007 Contra o Fim do Mundo escrita por Junovic


Capítulo 13
Viva e deixe morrer


Notas iniciais do capítulo

Bond e os guerrilheiros invadem o centro de distribuição de armas no meio do deserto sírio, mas uma desagradável surpresa revela que tudo não se passava de uma grande cilada para o agente 007.

Em Londres, M recebe uma estranha mensagem de um visitante inesperado. É uma noite de viva e deixe morrer.



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Antes do fim da manhã, Bond e os dois guerrilheiros chegaram ao esconderijo do grupo, em Aleppo. Ficava na periferia, em uma zona pobre da cidade. Se é que havia como, Aleppo encontrava-se ainda mais destruída, ainda mais miserável. Para piorar a situação, uma onda de revolta atingia a região e seus moradores, que repudiavam a presença de estranhos e até mesmo de uma possível ajuda humanitária, estavam fartos de promessas e da “esmola” não alcançar toda a província.

Os escassos caminhões que penetravam a cidade repleta de alimentos eram saqueados por moradores insaciáveis, famintos e exaustos de burocracia para se conseguir um pedaço de pão. Era impossível culpa-los, pensava Bond.

Ele, por outro lado, sabia que entrara em um labirinto sem fim e o sumiço de Samir só atestava isso. Indignava-se por seus governantes utilizem a Síria como “campo neutro” para resolver suas diferenças e enojava-se com o pretexto de tamanha calamidade: a busca pela paz, a busca pela democracia e um país justo.

Mentira, pensava Bond, encolerizado. Tudo isso é política, eles querem acabar um com o outro e um país insignificante como a Síria não só pode, mas deve submeter-se aos seus ideais. O parlamento britânico podia, sim, decidir para os sírios o que é bom, qual o modelo de negócios eles devem seguir, mesmo que seus moradores sejam domados e executados nessa busca.

Pelo que lutava Bond? Essa era a pergunta que ele não tinha resposta...

O esconderijo era um muquifo em um local tão insignificante que nenhuma bomba alcançara o lugar, recebera apenas os resíduos do impacto, sendo coberto por uma poeira branca e grossa.

Bond reuniu-se com mais dez guerrilheiros, comendo um pão duro com um gosto amargo, acompanhado por uma espécie de chá em um copo enferrujado. Comera com gosto, é verdade. Não se alimentara desde o momento que colocara os pés na Síria.

Os trezes homens comiam em silêncio, o único ruído que era ouvido vinha do lado de fora: crianças jogando futebol na rua, fazendo de balizas grandes pedaços de pedra que antes fora o pedaço de uma casa.

Abur, o capitão do barco que trouxera Bond para o fim do mundo, comia seu pão olhando atentamente para ele, inquieto. Bond respondia com um olhar igualmente estonteante, cheio de malícia.

Abruptamente, Abur jogara seu prato de lado, pegara sua espingarda de cano curto e levantou-se, apontando para Bond, que não se dera o trabalho de levantar os olhos, continuando a comer sossegadamente.

— Quem é você!? — perguntou, aos gritos, em um inglês carregado — Não é humanitário coisa nenhuma. Eles me falaram — disse, apontando para os dois guerrilheiros sobreviventes, com um gesto com a cabeça — Vocês acabou com os mercenários do ISIS. Um por um.

— Eram seus amigos? — perguntou Bond, mastigando com dificuldades o pão duro.

Abur dera um chute no copo de Bond que repousava no chão, à sua frente, e continuara encarando-o, sem receber seu olhar em troca, dessa vez.

— É inglês, não é? — insistiu Abur — Igual aqueles desgraçados que nos perseguem!

Bond, automaticamente, elevara sua cabeça, encontrando um Abur furioso, ainda apontando sua arma para seu crânio. Os demais guerrilheiros observavam prontos para atacá-lo.

— Quem os persegue? — perguntou Bond.

— Não importa, você sabe muito bem! — vociferou Abur, engatilhando a espingarda.

Bond vira que não havia saída, era necessária a verdade, pelo menos o que ele pensava que fosse a verdade.

— Sou do MI6. Um espião. O Reino Unido dissolveu a unidade quando procurávamos a relação entre a SPECTRE e grupos terroristas.

