Segundo ato escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 16
Intermissão XIV




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POV Ginny

 

Não houve prova, trabalho ou mau tempo capaz de tirar o sorriso estampado no meu rosto desde o momento em que a porta do carro se fechou para eu ir embora daquele restaurante.

Toda a empolgação da semana anterior ainda estava presente, mas não mais como uma vontade enorme de que nosso encontro fosse bom, e sim como uma convicção absoluta de que Harry e eu ainda tínhamos muitos momentos para dividir, isso não poderia de forma alguma acabar antes de eu ter todos eles marcados na minha memória como uma lembrança, não como um desejo.

No dia seguinte acordei com a visita inesperada dos meus pais, que trouxeram meu bolo preferido e me mimaram o dia todo. Minha mãe, sempre muito observadora, quis saber na hora o motivo do meu sorriso constante, mas eu apenas desconversei e afirmei que gostei da surpresa. Quando eles foram embora depois do jantar, eu não poderia reclamar de forma alguma do meu domingo, mas os planos que eu realmente tinha precisaram ser adiados.

A segunda feira passou carregada de trabalho, tanto nas minhas aulas da manhã quanto nas da tarde, mas eu estava determinada em não postergar meus planos em um dia mais sequer.

Fechei a porta de casa com o pé, uma mão carregada de livros e na outra o celular para o qual eu olhava em dúvida, tentando me decidir se a melhor forma de fazer o que eu precisava era por meio de mensagem ou ligação. Por fim, me decidi pelo que me faria esperar menos, e cliquei no botão que iniciou a chamada.

Pousei meu material de estudo e trabalho sobre a mesa e não precisei esperar muito para ser atendida.

—Oi, Gin. - Harry dispensou a formalidade de um simples “alô”.

—Oi, Harry, tudo bem?

Falar com ele outra vez era estranho, mas de um jeito bom. O fato de estarmos mais reservados, como era no começo, me leva a pensar que talvez fosse possível realmente começar de novo.

—Muito bem, e você?

—Também. Acabei de chegar em casa, e eu estava pensando no caminho que já que eu te devo um jantar e você disse que eu só tinha que escolher o cardápio para provar sua comida outra vez, se você não gostaria de vir aqui em casa no final de semana para pagarmos nossas promessas, eu compro as coisas e você prepara.

—Então o motivo da ligação é puro interesse nos meus dons culinários? - Adorei ouvi-lo brincar comigo outra vez, e ainda mais o tom descontraído que antecedeu uma risada.

—Com certeza, tudo pensado desde o início.

Ao fim da minha resposta eu também ri e ficamos em silêncio por alguns segundos, mas não foi desconfortável.

—Sábado ou domingo? - Ele me perguntou por fim, dispensando a necessidade de confirmar que viria.

—Quando for melhor para você, estarei em casa nos dois dias.

—Sábado então, umas sete, sem nos preocuparmos com acordar cedo no dia seguinte. O que acha?

O que eu achava realmente era que aquela sugestão tinha conseguido me deixar ainda mais ansiosa.

—Perfeito.

—Posso saber qual vai ser o cardápio, ou vai ser como aqueles programas de culinária em que eu chego e tenho que fazer o melhor possível com o que tiver?

Nós dois rimos outra vez, me fazendo gostar cada vez mais dessa cumplicidade nascendo outra vez.

—Vou te dizer o cardápio, mas só porque eu quero que fique perfeito e você tenha tempo de olhar a receita caso não se lembre, e porque eu preciso que você me diga o que comprar também.

—Eu sabia que tinha algum interesse…

—Você deveria me agradecer ao invés de reclamar, estou deixando mais fácil pra você. - Brinquei e tracei com o dedo o contorno das letras na capa do meu livro, sem me preocupar em conter o sorriso bobo.

—Então muito obrigada, muito amável. Qual vai ser o cardápio?

—Estava pensando em risoto de frutos do mar.

—Uhn, boa escolha, faz tempo que não como.

—Ótimo, assim não fico com vergonha do tamanho do meu prato. - Sua risada ecoou novamente do outro lado da linha.

—Eu te mando por mensagem a lista do que precisa, tudo bem?

—Tá ótimo, assim fica até mais fácil.

