Hortênsia escrita por is


Capítulo 1
I. The way you make me feel.


Notas iniciais do capítulo

Dificilmente uso o Nyah! atualmente, posto mais coisas no social spirit e se estiverem interessados, deixarei o link do meu perfil lá nas notas finais.

Boa leitura!



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Antes mesmo de entender o que era amor, Lúcia já amava.

Toda vez em que ela corria para o jardim, saltitando e cantarolando, fazendo seu pequeno vestido rosa rodar de um lado para o outro e seus cabelos loiros voarem, indo atrás de ume regador para regar as flores da sua janela, para ela isso era amor.

Cuidar de algo, amar algo, sentir-se feliz e confortável com algo. E para Lúcia tudo isso eram flores. Não, não. Eram hortênsias. De todas as cores, tipos e estações. 

Seus pais achavam que era só uma fase. Quando crescesse nem iria lembrar-se de suas preciosas flores. Toda vez que diziam isso, Lúcia batia o pé, negando veemente e ficando emburrada o resto do dia.

Ela não entendia porque seus pais falavam essas coisas. Nunca iria parar de se importar com suas flores, Lúcia iria cuidar delas do mesmo modo em que namorados cuidam um do outro. A garotinha loira não sabia bem o que significava a palavra “namorados” quando ouviu pela primeira vez. Perguntou à sua mãe e ela respondeu que “quando duas pessoas se amam, são namorados”.

Lúcia não entendeu o que sua mãe quis dizer, mas desde aquele dia ela e suas hortênsias eram namoradas.

Seus avós maternos, sempre lhe traziam flores nas datas especiais. No seu aniversário de sete anos, Lúcia ganhou uma rosa. Não gostou muito, tudo bem que a flor era bonita, porém (ela tinha aprendido o significado dessa palavra hoje) seu negócio era hortênsia. Contou à avó, que riu e balançou a cabeça. Lúcia não entendeu a reação, por isso voltou a brincar com seus primos.

Quando fez onze anos, saiu do interior e foi pra cidade grande. A escola onde ela estudava não tinha sexta série, por isso seus pais a matricularam numa escola em outra cidade. Lúcia ficou triste em sair de sua cidade, ela gostava de lá. Já estava mais crescida e tinha um entendimento melhor das coisas, mas ainda era, como seus pais diziam, inocente.

Na casa nova, de dois andares, Lúcia procurou nas janelas dos quartos, um canteiro pra plantar suas amadas hortênsias. Não encontrou e pediu a seu pai para que ele colocasse um.   Seu Mário, pai de Lúcia, não queria estragar a janela, então disse não.

Lúcia ficou emburrada e seus olhos castanhos brilharam com lágrimas. Contudo, ela leu em um livro que pessoas fortes não choravam, então engoliu as lágrimas e foi marchando para o quintal da nova casa. Ela seria forte.

Encontrou um lugar para plantar suas flores. Ficou com medo que elas não se acostumassem com o novo local e murchassem, mas felizmente, depois de algumas semanas, elas já estavam floridas e coloridas como sempre.

Em sua nova escola, Lúcia era tímida demais pra conversar com as outras garotas da classe. Por isso ficava na sua carteira, quieta e só falando quando os professores pediam. Não era como se ela se importasse, Lúcia tinha suas hortênsias, não precisava de outras amigas.

Um dia, sua mãe perguntou se ela tinha algum “namoradinho”. Lúcia respondeu que na verdade ela tinha uma namorada. Sua mãe ficou chocada e começou a dar um sermão em Lúcia, dizendo que era errado. A garota não entendeu, ela tinha dito que tinha uma namorada, sua hortênsia.

Mais tarde, na mesma noite, escutou seus pais discutindo que não precisavam se preocupar, era só uma fase. De novo esse negócio de fase, pensou Lúcia, Já disse que não vou abandonar minhas flores!

Aos quinze anos, Lúcia começou a ir mais vezes no centro da cidade com a mãe. Ela via tantas lojas bonitas e coloridas. Tanta gente andando apressado e comendo em restaurantes. Mas Lúcia só ficava atenta para ver se tinha uma floricultura por perto.

Andou, andou e andou, até que, finalmente, achou uma. O nome em letras cursivas e opacas, dizia: “Dona Lourdes”. Lúcia já gostou da floricultura. Amava nomes com “L”. E na cidade de onde veio, só tinha velhinhas bondosas e queridas. Entrou feliz na loja e quase saltitou quando escutou um sininho.

