Black and Blue III - I'm In Here escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 1
I'm in here


Notas iniciais do capítulo

Link da música que praticamente casou com o que eu tinha em mente:
https://www.youtube.com/watch?v=jpBEHa1UkyU

Ansiosamente esperando que gostem!



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I'm in here, can anybody see me?

Can anybody help?

I'm in here, a prisoner of history

Can anybody help?

Via as fatias de tomate se formar automaticamente enquanto manuseava a faca com uma impaciência que não lhe era característica. Com um olhar de relance para a janela à sua frente, pôde perceber que, por trás dos prédios de variadas dimensões, o sol já se punha deprimentemente injustiçado pelas nuvens pesadas de chuva que insistiam em constantemente ofuscá-lo. 

Era um dia completamente normal. Se aguçasse os ouvidos e fizesse um esforço para prestar atenção, conseguia distinguir o ruído do vizinho ao lado chegando após um dia exaustivo de trabalho, subindo lentamente às escadas e tirando as chaves – penduradas em um chaveiro escandaloso – do bolso, enquanto a vizinha do apartamento de cima adentrava sua casa a passos apressados para sair não mais do que exatos trinta minutos depois, também apressadamente. 

Porém, as palavras de Malfoy ainda não lhe haviam saído da cabeça. Não acreditava que, por um momento, realmente esteve certa de que ele lhe ajudaria, como havia dito. Não sabia suas intenções com tudo aquilo e não estava interessada em descobri-las. Ele ainda lhe era um mistério e deveria seguir sua vida sem sua ajuda, como deveria ter sido desde o início.

Com um suspiro resignado, soltou a faca que utilizava para cortar os legumes do jantar com mais força do que era realmente necessário, percebendo que suas mãos tremiam quando as levou ao rosto para enxugar uma gota insistente de suor que insistia em escorrer por sua têmpora. O clima parecia esquentar a cada dia mais, tomando conta do verão como uma erva daninha irremediável, que só fazia para irritá-la.

Lavou as mãos e fechou as cortinas da janela da cozinha, desistindo por hora do jantar que propusera a si mesma fazer, visto que, excepcionalmente, saíra mais cedo do Ministério. Não estava com fome, mas estressada, principalmente, pelo volume de trabalho que parecera aumentar nas últimas semanas e, além disso, a incompetência daqueles que a cercavam. Queria apenas dormir ininterruptamente até o dia seguinte.

Todavia, não conseguia nem mesmo isso. O anúncio de Malfoy de que iria embora para Moscou a arruinara psicologicamente nos últimos dois dias. Não conseguira sequer pegar no sono e tudo e todos pareciam chateá-la de propósito. Assim, respirando fundo, voltou-se à tábua de legumes, determinada a agir como uma pessoa normal e sã, mas assustou-se, tendo o coração na boca, ao ver a figura do elfo baixo e orelhudo lhe encarando inexpressivamente com seus grandes olhos castanhos.

— Você não é Roxy. – Afirmou semicerrando os olhos, constatando sem surpresa que a única família com que mantinha algum contato e ainda possuía elfos era os Malfoy.

— Os outros me chamam de Filka. Filka foi mandado pelo Mestre Malfoy para entregar a caixa em mãos a Srta. Granger. – Ele a analisou meticulosamente, deixando-a notar que se tratava de um elfo mais velho e mais experiente, até mesmo pela curva que a espinha fazia, tornando-o quase corcunda. – É a Srta. Granger?

Suspirando, estendeu a mãos após confirmar sua identidade. Porém, antes que pudesse fazer qualquer pergunta sobre o mestre de Filka, este desapareceu em um estalar de dedos e só restou a Hermione a caixa de porte pequeno e extremamente negra com entalhes prateados na tampa e nas laterais. Tinha um aspecto antigo e tão tradicionalista quanto tudo que vinha dos Malfoy e Hermione questionou-se por um momento se deveria abrir.

Não estava certa se queria um presente vindo de Malfoy.

Can you hear my call?

Are you coming to get me now?

I've been waiting for

You to come rescue me

I need you to hold

All of the sadness

I can not live with inside of me

De braços cruzados, encarava a paisagem ser deixada para trás em uma incrível velocidade. Os arbustos e árvores verdes e alegres em um contraste com a moça de cachos castanhos da cabine 064, sentada com semblante sério e sem bagagem alguma, exceto por uma caixa pequena de madeira disposta no banco ao seu lado. Não havia cedido um lugar a ninguém dentro de seu compartimento, não deixaria qualquer estranho se aproximar, ainda que trouxa e apesar de ter sua varinha bem guardada, mas ao alcance, dentro da bolsa feminina ao seu lado.