—Se você não encontrar alguma coisa me diz que eu levo. - Essa frase simples me fez palpitar por alguns segundos, porque Harry sempre me dizia isso quando sabia que eu passaria no mercado depois de sair da universidade.

—Tudo bem. Obrigada, Harry.

—Não por isso, eu que agradeço o convite. Nos vemos no sábado então?

—Sim, até lá.

—Até. Beijos, Gin.

—Beijos.

Encerrei a chamada com um sorriso que estampou meu rosto pelos próximos dias inteiros. Dias esses, aliás, que pareceram infinitos e não terminavam nunca.

Quando o sábado chegou eu pulei da cama antes do horário habitual, porque meu sono simplesmente me abandonou para dar lugar a uma ansiedade inquietante, e uma vontade gritante de que as sete da noite chegasse logo. Aproveitei o dia em casa para conferir se havia comprado tudo que Harry me mandou em sua lista, arrumar o que eventualmente estava fora do lugar e me permitir um banho mais demorado do que o normal, deixando a água morna do chuveiro me relaxar.

O relógio mal marcou seis da tarde e eu já estava sentada no sofá da sala totalmente vestida, apenas esperando a campainha tocar. Enquanto esperava minha mente vagou por milhares de possibilidades sobre como essa noite terminaria, dividida entre a excitação com a situação e a consciência de que tínhamos uma carga de mal entendidos para colocar em dia em algum momento.

O barulho do carro dele estacionando em frente ao portão me acordou dos devaneios e trouxe de volta para a ansiedade de antes. Não me preocupei em disfarçar que estava esperando sua chegada, e antes mesmo que ele alcançasse o portão para tocar a campainha, eu já estava na garagem com a chave do portão nas mãos.

Sorrimos um para o outro e ele me esperou abrir e fechar o portão em silêncio, parado ao meu lado. Também não falei nada enquanto manuseava a chave, porque eu simplesmente não sabia o que.

—Oi, Harry. - Me virei para ele e o cumprimentei.

Por um segundo hesitamos sem saber como agir, mas me estiquei na ponta dos pés antes que ficasse desconfortável e o cumprimentei com um beijo no rosto.

—Oi, Gin, tudo bem?

—Sim e com você? - O convidei para dentro de casa enquanto o ouvia dizer que estava bem, como manda a etiqueta. - Entra, fica a vontade.

A frase saiu automaticamente assim que passamos pela porta, e eu não tive muita certeza se ela era apropriada tão logo terminei de dizer. Deixei a chave em cima do buffet ao lado da mesa de jantar enquanto ele olhava em volta com um misto de reconhecimento e desconforto.

—E então, como foi sua semana? - Desviou os olhos do local e focou em mim outra vez.

—Nada muito empolgante, trabalho e estudo, e a sua?

—Trabalhando por dois agora que a Helen está de licença, então imagina.

Ele parecia realmente um pouco cansado, mas bem disposto ainda assim, e bonito como sempre.

—Logo ela está de volta. - Falei apenas para confortá-lo, pois eu sabia que uma licença maternidade não acabava assim tão rápido.

Ele sorriu agradecido pelo eu gesto de empatia, e mudou novamente de assunto.

—E então, vamos ver se você comprou tudo certinho dessa vez? - Adotou novamente o tom brincalhão.

—Claro que eu comprei, estamos falando de mim. - Respondi como se fosse óbvio.

Nos viramos para a cozinha e ele caminhou atrás de mim em direção a ela.

—Disso que eu tenho medo. Estou brincando. - Se retratou diante do meu olhar ameaçador e nós dois rimos.

Eu tinha deixado todos os ingredientes sobre a bancada, exceto os frutos do mar, que busquei na geladeira enquanto ele checava os demais.

—Olha, parece que está tudo certo mesmo.

—Eu estou morrendo por esse risoto, iria até em outro estado buscar o que precisa.

—Você alguma vez tentou fazer? - Perguntou em tom de zombaria.

—Harry, o mais perto que eu consigo chegar de um risoto de frutos do mar é arroz branco com salmão grelhado, e as vezes o arroz ainda fica meio esquisito.

Sua risada descontraída preencheu o ambiente, me fazendo rir também.

—Então vamos matar sua vontade, vou te fazer o melhor risoto da sua vida.

