Improvisação escrita por Horologium


Capítulo 1
Capítulo Único




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— Shizu-chan, se importa de explicar o que aconteceu aqui?

Com as mãos na cintura, Izaya olhou ao redor. Seu apartamento cheirava a defumado, coberto de cinzas e totalmente carbonizado em um determinado canto. No meio do cenário de devastação jazia Heiwajima Shizuo, chamuscado por completo e cabisbaixo como um cão que se arrepende por ter feito bobagem.

Entretanto, a situação era bem pior do que um cocô no carpete ou uma almofada destroçada.

Depois de um dia tranquilo no trabalho, Izaya esperava afundar em sua banheira e pedir chutoro para seguir suas tarefas em casa. Se tratando de um sábado, talvez ele acabasse convocando sutilmente a companhia do loiro, um procedimento crescentemente comum desde que a dupla de rivais descobrira ter mais em comum do que previamente suposto.

Se tornara natural ter o outro por perto, fosse em noites aleatórias na semana ou em feriados. Nenhum dos dois comentava sobre essa relação mais do que o estritamente necessário, nem mesmo quando, após um incidente envolvendo um celular sem bateria e uma porta arrombada sem necessidade real, Izaya resolvera ceder sua chave extra para o guarda-costas.

Nunca antes o informante se arrependera tanto de uma decisão quanto naquele momento.

Fora recebido pelo Corpo de Bombeiros ao chegar no apartamento, sendo assegurado várias vezes de que seu “parceiro” estava bem e sem nenhum arranhão. Izaya lastimou o fato.

Depois de inúmeros pedidos de desculpa e promessas de mais cautela nas próximas vezes, o moreno despedira-se dos servidores públicos e fechara a porta antes de respirar profundamente. Ao virar-se, seu sorriso era doce como cianureto.

— Vamos começar pelo início. — Izaya uniu as mãos em frente ao queixo — Por que você resolveu atear fogo ao meu apartamento ao invés do seu?

Shizuo não se mexera um centímetro desde que o informante chegara, visto que coube a ele conversar com os bombeiros por ser o anfitrião legítimo do apartamento. Tivera apenas alguns minutos para pensar no que dizer ao moreno de forma a não acabar em morte ou humilhação, mas não fora suficiente.

— Não era essa a intenção, pulga. — murmurou, coçando nervosamente sua nuca.

— Então eu gostaria de saber exatamente o que você planejava que terminou nisso. — a irritação de Izaya era palpável tanto em seu tom de voz quanto na gesticulação indignada ao apontar o estado caótico de sua casa.

— Tch. — frustrado consigo mesmo, o loiro correu uma mão pelos cabelos, escolhendo a melhor abordagem para o assunto. No fundo, ele sabia que não conseguiria mentir, mesmo que quisesse — Não ri, tá bom?

— Não corre esse risco, Shizu-chan. — respondeu o anfitrião com o máximo de sarcasmo com que conseguiu rechear suas palavras, cruzando os braços.

Por baixo da sujeira de seu rosto, sua pele ardia em vergonha. Pensara com tanto cuidado sobre aquela noite para conseguir virar tudo do avesso e ainda estragar mais um uniforme de seu irmão.

— E-eu queria fazer um jantar especial… — franziu o cenho, desviando o olhar para a cozinha.

— E quis criar um clima? — Izaya encorajou.

— Sim--

— Do inferno?

Shizuo deveria ter esperado por essa. É claro que Izaya não deixaria passar batido quando estava a algumas palavras de retalhá-lo.

— Não. Fui acender algumas velas e… — ainda batalhava por uma explicação menos patética do que a verdadeira.

— E resolveu brincar de piromaníaco?

— Não, Izaya, porra… — o guarda-costas fechou os olhos, massageando as têmporas. Se soubesse que seria tão humilhante, teria feito algo mais simples.

— Não vejo outra alternativa lógica para iss—

— Eu derrubei cera no chão, tá bom?! — agora não tinha mais volta, então Shizuo resolveu simplesmente rugir sua confissão — E enquanto eu catava algo para limpar, a porra da vela caiu e a cortina pegou fogo, e quando eu fui tentar jogar elas na banheira pra apagar, minhas roupas pegaram fogo e o alarme começou a disparar e--

Exaltado e corado até os fios de cabelo, o loiro interrompeu-se para recuperar o fôlego. Ainda não tinha coragem de encarar o moreno, que surpreendentemente mantinha-se em silêncio.

— Aí os bombeiros chegaram, e…é, você sabe o resto. — concluiu, gesticulando vagamente para o apartamento incendiado.

Por alguns momentos, o cômodo ficou em silêncio. Shizuo traçava em sua mente todas as possíveis conclusões para aquela noite, e certamente a que ele queria não estava entre elas. Eventualmente, ele ergueu o olhar caramelo para o informante.

Izaya não estava mais franzindo o cenho. Aliás, ele parecia absolutamente perplexo.

— …Izaya?

Com o chamado de seu nome, o que quer que corresse na cabeça do moreno se dissipou e Izaya pendeu a cabeça para frente. Antes que Shizuo pudesse se preocupar, entretanto, os ombros do menor começaram a chacoalhar em uma risada que logo progrediu a uma gargalhada retumbante.

Então seria humilhação.

— Você é inacreditável, Shizu-chan! — quase sem ar, Izaya exclamou entre risos — Até quando você tenta ser romântico você destrói tudo!

— Cala a boca… — sua face não podia arder mais, mas o moreno fazia questão de tentar.

— Que desculpa patética para um protozoário—não, não: até um protozoário conseguiria fazer melhor que isso!