No caixa, estava uma mulher com no máximo sessenta anos. Com os cabelos brancos presos num coque e os óculos de armação dourada na ponta do nariz. Ela estava cortando as folhas, provavelmente para que a flor nascesse mais bonita. Levantou os olhos quando escutou o sino e sorriu pra Lúcia.

— Olá, mocinha. — Disse a mulher.

Lúcia segurou a barra do seu vestido de renda, nervosa.

— Oi. — Murmurou de volta, sorrindo.

A velha senhora saiu de trás do balcão, pegando um cravo de um buquê e se aproximou de Lúcia. A dona da floricultura sorriu gentil e apontou a flor para cabelo da garota.

— Posso?— Pediu. Lúcia assentiu, apertando seu vestido.

Lourdes colocou a flor na orelha de Lúcia e se afastou. A menina olhou no vidro da loja e viu alguém com um vestido de rendas, cabelos loiros soltos e um cravo branco parecendo fazer parte do conjunto. Lúcia sorriu e se virou para a Dona.

— Obrigada. — Falou.

Dona Lourdes, somente assentiu, voltando para o balcão. Antes de Lúcia sair, ela escutou a senhora dizer.

— Volte sempre.

Lúcia, com certeza, voltaria.

 

 

Um ano depois, Lúcia escutou o sino da floricultura, mas dessa vez quem estava no caixa era ela.

A garota tinha voltado na floricultura, várias e várias vezes. Ficou amiga de Dona Lourdes, tomou chá, comeu pão de queijo, cuidou das flores. Praticamente trabalhava ali, então Dona Lourdes só fez o óbvio, começou a pagá-la.

Seus pais não ligaram muito, até aprovaram. Sua “princesinha” estava ficando independente. Lúcia achou graça, ela só queria trabalhar na floricultura pra ficar mais perto das hortênsias, mas não mencionou isso a seus pais.

Há tempos seus pais não falavam mais que suas hortênsias eram somente uma fase, porém Lúcia sabia e sentia que eles estavam preocupados com outra “fase”. Sua mãe obviamente disfarçou bem, contudo Lúcia já entendia o suficiente pra saber que seus pais estavam apreensivos por ela parecer gostar de meninas.

Lúcia não se importava muito, se ela gosta de meninos? Tudo bem. Mas e se ela gosta de meninas? Ok, tudo de boas, também. Suas flores não mudariam por isso. Ela não mudaria por isso.

Por isso, fingiu que não sabia sobre o que seus pais tanto discutiam e conversavam. Acordava cedo, ia pra escola, voltava, ia pra floricultura, ia pra casa. Cuidava de seu pequeno jardim, fazia seu chá, lia os livros que a escola pedia. Continuava tímida e ainda usava seus vestidos rodados e com babados.

Dona Lourdes brincava que ela era uma flor de pessoa. Lúcia só sorria em resposta.

Ela tinha chegado fazia algumas horas na floricultura, depois da escola, quando o sino que indicava que tinham clientes, foi-se ouvido. Lúcia levantou os olhos de suas begônias e paralisou quando viu a garota.

Seus cabelos eram negros feito carvão, seus olhos de um azul intenso escondidos pelos óculos de sol redondo, os piercings no nariz e na boca refletindo o sol que entrava pela janela. Jeans rasgados e botas pretas cheia de cadarços, não usava blusa, mas sim um top preto que deixava a mostra todo sua barriga, que era composta por todos os tipos de tatuagem, igual nos braços. Tinha uma bolsa velha e gastada no ombro e em uma das mãos tinha um cigarro.

Lúcia estava boquiaberta, porém não era pelo visual da moça, mas sim pela atração súbita que sentiu. Viu a garota olhando pra ela com uma sobrancelha erguida, o que fez um rubor pequeno se instalar nas bochechas de Lúcia.

A garota se aproximou, suas botas fazendo um barulho oco no piso da floricultura. A fumaça do cigarro fazendo uma trilha por onde ela passava. Lúcia largou a tesoura e se aprumou, lembrando que estava trabalhando.

— Olá.— Disse, encabulada. — Posso ajudar?

A garota mirou seus olhos em Lúcia e mesmo por trás dos óculos o olhar azul era penetrante.

— Pode.— Concordou a moça, sua voz rouca, provavelmente por causa do cigarro.

Lúcia assentiu e se aproximou da morena, saindo por detrás do balcão, seu vestido azul farfalhando. Viu que a garota tatuada voltou seus olhos pro seu corpo, o que deixou Lúcia envergonhada e satisfeita.

— Gostaria de uma flor que sinalizasse que estou querendo transar com a pessoa.— Completou a moça.

Lúcia corou. Ninguém nunca tinha falado assim perto dela.

