Vazio escrita por Queen of Disaster


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Só queria deixar claro que não estou incitando o suicídio em momento algum. Só estou retratando alguns sentimentos e pensamentos que tenho as vezes.

Enjoy



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Paula sentou na sacada do seu apartamento no 13º andar. Os pensamentos ainda numa mistura de dúvidas, confusão e medos mas seus olhos já pareciam vazios, distantes e sem brilho a muito tempo.

Ela acendeu um cigarro e fechou os olhos enquanto sentia a fumaça quente invadir seus pulmões. Era um péssimo hábito dela na visão das outras pessoas, mas para Paula o cigarro era como uma pequena fuga dos pensamentos que a assombravam, era uma das únicas coisas que a acalmava e dava clareza para pensar no que precisava e decidir o que precisava fazer em situações difíceis.

Mas não havia mais nada o que decidir agora, a muito tempo já havia chegado ao veredito de que sua vida não valia mais nada. Entretanto apesar da decisão e de tanto planejamento, suas tentativas nunca deram certo. Já havia cansado de sempre acordar no hospital no dia seguinte após acharem seu corpo desmaiado com inúmeras pílulas em seu estomago. Já havia também tentado se matar com venenos, mas o resultado também era o mesmo. Não tinha coragem de tentar atirar em si mesma. A faca já tinha pegado e encostado na sua garganta diversas vezes, mas também era covarde demais para algo assim tão violento.

Mas a queda? Ah, tinha algo de gracioso na queda. Iria se sentir como se estivesse voando, e tão antes que pudesse se arrepender, já estaria estirada no chão com o sangue escorrendo e a maioria dos órgãos amassados com o impacto com o chão. Paula deu um pequeno sorriso triste ao pensar nisso e acendeu mais um cigarro ao perceber que o primeiro já estava quase todo acabado. O pôr-do-sol no horizonte deixava o céu com um vermelho queimado e de certa forma bonita. Aquela era uma ótima paisagem para lhe servir como uma ultima visão.

Não havia deixado carta nenhuma dessa vez, tudo que queria deixar escrito para as pessoas já tinha escrito em suas outras tentativas. Agora, também, as coisas eram diferentes. Sentia todo mundo bem mais afastado e frio com ela. Ela via o quanto as pessoas haviam cansado dela, cansado de tentar deixa-la bem. Não havia mais ninguém para se importar agora, e mesmo que houvesse, não via motivos para incomodar alguém com mais algumas palavras ridículas, deprimidas e suas despedidas bobas. Já não se importava mais com essas futilidades. Ela só queria acabar logo com os 25 anos de sofrimento até então.

Era horrível sentir aquele vazio que sempre sentiu, e ao mesmo tempo sentir o turbilhão de sentimentos mas não conseguir demonstrar. Sua vida a muito tempo havia se tornado automática. Quando acordava de manhã só conseguia sentir o desapontamento de não ter morrido durante o sono, olhava no espelho e pensava o quanto toda a vida dela era um desperdício de tempo, não entendia como podia ser uma pessoa tão horrível, estúpida, inútil. Saia para o trabalho, a mesma rota, o mesmo metrô, os mesmos rostos, o mesmo silencio. Sentava na sua cadeira o dia todo, sozinha, fazia o que lhe mandavam e ia embora. Na sua casa poderia ou beber um pouco e tomar alguns comprimidos até apagar, ou ela apenas sentaria na sacada olhando o horizonte e pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. Era um vazio e uma solidão que ela não poderia mais suportar.

A última semana, entretanto, tinha mudado sua rotina. Já não saia mais de casa para nada. Simplesmente parou de ir ao trabalho. Recebia algumas mensagens e visitas de pessoas que diziam se importar, só dizia que estava com uma gripe ou algo do tipo mas que em breve ficaria bem. Até queria que fosse algo tão simples assim. Mas sua vida era muito mais complicada do que isso. Era muito mais do que ela poderia aguentar.

Ela acende outro cigarro e nota que sobram apenas mais dois no maço. Era o último maço que tinha, não sairia para comprar mais, tão pouco planejava estar viva para isso. Aqueles seriam seus últimos cigarros, estava fumando seus últimos amigos e companheiros.