— Izaya…

— Não sei nem por que você sequer tentou, Shizu-chan. Honestamente, de pensar que um homem das cavernas conseguiria—

Com a última gota fazendo sua paciência transbordar, em um único bruto movimento Shizuo enfiou uma mão no bolso de suas calças e afundou o punho no balcão, somando mais uma sequela ao apartamento do informante.

O susto serviu seu propósito: Izaya calou-se. Mais importante, seus olhos cor de ferrugem focaram-se no punho fechado do loiro que revelou abrigar uma pequena caixa aveludada escarlate ao ser recolhido e retornado ao bolso do maior. Quando o moreno tornou a fitar a expressão do amante, Shizuo parecia extremamente embaraçado.

— O que é isso, Shizu-chan? — intrigado, Izaya se aproximou do balcão, alternando o olhar entre a caixinha e o guarda-costas.

— Abre. — ele ainda não encontrava o olhar do menor.

— Como eu posso saber se não vai explodir nas minhas mãos? — duvidou, cético com a atitude do brutamontes.

— Cacete, pulga, não vai, só… — respirou fundo, escondendo o rosto com uma mão — Abre essa porcaria.

Embora hesitante em um primeiro momento, a curiosidade de Izaya venceu. Tomou a caixinha em mãos com a maior delicadeza possível, espiando Shizuo uma última vez antes de abri-la.

Izaya não era cego, obviamente. Ele podia claramente ver o conteúdo da caixa, reconhecer o objeto e seu significado.

Porém, parecia precisar de alguma explicação por parte do loiro para assimilar a situação corretamente. Quando conseguiu descolar os olhos do prata reluzente, deu de cara com o olhar sério de Shizuo.

— Você disse um dia que se eu pedisse direitinho, talvez você aceitasse. — o mais novo começou — Bem, eu tentei fazer direitinho, mas você viu que desastre acabou sendo. — Shizuo riu sem graça, acenando com o ombro para a mina de carvão que fizera do apartamento — Acabei tendo que improvisar.

Izaya ainda o fitava, confuso. Respirou fundo, avançando um passo na direção do moreno.

— Droga, isso não é o ideal… Tá longe de ser, na verdade. Eu queria que você se sentisse especial, tão especial quanto você é pra mim… Você é um infeliz e eu sempre vou te odiar, mas eu também…meio que…sabe? Ugh, você sabe que eu não sou bom com essas coisas…

Shizuo parecia prestes a entrar em combustão espontânea a qualquer momento de tão intenso que era seu rubor. Enquanto isso, Izaya observava-o atentamente, em um misto de incredulidade, curiosidade e divertimento.

— Não tô pedindo pra você usar um vestido e subir num altar comigo, só… — o loiro começava a entrar em desespero em busca das palavras que pareciam fugir de seu alcance na medida em que as necessitava — Quero poder ser a pessoa que você procura pra falar do seu dia, do que te incomoda, do que você gosta…

Com a maior gentileza que podia canalizar aos membros, Shizuo envolveu as mãos do informante com as suas, incluindo a caixinha no nó de dedos. Seu corpo todo ardia em brasa e seu pulso vibrava com adrenalina, fazendo seu coração disparar. A proximidade deles era suficiente para que o guarda-costas se inclinasse e encostasse sua testa à do informante. E, em um sussurro tão tímido quanto verdadeiro:

— Eu te amo, Izaya. Casa comigo?

Com os olhos arregalados, o moreno, pela primeira vez provavelmente em sua vida inteira, não tinha palavras. De todo um universo de ações inesperadas, Izaya nunca imaginara aquele cenário, fosse com Shizuo ou com qualquer outra pessoa.

Bem…talvez especialmente não com Shizuo.

— …Isso é sério?

— É.

Agora, com aquelas íris cor de mel transparecendo toda a honestidade da declaração do monstro que sempre fora verdadeiro demais para se passar por humano, Izaya sentia-se nu. Shizuo conseguira ver através dele como vidro desde o começo e, mesmo assim, ficara.

Não havia nada mais desprezível no informante para descobrir; o loiro já conhecia sua malícia e suas tramas. Sabia de sua personalidade doentia e de seus defeitos, e, mesmo assim…ficara.

Não importava o quanto tentasse, nunca conseguiria entender.

— O que você acha que vou responder? — enfim indagou, tentando tirar o peso da “grande pergunta”.

— Considerando seu orgulho gigantesco, recusar e zombar de mim pelo resto da minha vida. — Shizuo respondeu, adicionando um sorriso ao final da frase.

— Que bom que você sabe que vou zombar de você pelo resto da sua vida.

Demorou um tempo para cair a ficha. Quando o guarda-costas afastou o rosto do moreno, pode ver os tons de rubro se alastrarem por sua face, e só então percebeu que a mão esquerda do menor estava estendida de palma para baixo em frente a ele.

As mãos de Shizuo tremiam enquanto tirava a aliança prateada do suporte e deslizava-a até encaixar perfeitamente no dedo anelar do informante. As de Izaya também, embora apenas sutilmente, enquanto repetia o processo na mão correspondente do mais novo. Depois de pronto, seus dedos se encaixaram perfeitamente entre os do outro, selando os votos silenciosos.

— Achei que você quisesse ter uma vida pacífica. — o menor provocou.

— Eu quero. — ele respondeu, puxando a mão do mais velho para seus lábios — Mas é ou ter você, ou ter uma vida pacífica.

Izaya riu porque sabia ser verdade.

— Ahh, o amor é mesmo estúpido, Shizu-chan.


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