Segundo ato escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 13
Intermissão XI




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POV Ginny

 

Meu aniversário de vinte e nove anos seria dentro de cinco dias, e não que eu estivesse tão empolgada assim, mas o Nev e a Luna já tinham dito que faziam questão de comemorar comigo em algum lugar. Como nós três tínhamos a possibilidade de não trabalhar no período da tarde, estávamos combinando um almoço.

Era manhã de sábado e eu havia dormido na casa do Allan, por isso o sofá em que eu estava sentada enquanto trocava mensagens com meu melhor amigo não era o meu. Passava um pouco da hora do almoço e não havia muito tempo que eu tinha acordado, mas já havia sido suficiente para tomar café da manhã e me vestir com as roupas do dia anterior.

Ainda que o assunto tratado fosse apenas um encontro para comemorar meu aniversário, era impossível manter uma conversa séria com Nev sobre o que quer que fosse, porque ele sempre dava um jeito de enfiar gracinhas e piadas no meio, o que me arrancava risadas o tempo todo.

—O que é tão engraçado? Estou ouvindo suas risadas lá de dentro. - Allan perguntou enquanto sentava ao meu lado no sofá.

—Nada, só o Nev fazendo piada. Tudo certo pra viagem de segunda?

Ele estava resolvendo todos os processos para uma palestra que daria em outro estado na semana seguinte.

—Sim, só estou esperando as passagens chegarem agora. O que vocês estavam conversando?

—Nada demais, só marcando um almoço para essa semana.

Antes que ele dissesse mais alguma coisa, meu celular tocou outra vez e abri a conversa para ver o que era.

—Vou ver se já me mandaram a passagem. - Allan informou já se levantando.

Assenti enquanto digitava minha resposta para o Nev:

“Diz pra Luna que não precisa se arrumar muito, não, eu já a vi em condições péssimas.”

Um momento depois a resposta dele me fez rir outra vez:

“Ela disse que não está se arrumando pra você, é que tem garçons lindos lá. Vou falar com ela sobre isso depois!”

Eu estava selecionando um emoji para enviar, mas antes que eu tivesse a chance um movimento brusco e inesperado tirou o aparelho da minha mão. Só havia mais uma pessoa na casa, então não precisei olhar para ver quem havia feito isso.

—Dá isso aqui, deixa eu ver o que tanto você conversa com esse cara.

O primeiro motivo que me impediu de responder a altura foi o choque, porque eu nunca esperaria uma atitude dessa. Olhei com os olhos arregalados, e ainda sem acreditar, quando Allan sentou na poltrona à minha frente com meu celular nas mãos, olhando com desconfiança para o aparelho. O segundo motivo estava na familiaridade daquela cena, que estava fazendo meu estômago revirar com um sentimento que eu ainda não conseguia distinguir.

—O que foi? Tem alguma coisa aqui que não posso ver? - A pergunta ácida interrompeu meus devaneios, e eu notei que ainda o estava encarando.

—Não, nada, fica a vontade. - Respondi por reflexo, porque eu não estava prestando a mínima atenção no que ele me dizia ou em como me olhava.

Fiquei onde estava, os braços cruzados em frente ao corpo, olhando-o invadir minha privacidade sem nenhum resquício de constrangimento, procurando sabe lá o que que ele se achava no direito de cobrar de mim, e inexplicavelmente eu não conseguia sentir nenhuma raiva de qualquer atitude. Não que não houvesse nenhuma indignação dentro de mim, ao contrário, havia muita, mas ela era totalmente direcionada a outra pessoa.

Eu era insuportável assim?

Vendo o Allan clicar e ler todo o conteúdo do meu celular era quase um déjà-vu, porque eu só conseguia ver a mim mesma fazendo exatamente a mesma coisa com o do Harry. Será que ele também se sentia mal como eu estava me sentindo? Será que também tinha vontade de atravessar a sala e me dar um soco, como eu queria muito fazer agora?

