindo aquela frase na minha mente como um tambor. Só depois de uns cinco minutos, quando eu passei a compreender o que aquelas palavras significavam, as lágrimas começaram a correr. Elas não pararam por um bom tempo. 

“Tudo pronto? Estou chegando.” era a mensagem de Joel.

"Sim, estou te esperando."

 

 

 

Abri a porta e ele me esperava lá na rua, mexendo no celular. Gritando, me despedi do meu pai e entrei correndo no carro. Cumprimentei a irmã dele que dirigia o carro e me virei para a janela, em silêncio.

— Tá tudo bem Charlie? Você parece um pouco para baixo.

— Tudo certo. – Virei o rosto e sorri, para disfarçar. Provavelmente ele não acreditou, porque meus olhos estavam vermelhos. Ou talvez ele tenha pensado que eu fumei alguma coisa - Só estou precisando me distrair e beber muito.

— Pode deixar que isso você vai fazer.

— Não deixa eu fazer besteira.

— Está brincando? É óbvio que eu não vou ser seu babá! Você é que vai ter que me segurar!

Rimos e continuamos a viagem inteira ouvindo a música da rádio sem falar mais nada. Quando estávamos quase chegando, lembrei de perguntar:

— Afinal, de quem é a festa?

Joel começou a rir muito. Fiquei olhando, sem entender.

— Eu não acredito em como o Karma é bom comigo, juro. Foi muita sorte você não ligar para isso até agora, porque não tem mais volta.

— Como assim? Você está me assustando, Joel.

O carro parou e nós descemos. Ainda rindo, Joel andou na frente, já abrindo a porta da casa. Segurei seu braço e disse que nós não entraríamos até ele responder minha pergunta. Só que alguém apareceu vindo do lado da casa e pelo visto reconheceu a voz do meu amigo de longe.

— Joel! Que bom que você veio! Ficquei muito curioso para saber quem é o seu convidado misterioso que você me implorou para deixar vir-

Ele parou de falar bruscamente e nós nos olhamos incrédulos. Depois confusos para Joel. O anfitrião limpou a garganta e apontou o caminho na lateral da casa.

— Por ali, por favor. Estamos no jardim e as bebidas estão no freezer, dentro da sala. Fiquem à vontade. – Ele sorria cínico para mim.

— Obrigado, Gabriel – Joel disso por nós dois, dando tampinhas nas costas do outro.

 

 

Logo que consegui alcançar Joel – que tinha saído correndo e fugindo de mim – dei-lhe um peteleco. Perguntei porque ele não tinha avisado que a festa era do Gabriel.

— Porque você não viria! E eu preciso te provar, primeiro, que ele é incrível e, segundo, que ele dá as melhores festas. O segundo eu também quero comprovar por mim mesmo.

Ele começou a rir da minha boca aberta. Me mandou um beijo e foi cumprimentar os amigos. Eram aqueles que sempre sentam com Gabriel no almoço. Eu não reconhecia ninguém além deles. Algumas pessoas pareciam mais velhas e a maioria era de outra escola. Resolvi dar uma volta pelo lugar e logo achei onde estavam as bebidas. Era atrás de uma porta de vidro que separava o grande jardim e uma sala de TV. No canto havia um freezer e um balcão com copos, bebidas e lanches. Não perdi tempo e já peguei uma lata. Bebi quase tudo em um gole.

— Eita, pra quê a pressa? – Um garoto um pouco mais alto que eu se aproximou, rindo. Eu não tinha certeza se ele estava chapado ou se o rosto dele era assim naturalmente. Ele me parecia familiar, provavelmente era da escola.

— Ellias, meu, deixa as pessoas em paz! – Era Gabriel. Ele abraçou o garoto e, se referindo a mim, completou – Acho que tem alguém precisando beber um pouco.

— É, talvez um pouco. – Terminei a lata e sugeri um round de shots. Os dois comemoraram jogando as mãos para cima e chamaram as pessoas ao nosso redor.

Acho que foram uns três rounds. Ou talvez quatro. Mentira, foram cinco! Ah, não sei. Só sei que eu conhecia sim aquelas pessoas. Ou pelo menos, elas me pareciam familiar.

— Ei, Charlie. – Gabriel me chamou e me conduziu até fora da rodinha de pessoas – Não sabia que você era tão sociável assim! Você se deu super bem com aquelas pessoas, mas acho que tem um amigo mais próximo seu aqui.

— Pete! – Gritei logo que o vi. Eu o abracei e ele riu.

— Quantos shots foram? – Ele perguntou para mim, mas foi Gabriel quem respondeu.

— O copo desse serzinho aqui não parava um segundo vazio. – Ele disse bagunçando meu cabelo carinhosamente.

— Eu preciso de outra lata. – Pete riu e me entregou a dele, que estava intocada. 

 

 

 

—Você é muito bonito, sabia? – Joel estava abraçado com um garoto que eu nunca tinha visto na vida. Eles conversavam baixinho e se beijavam de vez em quando, acho que para não chamar atenção.

