Underwater | Segredos Revelados escrita por L Mota e D Oliv


Capítulo 10
Capítulo 9




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/723308/chapter/10

Os dois falaram ao mesmo tempo e eu levantei minha mão, a fim de silenciá-los.

— Eu não acho justo ouvir apenas a versão de vocês.

Meu pai pigarreou. Parecia irritado.

— Sua tia não tem um lado. Ela quer apenas destruição, é uma assassina de humanos e da própria espécie – a voz de minha mãe aumentou um pouco, seus olhos coloridos chamuscavam.

— Terei que tirar minhas próprias conclusões.

— Está fora de cogitação, Agathe – meu pai foi categórico, eu sabia pelo tom de sua voz que aquilo era definitivo.

— Não vão conseguir minha confiança desse jeito. Sei que não estavam presentes, mas caso não tenham percebido, eu não sou mais uma criança – sai da sala a passos firmes.

Eles não me seguiram, para meu alívio. Havia um guarda de prontidão me esperando, fazendo meu sangue esquentar de irritação. Como se eu precisasse daquilo.

— Quero ver Alex… Alys agora.

O guarda não protestou, apenas me guiou. Todos olhavam diretamente para minhas pernas, acho que eram uma afronta para eles. Apesar de estar gostando de andar com pernas no fundo do mar, era cansativo, já sentia minhas pernas ficando cada vez mais pesadas, mas o orgulho não me deixava voltar a minha cauda.

O grandalhão parou em frente a uma porta dupla de madeira e abriu-a. Estanquei automaticamente. Era uma sala de luta. Só poderia ser aquilo, pois diversos homens lutavam entre si e todos pararam para me olhar.

Fuzilei o grandalhão com meu olhar e em resposta ele sorriu dizendo:

— Me pediu para levá-la a Alys. Ele está bem ali – ele me deu passagem me olhando de soslaio.

Caminhei me sentindo nua até Alex que me olhava incrédulo.

— Preciso da sua ajuda – falei, tentando focar apenas nele.

Seus olhos mudaram de azul acinzentado claro para escuro. Senti um pequeno frio na barriga.

— Vamos para um local mais reservado – ele me puxou pela mão, guiando-me para fora do campo de luta.

Alguns tritões me reverenciaram, outros fizeram comentários baixos sobre minhas pernas.

— Eu assumo daqui – Alex avisou ao grandalhão que apenas maneou a cabeça.

— Não queria atrapalhar o que você estava fazendo, mas...

— Liv, por favor, volte com sua cauda.

Olhei-o um pouco irritada.

— Não quero.

Alex bufou.

— Sua perna vai atrofiar aqui.

Com aquele sutil aviso me senti vencida. Respirei fundo fechando os olhos. Senti minhas pernas se juntarem, como se estivessem sendo coladas. O processo foi um pouco doloroso e Alex notou.

— Quando mudamos nossa forma para mundana aqui embaixo é mais doloroso se transformar novamente.

Assenti. Alex achou melhor irmos até alguma sala mais reservada. Eu gostaria de ir ao meu quarto, mas ele protestou dizendo que era extremamente proibido a entrada de plebeus nos aposentos reais sem solicitação. Eu queria refutar aquela lei estúpida, mas não tinha tempo.

Entramos em uma pequena sala que ficava perto do trono. Era uma sala de leitura, onde diversos livros ficavam em estantes que pareciam ser feitas de cascalhos e iam até o teto do aposento. Fiquei curiosa para sentir as folhas dos livros.

— O que a alteza deseja? – Ele sorriu para mim, parecia mais tranquilo.

— Preciso encontrar minha tia – direta e reta, sem rodeio.

O sorriso dele desapareceu e duas rugas apareceram em sua testa.

— Acho que engoliu água sem querer, Liv.

— Estou falando sério. Preciso saber a versão dela.

— A versão que ela mata todo mundo?

Suspirei, exasperada.

— Alex, eu estou completamente confusa. Os reis… meus pais estão escondendo coisas de mim, eu sinto.

Ainda não queria contar que na verdade andava falando com Scarlate. Sentia que isso não seria bem-vindo por ele.

— Se estão é pelo seu bem. Eles não podem simplesmente dizer tudo agora.

Olhei-o por alguns segundos. Perguntando-me se ele também não estava escondendo coisas de mim.

— Se não me ajudar eu irei sozinha. Acredito que tenha algum mercenário por aqui que me ajude. Ninguém é incorruptível aqui, pelo que me parece.