Eu não saberia dizer se o que mais me corroía por dentro era o arrependimento de ter feito todas essas coisas ou a indignação por nunca ter percebido até estar tudo completamente desmoronado à minha volta. Em todas as vezes que gastei horas vasculhando conversas e fotos no telefone do meu ex marido, nunca encontrei nada, e eu nunca encontraria, porque não havia nada a ser encontrado. Quando foi que deixei de ter certeza disso e comecei a achar que precisava me certificar?

Quando foi que eu comecei a estragar tudo?

Quantas vezes eu fiz isso? Uma, duas, cinquenta vezes? Fora as discussões, as perguntas,a desconfiança óbvia que eu não fazia nenhuma questão de esconder, por que eu considerava tudo isso normal e não via como era desgastante?

Essa era a pergunta mais fácil de responder: porque não era comigo.

—Toma, já olhei. - Allan se sentou do meu lado e me entregou o celular, como se nada tivesse acontecido.

Peguei o aparelho que ele me entregou, e sem esperar um minuto a mais, me levantei e peguei minha bolsa que estava sobre a mesa de centro desde o dia anterior.

—Allan, isso não vai dar certo. Vou para casa.

—O que? Por que? - Perguntou com a expressão perdida, como se eu não estivesse fazendo o menor sentido.

—Porque isso que você acabou de fazer foi ridículo, e infelizmente você não teve a sorte de encontrar uma pessoa maravilhosa e paciente para ser a sua vítima.

—Vítima de que, Gin? Só porque olhei seu celular?

—Não é por olhar meu celular, é que eu já vi esse filme e sei como ele acaba, não vou ficar pro final.

—E você vai embora assim, sem mais nem menos?

—Não tenho outro jeito de fazer isso, já durou até demais. Se cuida, tchau.

Eu não queria ser fria ou fazer pouco caso dos possíveis sentimentos dele, mas se continuasse agindo como se o que acabou de acontecer não fosse nada demais, eu não conseguiria me manter mais tão calma e iria acabar falando mais do que precisava, então era melhor sair enquanto ainda estava consciente de tudo o que dizia.

Atravessei a portaria sem nem olhar para trás, e entrei no meu carro assim que o alcancei, do outro lado da rua. Me permiti alguns minutos ali, pensando em tudo o que havia acontecido na minha vida e em como, ao contrário do que eu tão veementemente achava, eu tinha culpa direta nisso tudo, tanto quanto ele.

Precisei de quase um ano para perceber que não fui deixada, como eu julgava até então, mas sim que acabei com nosso casamento tanto quanto a falta de atenção dele. Harry não agiu sozinho para que houvesse um fim.

Meu primeiro impulso foi ligar para ele e pedir desculpas, por todas as vezes que desconfiei e fui além, e também por culpá-lo por algo que eu havia participado tão ativamente quanto, mas me contive e não fiz nada.

Chacoalhei a cabeça para espantar esses pensamentos e dei partida no motor, saindo dali logo depois. Só havia um lugar onde eu gostaria de ir agora, uma pessoa com quem eu poderia falar sobre isso, então ignorei o caminho da minha casa e fui direto até onde eu precisava.

Estacionei em frente ao portão que eu já conhecia tão bem e toquei a campainha. Não precisei esperar muito para que meu irmão me recebesse com um olhar brevemente surpreso.

—A que devo a honra dessa visita inesperada?

—Oi, Ron, tudo bem?

—Tudo, e você? - Retribuí seu abraço e aguardei enquanto ele fechava o portão.

—Também. Cadê a Mione?

—Deitada lá no quarto.

Assim que ele me informou, passei direto pela sala em direção ao quarto deles, onde minha cunhada estava exatamente como ele disse, trocando os canais da TV com o controle remoto.

—Você aqui essa hora? - Perguntou com o cenho franzido. - Já almoçou?

—Ainda não, vim conversar com você.

Não esperei pelo convite e me deitei do lado dela na cama. Vendo minha expressão séria, ela desligou a TV e se virou para mim.

—O que aconteceu?

