Moon's Secret escrita por Marina Graziano


Capítulo 5
La Marie Carie




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/722432/chapter/5

 

 

O clima em Eden Praire estava nublado quando eu desci da viatura em frente à minha nova casa. Nuvens densas e pesadas rodeavam o céu escurecido pela promessa de chuva.
— Vem tempestade por aí. – alguém disse para o nada, enquanto passava por nós na calçada. Mas agora eu não sabia direito se ele estava se referindo ao tempo, ou ao fato de uma jovem estar descendo de uma viatura, sendo escoltada por um policial até a porta de casa.
Talvez, o que ele realmente quisesse dizer fosse algo do tipo “cheiro problemas”, ou qualquer merda que você possa pensar.
Ramirez levantou seu quepe em um aceno silencioso aos vizinhos que apareciam nas portas de suas casas, curiosos. Então olhou para mim.
— Tem certeza que se sente melhor? – perguntou, tentando encarar meus olhos. Mas o asfalto parecia mais interessante agora do que suas grossas sobrancelhas. Dei de ombros. – Se sentir o estômago ruim novamente tome um chá quente, isso sempre ajuda. – eu não precisava olhar para saber que ele sorria docemente para mim, compadecido.
— Pode deixar. Obrigada por tudo, policial Ramirez.
Agachei-me em frente ao capacho velho da porta, e tirei de lá um pequeno molho de chaves. As chaves da minha nova casa. Eu havia mandado uma mensagem para a agência imobiliária avisando que ocorreu um imprevisto – eles não precisavam saber qual – e que eu estaria aqui mais cedo. Sendo assim, eles mandaram uma de suas corretoras, a que cuidou do meu contrato, para que ela deixasse as chaves em um local de fácil acesso para mim.
— Sem problemas. Suas malas e seu carro devem chegar dentro de algumas horas com o policial Scott.
Assenti novamente, sem me esforçar muito para retribuir seus gestos bondosos. Precisava de um banho, precisava trocar de roupa e, finalmente, precisava dormir até esquecer que tudo isso aconteceu. Até que eu acreditasse que toda essa insanidade não passou de um pesadelo.
O policial Ramirez já se virava para ir embora, quando se lembrou de mais um aviso:
— Ah, sim! Amanhã virei pegá-la para que possa fazer os exames por conta de, você sabe... A torta. Esteja pronta à tarde.
Oh, por que ele não parava de mencionar a porcaria desta torta! Senti meu estômago revirar em protesto com o pensamento, e me voltei depressa para a casa atrás de mim. Era uma coisa minúscula, a casa: era branca, com detalhes marrons e um telhado inclinado. Parecia-se com um pequeno chalé de contos de fadas.
Minha nova casa estava localizada mais a norte de cidade, fazendo fronteira com uma imensa floresta de pinheiros verdes. Estava a dez minutos do centro e a vinte da escola. A vizinhança, que não parecia muito grande, era repleta de casas iguais à que eu aluguei, replicas e mais replicas do mesmo, diferenciando-se apenas pelas cores, que iam do amarelo-canário, ao azul-anil.
Esfreguei meu rosto com as palmas suadas de minhas mãos e, com uma respiração profunda, olhei para o céu nublado, apreciando a brisa gélida em minha pele quente. Mas não me demorei na varanda, era hora de entrar e conhecer minha nova casa.
O interior era simples: piso em madeira, paredes beges e cortinas claras. Os poucos móveis que o proprietário me cedeu estavam cobertos por lençóis brancos e empoeirados, feito fantasmas. Enquanto eu passava, indo em direção ao corredor que dava para os quartos, puxei alguns dos lençóis, largando-os no chão sujo. Eu precisaria limpar tudo isso antes de descansar. Mas antes, um banho.
Feito os lençóis, trilhei um caminho com minhas roupas, que terminava em frente à porta do banheiro. Não foi difícil encontrá-lo, pois havia apenas três portas no corredor escuro. Dois quartos – um era suíte –, e um bainheiro. A cozinha, pelo visto, ficava do outro lado da sala. Abri a porta do banheiro e me lancei para dentro. Evitava pensar em qualquer coisa que não fosse quantos passos faltavam para que eu alcançasse o chuveiro. Não reparei no estilo das peças de porcelana e nas bancadas de mármore escuro.
Liguei o chuveiro. Água quente esguichou para fora dos canos com um barulho sofrido, como se não pudesse esperar para ser usada novamente. E antes que o vapor quente pudesse sequer alcançar a altura dos meus tornozelos, eu mergulhei sob o jato escaldante.