Abur afastara-se, temeroso, mas tentando manter-se firme.

— SPECTRE? Você sabe da SPECTRE, hein?

Bond levantou-se, cuidadosamente, com as mãos para o alto.

— Conhece a SPECTRE? Sabe alguma coisa sobre ela?

Os demais guerrilheiros também se levantaram.

— Todos sabem. É tudo a mesma coisa!

— Do que fala, Abur? O que quer dizer?

Abur soltara uma gargalhada infeliz, quase psicopática.

— Quando não são eles são os russos e quando não são os russos são os ingleses. São todos a mesma coisa!

— Do que está falando, Abur? Diga — insistiu Bond, elevando a voz institivamente —, fale o que sabe. Diga para mim.

Abur soltara uma nova risada forçada, arranhando suas cordas vocais.

— As armas. Eles dizem para nos unir a eles e nos garantirão armas...

— Quem? Quem diz isso, Abur?

— Todos. A SPECTRE quer que nos juntemos à Rússia, mas ela mesma entrega armas para o exército combater o ISIS. O mesmo ISIS que ela arma.

Um calafrio percorreu toda a espinha de Bond, fazendo seu coração saltar para sua goela. Descobrira tudo. Era a  peça que se encaixava perfeitamente no quebra-cabeça.

— Onde estão eles? — perguntou Bond, extasiado.

— Não importa mais...

— Fale-me, Abur. Fale-me e salvaremos Samir.

Abur abaixara a arma, rindo bobamente com ela pendendo em sua mão.

— No deserto, é claro. Estão todos no deserto...

***

Partiram imediatamente para o deserto sírio, chegando ao crepúsculo, que dava à areia um aspecto avermelhado, desolado, como todo o restante do país.

Foram necessárias cinco caminhonetes para os doze guerrilheiros e Bond chegarem ao local, todos armados com espingardas de cano curto.

Após percorrerem cerca de dois quilômetros entre dunas de areias, localizaram um muro de concreto com cerca de doze metros de altura, que circundava uma área maior do que uma pista de pouso e decolagem para aviões de grande porte.

Nas duas extremidades de um portão, em cima de torres com holofotes apagados, duas sentinelas vigiavam o lugar. Foi por detrás de uma dessas dunas que as cinco caminhonetes foram estacionadas, impossibilitando que os guardiões percebem a presencia de intrusos no local.

Furtivamente, Bond observava a construção. Sabia que havia bem mais do que apenas as duas sentinelas no lugar, que com apenas doze homens, eles seriam presas fáceis para quem é que estivesse ali.

— O que exatamente tem ali dentro? — perguntou Bond para Abur.

— É aqui de onde são distribuídas as armas. É uma empresa que muni russos e ingleses, porém é daí também que saem as armas dos rebeldes e do ISIS — respondeu.

— E quem você acha que está dando armas para eles?

Abur apenas encarou Bond e respondeu:

— São todos lixos.

Sendo assim, pensou Bond, eles teriam que entrar lá. Custasse o que custasse.

***

M estava sentado sozinho na grande sala de reunião da câmara alta, no Palácio de Westminster. Há quase duas horas atrás, fizera seu monólogo para os novos agentes da inteligência, explicando como exatamente funcionava o arquivamento de investigações.

A verdade é que uma rápida olhada nos arquivos digitais já deixava claro o padrão organizacional, mas o próprio M sabia que seu trabalho deveria parecer essencial para a continuidade do serviço secreto e quanto mais prolixo ele fosse, mais tempo a integração dos novos agentes demoraria a ser concluída e mais ele e sua equipe desertora descobriria. Continuar infiltrado nos jardins do Primeiro Ministro lhe dava uma ligeira vantagem, não tinha dúvida.

Eram quase seis da tarde e sua aflição durava um mês, desde o momento em que Bond deixava as fronteiras do Reino Unido à caminho do mediterrâneo. Não mantinham contato desde que ele chegara à Itália. Tanto M quanto Bond estava à mercê do tempo...

Perdido em pensamentos, M assustou-se quando um responsável pela segurança adentrara a sala e sem falar nada lhe entregara um cartão, saindo, em seguida, sem ao menos se despedir.