Abri a boca para responder, mas meu irmão me interrompeu quando passou pela porta.

—E aí, qual a novidade?

—Amor, será que você dá licença para conversarmos um minutinho?

Ele me encarou por alguns segundos, a expressão preocupada.

—Ta tudo bem, Gin?

—Ta sim, só quero ter uma conversa de meninas, é rapidinho.

—Tudo bem, vou dar uma volta, aproveito e compro as coisas que você me pediu, amor.

—Obrigada. - Mione o agradeceu e lançou um beijo para ele.

Me despedi também e o esperei nos deixar sozinhas antes de voltar ao assunto.

—Hoje aconteceu uma coisa que me deixou muito mal.

—O que, Gin?

—Terminei com o Allan.

Sua expressão de surpresa e confusão foi óbvia.

—Oh, não sabia que era sério a ponto de te deixar mal assim.

—Não estou mal por ter terminado com ele, estou mal por como foi, e o que me fez perceber.

—Você vai ter que explicar um pouco melhor do que isso para eu entender.

Contei a ela tudo o que havia acontecido, desde que comecei a conversar com o Nev até a hora que saí da casa dele. Minha amiga ouviu com atenção, a expressão agora completamente tomada pela compreensão.

—Eu me senti tão mal, Mione, me reconhecendo em todas aquelas atitudes ridículas, vendo aquela cena toda de outra perspectiva, que…

Me detive a ponto de falar o que mais me doeria assumir.

—Que o que, Gin? Fala, é bom conversar sobre o que está sentindo.

Ela tinha razão, e não havia ninguém mais indicado para eu dizer tudo o que estava sentindo.

—Me senti tão ridícula, que consegui entender por que o Harry não quis mais ficar comigo.

Assim que terminei a frase me acomodei de costas no travesseiro do meu irmão, fitando o teto e tentando controlar a minha vontade de chorar.

—No lugar dele eu também não ia querer, então agora eu sei por que ele foi embora. Só o que me deixa mais indignada, é como eu nunca percebi isso antes? Como nunca notei que eu era tão chata, tão sufocante?

Respirei fundo para evitar que as lágrimas caíssem e me virei para ela, esperando uma resposta.

—Não sei, Gin, as vezes é difícil mesmo se colocar no lugar do outro. Tenho certeza que você não fazia por mal.

—Não, mas… Ai, Mione, até duas horas atrás eu pensava nessa situação como um todo como se ele tivesse simplesmente ido embora, agora eu vejo que eu causei isso.

—Olha, eu acho importante que você consiga ver sua parcela de culpa nisso, mas não é legal começar a se culpar sozinha agora. Você não me disse que ele não te dava mais atenção?

—Sim.

—Então, ele tem culpa nisso também, Gin. Você sempre foi ciumenta, ele não te dar atenção alimentou isso. O que eu acho mesmo, é que os dois são igualmente culpados. Você e o Harry caíram num círculo vicioso, ele não dava atenção, você ficava com ciúmes, aí você sempre estava com ciúmes, e ele não dava atenção pra isso.

Não dava para negar um pouco de razão no que ela me dizia, mas isso não me fez sentir melhor.

—Eu faria tudo diferente se fosse hoje, se eu visse as coisas como hoje.

—Para de ficar se martirizando, Gin, isso não resolve.

—Eu sei que não, só queria conversar um pouco.

—Sabe, não entendo vocês dois insistirem em se manter afastados. Já tem tanto tempo e nada mudou, conversem logo sobre isso, se não para resolver as coisas, pelo menos para dar um fim digno ao que vocês tiveram, sem que a última coisa dita tenha sido um monte de insultos.

—Não é tão simples assim, Mione.

O olhar profundo que ela me lançou já dizia que ela sabia que havia uma explicação a mais para isso, mas não insistiu que eu dissesse. A verdade é que eu não queria dizer em voz alta que a possibilidade de ouvir “não” outra vez me impedia de qualquer tentativa de aproximação.