Bem-vinda ao lar, Anne, eu pensei com ironia.
***
O tal policial Scott deixou meu carro e minhas malas aqui duas horas atrás, e eu pude colocar algumas roupas limpas e, finalmente, me afastar do cheiro adocicado que parecia ter se impregnado em mim desde que deixei o Hotel Slangen Reir.
Limpar a sala e a cozinha não me levou muito tempo, como eu imaginei que levaria. Encontrei alguns produtos de limpeza em um armário pequeno na cozinha e agradeci por isso, já que não tinha trazido nada comigo. Resolvi que não limparia os quartos e banheiros hoje, e por isso montei um acampamento no meio da sala de estar, que agora cheirava a pinho-selvagem ou algo do tipo.
Depois de comer a comida que encomendei por telefone eu me sentia exausta, pronta para dormir. Mas, aparentemente, meu cérebro tinha outros planos. Foi apenas encostar minha cabeça no travesseiro macio, que pensamentos turbulentos tomaram conta da minha mente com força.
Senti lágrimas escorrendo, tornando-se uma cachoeira sem fim. Eu era incapaz de impedi-las de vir.
— Mãe... Pai. – clamei entre soluços. – O que foi que aconteceu? Foi só vocês irem embora que tudo ruiu... Eu... Eu não sei o que fazer agora.
Eu estava implorando por um sinal deles de que tudo ficaria bem, eu precisava disso. Com o rosto vermelho e úmido, eu peguei no sono, com o som dos trovões e da chuva que já aguardávamos.
Naquela noite, eu sonhei com a minha mãe. Ela estava linda, como sempre esteve, mas parecia diferente, eu não sabia explicar. Contudo, não tive tempo de me agarrar nesse detalhe, pois logo ela tocou o meu cabelo em um carinho terno e me disse que tudo ficaria bem, e que eu só precisava esperar um pouco mais, antes de ter a paz que eu precisava.
Uma batida na porta me acordou. Levei alguns segundos antes de notar que o martelar na madeira não era a voz doce de minha mãe, e que, na verdade, algum idiota estava batendo na minha porta ás – chequei o relógio do meu celular – nove horas da manhã.
— Já vai. – resmunguei para a porta.
Cambaleando e murmurando, eu fui até a porta. Quando abri, a claridade do sol cegou meus olhos por alguns instantes, e quando tudo começou a clarear, consegui identificar a imagem de uma mulher loira e sorridente. Ela carregava uma grande vasilha de torta. Oh, Deus, o que mais? Em Eden Praire temos uma feira anual das tortas caseiras?
— Bom dia! – ela exclamou, aumentando seu sorriso quando me viu.
— Hum, bom dia. – eu acenei para ela com uma mão, enquanto que com a outra eu coçava meus olhos sonolentos.
— Oh, meu bem, eu te acordei? Perdão, mas é que eu estava tão animada para vir aqui e me apresentar que eu nem pensei que você ainda pudesse estar dormindo. Quer dizer eu disse a mim mesma: Beth, sua boba, vá lá e seja uma boa vizinha com essa pobre garota! Ah, a propósito eu sou Beth Marston, sua vizinha da frente.
Ok, espere aí. Ela disse tudo isso em apenas um fôlego e foi simplesmente demais para o meu cérebro de quem acabou de acordar.
— Eu, ah, eu sou Anne Moon.
— Que nome mais bonito! Você se parece com a minha filha querida, Rebecca. – ela desatou a tagarelar novamente. – E os seus pais, meu bem, onde estão? Eu gostaria de me apresentar para eles também. – ela se espichou na ponta dos pés, tentando ver alguma coisa sobre o meu ombro.
Lancei um olhar para o interior da casa escura e dei de ombros.
— Sou só eu. – isso a fez se calar, pelo menos por alguns instantes.
— Oh, mas você parece tão nova. Bom, deve ser coisa destas novas gerações, ninguém mais parece ter a idade que tem! – ela riu estridentemente, e o prato em sua mão vacilou, quase caindo. Não pude disfarçar meu desapontamento quando ela o reequilibrou em segurança. – Quantos anos têm? – me perguntou com um sorrisinho cumplice e um piscar de olhos. Sorri amarelo antes de respondê-la.
— Tenho dezessete, mas sou emancipada... Meus pais morreram, já faz quase dois anos.
Mais silêncio pairando pelo ar.