Com um olhar resignado, encarou a caixa logo a seu lado, como se abominasse algo vindo de Draco Malfoy depois de tudo. Realmente não queria o objeto que era seu conteúdo e exatamente por isso fazia questão de desfazer-se dele da forma correta. De outra maneira, tinha certeza que acabaria cedendo. À Malfoy. Ao papel que ele havia tomado em sua vida. À insanidade que sentia beirar sua mente nos últimos dias.

Uma funcionária da companhia, muito parecida com a senhora que vendia doces no Expresso de Hogwarts, bateu à porta oferecendo seus produtos, mas, sem fome como andava, dispensou. Não comia direito ou fazia qualquer atividade de forma satisfatória. Consequentemente, não se sentia contente consigo mesma, o que arruinava seus dias de forma permanente. 

Agora, entretanto, não podia responsabilizar apenas Fenrir Greyback. Carregaria consigo para sempre as lembranças da monstruosidade que fizera com ela, da forma como o lobo tinha apreciado tomá-la a força, rindo e debochando de Hermione por uma estúpida vingança que não merecia, deixando sua maca nela.

Dentro dela

Com um arrepio desgostoso, voltou-se à janela, considerando o outro culpado por seu recente fracasso. Confiar que Malfoy pudesse ajudá-la fora um erro. Devia ter aprendido a lição há anos, quando em Hogwarts, ele não mudara tanto desde então. Era típico de sua personalidade covarde que lhe tivesse dado às costas, fugindo, quando mais precisava. Assim, revirou os olhos, buscando a varinha dentro da bolsa e fechando a janela em um suspiro, tornando a cabine alguns tons mais escuros sem a iluminação natural do dia de verão. Com sorte, quando chegasse a seu destino, a noite já teria caído e o clima poderia estar mais arejado.

Poderia ter cochilado, porém, tudo que conseguiu fazer foi encarar o teto da cabine e sentir o movimento do trem balançando-se embaixo de si. Conseguia ouvir o ruído característico da máquina, levando-a a recordar as inúmeras viagens que fizera pelo Expresso de Hogwarts e todas as memórias que envolviam a ida à Escola de Magia, tantos anos atrás. Lembrou-se com facilidade das risadas, das brincadeiras de seus amigos e até mesmo dos conflitos entre os estudantes de casas diferentes. Tudo parecia muito distante agora, como se houvesse acontecido com uma pessoa completamente diferente.

Contrariando sua mente depressiva e pessimista, entretanto, afastou tais pensamentos com dificuldade e não demorou a sentir a velocidade do trem diminuindo gradativamente ao se aproximar da estação. Hermione levantou-se para sair, ajeitando a bolsa ao redor do ombro e trazendo a caixa junto ao peito. Sentindo-se ofegar ansiosamente, ouviu uma voz profissional na Estação avisar onde estava, onde nunca imaginou pisar novamente depois de todas as terríveis recordações a que o local lhe remetia.

Condado de Wiltshire.

I'm in here, I'm trying to tell you something

Can anybody help?

I'm in here, I'm calling out but you can't hear

Can anybody help?

Os conhecidos portões de ferro escuro e retorcido da Mansão Malfoy tornaram-se visíveis ao virar a esquina da rua estreita que a levaria até eles. Rodeada por sebes altas e bem cuidadas, Hermione sentiu-se tremer assombrosamente quando levou uma das mãos a fechadura antiga e molhada devido a recente tempestade que desabara na região.

O símbolo da tradicional família, esmerado e pomposamente confeccionado dos dois lados do portão pareciam pesar tonelada enquanto Hermione o empurrava para abrir, ouvindo-o ranger fantasmagoricamente da forma como o fizera na noite em que foi capturada e levada àquele lugar por apoiadores de Voldemort.

Respirou fundo ao adentrar efetivamente o terreno e assustou-se ao ouvir o ruído do portão fechando-se magicamente atrás de si. Seu coração batia rápido e podia ver ao longe, no fim do caminho reto, a alta silhueta da suntuosa casa com torres pontiagudas. Parecia-lhe tão ameaçadora quanto fora outrora.

Entretanto, apertou a caixa contra o peito e corajosamente percorreu o caminho em direção a Mansão. Ouviu o som de água corrente por perto, mas não se sentiu curiosa para saber do que se tratava, apesar de ponderar a possibilidade de ser alguma fonte ostentosa ou lago, ou até mesmo um riacho, se considerasse que a extensão do terreno fosse grande.

Uma curta escada a levava a uma varanda estreita pelas proporções da casa, mas diretamente a uma alta porta de carvalho maciço e escuro. Sentiu-se engolida pelas sombras devido à falta de iluminação ali, mas logo viu a campainha reluzir em dourado ao lado da porta e não hesitou a apertar, apesar de ver-se tremendo quase dos pés a cabeça.