— Bem,— andou entre as inúmeras flores, sendo seguida pela garota— se você quer deixar explícito, acho que uma orquídea seria óbvia, significam luxúria.

Pegou uma das orquídeas e a ofereceu pra moça, que a pegou, mostrando suas unhas pretas. Ela pareceu aprovar, pois assentiu e molhou os lábios. Lúcia esperou pacientemente, admirando a outra.

— Vou levar um buquê. — Determinou, a tatuada.

Lúcia escolheu outras orquídeas, pegando as mais bonitas, sendo friamente observada pela cliente. Voltou para o balcão, para fazer o embrulho. Cortou uma fita, pra fazer um laço.

— Você sabe o significado de todas as flores?— O silêncio foi cortado pela voz rouca. Lúcia olhou pra cima, surpresa.

— Hm, não todas, mas a maioria.— Admitiu, baixinho.

A outra assentiu e subitamente se debruçou no balcão, seus seios ficando mais provenientes desse ângulo. Lúcia se esforçou pra desviar o olhar, porém foi pega. A moça sorriu maliciosa.

— Então, o que significa Hortênsia?— Inquiriu, divertida e curiosa.

Lúcia sorriu. Claro que ela sabia o que significava, foi à primeira flor em que ela pesquisou.

— Significa frieza, indiferença.— Respondeu, gentil.— Por quê?

A moça de óculos escuros bufou, como se confirmasse algo que ela já sabia, pra si mesma.

— Não estou surpresa.— Murmurou.— Combina muito.

Lúcia que estava curiosa, não se aguentou e ergueu suas sobrancelhas. Ora, não conseguia erguer só uma.

— Comigo.—Explicou a de preto. Mas vendo a confusão de Lúcia, acrescentou: — Combina com meu nome. Hortênsia.

O coração de Lúcia começou a bater mais rápido e a garota não se lembrava de ter sentido algo semelhante, desde que ganhara uma muda de hortênsias de seu avô, que tinha morrido há alguns anos.

— Seu nome é Hortênsia?— Indagou estupefata.

A garota, Hortênsia, deu de ombros, acenando com a cabeça em confirmação. Lúcia respirou rápido, se atrapalhando pra prender o laço no buquê. Hortênsia, rápida, prendeu pra ela, fazendo suas mãos se tocarem.

Ficaram olhando para suas mãos por um instante. Hortênsia parecia estar em dúvida e Lúcia nervosa. Logo, a outra retirou a mão, calmamente. Lúcia terminou os detalhes das orquídeas.

— Pronto. — Terminou, entregando o buquê para Hortênsia.— Isso dá vinte e cinco.

Hortênsia abriu sua bolsa, pegando a carteira. Lúcia esperou pra dar o troco. Ficou meio triste em perceber que logo Hortênsia iria dar esse buquê pra alguém e iria (provavelmente) transar com ela. Seu rosto ficou vermelho quando pensou que ela queria ser essa pessoa.

— Aqui. — Deu o troco. Olhou pra Hortênsia que estava encarando-a de um modo estranho. — Obrigada e volte sempre.

Hortênsia, então, sorriu. Um sorriso sincero e grande, revelando um piercing na língua.

— Vou voltar, acredite. — Disse firme. Lúcia sorriu um sorriso sem mostrar os dentes.

Hortênsia começou a caminhar pra fora da loja, sem o buquê. Lúcia, confusa, correu até ela com o buquê na mão.

— Ei!— Exclamou. Hortênsia virou-se, com uma pergunta no olhar. Lúcia estendeu o buquê. — Você esqueceu isso.

Hortênsia somente estalou a língua e negou.

— Fique pra você. — Informou, voltando a andar, mas girando graciosamente com os pés. Tirou os óculos, mostrando seus olhos azuis, que estavam brilhando. — Qual se nome?

Lúcia, que estava espantada, demorou pra responder.

— Lúcia. — Gaguejou.

Hortênsia sorriu.

— Lúcia, — deliciou-se com o nome da florista — você sabe o que essas flores significam, não é?

Lúcia fez um som de engasgo, contudo assentiu. Estava envergonhada ao extremo. Isso queria dizer que Hortênsia queria transar com ela? Ficou imensamente feliz.

Hortênsia piscou, colocando os óculos novamente e dessa vez realmente indo embora. Lúcia ainda paralisada, escutou o sino da porta soar.

Piscou e baixou seu olhar para o buquê nas mãos. Aspirou o perfume e voltou para trás do balcão, seu vestido se movendo junto.

Tinha um pressentimento de que orquídeas seriam suas novas flores preferidas.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!


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