Puxei um dos bancos para perto do fogão e me sentei ali enquanto ele cozinhava. Não precisei dizer onde ficava nada, e durante todo o tempo conversamos sobre assuntos banais, ambos descontraídos, sem pressa e, o mais importante, realmente prestando atenção um no outro.

Dispensamos a formalidade da mesa do jantar e nos acomodamos na bancada da cozinha para comer assim que tudo ficou pronto. Abri o vinho enquanto ele apanhava talheres e prato, e nos acomodamos um ao lado do outro como nos velhos tempos.

Minha primeira garfada do risoto foi acompanhada de uma série de risos por parte dele, que disse que minha expressão estava quase em transe, mas não me importei com isso e continuei meu jantar e nossa conversa sobre filmes interessantes que tínhamos assistido durante esse tempo todo sem nos falarmos.

—Terminou? - Perguntei quando o vi pousar os talheres sobre o prato vazio.

—Sim, você não vai comer pela terceira vez? - Fingiu surpresa, me fazendo rolar os olhos para ele.

—Vou guardar um pouco para o almoço de amanhã.

Me levantei de onde estava sentada e apanhei os pratos para levar até a pia, Harry fez o mesmo com os copos e parou ao meu lado para deixá-los com o restante da louça suja.

Ao mesmo tempo que eu estava adorando toda essa trégua entre nós para reviver parte de uma rotina que já não existia mais, um lado meu insistia em ficar apreensivo, apenas esperando pela hora em que tudo acabaria outra vez e ele voltaria para casa. Da mesma forma em que eu me dividia em pedir pra ele ficar e a consciência de que nada estava resolvido, e que um jantar não mudaria isso.

—Eu estava com saudade disso. - Harry quebrou o silêncio, me fazendo sentir um arrepio gostoso assim que interpretei sua frase.

Me encostei na pedra fria da pia e fiquei de frente para ele, que estava a pouco mais de um passo de distância de mim.

—Do seu risoto? - Falei a primeira coisa que me veio a mente, apenas para descontrair, e nós dois rimos.

Eu não precisava me preocupar com a possibilidade dele achar que eu estava me esquivando, nos conhecíamos o suficiente para eu ter certeza que ele saberia ser apenas um pouco de nervoso.

—De comer meu risoto com você. Você sabe, é sempre um espetáculo ver o pedreiro esfomeado que mora aí dentro. - Nossa risada foi alta dessa vez, mas ainda assim percebi quando ele se aproximou um passo.

—Também estava com saudade.

Diferente da semana anterior no estacionamento do restaurante, não dei tempo para que ele desse o primeiro passo e me aproximei, grudando nossos lábios. Também diferente daquele dia, não havia pressa nesse primeiro contato, só o que eu classificaria perfeitamente como saudade, aquela vontade de sentir o outro perto.

Subi meus dedos por sua nuca e enrosquei em seus cabelos, fazendo minha parte ao deixá-los ainda mais bagunçados, simultaneamente a isso senti seus dedos apertarem minha cintura, fazendo sua parte em me puxar mais para perto.

Nossas bocas ainda se encaixavam tão bem, que manter aquela calma quase romântica não foi possível por muito tempo. Dessa vez não havia dezenas de pessoas jantando a uma parede de distância nem Hermione para irromper pela porta no minuto seguinte, então também não havia motivo para toda essa tranquilidade.

Forcei um passo para frente e Harry entendeu que era hora de ir para outro lugar. Sem desgrudar um segundo sequer um do outro e, consequentemente, a passos mais lentos, alcançamos a sala e suas pernas se chocaram contra o sofá, fazendo se desequilibrar e cair sentado sobre o assento. Sem perder um segundo sequer, me acomodei de frente em seu colo e continuei o beijo intenso em que estávamos.

Do mesmo modo que, no dia em que nos encontramos no restaurante perto de casa, eu soube que alguns minutos de prazer não resolveriam nossa situação, essa certeza também estava presente nesse momento, enquanto suas carícias subiam pelas minhas coxas. Mas suas mãos firmes sobre a minha bunda, a boca urgente na minha e todo seu corpo ao alcance das minhas mãos eram suficientes para não me fazer pensar em nada. Harry era tudo que ocupava minha cabeça nesse momento, o resto podia ficar para depois.