— Meus pêsames. – assinto em agradecimento. – Bem, de qualquer modo eu lhe fiz está torta como presente de boas vindas. Teria feito algo mais elaborado, mas quando perguntei para Judy, a moça da imobiliária que cuidou do aluguel da sua casa, ela me disse que você estaria chegando à tarde.
Arqueio minhas sobrancelhas em surpresa. Elas estavam fofocando sobre mim, afinal? Não precisa de muito tempo, e seu rosto começa a esquentar de vergonha. Beth olha em volta, procurando uma rota de fuga do meu olhar incisivo.
— É de amora, minha receita especial! Pegue, eu acabei de me lembrar de que tenho algo muito importante para fazer. – ela empurra a forma morna para os meus braços. – Foi um prazer te conhecer, Anne!
Aceno para ela, que corre em direção a rua, desviando de poças de chuva. O cheiro adocicado e morno da massa e do recheio chega ao meu nariz e eu quase vômito ali na porta da frente. Prendo minha respiração e corro para a cozinha, lançando a forma para a geladeira. Quando estou segura respiro fundo algumas vezes, tentando me acalmar e ao meu estômago revoltado.
— Eu me livro dela depois.
Tortas estão arruinadas para mim para sempre.

***
Arrumo-me depressa e decido que vou à loja La Marie Carie. Não há motivos para eu ficar esperando algum sinal divino, ou para ficar sentada dentro dessa casa escura enquanto me recupero do trauma. Eu vim aqui por um motivo, com um objetivo: achar meus pais biológicos; e é isso que eu vou fazer.
Já no carro, ajusto meu GPS e começo a trafegar pelas ruas da cidade, reparando no movimento e nas pessoas que caminham tranquilas pelas calçadas, entrando de loja em loja.
Não é nada extravagante, apenas mais uma cidade pequena, mas, apesar disso, alguma coisa parece rondá-la, abraçando-a silenciosamente sem que ninguém perceba, tornando-a diferente das demais cidades do subúrbio que eu já conheci. Só que eu não conseguia identificar o que era: seria o brilho rosado que tudo refletia? Ou o cheiro selvagem que emanava da floresta de pinheiros que, mais tarde eu descobri, circulava todo o território de Eden Prairie.
Virei á direita em uma rua larga e praticamente vazia e avistei um grande estacionamento abarrotado de carros. Um sinal soou ao longe, e foi quando eu percebi que estava na frente da Eden Prairie High School. Era uma construção antiga, feita de tijolos alaranjados e, acredite se quiser, havia uma torre, em cima do prédio principal, e nela, um sino.
Chequei meu relógio. Dez horas da manhã. Os alunos deveriam estar mudando de sala agora. Novamente o pensamento de me matricular na escola daqui me ocorreu. Verei como ocorrem as coisas com relação aos meus pais biológicos e então tomarei uma decisão sobre isso. Tudo no seu devido tempo.
Finalmente, eu chego à loja e aliviada noto que já está aberta. Estaciono na calçada em frente e desço do meu carro, ansiosa, nervosamente tentando lembrar o que eu deveria dizer para ela. Algo como: “Olá! Você conhece os meus pais? Eu nem sei quem eles são, mas imagino que se pareçam comigo, amém”? Eu devo estar louca.
Paro no meio do caminho, roendo a unha do meu dedo médio. O que fazer? Encaro preocupada a fachada moderna e requintada da loja La Marie Carie, sem saber o que fazer. Eu devo estar com uma espécie de “olhos loucos” agora, olhando para todas as direções, tentando decidir o que fazer.
— Ahm, droga! Por que tudo tem que ser tão complicado comigo?! – atrás de mim um carro passou veloz, e isso me tirou do meu ataque de pânico.
Com a unha na boca eu encaro mais uma vez a frente da loja. Duas vitrines grandes, uma de cada lado da porta vintage, exibiam os modelos à venda, vestidos por manequins brancos em poses estranhas. Ao lado das vitrines, treliças de ferro-forjado sustentavam algumas trepadeiras e, entre elas, eu consegui identificar alguns lírios brancos e reluzentes. Eram encantadores, por algum motivo.
— São chamados de lírios-da-paz. – disse uma voz feminina, que me arrancou, novamente, do meu estado catatônico.
— Perdão? – perguntei confusa, mudando meu olhar para a moça negra e elegante que surgiu de dentro da loja, ela carregava um regador prateado, e começou a regar as folhas com ele.