Pensar que ele havia ido embora do nada, como eu pensei durante esse tempo todo, me fazia ter um escudo de mágoa e raiva entre tudo o que eu não queria sentir. Identificar que as coisas não eram bem assim me deixou vulnerável de um jeito quase desconfortável, eu me sentia novamente como naquele primeiro dia, em meio a um turbilhão de emoções que eu nem sabia como classificar.

Fiquei mais um tempo ali com ela, vagando entre um assunto e outro, até que eu me conformei com o fato de que meu momento de descoberta não iria simplesmente embora, e resolvi ir para casa e não mais atrapalhar o fim de semana da minha cunhada e do meu irmão. Não que ficar sozinha fosse me ajudar de alguma forma, mas ali pelo menos eu teria alguma coisa para me lembrar da pessoa que certamente não sairia da minha cabeça tão cedo.

 

POV Harry

 

O fim de Agosto trouxe uma data que eu não sabia ao certo se queria me lembrar, mas que também não consegui esquecer: completou um ano que saí de casa. Os processos de fazer as malas, colocar no ombro e dirigir até a casa dos meus amigos são apenas um borrão distorcido na minha cabeça, mas todos os 365 dias não foram suficientes para apagar de mim a imagem nítida da expressão incrédula e decepcionada de Ginny, nem o eco de todas as palavras frias que joguei em cima dela.

Foi impossível não me perguntar se ela também havia se lembrado, ou se estava feliz e entretida demais com seu novo namorado para se apegar a lembranças de um passado já distante e sem importância.

Esse pensamento me acompanhou durante todo o dia no trabalho, a noite em casa e também no sábado quando acordei sozinho com a luz do sol entrando pela janela aberta. Não me apressei em nada para sair da cama, e era onde eu ainda estava quando o celular tocou, interrompendo meus devaneios. O nome da Mione na tela me convenceu a não ignorar a chamada e levar o telefone ao ouvido.

—Oi, Mione.

—Ei, Harry, tudo bem?

—Tudo, e você?

—Também. Tem algo para fazer hoje?

—Pensei só em continuar aqui na cama fazendo nada, vocês precisam de alguma coisa?

—Vem almoçar comigo e o Ron, estamos preparando aquela carne que você adora.

Nem que eu vivesse mais todos os anos possíveis, nunca conseguiria agradecer ao Ron e à Mione quanto eles me fazem sentir parte de uma família de verdade.

—Desse jeito nem precisa convidar de novo. Quer que eu leve alguma coisa?

—Não precisa, só não demora.

—Ta bom, até daqui a pouco.

Como ela recomendou, não demorei em tomar um banho rápido, me vestir e sair de casa. Ao contrário da nossa conversa, no entanto, passei em uma padaria a que eu sempre ia e comprei uma torta de morango para a sobremesa. Quando cheguei à casa deles, os dois já me esperavam com a mesa posta.

—Da próxima vez a gente diz que é café da manhã. - Meu amigo resmungou assim que apareci na porta da sala.

—Olha quem está reclamando, a noiva. - Devolvi sem me importar e retribuí ao abraço da Mione. - Oi.

—Como você está? Tem dias que não o vemos.

—Trabalhando bastante, esses novos clientes dão o dobro de trabalho.

—Viajando de novo?

—Viajei na semana passada, mas foram só dois dias. Trouxe uma torta de morango, vou colocar na geladeira.

—Falei que não precisava, Harry. - Mione me acompanhou até a cozinha.

—Claro que precisava! - Ron a interrompeu. - É daquela padaria perto da sua antiga casa?

Ele e sua sutileza nada presente ao me lembrar do que eu não tinha mais.

—Sim, é de lá. Sei que vocês gostam.

—Obrigada, Harry. - Minha amiga agradeceu e se acomodou em uma das cadeiras. - Vamos almoçar agora?

Eu e Ron nos sentamos também e aproveitamos o encontro em meio a novidades e risadas. Estar com eles era sempre leve e divertido, e me fazia esquecer dos problemas por um momento e ser eu mesmo. Antes haviam três pessoas no mundo com quem eu não me importava de ser espontâneo em todos os momentos, agora haviam apenas duas.