Em resposta imediata, viu a porta abrir-se silenciosamente sem que ninguém estivesse do outro lado. O hall de pedra clara era tão mal iluminado quanto o lado de fora, mas não demorou a que uma porta com maçaneta de bronze ao lado esquerdo fosse aberta e surgisse a figura de Narcissa Malfoy.

Em um longo vestido escuro, a mulher aparentava rugas ao redor dos olhos e da boca, principalmente, devido à idade, embora os cabelos continuassem tão loiros e brilhantes quanto os de Draco. Os olhos claros da mulher, quase semicerrados, a avaliaram dos pés a cabeça de forma crítica. Não sabia o que ela esperava encontrar, mas certamente sua surpresa não se devia à sua presença naquela casa, mas ao fato de ter se disposto a ir lá depois de tudo que aconteceu entre aquelas paredes.

— Não desvie Draco de seu caminho. – Sua voz foi suave, mas tão ameaçadora quanto à senhora gostaria quando resolveu falar. – Você já fez o suficiente.

— Não sei do que está falando.

Sua resposta foi defensiva, embora quisesse saber sobre o que a mulher se referia. Entretanto, antes que ela pudesse abrir a boca para perguntar e Narcissa para responder ou tentar ofendê-la, o tom surpreso de Draco se fez presente do topo da grande escada de pedra com interseções opostas ao fim.   

— Granger? O que está fazendo aqui?

Malfoy estava surpreso por sua presença. Hermione era um contraste a toda a magnificência que a Mansão ostentava, podia sentir isso na própria pele. Ao contrário, Draco, em seu terno caro e bem recortado terno negro encaixava-se perfeitamente. Estava acostumada a vê-lo daquela maneira, mas sob as paredes de sua Mansão, as roupas pareciam acentuar ainda mais a aristocracia e nobreza presentes em suas feições.

Apesar disso, porém, Hermione não hesitou em subir até onde estava, dando às costas a Narcissa sem cerimônia alguma, mantendo-se dois degraus abaixo, mas encarando-o tão firmemente quanto sempre o fez.  

— Não preciso de seu consolo ordinário. – Enfiou a caixa nas mãos dele, que a pegou sem entender. – Se não pode lidar comigo, não tente se fazer presente com seus bens materiais inúteis. É mais insensível do que se não houvesse feito nada! Ao menos assim nossas relações estariam realmente cortadas!

Fez menção de virar-lhe as costas para ir embora, mas Malfoy agarrou seu pulso impedindo-a. Viu Narcissa levantar quase imperceptivelmente uma sobrancelha enquanto cruzava os braços, observando-os. Não desvie Draco de seu caminho, ela disse, mas Hermione não tinha ideia de como poderia fazer isso ou, como a mulher imaginava, como estava fazendo isso.

Suspirando, Hermione voltou-se a ele. Draco parecia analisar cada pedacinho de seu rosto para entender o motivo de estar devolvendo a chave da casa em Stratford-upon-Avon. Não sabia o que ele tinha em mente quando resolveu lhe dar a chave do local, a qual estava dentro da cerimoniosa caixinha que o mesmo agora segurava, como se estivesse sugerindo que era seu agora.

— Estou lhe dando a casa para que tenha um lugar aonde ir. – Elaborou lentamente e em tom baixo. – Quando sentir que precisa deixar de lado tudo que a faz lembrar o que aconteceu.

Ele não parecia incomodado por tê-la tão próxima, notou Hermione observando o modo como os dedos finos e claros se fechavam ao redor de seu pulso, sem imprimir força, enquanto que, em outras ocasiões, sua preferência pela distância podia ser claramente percebida. As intenções eram boas, teve de admitir resignadamente, estava errada sobre ele ao menos em um aspecto – o que lhe mostrava que não era tão fútil quanto pensava – apesar estar convicta de sua covardia.

Todavia.

— Eu não ia pela casa, Malfoy.

Era a companhia. A única pessoa que sabia do ocorrido, aquele com quem não precisava justificar-se a todo o instante. Mas deixou subentendido em seu murmúrio engasgado. Sentindo a garganta fechar-se doloridamente. Sem coragem de encará-lo, viu as próprias mãos tremerem em ansiedade. Draco provavelmente também notou, correndo a mão por seu braço até chegar à sua, apertando-a delicadamente, quase massageando seus dedos, como se tivesse a intenção de fazer cessar o estremecimento desnecessário.

— A magia que usa para esconder as marcas emana de seu corpo como um alarme. – Ele apertou sua mão novamente. – É por isso que seus dedos estão trêmulos assim. Está há tempo demais sob ela.