Alex me fitou por alguns segundos. Seu semblante era sério e estava pronto para o não quando ele sorriu dizendo:

— Assistiu muitos filmes de gangster, princesa.

 

Eu estava apreensiva. Alex iria pedir permissão aos meus pais para me levar para a cidadela, para que eu conhecesse melhor meu reino.

Não deixe seus reais sentimentos aflorarem, se eles sentirem que está mentindo está tudo perdido, inclusive eu” – Alex disse em minha mente enquanto caminhávamos para a sala do trono.

Meus pais estavam sentados lado a lado. Eu achava aquilo ridículo. Tudo aquilo para poder sair. Pensei no que Alex disse e acalmei meus sentimentos.

— Gostaria de levar Agathe para um passeio pela cidadela. É bom ela conhecer o reino.

Meu pai assentiu. Seu semblante demonstrava certa irritação, talvez por nossa discussão de mais cedo.

— É bom ela conhecer seu povo – minha mãe disse, olhando diretamente para mim. – Fico feliz que queira saber mais sobre nós, minha sereia.

Apenas assenti. Sustentei o olhar dos dois, sentindo que havia uma ligação entre nós mas que parecia frágil demais.

— Um guarda escoltará vocês – meu pai definiu.

Eu abri a boca para protestar. A raiva subindo pela minha garganta. Algo quase palpável e incompreensível. Porque estava tendo estas explosões de sentimentos ruins?
— Por que tenho que ter um guarda me escoltando? – Perguntei controlando a raiva de minha voz. Acho que se pudesse Alex teria me dado uma cotovelada e mandado eu ficar quieta.
— Filha, – meu pai falou amorosamente, com paciência - como você mesma disse estamos no meio de uma guerra. É apenas uma medida de segurança, queremos que fique segura.

Assenti, entendo seu lado, mas não feliz.

— Perfeito, alteza – Alex fez uma referência e se retirou.

Eu maneei a cabeça e sai.

Demos um olhar cúmplice enquanto nos dirigíamos para fora do palácio.

   

Agora conseguia ver tudo com mais nitidez. Alex me guiou pelas ruas e eu pude ver com mais detalhes aquele lugar magnífico. As pessoas eram de uma singularidade ímpar. Havia sereias e tritões de todas as formas e cores. Brancos, negros, mas sempre com tons azulados, verdes ou tons de corais. Alguns tinham barbatanas e respiradouros e não achei aquilo anormal, pelo contrário, era como ver pessoas de calçado na rua.

Precisamos despistar esse cara” — Alex disse mentalmente.

Concentrei-me e respondi. Ligar a mente a alguém era como sentir um fio invisível se esticando até a pessoa.

Sim, mas como?”         
Olhei para o guarda para verificar se ele havia me ouvido, mas ele estava impassível.

Alex pegou em minha mãe e começou a nadar mais rápido. Logo entramos num tipo de feira onde todo tipo de coisa era vendido. Roupas, jóias, objetos de decoração... Até, ironicamente, um aquário. Queria perguntar se tínhamos uma moeda ou trabalhávamos com troca, mas novamente estávamos no meio de uma fuga.

Passamos por uma barraca onde eram vendidos diversos tipos espelhos. Meus olhos capturaram meu reflexo em um deles rapidamente e me assustei. Minha pele estava azulada e alguns pontos com escamas aparentes. Meus olhos estavam multicoloridos. Eu poderia ficar me observando por um bom tempo. Talvez o apego pela beleza mencionado na mitologia fosse uma verdade sobre nossa espécie.

Se concentre em seus antigos olhos, não podemos passar despercebidos com esses olhos de realeza.”

Assenti, olhando de soslaio para o guarda que estava um pouco distante. Olhei em volta vendo que a cidade era bem guardada, haviam guardas o baste de prontidão. Eles tinham mesmo medo de Scarlate.

Fechei meus olhos logo pensando em meus antigos. Mentalizei no verde escuro que minha mãe dizia ser como duas esmeraldas. Quando abri os olhos novamente eles estavam verdes e uma pequena pontada de saudade de minha mãe terrena me balançou.

Agora vamos dar o fora daqui” – ele pegou em minha mão e seguiu rapidamente pelas barracas, a passagem ficando cada vez mais estreita.

Olhei para trás e vi o guarda que começava a nadar mais rapidamente.

Alex virou em uma ruela, que na verdade era um beco sem saída.

— Estamos encurralados! – Falei já com certo desespero na voz.