—Estava muito bom, Mione, obrigado. - Elogiei assim que terminei de comer.

—Agradeça ao Ron dessa vez, foi ele que fez.

—Está tão bom que nem parece que foi feito por você, cara. - Desviei do guardanapo que ele jogou em mim.

—Vou pegar a sobremesa. - Ele se levantou da mesa e foi em direção à geladeira.

Enquanto Ron trazia a embalagem para a mesa, eu tirei a louça suja e coloquei na pia, e Mione pegou pratos e talheres limpos e distribuiu sobre a mesa. Me servi de uma fatia e esperei que eles fizessem o mesmo antes de começar a comer. Eu e Ron repetimos mais um pedaço, Mione comeu apenas um e disse que Ron podia comer o segundo pedaço dela em seu lugar.

O barulho da porta da sala abrindo interrompeu nossa risada e chamou a atenção de nós três, que olhamos sem saber do que se tratava. A preocupação durou pouco, no entanto, apenas até uma voz conhecida e confiante soar mais alta do que o necessário:

—Como a porta estava aberta, eu entrei, espero que esteja todo mundo decentemente vestido. - Ginny falou em tom de piada.

Ron e Mione olharam imediatamente para mim, mas como coração acelerado não era visível aos olhos, perceberam apenas que continuei comendo minha sobremesa.

—Eu aproveitei que estava aqui… - Ela continuou falando enquanto vinha até a cozinha, mas a frase parou no meio quando viu que os dois não estavam sozinhos.

Eu estava na cadeira de frente para a porta, então foi impossível não encarar e ser encarado. Vi a dúvida percorrer todo aquele rosto, ela sacudir levemente a cabeça e continuar falando num tom muito mais contido, que não combinava em nada com a espontaneidade que eu gostava.

—Eu estava por perto, passei para dar um oi, espero que não se incomodem. Se eu estiver atrapalhando…

—Deixa disso, acabamos de almoçar, quer comer? - Mione interrompeu e convidou.

Eu não falei nada, esperando o momento que ela viraria as costas e iria embora, como sempre fazia quando eu estava no mesmo ambiente. Assim, fui completamente surpreendido quando a vi suspirar e responder, entrando na cozinha.

—Não, obrigada, já almocei. Oi. - Ela se abaixou e deu um beijo no irmão e na cunhada antes de se sentar na única cadeira vazia, de frente para Hermione, e acenar para mim. - Oi, Harry.

—Oi. - Respondi sem saber mais o que dizer, e abocanhei um pedaço da minha torta para ter o que fazer ao invés de falar.

O foco da conversa saiu de mim por um momento, enquanto eles perguntavam a ela como havia sido a semana e se estava tudo bem. Em determinado momento a vi puxar a sobremesa para perto de si.

—Todo mundo já comeu? Adoro torta de morango. - Perguntou já pegando o resto todo do doce, e que era bem mais do que um pedaço convencional.

—Nossa, quanta educação… - Ron alfinetou, mas Ginny o ignorou completamente.

—Já comemos, pode ficar a vontade. A menos que o Harry queira mais. - Mione se virou para mim enquanto respondia.

—Não, estou satisfeito, divirta-se. - Respondi, embora ela já estivesse comendo.

—Nossa, que delícia, parece a da padaria que tem perto de casa, eles fazem a minha preferida. Onde vocês compraram? - Ela perguntou para o irmão e a cunhada.

—É de lá mesmo. - Mione falou vagamente.

—Foi o Harry que trouxe. - Ron completou.

Senti o olhar se desviar para mim e fiz o mesmo, encarando-a diretamente pela primeira vez.

—Fazia um tempão que eu não comia.

—Era sempre eu que ia comprar. - Respondi por impulso, e isso trouxe um silêncio pesado para o ambiente.