— É um mal necessário.

Sabia que, em parte, o feitiço já estava começando a levar alguns efeitos colaterais a seu corpo. Mas estava disposta a conviver com tais consequências, desde que não precisasse encarar-se no espelho todos os dias e deparar-se com as malditas cicatrizes deixadas propositalmente em seu corpo por Fenrir Greyback.

— Tem certeza?     

Então, inesperadamente Malfoy entrelaçou seus dedos e a puxou, começando a subir as escadas e levando-a junto, ainda segurando a caixa com a chave da casa de Stratford-upon-Avon em uma das mãos. Com um último olhar ao hall de entrada, pôde ver Narcissa Malfoy e seus olhos de águia julgando-a silenciosamente e, provavelmente, maquinando uma maneira de tirá-la de perto de Draco o mais rápido possível. Não sabia se pelo seu sangue, se pela falta de status social, se pelos planos diferentes que tinha para o único filho. Não importava.

Supostamente, todas as alternativas deveriam mantê-la longe.  

Can you hear my call?

Are you coming to get me now?

I've been waiting for

You to come rescue me

I need you to hold

All of the sadness

I can not live with inside of me

Opulente, o quarto de Malfoy seguia a mesma linha de grandeza que o resto de sua Mansão. Uma enorme cama de madeira maciça com dosséis ficava disposta de frente à janela, onde as cortinas grossas caíam até o chão em preto e verde escuro, os quais seguiam a mesma linha do enxoval da cama.

Vários tapetes em tons terrosos, próximos ao marrom, estavam espalhados pelo lugar, assim como perante a lareira - provavelmente arquitetada para aparatação - onde deveriam caber três pessoas de pé. Adjunto a mesma, um conjunto de dois sofás grandes de couro negro, que combinavam perfeitamente com duas poltronas confortáveis em um marrom avermelhado, ladeadas por uma pequena mesa redonda, a qual, por sua vez, era encimada por um abajur formavam um ambiente, tornando o cômodo mais aconchegante.

Além disso, sob um quadro que representava uma versão infantil de Draco com seus pais, ficava um aparador que concentrava variados tipos de bebida, assim como os copos e taças apropriados para bebê-las, e um recipiente de vidro contendo o que parecia ser chocolate. Uma escrivaninha repleta de documentos e livros milimetricamente organizados ficava perante a outra grande janela, onde era possível ler e escrever com luz natural de dia, juntamente com outra cadeira acolchoada.

Exatamente tudo remetia à pompa e tradição que seus donos gostavam de evidenciar. Porém, um pequeno detalhe quebrava toda aquela suntuosidade, arquitetada de forma tão detalhista e bastante supérflua. Junto à porta de madeira de duas folhas que levava a um extenso corredor repleto de quadros de seus antepassados, estavam amontoadas as malas que Draco deveria despachar ao Ministério naquela mesma noite. Não eram poucas, constatou aborrecidamente, o que significava que estava planejando ficar por tempo indeterminado ou que se tratava de uma mudança permanente.

— Não pode continuar escondendo-se de si mesma, recusando-se a encarar-se, como se seu corpo fosse algo repugnante.   

Ele declarou seriamente, pouco lembrando o menino que a encarou por tanto tempo sustentando feições de asco, encaminhando-a ao closet espaçoso iluminado por um grande lustre. Um espelho que ia do chão ao teto fora projetado junto a uma entrada sem porta que levava efetivamente ao banheiro e, quando Hermione viu-se refletida lá, ainda que de forma rápida, voltou-se imediatamente a figura de Malfoy atrás de si.

Com a proteção do feitiço estava impedida de ver as marcas, sequer sabia por onde as mesmas estavam espalhadas, pois a dor física efetivamente havia passado. Entretanto, cada vez que acidentalmente escorria os olhos em direção a seu pescoço e a curva de seus seios e pernas, lembrava-se da forma como Greyback os havia tocado. Sujo e asqueroso. Sem cuidado. Intuindo machucá-la.

Ainda sentia a língua dele sobre sua pele e, com especificidade, o fedor de seu hálito de lobo. Quando seus pensamentos angustiados eram dominados por ele, encontrava o banheiro mais próximo e eliminava tudo que tinha no estômago, ainda que não houvesse muito. Queria que as recordações pudessem ir embora com a descarga, como acontecia a seu vômito. Mas era impossível, pareciam entranhadas em sua mente e corpo. E sua vontade, inútil e infantil.

Malfoy a segurou pelos braços, impedindo-a de deixar o closet, e Hermione finalmente deixou as lágrimas que segurava escorrerem livremente por seu rosto. Não estava pronta e não iria estar por muito tempo, estava convicta. Lidaria sozinha com seu corpo e as marcas, visíveis e invisíveis que Greyback deixara. Se não conseguia encarar a si mesma, como deixar que outro alguém o fizesse?