 

POV Harry

 

Talvez pelo fato de que sentir Ginny deitada em cima de mim desse jeito não fosse mais um hábito, um evento diário e ao alcance das mãos, estivesse tudo tão bom. Por mais que eu quisesse muito mais e um lado meu gritasse para continuar com aquilo e deixar o resto para depois, não seria isso o que resolveria nossa vida. Infelizmente tínhamos problemas que sexo nenhum seria capaz de resolver, apenas uma longa conversa, e provavelmente uma na qual nem tudo o que seria dito agradaria a ambos.

Subi minhas mãos para a cintura dela outra vez e a segurei firme, diminui o ritmo do nosso beijo e me afastei com um selinho, fazendo-a me olhar com um misto de compreensão e fogo. Pela sua expressão eu sabia que ela compartilhava do mesmo dilema que eu, e que já sabia exatamente o que eu diria a seguir:

—A gente precisa conversar, Gin. - Consegui me forçar a dizer, mas ainda próximo o suficiente para sentir a respiração dela contra o meu rosto.

Ela assentiu minimamente e respirou fundo antes de pousar as mãos no meu peito e se afastar. A esperei sair de cima das minhas pernas e se acomodar no sofá ao meu lado para fazer o mesmo, já que eu estava praticamente deitado, Estávamos agora sentados de frente para o outro, entre nós pairando uma distância que poderia ser quebrada com um esticar de braços, e o peso de tudo que precisava ser dito.

—Sim, precisamos. - Ela confirmou.

Depois não soubemos mais o que dizer, e ambos caímos num silêncio difícil de quebrar. Olhei para ela primeiro, que sustentou meu olhar de volta sem se incomodar, depois para a decoração da sala de estar, quase inalterada desde que entrei pela última vez aqui.

—Tudo bem, é para falarmos sobre o que? Sobre nós? Sobre tudo que fizemos de errado? Sobre o que queremos? Porque se vamos conversar, precisamos começar por algum lugar. - Ginny falou sem alterar sua expressão, trazendo minha atenção de volta para ela.

—Acho que sobre um pouco de tudo isso que você falou.

—Tudo bem, então eu vou começar pela parte que eu não tive tempo de dizer quando brigamos, pode ser? - A sugestão me surpreendeu, ainda mais pelo fato de que não veio acompanhado de nenhuma mágoa ou sarcasmo, apenas da constatação óbvia que eu não a deixei falar muita coisa antes de sair de casa, pouco mais de um ano atrás.

—Pode ser.

—Harry, você não me dava a menor atenção, hora nenhuma. - Ela falou como uma introdução ao que diria, e jogou o cabelo para trás antes de continuar, como que escolhendo as palavras. - Eu até me questionava de certa forma se não estava cobrando demais, querendo demais, mas depois que você foi embora eu me toquei que o problema não era minha cobrança, era você. Nos primeiros dias, o que eu mais senti falta foi de te ver aqui e de te perguntar as coisas, não de conversar nem de alguém querendo saber como foi o meu dia, porque eu não tinha isso.

Abri a boca para dizer algo quando ela me olhou no fundo dos olhos, mas eu não tinha o que falar para isso, então a fechei de novo e esperei. Eu já sabia que não era um exemplo de marido para ela, mas ouvir em alto e bom som que quase não fiz falta porque eu mesmo não me fazia mais presente, foi mais dolorido do que eu achei que seria.

—Não estou dizendo que a culpa é sua, nem nada, eu consigo ver muito bem como eu também não era uma boa companhia quando tudo acabou, mas como você disse quando brigamos, aquela desatenção toda não foi a vida para a qual eu disse sim, Harry,

Eu nunca tinha visto Ginny ser tão clara assim ao apontar meus defeitos antes, e não dá pra negar que me causou um certo incômodo. Ela sempre foi tão enfática ao dizer o que gosta, que ouvir sobre o que desagrada criou um contraste amargo dentro de mim.

—Nem aquele ciúme todo, Gin. - Optei por ser sincero também.