Ginny estava bonita. Ela sempre foi bonita, na verdade, mas estava diferente, aparentando uma tranquilidade que lhe caía muito bem. Não pude deixar de pensar, com um pouco de ressentimento, se isso se devia ao fato de que agora ela dividia seus momentos com alguém muito mais atencioso.

Desde que nos separamos, nós dois não tínhamos mais nenhum contato praticamente, eu não sabia mais se ela tinha ou não cortado o cabelo, o que fazia aos finais de semana, com quem conversava, com quem saía, o que a preocupava, quais peças do seu guarda roupa eram novas, mas isso não me impedia de imaginar todas essas coisas e muitas mais, principalmente nesses últimos dias, em que a sensação de perda estava me assolando mais do que nunca.

Ron a chamou e perguntou alguma coisa qualquer, apenas para quebrar o clima que se instaurou. Fingi prestar atenção no assunto enquanto eles conversavam, e me expressei nos momentos certos, mas meus pensamentos estavam muito longe dali. Mais precisamente, preso numa troca de mensagens que aconteceu meses atrás, e na qual eu dizia que na próxima vez que nos encontrássemos seria eu a agarrá-la.

Será que ela se lembrava disso também? E caso se lembrasse, o que achava a respeito?

Qualquer conclusão que a que eu tentava chegar se chocava com outra mensagem, mais recente, que recebi no meu aniversário. O que aquele coração significava? Isso aumentava minha chance de conseguir pelo menos um pouquinho mais dela, porque ainda havia pelo menos um pouco de mim ali dentro, ou acabava com tudo de vez porque eu já tinha me tornado tão indiferente que ela conseguia ser carinhosa comigo sem sentir nada?

O beijo que a prometi era exatamente o que eu queria desde que ouvi sua voz, mas por algum motivo tinha a impressão de que se a reação fosse a mesma de quando a beijei no natal, aquela negação tão veemente de qualquer contato, dessa vez doeria muito mais. Não porque naquela ocasião eu sentisse menos sua falta ou a amasse menos, mas porque dessa vez eu teria consciência de que o motivo da recusa não era o orgulho quase maior do que ela, e sim alguém novo em sua vida.

O telefone tocou no cômodo ao lado, tirando a atenção de todos da conversa. Ron se levantou para atender, mas segundos depois chamou também a esposa:

—Amor, é a sua mãe.

—Já vou. - Gritou para ele antes de se virar para nós. - Vocês me dão licença um minuto?

—Claro, manda um beijo meu para ela. - Ginny respondeu sem parecer minimamente incomodada.

Vi minha amiga levantar e sair da cozinha em direção ao corredor que levava aos demais cômodos da casa.

—Vou atender no quarto.

Segundos depois Ron a seguiu pelo mesmo caminho, deixando Ginny e eu sozinhos.

Eu nem tentei começar um assunto, porque em nenhuma circunstância saberia o que dizer, então apenas continuei olhando para o meu prato e brincando com o garfo. Ginny também não disse nada, mas eu sentia alguns olhares sobre mim.

Olhei para o lado quando o barulho da cadeira se arrastando chamou minha atenção, e a vi se levantar com a embalagem vazia da torta nas mãos. Senti quando passou por trás da minha cadeira e a deixou sobre a pia, fazendo jus à sua mania de coisas organizadas e devidamente colocadas no lugar. Eu já esperava que ela fosse embora, ou fosse se sentar no sofá da sala, ou qualquer outro lugar longe de onde eu não fosse a única companhia.

—Terminou? - Me sobressaltei quando ouvi sua voz próxima de mim.

Próxima demais, ao lado da minha cabeça, onde ela se debruçou sobre meu ombro para apanhar meu prato. Ginny não se incomodou com a proximidade, não pareceu se importar em encostar em mim e não se apressou em nada na atividade de pegar minha louça suja, me fazendo crer que essa era sua última intenção com aquele gesto. E isso foi o que bastou para eu saber que ela se lembrava muito bem de tudo que rondava minha cabeça.