— Por favor, não! Draco, eu não quero, não estou preparada! – Ela soluçou e negou, sentindo seu tom mais alto e desesperado. – Por favor, Draco, não... Não me obrigue!

Todavia, ele não fez mais do que mantê-la parada no lugar enquanto Hermione chorava desmedidamente à sua frente.      

— Não posso ir embora e deixá-la assim, Granger. – Enxugou algumas das muitas lágrimas de seu rosto, mas foi quase inútil, visto que ela não parava de derramá-las. – Está permitindo que Greyback alcance seu objetivo. Ele está conseguindo que se sinta suja e indigna, providenciando que aquele infeliz acontecimento defina quem é pelo resto de sua vida. A cada vez que renuncia encarar seu próprio corpo, a vingança de Greyback torna-se mais e mais sólida. Então, chegará o dia em que isso se tornará insuportável, em que essa... Recusa de conviver com si mesma será intolerável. Nesse dia, Greyback terá ganhado.

Hermione estremeceu em prantos, consciente de que Malfoy referia-se ao dia em que as lembranças seriam fortes e presentes demais, impossíveis de lidar e controlar; ao dia em que estaria tão farta de ter tais memórias tão constantemente em sua mente que utilizaria a própria varinha contra si mesma ou qualquer outro objeto com que pudesse se ferir.

— Eu não consigo... Essas marcas e as lembranças a que elas remetem... – Ela ofegou e sentiu novamente os dedos finos em seu rosto, livrando-a superficialmente das lágrimas.

— Eu sei. – O tom suave e quase gentil em sua voz era surpreendentemente persuasivo, notou. – Elas não falam sobre você, mas sobre quem as fez. Tornar-se forte é encará-las e reconhecer isso.

— Me lembram a todo instante quem eu sou agora. – Objetou quase num sussurro.

— Não. Dizem a respeito do que passou, do deve ficar para trás. – Ela fungou e evitou mais uma onda de lágrimas.

— Apenas pode ser deixado no passado aquilo que não nos significa mais nada. – Engoliu em seco. – E essas marcas, Malfoy... Elas estão tão presentes em mim que me sinto... Miserável! Um ser desprezível que se permitiu ser tocado por um homem asqueroso e nojento como Greyback!

Sentiu Malfoy soltar seus braços, mas apenas para abraçá-la e tentar aplacar os estremecimentos e os soluços do choro compulsivo. Até então, haviam sido poucas às vezes em que se deixara chorar daquela maneira depois do que lhe havia ocorrido e não se sentia constrangida por fazê-lo frente à Draco. Depois de tudo, ele demonstrava mais uma vez por que haviam se envolvido daquela forma estranhamente questionável.

Ainda assim, contudo, estava indo embora.

I'm crying out

I'm breaking down

I am fearing it all

Stuck inside these walls

Tell me there is hope for me

Is anybody out there listening?

Hermione não soube por quanto tempo ficou abraçada a Draco. Estava consciente, entretanto, que era confortável. Tinha a cabeça descansada em seu peito, assim como o peso de todo o seu corpo contra o dele. O perfume amadeirado e característico que já conhecia, surpreendentemente, havia passado a representar segurança quando até mesmo seu próprio reflexo a assustava.

 Não sabia para que horas a Chave de Portal estava marcada no Ministério da Magia e a cada vez que lembrava-se disso uma dor quase sufocante a atingia, fazendo-a instintivamente apertá-lo um pouco mais contra si. Era uma despedida. Uma vez ou outra, uma lágrima esporádica escapava de seu olho, escorrendo pelas bochechas até se perder na manga do terno dele. Não fazia questão de secá-la. Ou afastar-se.

No entanto, em algum momento, teria de fazê-lo e chegou mais rápido do que Hermione previu. Por algum motivo, ainda que com suas recusas, Draco ainda estava decidido a fazê-la cutucar as próprias feridas, embora não fosse estar presente para fechá-las novamente.

— Granger, confie em mim. – Ele pediu em um sussurro junto a seu ouvido. Apertou os olhos, encolhendo-se. Não era a confiança que estava em questão, mas seu pedido, sua convicção de que, se Hermione encarasse as cicatrizes, conseguiria deixá-las no passado. – Granger, você precisa seguir em frente.

— Você tem certeza de que funciona? – Perguntou, como uma criança assustada.

Hermione ainda demorou minutos incontáveis para se afastar após Draco confirmar com convicção. Queria prolongar o quanto pudesse o contato por que, depois daquilo, seria o fim. Cada um seguiria seu caminho, ambos sozinhos. Ela não sabia como ele se sentia em relação a isso, mas sobre si: continuaria quebrada.