— Os lírios. O nome popular deles é lírios-da-paz. – ela explicou, remexendo concentrada nas folhas verdes das trepadeiras que circulavam os lírios brancos. – A minha tia diz que eles melhoram o equilíbrio da energia do ambiente em que estão. Sabe, afastam pensamentos negativos, má energia e essas coisas. – ela deu ombros sorrindo, como se achasse tudo aquilo besteira.
— Eles são lindos. – eu disse, estupidamente.
A moça se voltou para mim quando terminou de molhar as flores, com uma mão apoiada na cintura magra. Sorrindo brincalhona, ela apertou seus olhos claros e enrugou o nariz na minha direção, dizendo:
— A loja já está aberta, se era isso o que você estava se perguntando parada aí na frente.
Senti minhas faces esquentarem e sorri, assentindo.
— Sim, eu já estava entrando.
— Ótimo. – olhando-me mais uma vez, de cima a baixo, a mulher entrou desfilando com graça e leveza na loja, seu cabelo longo e cacheado flutuando atrás dela. Eu me arrastei atrás dela.
O interior de loja La Marie Carie poderia ser descrito com apenas uma palavra: elegância. Era claro, com paredes e moveis em tons pastéis e piso de madeira. Um suave jazz tocava dos alto-falantes, e incensos de flores permeavam o ar, tornando-o pesado e leve ao mesmo tempo.
— Então, em busca de algo especial? – ela pergunta, agora atrás do balcão.
Sim, de respostas, penso.
— Na verdade, eu gostaria de falar com a dona da loja, se for possível.
A mulher ergue uma de suas sobrancelhas bem feitas.
— Está falando da Marie?
— Imagino que sim. – eu mordo meu lábio inferior. – Eu não a conheço.
— Então o que quer com ela? – a moça pergunta com interesse.
Encolhi meus ombros.
— Assunto pessoal.
— Oh, bem. É uma pena, porque Marie é minha tia e agora ela está viajando pelo mundo com a aposentadoria dela.
— Você poderia me dar o numero dela? Eu realmente preciso falar com a sua tia, hum...
— Gisel.
—... Gisel, ok. É algo, tipo, muito importante.
— Não vou atrapalhar as férias da minha tia pra você perguntar algo, tipo, “muito importante”. – ela desdenha com uma risada, fazendo aspas no ar. Estou prestes a protestar, implorar, ou qualquer outra coisa que a faça mudar de ideia, quando ela continua. – Pelo menos não sem algo em troca. – ela arqueia suas sobrancelhas, sorrindo mais uma vez.
— Como o quê? – indago temerosa.
Gisel me observa por alguns instantes, batucando suas unhas longas, pintadas em roxo escuro, contra o balcão. Começo a me sentir incomodada, e quero reclamar, mandá-la a merda, mas então, mais uma vez, ela volta a falar, apontando com um dedo magro para a vitrine.
— Não sei se notou, mas estamos precisando de uma nova vendedora.
Olho para onde ela está apontando e, surpresa!, Mais uma maldita placa que eu notei. O que há de errado comigo e essas placas?
— A anterior se demitiu na semana passada. – engulo em seco sob seu olhar analítico. Eu nem posso imaginar porque ela fez isso. – Se candidate a vaga, eu vou ver como você vai ao serviço.
— Mas e o contato da Marie? – me desespero.
— Volte amanhã à tarde para seu primeiro dia. Tia Marie volta na próxima semana, então você poderá falar com ela pessoalmente. Estamos entendidas? – fico calada em choque, processando isso. –Você entendeu, ou não?
— Sim! Estarei aqui amanhã.
Ok, eu posso lidar com isso. Agora eu tenho um emprego. O sangue em minhas veias aqueceu junto com o relicário quando percebi que poderia ter minhas respostas. Contive um sorriso enquanto planejava o que faria agora. Teria que fazer minha matrícula na escola, precisaria comprar comida e várias outras coisas para a minha casa. Estou tão empolgada!
Estou prestes a correr para fora em puro êxtase, quando Gisel me chama de volta para a Terra.
— Ah, e não coloque mais este colar embaixo da sua roupa enquanto estiver aqui. Minha tia ficaria desapontada se uma dessas belezinhas tivesse que ficar escondida do mundo como você está fazendo.
— O-o meu relicário? Mas porque ela ficaria chateada? – pergunto, arrancando-o para fora da minha camiseta branca. Ele esquentou na palma da minha mão fria.
Gisel estala sua língua em desgosto, fazendo um sinal com a mão para que eu me aproxime do balcão. Ela agarra o relicário vigilante da minha mão e o analisa com cuidado, girando-o entre seus dedos.
— Oras, isso porque foi ela quem fez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Moon's Secret" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.