A constatação do jeito nada sutil que ela arrumou para dizer sem nenhuma palavra que queria que eu cumprisse minha promessa, me fez soltar uma risada baixa que não fiz questão de esconder. Enquanto ela ainda estava parcialmente sobre mim, estiquei a mão para trás na intenção de tocá-la, mas ela se esquivou e riu também, numa provocação clara.

Afastei minha cadeira e me levantei de imediato, enquanto Ginny ainda estava de costas, debruçada sobre a pia. Sem nenhuma cerimônia, fechei meus dedos em seu pulso e a virei para mim, em meio a um protesto:

—A minha torta vai…

Em meio à sua frase, vi o último pedaço de sobremesa preso entre seus dedos, e num rompante de provocação levei a mão que eu prendia até minha boca e abocanhei o pedaço todo. Mastiguei rapidamente enquanto a puxava mais para perto, o suficiente para ver seu olhar se estreitando.

—Você mordeu meu dedo. - Acusou soando brava, mas em nenhum momento tentou se afastar.

—Que sensível. - Devolvi entre irônico e divertido, no momento em que a encostei na lateral da mesa.

Ginny abriu a boca para dizer alguma coisa, mas qualquer que seja a frase morreu entre meus lábios, quando a beijei. Aquele gosto de Ginny e morango era tudo o que eu queria sentir, bastou o primeiro contato para eu ter certeza disso.

Beijá-la sempre foi diferente, mas esse tempo todo longe deixou tudo ainda mais ímpar. Havia tanta coisa que eu queria provar, tantos lugares que eu queria tocar, que não sabia onde minhas mãos deveriam ir primeiro. Não me importei em parecer desesperado, apertei sua cintura, escorreguei as mãos por suas coxas, suas costas, enlacei seus cabelos entre meus dedos e desci meu toque novamente para seu corpo, como estava com vontade de fazer. Ela parecia ter tanta pressa quanto, tateando todos os lugares em que alcançava.

Empurrei Ginny mais para trás, obrigando-a a se sentar sobre o tampo de madeira, e me acomodei entre suas pernas, lugar onde eu me encaixava tão bem. Nosso beijo tinha tudo que se possa imaginar: fogo, saudade, desejo, provação, menos calma. Os dentes dela nos meus lábios ainda me esquentavam, e ela ainda adorava fazer isso.

O short que ela estava usando me permitia sentir toda a pele macia das suas pernas, mas não mais do que isso. Embora o tecido não me impedisse de deslizar minhas mãos e distribuir meus apertos também por seus quadris e sua bunda, me lamentei internamente por justo hoje ela não ter escolhido uma saia. Passei o braço por trás de suas costas, puxando-a num abraço, e subi minha outra mão entre nós, prendendo seu seio num carinho firme e decidido, que a fez se afastar brevemente de mim com um gemido baixo que eu adorei ouvir em seus lábios.

—Essa é a minha confirmação? - Não resisti a provocar.

Ela abriu os olhos e me olhou profundamente, sem afastar minhas mãos do seu corpo ou tirar as dela do meu.

—Confirmação de que, exatamente? - Perguntou presunçosa, mantendo a pose.

Dessa vez nem importei, porque nem toda a pose do mundo esconderia seus olhos em brasa na minha direção.

—Talvez de que sua companhia atual não é suficiente para te fazer rejeitar isso. - Apertei de novo seu seio para ilustrar que era da nossa interação que eu estava falando.

Contrariando minha expectativa de uma má resposta, ela riu, com humor e satisfação dessa vez.

—É a minha presença que te deixa assim? Porque você nem sabe o que está falando.

Antes que eu tivesse tempo de processar o significado daquela resposta, ou rebatê-la, a mão presa no meu cabelo me puxou para perto outra vez, recomeçando de onde havíamos parado. A pouca calma de antes, transformada em ainda mais vontade de mostrar ao outro tudo que estava perdendo com essa distância.