M continuou olhando para a porta em que o segurança acabara de sair, sem realmente entender o que acabara de ocorrer. Olhara para o cartão platinado com letras escuras e lera seu conteúdo.

Uma única palavra seguida por uma solitária consoante fizera o peito de M estremecer. Sem pestanejar, levantara-se, conferindo seu coldre abdominal por debaixo de seu paletó, tateando até sentir sua pistola semiautomática Walther PPK do seu lado direito.

Antes de sair da sala, olhara para os dois lados do corredor vazio e seguiu seu caminho, sem realmente saber se sentira a presença de alguém à suas costas ou fora apenas a paranoia trazida pelo bilhete.

M respirou fundo e com passos largos chegara ao elevador, que abrira suas portas no exato momento em que ele parara defronte a elas. Estava vazio. Entrou e apertou o botão para o átrio, a fim de sair daquele ambiente claustrofóbico.

O elevador parara dois andares acima e abrira suas portas. Suando, M apertara repetidamente o botão que fechavam-nas, mas quando estavam prestes a se tocarem e seguir a viagem, uma mão branca e pequena colocou-se entre elas.

***

Os dois sentinelas passavam cerca de doze horas diárias resguardando as areias do deserto. Absolutamente nada de anormal acontecia por aquelas bandas.

Durante esse período, eles tinham cerca de quarenta minutos para descansar. Costumeiramente, eles dividiam esses quarenta minutos em dois períodos. Por volta das nove ou dez horas da manhã, eles usavam vinte minutos para tomar café e conversar com outras sentinelas que descansavam naquele momento. Após as duas da tarde, eles usavam os demais vinte minutos para almoçar e fazer a sesta.

Os dois sentinelas que vigiavam os portões naquele momento já tinha feito os seus quarenta minutos que tinham direito e não faltava mais do que uma hora e meia para que eles pudessem terminar seu expediente e, até aquele momento, nada de anormal acontecera por aquelas bandas.

Foi quando uma caminhonete desgovernada avançou em direção ao portão. Não havia nenhum motorista dirigindo-a e na portinhola de reservatório da gasolina, um pano incendiado iluminava o deserto escuro.

Ainda sem acreditar nessa visão, um dos sentinelas acionara o alarme que pusera-se a apitar, cortando o silêncio que assolava a região. Um segundo depois, a caminhonete batera de frente ao portão, explodindo em seguida, derrubando as torres e os holofotes.

***

C fixou seu olhar na porta prateada do elevador, enquanto M permanecia imóvel ao seu lado. Eles continuavam subindo em direção ao átrio quando ele quebrou o silêncio.

— Fazendo serão, M?

M dera uma risadinha sem graça, ainda incapaz de olhar para C.

— Resolvendo algumas pendências — respondeu.

— Missãozinha para o Ministro? — continuou C.

— Como você gosta de insinuar, estou aprontando contra ele, C.

O elevador continuava subindo indefinidamente, devagar, ora ou outra os cabos emitiam um ruído, mas o aparelho seguia regular e constante.

— E você? — quis saber M.

— Eu? — sorriu C — Missãozinha para o Ministro.

— Ah, é?

— Pois, sim. Nada de servir cafezinho essa noite. Algo importante.

M olhara de relance para C, chegando até mesmo a achar graça na situação.

— Devo lhe dar os parabéns? — ironizou M.

C dera uma risada sutil, tão sem graça quanto a de M, anteriormente. E sem olhar para ele, continuou.

— Só tinha que garantir que você estivesse aqui até a essa hora. Bem, não foi tão difícil considerando seu vício em trabalho.

M fingiu surpresa, com uma expressão de perplexidade.

— E depois?

— Depois você será morto pelo senhor Hinx no átrio do Palácio de Westminster.

M olhara bem para C, que o encarava. Os dois homens começaram a rir como se uma piada realmente engraçada tivesse sido contada por um deles.

Ainda rindo, M entregara o cartão que recebera do segurança, minutos atrás, para C.

— E o que é isso? — perguntou rindo.

— Leia — respondeu M, às gargalhadas.

C levantara o cartão à altura de seus olhos e lera a palavra seguida de uma consoante solitária:

Mate C

M continuara rindo, solitariamente, enquanto surgia no rosto de C uma expressão de puro terror. Um terror silencioso que mal teve tempo de olhar para M, quando esse atirara duas vezes em seu abdômen.