—Eu sei. - Ela concordou. - É só que… - Ela se deteve um pouco e respirou fundo, apenas esperei. - É só que o meu ciúme era muito óbvio, aí nós dois só olhávamos para isso e o tempo todo você me culpava pela convivência estar ruim, porque mesmo não me falando eu sei que você fazia isso, só que a sua falha estava lá também, menos visível, mas me fazendo sentir deixada de lado o tempo todo. Também não é uma coisa fácil de lidar, eu nunca neguei quanto eu gosto de atenção e quanto isso é importante para mim.

—Eu só consegui perceber como talvez fosse difícil quando comecei a chegar em casa sozinho e não ter ninguém para me ouvir. Eu tinha você, mas você não tinha esse mesmo retorno, não é? - Embora eu não esperasse nenhuma confirmação, ela assentiu. - Desculpa por isso.

—Eu não quero que você peça desculpas, Harry, nem que você se martirize ou fique pensando nisso, só que você saiba que foi culpa sua também. Porque se a gente espera algo diferente daqui para frente, precisamos dizer tudo o que não queremos que se repita.

—Você está certa. - Não pude deixar de me surpreender com como ela estava soando tranquila e confiante ao expressar o que sentia.

Isso era outro ponto que me chamava atenção, Ginny não tinha o hábito de discutir sentimentos de forma tão pacífica. Questões mais profundas sobre a nossa relação, na verdade, era o que sempre desencadeavam pequenas discussões.

—Eu me sentia sufocado. - Contei, e ela não pareceu surpresa ao ouvir. - Chegou num ponto em que se eu demorasse cinco minutos a mais no trabalho, só pensar em vir pra casa já me cansava, porque eu sabia a briga que me esperaria aqui. Não é essa a vida que eu quero outra vez, Gin.

—E eu cheguei num ponto em que sendo chata e louca era o único jeito que você realmente prestava atenção em tudo o que eu dizia, nem que fosse para me responder mal. - Ela devolveu como uma explicação. - Sobre qualquer outra coisa que seja, em qualquer outro tom, você estava sempre distante, como se não fosse importante o suficiente. Também não é essa vida que eu quero outra vez, não nasci para ser paranoica para sempre e viver naquela insegurança vinte e quatro horas por dia, pensando em que é que meu marido está pensando que nunca tem tempo para mim.

Não adiantava agora eu dizer que de certa forma eu pensava nela o tempo todo, porque eu já havia entendido perfeitamente que se não demonstrasse, ela nunca teria como saber e nem motivos para acreditar. E eu não demonstrava.

—E o que você quer, Gin?

—Sinceramente Harry, eu não sei. - Tinha tanta honestidade naquela frase dela, e tanta indecisão quanto a mim, que não gostei de ouvi-la. - Eu gosto de você, não preciso tentar esconder isso, mas não foi amor o que faltou na primeira vez também. Só que não sei se conseguimos ser o casal que devemos ser para que isso seja bom para os dois.

Estendi a mão entre nós e ela pousou a dela sobre a minha, assim que senti o contato entrelacei nossos dedos. Eu nunca duvidei do que Ginny sentia por mim, mas a sensação de que ela não tinha mais certeza sobre que eu sentia por ela me incomodava, e eu queria que ela soubesse, que sentisse o quanto eu também a amava.

—Eu também gosto de você, eu sei que você não quer que eu peça desculpas, mas desculpe se em algum momento deixei de demonstrar e de te fazer se sentir amada. Acho que o que sentimos um pelo outro não mudou com esse tempo que passamos separados, nós só precisamos querer ser pessoas melhores para o outro, querer mudar o que nos atrapalhou a ficar juntos.

—E você quer mudar? Quero dizer, você não me parece estar vivendo uma vida infeliz, pelo que eu sei está tudo muito bem, o que quero saber é se você quer alterar sua rotina de novo e consertar as coisas que você não fez muito bem na primeira vez.

Era uma pergunta tão direta, que eu não sabia o que responder. Por um lado eu queria muito voltar a dividir minha rotina com ela, mas por outro havia o medo de que isso fosse apenas o replay de tudo o que aconteceu, inclusive as coisas ruins.

—Você quer? - Joguei a pergunta de volta para ela.

—Perguntei primeiro. - Se esquivou também, e nós dois rimos.