Então, lenta e resignadamente, começou a se separar. Tinha consciência de que seu rosto deveria estar vermelho e inchado, da mesma forma que seus olhos, mas não se importou. Há semanas, Malfoy a encarava daquela mesma deprimida maneira. Deplorável. Crua. Ferida, externa e internamente.

Surpreendendo-a, a primeira coisa que ele fez foi abaixar-se até seus pés e começar a retirar suas botas baixas e meias de forma manual. Sem pressa. Ele poderia muito bem ter usado um feitiço para desnudá-la, mas provavelmente os considerou invasivos a abruptos demais. Organizadamente, colocou ambas alinhadas perto do local onde ficavam seus próprios sapatos.

Posteriormente, retirou-lhe o casaco leve, jogando-o sobre o pufe que adornava o centro do cômodo. Então, com um olhar que lhe pedia permissão para continuar, começou a desabotoar cada um dos botões de sua blusa fina de verão depois de concedida. Hermione sentiu o coração disparar em um misto de medo e ansiedade ao ver-se parcialmente nua da cintura para cima. Apertou os pulsos e mordeu os lábios, sentindo a tensão em cada músculo de seu corpo.

— Acalme-se.

Ele correu os dedos por seus pulsos, até encaixar suas mãos nas dele, abrindo-as e relaxando-as, ao menos minimamente, enquanto acariciava suas palmas de forma paciente. Quase podia ouvir seu coração batendo descontroladamente contra seu peito. Então, quando julgou que estava mais calma, soltou-a e levou as mãos ao botão de sua calça. Todavia, nesse momento contraiu-se completamente apertando os antebraços masculinos, o impedido de continuar o quase ritual que estava empenhando ali.

Não o encavara. Sua respiração encontrava-se ofegante e o corpo trêmulo, inseguro. O contato dos dedos dele contra a pele nua de sua barriga, ainda que brandamente, levavam-na a lembrar-se de Greyback e da forma rude com que a tocara. Conscientemente, sabia que era Draco, mas, de qualquer forma, era a primeira vez que dedos alheios se aproximavam tão intimamente desde o acontecido.

— Hermione, olhe para mim. – Ele pediu calmamente e ainda engoliu em seco antes de encarar seus olhos cinzentos, quase azuis. – Eu não vou lhe machucar.          

Apesar da tranquilidade, ele mantinha-se sério, como se entendesse a importância daquele momento para ela e a dificuldade enfrentada. Viu sinceridade estampada ali, como nunca antes o fez, e respirou fundo antes de soltar-lhe os braços, onde fincava a unha sobre o tecido grosso do terno, e indicar que poderia continuar.

— Tudo bem.

Assim, de forma pacientemente, ele desabotoou a calça jeans que vestia e começou a deslizá-la por suas pernas, nunca deixando de encará-la firmemente, passando-lhe confiança, demonstrando que não tinha nenhum interesse lascivo sobre seu corpo naquele momento. Ainda apoiou-se em seus ombros para fazer a peça passar por seus pés e cruzou os braços em uma tentativa de cobrir-se ao notar-se somente em roupas íntimas enquanto Draco guardava sua calça.

Vagarosamente, ele a segurou pelos ombros, virando seu corpo em direção ao grande espelho do closet, mas Hermione ainda encarava o chão, remexendo os dedos de forma insegura, sentindo a textura do tapete fofo sob seus pés. De forma inesperada, a ponta da varinha deslizou fria pela linha de sua coluna e não demorou a que gozasse o efeito do contrafeitiço de Draco, como se estivesse desanuviando seu corpo sobrecarregado por semanas. A leve sensação de dormência que a acometia a todo o instante também se foi sem vestígios de que um dia esteve ali, assim como o formigamento que experimentava em algumas partes do corpo quando o feitiço se encontrava instável por suas emoções.

— Olhe a si mesma.

Draco orientou em tom baixo, mas ainda demorou a que ela tomasse coragem para começar a encarar seu próprio corpo. Tinha medo do que poderia encontrar, medo de que ele houvesse feito algo que pudesse ser permanente, além daquela feia cicatriz no rosto da qual ainda se lembrava, algo que não percebeu antes ou que só fosse aparecer depois de algum tempo.

Dessa forma, engolindo a angústia que a acometia, começou a subir lentamente os olhos. Primeiramente os pés, depois as panturrilhas e as coxas e, então, espantou-se. Nestas últimas, que foram tão marcadas e arroxeadas de forma violenta pelas mãos de Greyback, não havia mais nada. Depois de duas semanas, era impossível encontrar algo a olho nu.

