O Primeiro Amor escrita por Hanako


Capítulo 1
Capítulo Único




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Ela tinha doze anos. Para muitos, essa idade apenas representa uma criança começando a deixar a sua infância enquanto que, para ela, era um novo mundo se abrindo para ser descoberto. As diferenças estavam estampadas desde o seu rosto, que começava a apresentar os primeiros sinais de acne até a boneca favorita, que já ficava esquecida em quase todos os finais de semana.

Como uma boa garota, não gostava de ser deixada para trás, mas admitia para si mesma que não conseguia entender as outras do seu sexo. Era muita coisa para sua pequena cabeça e a sua principal incógnita era justamente o assunto principal das amigas: garotos. Todos os dias, entre e durantes as aulas, as meninas se divertiam discutindo quem era o mais bonito, o mais apaixonante e o menino simplesmente perfeito da sala. Para ela, todos eram absolutamente iguais.

Todos os rapazes eram nojentos, egoístas, agressivos e atrapalhados, não tinha jeito. Havia algo neles que a deixava sempre ao lado das garotas. Era impossível fazer amizade com eles. Aos doze, essa situação começava a ficar complicada, já que suas amigas não mais concordavam com essa atitude e já listavam primeiros beijos, primeiras mãos dadas, primeiros amores. Algo dentro de si, o vazio no peito, o doce desejo de querer sair de sua bolha surgia como um apelo que não conseguia ser ouvido.

Ela começou a estudar seus colegas de classe, tentando descobrir o que havia de tão maravilhoso em cada um e não viu nada, absolutamente nada. Para não se sentir deslocada, passou a concordar quando diziam que um ou outro era bonito, através de critérios e estereótipos que leu em revistas para adolescentes. Quando perguntavam com quem queria dar seu primeiro beijo, ela simplesmente dizia que era com o mais popular da escola, para evitar maiores explicações.

Algumas vezes, as bonecas ainda saiam da sua gaveta, como um pequeno segredo que mantinha. Seria vergonhoso se alguém da escola a descobrisse ali, cuidando de roupinhas do tamanho da palma de sua mão, ao invés de experimentar o batom da sua mãe ou suplicar por um sutiã de presente de aniversário para seios que ainda não existiam. Ela estava ali, aproveitando cada minuto da sua infância e sabendo que seria cobrada por sua prorrogação, caso soubessem.

Em um fim de semana qualquer, ela vestiu um de seus conjuntinhos, todo enfeitado com desenhos azuis, assim como são enfeitadas todas as roupas de criança, e saiu de casa para uma dessas festinhas infantis que começam sempre pontualmente às dezesseis horas de sábado. Nesse dia, por algum motivo que ela nunca saberia, passou nos lábios um gloss e, como não tinha costume, usou tanto do produto que ele grudava um pouco na boca enquanto ela falava, mas, por outra razão que ela também jamais adivinharia naquela época, se sentiu estranhamente maravilhosa.

Como sempre, ao chegar ao local da festa, procurou imediatamente por outras garotas de idade semelhante à dela para fazer amizade. Entre seus olhares curiosos para todos os ambientes, finalmente aconteceu. O peito começou a doer forte, as pernas fracas e o estômago que não parava de fazer um movimento estranho, acompanhando o seu nervosismo e as mãos que se moviam numa dança frenética de ansiedade.

Existe algo sobre a vida que só se percebe depois de muitos anos de experiência. Algumas coisas acontecem devido ao nosso esforço, como passar no vestibular ou conseguir um emprego, por exemplo. Outras coisas, um pouco mais difíceis, precisam de sorte para que aconteçam e, nessa categoria, podemos citar uma moeda encontrada no chão da rua ou o ônibus que passa justamente na hora em que você chega no ponto.  O mais difícil é perceber aquilo que acontece simplesmente porque tinha que acontecer. Não é porque você deseja, não é porque precise disso ou que o mundo esteja esperando por este momento, apenas acontece e não há nada que possa impedir. Como exemplo para este último, podemos citar a dolorosa morte de um ente querido e o primeiro amor.

No primeiro amor não há histórias dolorosas de amores passados, não existem experiências a serem compartilhadas e nem mesmo uma noção do que se esperar. Os filmes e a literatura tentam dizer o que é essa explosão dentro de nós, mas é algo que só se sabe realmente o que é depois de vivido. Pode ser que, naquele momento, para aquela menina de doze anos, os astros estivessem nas posições corretas, os hormônios tivessem resolvido finalmente que estava na hora de crescer ou mesmo que os dados do destino tivessem sido soprados a seu favor. Podia ser algo no seu café da manhã ou o estranho fato de passar um brilho labial para ir que tenha alterado alguma ordem no universo ou finalmente tê-lo colocado na direção correta.

O fato é que a menina finalmente descobriu um interesse em um garoto que ela teria um grande prazer em conhecer melhor. Ele estava longe e ela, muito nervosa, enxugava o suor de suas mãos frias na blusa. Andou a passos curtos e demorados até onde o menino estava sentado, pensando se não seria muita falta de educação puxar assunto com um desconhecido e se isso realmente importava nesse momento.

“A música está um pouco alta, não acha?” Ela finalmente disse um pouco envergonhada da atitude que acabara de tomar. Sua voz tinha saído esganiçada pela ansiedade, mas tinha quase certeza que ele nem tinha percebido. Ele passou a mão pelo cabelo curto, como se fosse algo que fizesse por costume e não por real necessidade e a olhou. “Acho que está sim”, ele disse. “Não quer brincar de alguma coisa?”. Ela sorriu. Não existia nada nesse mundo que ela quisesse mais que brincar com aquele pequeno desconhecido,  alguns centímetros menor do que ela, como ela foi perceber assim que ele se levantou.

Conforme corriam de um lado para o outro, ela percebeu que, por algum motivo, também queria abraça-lo e protegê-lo do mundo e também que não poderia fazer isso jamais. Ela sentia que era algo diferente. Não poderia encostar-se àquela nova amizade sem que sua pele se arrepiasse e sabia, qualquer ação que envolvesse toques com aquela pessoa revelaria que tinha algo estranho em sua mente.

Como todas as outras festas infantis, essa também acabava exatamente às vinte horas. Ela obviamente não viu o tempo passar. Cada segundo era precioso, não sabia se o veria novamente em algum dia da sua vida. Assim que ouviu chamando seu nome para ir embora, entendia que era sua última chance.  Antes que o garoto percebesse, seus lábios estavam cobertos de gloss e a garota tinha desaparecido.

Se o que ela fez estava certo, se ele tinha gostado ou se assustado com sua atitude, eram fatos que ela jamais saberia. Porém, na escola, ela sabia exatamente como um garoto deveria ser para ser bonito e incrível. Ela sabia também que, na corrida para crescer, um grande passo a colocava em vantagem sobre suas colegas. A única coisa que não entendia era o porquê de seu peito agora doer tanto à noite, quando seus pensamentos divagavam antes de dormir e a levavam para uma festinha com um menino sentado ao longe que ela lamentava profundamente não saber seu nome.


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