—Eu não estou mesmo levando uma vida péssima, é verdade, mas algumas coisas mudaram nesse meio tempo e não sei como poderíamos encaixar isso entre nós. - Falar disso entraria num campo delicado, mas eu tinha que expor tudo se quisesse algum resultado. - Por exemplo, agora eu preciso viajar a trabalho de vez em quando. Não exatamente todo mês, mas já cheguei a ficar duas semanas fora, como você vai lidar com isso? Não vou negar que essas coisas me deixam com receio de ser tudo como antes.

—Isso faz parte da minha mudança, não é? Vou ter que entender, é o seu trabalho e não estou pedindo que você o abandone. - Ela deu de ombros, como se não houvesse outra resposta. - Eu gosto da minha rotina como é agora, gosta da minha vida de um modo geral. Eu sinto sua falta, mas isso não muda que eu estou feliz. Se for para voltar, quero que você aumente isso, Harry, e quero fazer o mesmo por você.

Ginny resumiu tudo tão bem, que a mim só restou concordar.

—Também gosto da minha vida de agora, e também sinto sua falta. Mas quando eu penso em nós dois a Ginny que me vem à cabeça é a de seis anos atrás, não aquela da que me separei.

—Nisso nós combinamos, então, porque eu sinto o mesmo quando penso em você. Mas aquelas pessoas não existem mais.

Por um momento apenas nos encaramos, sem saber o que mais dizer um ao outro. Estava tudo ali, exposto, o que sentíamos e do que tínhamos medo, nossas vontades e tudo o que precisávamos melhorar para ser um casal que se completa, e não que apenas cansa um ao outro.

—O que você quer, Gin? - Perguntei por fim, e prendi involuntariamente a respiração enquanto esperava sua resposta.

—Eu não sei, mas tenho certeza que não é ficar me agarrando com você a cada vez que a gente se encontra e não saber mais nada um do outro. Cansei disso, Harry, de fingir que está tudo bem por cinco minutos e depois não sermos sequer amigos. Eu quero tudo, ou nada.

Então era isso, ou seríamos outra vez um casal para compartilhar tudo o que havia para ser compartilhado, ou isso terminaria de vez e não haveriam mais beijos roubados esporadicamente. A questão é que na frente da Ginny era muito fácil dizer sim para qualquer coisa que a trouxesse cada vez para mais perto de mim, e não precisávamos começar tudo errado outra vez.

—Não vamos repetir o mesmo erro, Gin. Eu fui embora no calor do momento, e isso foi um erro. Estou ignorando se isso foi bom ou ruim pra gente, não importa, mas foi no impulso, e não vou fazer mais nada assim. - Respirei antes de continuar, ela apenas sustentou meu olhar. - Ambos concordamos que a pior fase ficou para trás e estamos bem agora um sem o outro, então precisamos pensar em tudo o que mudou, no que queremos para nós daqui para frente.

—Decidir aqui na frente do outro é muito tendencioso, né? - Constatou, com um sorriso cúmplice que eu retribuí mesmo sem perceber. Apenas outro sinal de que precisamos decidir isso sozinhos.

—Demais. - Confirmou, e sorrimos ainda mais. - Precisamos pensar com calma, cada um na sua casa, longe um do outro e levando em consideração tudo, depois vemos se queremos tentar outra vez.

—Tudo bem, eu concordo. Mas Harry… - Olhei ansioso enquanto ela escolhia as palavras. - Eu sei que fui eu mesma que acabei de dizer que as pessoas que fomos não existem mais, mas tem uma coisa que eu quero de volta, e que sem isso eu não quero tentar outra vez.

—O que é? Essa é a hora de falar tudo.

—Que você demonstre que gosta de mim e que gosta de estar comigo, porque só um cartão escrito “eu te amo” em datas comemorativas não me convence de nada. Eu consigo me acostumar a você não estar aqui quando precisar viajar e consegui me acostumar até a não ser mais casada, mas não vou me acostumar nunca a ser invisível para você como eu estava sendo, nem a precisar parar entre você e a TV para que você me olhasse por dois segundos.

Eu conseguia ver reflexos das minhas ações em cada frase que ela dizia, e a cada uma eu me sentia um pouco pior por ter sido tão negligente. Mas essa era a parte em que eu deixava o meu ponto de vista claro também.