Aliviou-se momentaneamente, mas então...  

Os olhos subiram para a barriga clara e Hermione descruzou os braços para enxergar o que ainda poderia restar de recordações físicas em seu colo coberto pelo sutiã branco. Havia sido mordida e chupada à força naquela região, assim como no pescoço. Tinha em mente como uma fotografia as manchas vermelhas e arroxeadas que o estuprador deixara ali, mas agora os vestígios eram rosados e claros, significando que desapareceriam completamente dentro de poucos dias.

Quando, finalmente, alcançou o rosto, constatou como estava diferente e não apenas pelas três cicatrizes paralelas deixadas pelas unhas de Greyback. Seu rosto estava mesmo vermelho e inchado, mas aparentava fadiga e um cansaço mundano que não era saudável ou normal, além de estar visivelmente mais magra. Em relação às marcas deixadas por Greyback em seu ato, contudo, poderia considerar-se senão melhor, mas menos irrequieta, pois imaginava que seu corpo ainda demonstrasse tão nitidamente o que lhe ocorrera, da mesma forma que fizera outrora.

— Tenho uma poção para cicatrizes. – Comentou Draco encarando seus olhos pelo espelho. – Com o uso duas vezes ao dia, desaparecerá em uma semana.

Hermione ainda continuou admirando o próprio corpo por um tempo, imaginando o prazer de Greyback em machucá-la daquela forma, considerando que demoraria tempos até estar preparada para ter um contato íntimo com outra pessoa, visto que conseguia retrair-se até mesmo ao toque de Draco, quase imperceptível, que não demonstrava ter tal intenção.

Quis chorar. Pelas lembranças. Pelas sequelas deixadas por um ato tão vil. Não saía na rua sem medo, não mantinha suas relações sociais de forma normal e satisfatória, sua carreira demonstrava-se arruinada por sua falta de vontade, um relacionamento amoroso estava fora de questão. As pessoas não deveriam fazer do mundo um lugar tão cruel para se viver.

Ofegou, os olhos cheios de lágrimas e o nariz comichando. Todavia, não se permitiu chorar novamente. Não estaria perfeitamente bem no dia seguinte, nem em alguns dias. Tinha a impressão de que sempre seria atormentada por aquilo. Porém, era um primeiro e quase ínfimo passo. Assim, virou-se para Draco, mordendo os lábios. Ele mantinha os olhos no chão e as mãos no bolso, como se não quisesse invadir seu espaço ou estivesse evitando encarar sua nudez parcial para não deixá-la constrangida.

— Obrigado.

Por cuidar de Hermione, entendê-la. Com esforço e paciência. Gastando tempo e noites insones. Compartilhando vinho, uísque, conhaque ou nada, além do silêncio. Mas tudo isso acabaria. Ambos tinham consciência.

Então, pela primeira vez na noite, não foram sinceros em seus sorrisos fabricados.

Can you hear my call?

Are you coming to get me now?

I've been waiting for

You to come rescue me

I need you to hold

All of the sadness

I can not live with inside of me

 Seu cheiro estava em todo lugar.

Impregnado em sua roupa e na capa de chuva que lhe cedera ao constatar que chovia forte do lado de fora da Mansão Malfoy quando decidiu ir embora. Em algum momento ligara a TV em volume baixo e deitara no sofá, encarando as imagens aleatórias sem realmente prestar atenção. Quem lhe perguntasse o que assistia, descobriria facilmente. Mas não havia ninguém para perguntar.

Piscou lentamente, aconchegando-se melhor na capa de chuva grande e confortável de Draco, lembrando-se sem dar muita importância da abordagem de Narcissa Malfoy quando já estava para alcançar à porta de saída da Mansão sem muito alarde. Novamente, ela vinha com insinuações que Hermione não sabia de onde tirava.

“Vejo a forma como o olha, Granger.”

“Não alimente esse tipo de esperança em relação à Draco.”

“Ele irá levar Astoria para Moscou.”

Hermione não sabia se encarava Draco de alguma forma especial, apenas tinha em mente que ele se tornara alguém indispensável em pouco tempo devido a circunstâncias que estiveram totalmente fora de seu controle. Entretanto, ele estava deliberadamente seguindo um caminho em que não precisaria carregar essa alcunha. Surpreendentemente, o entendia. Nutrir algum tipo de responsabilidade sobre Hermione, em seu atual estado, era um fardo pesado que não desejava a ninguém.

Encarou a pequena caixa fechada que carregava a chave da casa de Stratford-upon-Avon sobre a mesinha de centro. Ele fizera questão que a levasse. Não era um consolo ordinário, frisou. Sabia que ele queria a utilizasse ou até mesmo se mudasse, caso fosse sua vontade, mas não tinha a mínima vontade de voltar lá. Não sem Draco lá. Não sem esperar que, em algum momento, ele fosse aparecer.