Somos seres aquáticos, princesa. Nunca estamos encurralados” – ele pegou em minha cintura e subiu a toda velocidade para cima. Perdi o fôlego com aquele ato, mas não tive tempo de dizer nada pois ele já estava seguindo caminho para baixo. Era como estar numa montanha russa.

Quando me deparei estávamos em uma rua estreita e um pouco degradada.

Todos os governos têm suas falhas e seus vândalos” – disse ele olhando para minha feição de surpresa por me deparar com um lugar que era o oposto da cidadela e tão contra a tudo que eu havia visto até ali. – Acho que despistamos o guarda. Logo seus pais saberão que fugimos, então temos que ir.

Assenti nadando mais rápido.

Mas antes, precisamos de disfarces” — ele retirou duas mantas de sua bolsa de lado.

Era uma manta com capuz, um pouco surrada. Coloquei, apesar da aparência, tinha cheiro de limão.

Seguimos pela rua estreita onde também ocorria uma feira totalmente diferente. As barracas estavam caindo aos pedaços e o que estava sendo vendido tinha uma cara duvidosa, mas não tão duvidosa quanta a dos vendedores. O barulho das vozes de diversos timbres era irritante.

Tem certeza que aqui é o melhor local?”— Perguntei, olhando de soslaio para as pessoas que passavam.

O melhor local não é, mas a guarda real quase nunca patrulha por aqui. Há também muitas sereias que usam magia para se esconder, logo esse local passa despercebido aos olhos.”

O que dois engomadinhos fazem por aqui? – Um tritão se colocou na frente de Alex, era repleto de escamas, parecendo mais um peixe enorme do que um humano. Eu não precisei perguntar que magia tinha deixado ele daquele jeito.  

Abaixe a cabeça”— Alex pediu em pensamento, mesmo em minha mente eu pude sentir a tensão em sua voz

— Estamos só de passagem – Alex colocou um braço protetor envolta de minha cintura.

— Vejo que está bem acompanhado – eu senti os olhos do tritão caírem sobre mim, mas não levantei minha cabeça.

— Isso não é da sua conta – a voz de Alex saiu rápida e ríspida. Senti sua mão apertar mais minha cintura.

— Ela parece ser bonita, se quiser pode trocá-la em alguns cascalhos – ele deu um risada acompanhada de catarro, o que me fez me retrair de repulsa. – Nós vamos nos divertir com essa gracinha – ele quase me tocou, mas suas mãos ásperas rasparam na manta que me cobria..

Não deixei Alex intervir. Levantei minha cabeça. Exibindo meus olhos multicoloridos e a raiva estampada neles.

— Se quiser perder a cabeça, ouse tocar em mim novamente – dei um passo para frente, encarando aquela coisa grotesca. – Eu mesmo posso arrancar sua cabeça e dar para os peixes menores.

O quase homem se retraiu. Eu podia ver seu olhar de surpresa e medo estampado em seu rosto e eu gostei disso.

Alex pegou em minha mão para seguirmos em frente, mas logo fomos parados novamente. Vários homens vieram em nossa direção. Fizeram um pequeno círculo envolta de nós. O silêncio se tornou total.

— Então a princesa resolveu se aventurar! – Um homem disse com deboche, mas não consegui identificar onde ele estava.

— As coisas aqui são diferentes, peixinho – outro tritão com garras de caranguejo deu um passo ameaçador para frente. Assustei-me, mas não demonstrei.  

Estamos ferrados”— afirmei em pensamento.

Alex me olhou. Seu semblante estava calmo, o que me deixou confusa.

Nós, não. Já eles…”

Dê a garota para nós e deixaremos você ir, tritãozinho— um tritão pequeno e com dentes podres avisou, enquanto segurava o que parecia ser um pé de cabra enferrujado.

Alex retirou o capuz, exibindo seu rosto por inteiro. Nesse momento muitos dos caras recuaram, outros saíram nadando com suas caudas sujas e opacas.

— Dou uma chance para os que ficaram saírem.

Outros saíram, restando apenas três caras. Um era gordo, tinha uma enorme cicatriz em seu peito. Os outros dois pareciam ser irmãos e eram franzinos.

— São corajosos ou burros demais – Alex constatou indo pra cima do tritão gordo em meio segundo.

O gordo tentou dar um golpe em Alex, mas ele era muito lento. Alex jogou sua cauda com tudo no tronco do homem, o fazendo arfar, logo depois deu dois socos bem dados em sua face, fazendo o homem urrar de dor. Ele caiu, vencido. Os outros dois franzinos já haviam desaparecido de medo.

