Adormecer eterno escrita por


Capítulo 1
Capítulo único




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Ela não sabia o que a havia acordado. Sentia apenas que um suor frio cobria seu corpo e tremores ainda a percorriam. Provavelmente tivera um pesadelo, mas não se lembrava de nada antes de acordar... E agora o sono fora totalmente dissipado.

Pensou em levantar-se, lavar o rosto, talvez tomar um copo de água para se acalmar. Mal colocou os pés para fora da cama e ouviu um ruído. Seu corpo gelou novamente. Aquele não era um ruído comum, assemelhava-se ao estalar de madeira, seguido pelo rastejar constante de algo indefinido. Pôs-se de pé rapidamente e correu ate o quarto dos pais. As luzes estavam apagadas, mas, apesar da escuridão, ela pressentiu que o cômodo estava vazio. Tentando se acalmar, respirou fundo... Onde os pais estariam? Então se lembrou; eles haviam viajado no princípio daquela tarde para a fazenda de seus avós e só retornariam no dia seguinte.

Prestou atenção aos ruídos da casa. Não escutou nada de anormal. Suspirando, obrigou-se a relaxar e caminhou, ainda cautelosa, para a cozinha. A escuridão no andar de baixo parecia ainda maior, mas ela sabia o caminho o suficiente para não trombar em nada, e, se houvesse algum bicho na casa, não queria chamar a atenção.

Chegando a cozinha, bebeu água abundantemente. Engraçado, a sede que a atacava de repente parecia não ter fim. E aquele suor frio que não a deixava em paz? Parecia impregnado a seu corpo. E era impressão sua ou o ar se tornava cada vez mais pesado? Puxou uma cadeira e sentou-se nela pesadamente. Naquele momento escuta novamente o mesmo ruído, dessa vez mais forte, mais próximo... Coloca-se de pé rapidamente e começa a sentir-se zonza, com falta de ar. O suor em sua pele parece aumentar, ou será a atmosfera da cozinha que se tornou mais úmida?

Procurando controlar o principio de mal estar, encaminha-se para a sala de televisão, dirigindo-se imediatamente para o interruptor de luz. No entanto nada acontece, a luz aparentemente tinha acabado. Procurou pensar com clareza, o ruído não era definitivamente o de passos. Aquele rastejar assemelhava-se mais ao movimento de pequenos animais, ratos ou talvez insetos. Aquele pensamento a fez sentir-se pior. Respirando com cada vez mais dificuldade, correu em direção ao aparelho de telefone próximo a porta de entrada. Sabia que lá estava anotado o telefone do vigia de seu condomínio e ele poderia encontrar o animal responsável por aqueles ruídos, além de socorrê-la, se necessário.

Sentiu as pernas bambas ao tirar o telefone do gancho. A sensação piorou ao ouvir apenas um zumbido constante do outro lado da linha... Prestando bem atenção, aquele barulho parecia estar misturado também ao ruído de estalos e de rastejar que vinha escutando pela casa. Seu corpo gelou. Nunca acreditou muito em fantasmas e monstros, mas de repente pensa nessa possibilidade. O suor frio pareceu aumentar, a umidade em seu corpo constratando com a secura de sua garganta. A falta de ar ainda persistia e agora começava a sentir um leve formigamento por seu corpo, o que a deixou apavorada. Não poderia haver momento pior para sentir-se mal, sozinha em casa e com aquele ruído indeterminado que lhe tirava a paz. Percebeu, de repente, que desmaiaria a qualquer momento. Sentou-se e, ignorando o ruído que novamente fez-se ouvir, dessa vez muito próximo, colocou a cabeça entre as pernas e pôs-se a respirar o mais rápido que possível. De alguma forma, sabia que se desmaiasse algo de muito ruim iria acontecer.

Quando percebeu que o risco de desfalecer havia passado, levantou vagarosamente a cabeça. Nesse momento ela a viu. Uma grande barata, nojenta, rastejando levemente sobre seu braço. Com um safanão, a expulsou dali, seu grito encobrindo parcialmente o ruído já tão conhecido. A sensação de formigamento diminuiu por algum tempo, mas aos poucos retornou. A sede cresceu, bem como a falta de ar. Ela então se levantou e dirigiu-se rapidamente para a porta. Uma nova barata surge, dessa vez em seu ombro, e logo outra cai de seu cabelo. Com um grito de pavor ela se lançou a porta e a abriu. O ruído de madeira se fez ouvir, dessa vez com nitidez, e ela gritou ao ser recebida pela escuridão.

Abriu bem olhos tentando enxergar algo, mas foi em vão. Percebeu, de repente, que não se encontrava de pé na rua, mas deitada sobre uma superfície macia e, num segundo de profundo alívio, acreditou que tudo aquilo não passara de um pesadelo.  O mal estar, no entanto, persistia e ela tentou levantar-se, zonza. Bastou um movimento para perceber que não se encontrava em sua cama, mas sim n’outro local, presa por todos os lados. Ainda que nada conseguisse enxergar, seus sentidos restantes lhe revelavam um ar carregado de umidade e cheiro de terra. Sobre seu corpo o formigamento retornou, e dessa vez ela pôde sentir que este era nitidamente provocado por algo que caminhava sobre sua pele. Seu grito foi sufocado pelo familiar ruído de arrastar de dezenas de insetos, e ela finalmente descobriu a terrível origem dos sons que a despertaram de um sono da qual nunca deveria ter acordado.  Ela estava enganada, o pesadelo havia apenas começado: Havia sido enterrada viva!

                                                **************************

Alguns metros acima um casal chorava pela filha que morrera durante o sono, por causas indeterminadas. A sensação de culpa por estarem viajando enquanto a perdiam pesava sobre seus ombros. Nada que fizessem agora poderia trazê-la de volta. Ela estava para sempre condenada àquele adormecer eterno.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoal! Esse pequeno conto foi um dos primeiros escritos por mim, há mais ou menos uma década atrás. O publiquei, na época, em uma das muitas comunidades do extinto Orkut. Recentemente trombei com ele, ao revisitar alguns arquivos digitais antigos, o reli, e percebi que seria interessante compartilhá-lo aqui no Nyah Fanfiction. Espero que o apreciem!



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