Subi meu toque firme por suas coxas e apertei sua bunda com as duas mãos, trazendo-a ainda mais para perto e a fazendo ofegar contra meus lábios. Nesse momento odiei toda aquela roupa que me impedia de sentir todo o calor que o corpo dela exalava. O jeito nada delicado com que ela apoiou as mãos sobre a minha bunda, me puxando mais para perto e se esfregando em mim, me fez acreditar que aquilo tudo não pararia apenas ali. O que aconteceria a seguir, no entanto, não consegui descobrir.

—Na minha mesa? Sério? - O tom reprovador de Hermione nos interrompeu, fazendo-nos olhar na direção da porta.

Eu precisei apenas levantar os olhos para vê-la parada com os braços cruzados, o ombro encostado ao batente. Ginny precisou virar o corpo para trás, mas não pareceu nem um pouco incomodada ou constrangida ao ser flagrada. Dei um passo atrás quando ela se arrastou pra frente e apoiou os pés no chão.

—Pensa pelo lado bom, não é de vidro. - Respondeu para a cunhada enquanto arrumava a roupa no lugar.

Tive vontade de rir da resposta tão característica dela, mas ainda estava frustrado demais para isso. Foi Ginny quem quebrou o silêncio novamente:

—Bom, eu sou passei para ver vocês, já vou embora.

Meu primeiro impulso foi pedir para ela não ir, ou então para me levar junto, mas novamente o medo de uma negação me travou. Eu conseguia ver claramente a diferença de um amasso por acaso, e a premeditação de dormir comigo. Além disso, eu não precisava de nada que deixasse meu rosto ainda mais vermelho.

—Se era só para ver, você não foi muito fiel ao objetivo. - Mione alfinetou, olhando-a com desafio.

—Vou considerar como um bônus. - A ruiva respondeu rápido, sem se intimidar, e saiu da minha frente, indo em direção à cunhada. - Tchau, Mione.

As duas trocaram um beijo, e minha amiga riu de algo que Ginny disse apenas para ela ouvir. Antes de sair totalmente da cozinha ela virou para mim e acenou.

—Tchau, Harry.

Só acenei de volta, não consegui falar nada. Voltei a me sentar na mesma cadeira onde estava, e tratei de acalmar a respiração, o coração e outra parte bem específica do meu corpo antes que Mione voltasse, porque ela certamente voltaria para continuar o assunto. Como previsto, menos de dois minutos depois ela se acomodou na cadeira de frente para mim e cruzou os braços.

—Nem começa, por favor, que eu não sei dar essas respostas criativas. - Pedi ainda um pouco sem jeito, e ela riu abertamente.

Acabei rindo também e passei os dedos pelo cabelo, bagunçando-os. Ron chegou à cozinha um minuto depois.

—Por que a Gin sempre vai embora depois de ficar sozinha com você por cinco minutos? - Meu amigo perguntou como se não entendesse o gesto da irmã.

Isso foi suficiente para Hermione me olhar com mais compreensão do que eu gostaria de ver nesse contexto.

—Agora tenho uma boa ideia do motivo. Isso é um hábito, então? - Levantou a sobrancelha em desafio na minha direção, o tom de deboche muito presente.

—Ah, Mione, não enche. - Tentei desconversar, mas ela riu.

—O que é um hábito? - Ron quis saber.

—Harry e Ginny não poderem ficar sozinhos.

—Parecem duas crianças? - Ele chutou.

—Ta mais para adolescentes. - Mione corrigiu.

—Dois chatos. - Meu amigo concluiu, e eu acabei rindo. - Quer jogar um pouco de video game?

Mione rolou os olhos assim que Ron perguntou, mas eu gostei da ideia. Certos hábitos não desaparecem com o tempo.

—Ótima ideia.

Nos levantamos e o segui até a sala, deixando Mione e suas caras presunçosas para trás.


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Notas finais do capítulo

Parece que agora eles estao começando a falar a mesma lingua, neh? Finalmente!
Nao vou me estender muito nos comentarios porque esse teclado nao tem acentuacao e ta me deixando doida! ahaha
Nao deixem de me dizer o que acharam.
Beijos e ate semana que vem.



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