—Também tenho algo assim, podemos chamar de condição? - Ela concordou com um aceno, e sua expressão me dizia que já sabia o que eu diria. - Não quero passar a vida inteira tendo que provar que não estou fazendo nada errado.

—Também não quero passar a vida inteira desconfiando, acredite quando eu falo que também me sentia muito mal com tudo aquilo. Além de ser extremamente cansativo e desgastante.

Estávamos sendo tão honestos um com o outro, que foi impossível impedir que uma centelha de esperança surgisse, dizendo que se mantivéssemos isso seríamos o casal perfeito para sempre. Era minha deixa para me distanciar um pouco, porque se eu quisesse a imparcialidade da solidão para tomar minha decisão deveria ir embora logo, porque a vontade de dizer “sim” agora mesmo já gritava dentro de mim.

—Precisamos estabelecer um tempo? - Perguntei em dúvida, passando a mão entre os cabelos.

—Não acho que seja necessário, e também não precisamos nos pressionar. Quando chegar a uma conclusão você me liga, eu vou fazer o mesmo.

Concordei com um aceno e desviei meus olhos para nossas mãos ainda unidas, era tão reconfortante estar assim outra vez e pensar que talvez isso se tornasse novamente parte da minha rotina. Com o polegar, acariciei sua mão por alguns segundos, ambos sem silêncio.

—Eu acho que já vou, Gin. - Precisei de muito esforço para que essa simples frase saísse.

—Tudo bem. - Ela também não parecia muito convicta ao concordar comigo.

Me levantei do sofá com um impulso, e aproveitando a mão ainda presa na dela, a puxei para que ficasse em pé também. Ainda de mãos dadas e sem dizer nada, fomos até a porta da entrada. O contato fez falta assim que nos soltamos para eu guardar meu celular no bolso e pegar a chave do carro sobre o aparador ao meu lado. Ginny provavelmente também sentiu, porque esfregou as mãos uma na outra.

—Então, obrigada pelo jantar, estava ótimo.

—Que isso, eu que agradeço.

Para ter algo que fazer, ela abriu a porta da frente e fomos até a garagem, onde paramos novamente de frente um para o outro sem dizer nada. Alguns segundos de silêncio depois eu não aguentei e comecei a rir, ela me acompanhou.

—Agora eu não sei nem como me despedir, se te dou um beijo no rosto ou na boca, um abraço, um aperto de mãos…

Ela riu mais descontraída ao ouvir o motivo da minha indecisão.

—O que você está com vontade de fazer?

O tom levemente provocante foi suficiente para me envolver totalmente no clima que emanava dela.

—De beijar sua boca de novo.

—Ótimo, eu também.

Um segundo depois já estávamos enroscados de novo, num beijo que eu nunca me cansaria de provar, com os braços dela ao redor do meu pescoço e os meus mantendo-a presa à mim. Cedo demais para a minha vontade, a necessidade de ar nos obrigou a afastar um do outro, reduzindo nosso contato a um abraço que não precisamos ensaiar ou pedir, simplesmente parecia certo. Afundei meu rosto em seu pescoço, do mesmo modo que ela estava fazendo comigo, e me deixei inundar pelo seu cheiro gostoso. As pontas das unhas compridas passando suavemente pela minha nuca e a respiração quente dela se chocando com a minha pele, me faziam não querer sair dali nunca mais.

Grudei um beijo em seu pescoço e me afastei o suficiente para nos encararmos:

—Eu te ligo. - Finalizei minha frase com um selinho.

—Eu te ligo também. - Me beijou outra vez.

—Agora eu já vou mesmo. - Falei, mas não saí do abraço em que estávamos.

Nós dois rimos dessa relutância, mas por fim nos soltamos e eu abri o portão para sair.

—Boa noite, Gin.

—Para você também.

Ela esperou até que eu entrasse no carro e saísse dali antes de voltar para dentro de casa, e eu precisei do caminho todo para fazer meu coração voltar a bater no ritmo normal.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
E finalmente essa conversa saiu! Uma hora eles teriam que ser super honestos um com o outro e esse dia chegou.
Ansiosa pra saber o que acharam!
Não deixem de comentar.
Beijos e até semana que vem.