***

O senhor Hinx, um homem corpulento, com seus dois metros e cinco de altura, mirava seu HK416 para o elevador que se abriu quando uma companhia soou.

M segurava o corpo de C em sua frente e apontava a Walther PPK em direção de Hinx, que sorrindo, pusera-se a metralhar o elevador.

O corpo de C tremia a cada bala recebida, o espelho do elevador fora reduzido a fragmentos e M, com um movimento rápido, apertara o botão que fechava a porta, logo após disparar o único tiro que acertara o meio da testa de Hinx, que fizera seu corpo tombar para trás e a metralhadora cessar.

Antes que se pudesse ouvir o baque da queda do pesado Hinx, a porta do elevador fechara, seguindo vagarosamente para o subsolo do Houses of Parliament.

***

 Quando cerca de dez soldados espalharam-se ao redor do muro e começaram a trocar tiros com os guerrilheiros, Bond acelerou a caminhonete e, atropelando dois inimigos, entrou pelo espaço aberto que antes fora um portão e desviou do resto de concreto que formara o muro, invadindo o lugar.

Bond dirigiu por um labirinto de contêineres laranja, com o logo da Warlike Inc estampado em cada um deles. Eram facilmente mais de mil daquele tipo, enfileirados por uma área maior do que um campo de futebol.

De repente, uma luz vermelha intensa começara a brilhar logo a sua frente. Já não era possível ouvir barulhos de tiros ali.

Quando Bond fizera a curva, encontrou uma área completamente aberta. Era uma pista de voo iluminada justamente pelas lanternas vermelhas, com quase um quilômetro de extensão. Mas o mais surpreendente — além daquele complexo ter sido erguido no meio do deserto sírio — era a presença de um Lockheed C-5 Galaxy, um avião cargueiro monumental usado pelo governo americano.

Bond encarara aquele monstro com os olhos vidrados, ao ponto de esquecer que estava dirigindo. Ele olhou ao redor e do outro lado da pista encontrou um armazém, com várias docas. Bond fez a curva e dirigira até lá.

Desembarcara próximo de uma das docas e com a espingarda de cano curto em punho, procurara uma entrada. Não havia ninguém por ali, tudo era silêncio e escuro, com exceção das sombras que as luzes da pista criava.

James Bond continuou andando, atento, até encontrar uma porta entreaberta. Ele poderia ter hesitado. Parecia fácil demais, mas não tinha outra opção, provavelmente um dos soldados esquecera-se de trancá-la ao dirigir-se para o ataque.

Ele entrou, descobrindo um grande galpão vazio e um mezanino que acessava-se através de uma escada de metal, no extremo do salão. Havia várias portas fechadas no mezanino e Bond decidira ir até elas.

Ele subiu a escada de metal, que estremecia a cada novo passo e apontou sua arma para a primeira porta. Quando aproximou uma das mãos para a maçaneta alguém precipitou-se em suas costas.

— Bond!

James virou-se, pronto para atirar, quando descobriu Samir. Ele ficara momentaneamente mudo.

— Que bom que você está aqui! Eu sabia que viriam me salvar! — continuou ela.

Bond, atento, abrira a porta e descobriu uma sala vazia. Ele olhava ora por cima dos ombros de Samir, ora para suas costas.

— O que faz aqui? — perguntou desconfiado.

— Eles me trouxeram para cá, me prenderam por um tempo. Eu não posso sair do armazém, não sei o que eles queriam de mim. Mas agora vocês vieram!

Vocês?

— Sim. Você e meu grupo!

— Como sabe que eles vieram?

Samir hesitara, tentando disfarçar o mal entendido.

— Eu ouvi a explosão, sabia que eram vocês.

Bond olhara atentamente para Samir. Via bem mais do que ela fingia demonstrar. Era o fim. Bond não se perdoaria nunca por ter caído como um rato em uma ratoeira.

— Você me chamou de Bond.

Samir nada pôde argumentar. Suspirou fundo e esperou. Bond repetira o gesto e ouviu ecoando na escuridão o barulho de alguém engatilhando uma arma.


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