Suspirou desanimadamente e ouviu um pio de coruja quando uma delas adentrou o apartamento através da pequena janela da cozinha. Era um convite de Harry para jantar em sua casa no dia seguinte. Tentava seguir normalmente com suas amizades, mas era difícil e doloroso quando se sentia completamente quebrada por dentro.

Assim, apenas descartou o pedaço de pergaminho sobre uma escrivaninha e voltou a deitar-se enrolada na capa de Malfoy. Em algum momento, contudo, rendeu-se ao sono. Fazia isso com frequência devido à insônia que sempre a estava espreitando: ligava a TV e simplesmente esperava que seus olhos ficassem pesados o suficiente para dormir, sem importar-se em voltar para a cama.

Entretanto, acordou de forma abrupta quando o ruído irritante da campainha soou três vezes seguidas, como se uma não fosse o suficiente para acordar alguém com dificuldades para dormir no meio da madrugada. Prendeu os cabelos em um coque na tentativa de domá-los e desligou a TV com um revirar de olhos ao perceber que um filme adulto estava sendo transmitido.

Dessa forma, encaminhou-se à porta de varinha em mãos e identificou com surpresa o visitante pelo “olho mágico”, escancarando a porta sem pensar duas vezes e encarando Draco, o qual antes lhe parecia distraído olhando tudo ao redor, mas agora se voltava a ela com suas feições costumeiramente controladas e as mãos às costas. 

— Sua Chave de Portal sairia há... – Olhou o relógio pendurado a uma das paredes. – Quatro horas.

— Eu sei. – Deu espaço para que ele calmamente adentrasse o apartamento e pôde perceber que demorou seu olhar sobre o sofá com sua capa completamente amassada, claramente por alguém que a estava usando para dormir.  – A mudei para um horário mais propício.

— O que está fazendo aqui, Draco?

Com um suspiro, ele encostou-se à coluna que separava a cozinha da sala, encarando-a firmemente. Fingindo que aquela capa, amassada daquela maneira, significava nada, apenas desfez-se da varinha em cômodo qualquer e aproximou-se cruzando os braços, curiosa.

— Se algo lhe acontecer enquanto não estiver aqui, não irei me perdoar.

Ele já havia criado responsabilidades sobre ela. Apenas estava tentando fugir delas, mas provavelmente sentia-se incapaz de fazê-los sem que Hermione o liberasse delas. Como em uma promessa tácita. Sorriu minimamente, embora triste, pois não seria vadia a ponto de deixá-lo eternamente preso a ela por um problema que não deveria ter sido dele em momento algum.

— Se algo me acontecer enquanto não estiver aqui, não será culpa sua. Eu estou lhe absolvendo.

Draco sorriu discretamente, quase imperceptivelmente devido à semiescuridão que tomava seu apartamento, por seu tom petulante. Era difícil vê-lo sorrir. Todavia, quando falou estava sério novamente.

— Não quero sua absolvição neste caso. Então, para não termos que considerar essa possibilidade, tenho uma solução.

— Que seria?

Levantou uma sobrancelha descrente pela dispensa desdenhosa, tão característica de Draco, mas quando ele continuou de forma tão direta seu coração falhou uma batida.

— Venha comigo para Moscou.

I'm in here, can anybody see me?

Can anybody help?


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Notas finais do capítulo

Oi, migos e migas!!

Finalmente, depois de meses (eu acho), a terceira parte do Projeto!
Tenho que dizer que esperava ter escrito e postado muito antes. Entretanto, porém, todavia, eu sabia o que queria, mas não como colocar em palavras, além de não ter decidido a música. Mas encontrei I'm in here que pareceu cair como uma luva. O que acharam da escolha?

Espero muuuuuito que tenham gostado da evolução nessa parte, galera!

Alguém percebeu Draco sendo covarde EM sua covardia? e.e Acharam que ele foi radical demais em fazê-la encarar seus problemas de frente ou era necessário para fazer com que ela desse um passo à frente, pois do contrário cairia em uma acomodação que não lhe seria nada saudável.

ENFIM, vemos um pouco mais de Draco e seu mundo aqui, mas estou pensando seriamente em me aprofundar muito mais nele na próxima! Talvez uma parte da história sendo por seu ponto de vista, não sei... ^^

Gente, obrigadaço pelos comentários na segunda parte, mas espero muito vê-los aqui novamente, inclusive aqueles que descobriram a fic agora!! É muito importante para a continuação saber se vocês tem interesse ou não :D

Então, até a próxima! o/