— Eu achava que você gostava do Gabriel – gritei para ele. Pete me repreendeu, pedindo para deixá-los sozinhos – O que você está bebendo?

— Vodka com água de coco

— Água de coco? Fraco. – Xinguei mostrando a língua – Onde eu estou?

— Estamos sentados no sofá do jardim. A sua direita está a porta de vidro. 

— Me dá um gole?

 

 

 

— Mas ele é gay, né? – Agora era Ellias que sentava do meu lado. Só que não estávamos mais no jardim. Não sei muito bem, mas estávamos num tipo de sofá-cama gigante. Tinha muita gente lá dentro. Eu sentava em cima de alguém, eu acho.

— Acho que sim, mano.

— Você nunca perguntou?

— Não, porque não importa. Ele é meu amigo de qualquer maneira. Quem ele beija ou deixa de beijar não mudará nada disso. Todo mundo deveria pensar assim.

— O Ellias tá te enchendo, Charlie? Ás vezes ele consegue ser bem insuportável. – Gabriel chegou do nada e ficou de pé na nossa frente. Por que eu tinha a impressão de que sempre tinha alguém tomando conta de mim?

— Ah vai se fuder Gabriel – Eles começaram a se bater de brincadeira.

Com certeza tinha alguém embaixo de mim servindo de almofada, porque eu comecei a me mexer sem mover nenhum músculo.

— Cuidado! Vou derrubar toda a cerveja!

Rindo, um garoto ruivo reclamou que fui em quem sentei em cima dele pra começo de conversa. Ele estava deitado abraçado com uma menina morena, que também ria e repetia meu nome, como se fosse uma reza. Na verdade eu sentava nos dois.

— Meu, vocês são estranhos.

Todos começaram a rir de alguma piada não dita. Acho que era engraçada porque ri também.

— Você não acha melhor parar de beber um pouco, Charlie? – Gabriel se aproximou para tirar a latinha da minha mão.

 

 

 

— Charlie! Aqui! – Joel acenava e apontava para um garoto grande e alto. Chegando perto, meio cambaleando, notei certas características asiáticas. Acho que tive que me aproximar muito para reconhecer quem era porque Joel disse rindo – Cara, você está bem mal!

Por que todo mundo ria o tempo todo? E por que ninguém me deixava beber nada? E por que eu estava o tempo todo em lugares diferentes?

— Drew! Caramba, quanto tempo!

— A gente se viu hoje na escola, Charlie, mas tudo bem. – Ele me abraçou forte demais

— Olha o Drew já no desepero... – Disse Ellias me oferecendo mais um copo. Os três começaram a discutir não sei o que enquanto eu bebia.

Uma menina me puxou de lado para perguntar se o Joel estava solteiro. Tentei responder que ela não é bem o que ele curte, mas acho que ela não me entendeu, porque me ignorou total e foi falar com ele. Isso sem antes pedir para o Ellias me dar um pouco de água. Como ela sabia meu nome?

 

 

 

— Onde eu estou agora?

— Estamos sentados no sofá aqui no jardim.

— Caramba, como eu fico me teletrsnpondo.

Tele o que?

Tele- tel- tele -te... – Respirei fundo e me apoiei no ombro de Drew. Ele riu e me abraçou – Telestranpo.

— Você quer dizer teletransportando? É uma palavra difícil para se dizer quando se está bêbado.

— Mas você conseguiu falar!

— Eu estou bem, você não. – Drew me abraçava e meio que me puxava para perto. Estava muito quente ali, estava ficando sem ar. Tentei me afastar. Pedi um pouco de espaço, mas ele fingiu que não ouviu.

— Ei, Drew! Por que você não busca alguns copos de água para nós três? – Uma menina baixinha sentou do meu lado e me puxou para fora do abraço. Ela tinha cabelo todo cacheadinho marrom e um sorriso calmante. Drew a obedeceu bufando, arrumando os óculos no rosto.

Ela tirou o cabelo da minha cara e me ajudou a sentar direito. Eu não compreendia muito bem o que dizia, mas acho que era se eu queria tirar um cochilo no quarto do Gabriel por uma hora antes de ir para casa. Ela disse que ainda tinha tempo para isso. Por que eu ia querer dormir no quarto do Gabriel?

Falando nele, o garoto se aproximou sorrindo e trazendo um copo enorme de água.

— Trouxe isso aqui e também um pedaço de pizza.

— O bom é que mesmo bebendo para um caralho, em nenhum momento você dançou ou pulou. Então, por enquanto, não quer vomitar. – Ela fazia carinho na minha cabeça e me ajudava a comer. Queria perguntar quem ela era, mas não conseguia falar. Seria um anjo?

Quando eu já estava um pouco melhor, Gabriel virou para mim e finalmente fez as introduções.

— Vejo que você conheceu minha namorada Luana. – Balbuciei um prazer e ele completou. – Lu, essa é a Charlote.

— Mas pode chamar de Charlie.


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Notas finais do capítulo

Foi um capítulo mais longo, porque me empolguei hahaha. E também porque ele é bem importante!



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