Alex nem mesmo arfou. Parecia que fazia aquilo diariamente, e realmente podia fazer.

O que eles são, Alex?”
“ Além de um show de horrores?” — Ele perguntou e eu assenti. – “Tritões e sereias que usaram a magia de maneira errada. A magia não se dobra à vontade de qualquer um. É um poder para poucos e nascer sem a habilidade para manipulá-la faz com que essas pessoas fiquem desesperadas e acabam assim. Excluídos e rejeitados, seus corações são amargos. ”

Olhei para Alex, demonstrando que eu havia entendido e então eu entendi um pouco mais daquele mundo.
— Ok, parece que a feira é nossa – Alex disse olhando em volta.

A feira havia ficado deserta. Mas isso também durou pouco. No final da rua um homem parou, ou melhor, um guarda real. Ele nos avistou gritando avisos.

Eu olhei para Alex que olhou pra cima. Sim, havia entendido o recado. Nadamos a toda velocidade para cima. Eu fiquei tonta e sem fôlego, e tive a sensação que iria despencar, mas Alex já me segurava, para meu alívio.

Tudo não passou de um borrão. Alex me guiava e eu realmente enxergava apenas flashes do que acontecia ao nosso redor.

Não solte minha mão” – pediu, enquanto nadava em ziguezague pelas barracas.

Nunca” — soltei sem querer. Parecia mais uma promessa que uma uma simples palavra.

Quando me dei conta paramos no meio da feira que estava lotada. Alex me guiou até uma ruela onde diversas casinhas estavam enfileiradas. Me lembrou os pubs do mundo terreno.

Parece que é difícil sair com você”— ele invadiu meu pensamento rápido demais, me fazendo corar com a brincadeira.

Gosto de emoção”— brinquei.

A emoção de ter a cabeça a prêmio já está virando clichê” — ele me olhou, mas aquilo me instigou. Então ele já fora caçado?

Não deu tempo de eu perguntar, ouvimos vozes alarmadas. Alex me prensou mais contra a parede, seus olhos pareciam mostrar que não havia mais alternativas.

Eu vou lhe ajudar, pequena. Apenas beije-o. Mate seu desejo e poderá me encontrar” – Scarlate entrou em minha mente, sua voz era convidativa e rastejante.

Não pensei duas vezes. Puxei-o para mim. Nossos lábios se encostaram descompassados, errados. Alex não entendeu de início, mas logo me beijou de volta. Sua boca estava quente e a minha fria, causando um choque térmico agradável. Alex colocou a mão envolta de minha cintura, estreitando mais ainda nossa distância.

Os guardas passaram por nós. A centímetros.

Agora venha até mim.”

A voz de Scarlate me fez recuar. Bati de leve a cabeça na parede.

Alex me olhou, seus olhos estavam de um azul acinzentado escuríssimo.

— Os guardas não atrapalhariam um casal apaixonado, não é? – Perguntei, tentando manter minha voz a mais neutra possível.

— Ótima ideia – constatou, sua voz saiu baixa e rouca me dando um pequeno frio na barriga.

 

No restante da viagem não houve mais empecilhos. Logo as casas, feiras e estabelecimentos foram dando lugar a areia e mais nada. Senti-me desprotegida.

Não conversamos muito. Na verdade, o silêncio reinou. Eu queria pedir desculpas. Mas pelo o que? Por salvar nossas peles? Ter beijado ele era… o que eu queria, mas… não daquela forma.

— Ok, chegamos – Alex disse, olhando para todos os lados menos para mim.

Não havia nada, apenas a imensidão solitária do mar e nós dois.

— Não tem nada – afirmei, olhando para os lados.

Alex pegou em minha mão. Seu toque quente foi convidativo, talvez eu quisesse...

— É uma barreira invisível, princesa. Se andarmos mais um passo para frente estaremos no mundo de Scarlarte.

Respirei fundo olhando para o nada onde havia tudo. Um receio me tomou. E se Scarlate me fizesse mal? Se matasse a mim e a Alex? Aliás, por que ele me ajudou tão facilmente correndo o risco de ter a cabeça cortada? Havia muitas indecisões, mas resolvi me fixar apenas no que queria: a verdade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oi, gente! Como estão? O que estão achando? Comentem! Votem! Isso dá um gás danado pra gente Até a próxima!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Underwater | Segredos Revelados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.