Paula não se lembrava mais de quando todos os sentimentos e os pensamentos ruins começaram. Talvez na sua infância conturbada? Quando sofria abusos físicos e psicológicos do seu pai enquanto sua mãe fingia não ver ou fingia que aquilo tudo era normal. “Crianças precisam ser educadas por seus pais” ouvia de sua mãe. Mas será que a educação e caráter sempre esteve ligado com o quanto uma pessoa apanha, sofre, sente dor, medo, desespero? Será que estava ligado no quanto seus pais a humilhavam e a espancavam? Era esse o preço que as crianças tinham que pagar para serem boas pessoas? Ela não saberia dizer, e as respostas já não importavam. Agora ela já estava a muito tempo marcada para sempre, e não havia jeito de se livrar dos pensamentos perturbados ou de suas lembranças dolorosas.

Ela se lembrou também do seu primeiro e único amor, de como ele havia lhe salvado, lembrava que ele sempre silenciava as vozes maldosas que ficavam em sua cabeça. Era tudo perfeito e maravilhoso, ele era perfeito e maravilhoso, mas como tudo em sua vida, as coisas deram errado e os monstros em sua mente voltaram com força total. Paula havia estragado seu relacionamento, havia desistido de sua salvação, por coisas bestas e por medos bobos, então tudo que sobrou disso foi a culpa e as poucas lembranças boas que tiveram juntos. Mas de que adiantava? Isso só lembrava ela de que mesmo que algum dia conseguisse algo de bom, ela estragaria tudo de novo, como sempre fez.  

Haviam pessoas que diziam ser seus amigos, mas eles nunca estavam do seu lado quando precisava, eles tão pouco sabiam de tudo o que aconteceu ou continuava acontecendo com ela. Era tudo uma mentira e todos eram apenas conhecidos que fingiam se importar. Mas tudo isso mudaria quando morresse não é? Todo mundo sempre ama verdadeiramente alguém que morreu. Talvez para se livrar da culpa e do peso da consciência. Seria ótimo que as pessoas pudessem finalmente ama-la de verdade, mesmo que não estivesse ali para ver. No fundo foi isso que ela sempre desejou: Ser amada. Mas nunca conseguiu sentir isso de alguém, nem de seus pais, nem da pessoa que amou, nem de seus amigos. Ninguém nunca havia demonstrado o quanto ela era especial, talvez as pessoas falassem bastante isso para ela, mas ela nunca enxergou as demonstrações, o carinho. Tudo o que via era a indiferença e tudo o que sentia era o vazio.

Mais um cigarro. Era o penúltimo. Depois disso iria se jogar. Iria morrer e o vazio deixaria de existir. Ela deixaria de existir. Não haveria mais sofrimento, dor, medo, ódio, tristeza. Mas também não haveria mais esperança, pequenos momentos de felicidade e prazer. Era o preço a se pagar para ter paz. Não sentiria mais coisas boas que muitas poucas e raras vezes sentia. Mas toda aquela carga de pensamentos e sentimentos ruins iriam sumir também, e só isso valeria a pena. A guerra em sua mente finalmente iria cessar. O sol estava sumindo cada vez mais, e a escuridão estava começando a aparecer. Ela sorriu. Sempre gostou mesmo da noite, do escuro, os poucos medos que tinha de morrer estavam sumindo aos poucos conforme os minutos passavam.

Ela queria chorar uma última vez, sentir as lágrimas quentes e salgadas percorrerem seu rosto, mas já havia chorado tanto a sua vida toda que agora era simplesmente incapaz de soltar qualquer lágrima. Elas haviam secado, desaparecido, assim como todas as coisas em sua vida. Pensou em se cortar como fazia as vezes em algum lugar escondido que as pessoas no seu dia-a-dia não veriam, mas não adiantaria. As últimas vezes que tentou também não a fizeram chorar. Nada mais a fazia sentir e sair daquele estado dormente. Sua vida havia se tornado entorpecida mesmo sem drogas.

Muitas vezes ela sentia inveja das outras pessoas. Sempre via todo mundo bem, acompanhados, os casais trocando beijos e carinhos, os pais passeando com uma filha feliz e inocente. Via os sorrisos nos rostos das pessoas e sentia inveja, pois nunca sentiu isso. Seus sorrisos eram apenas disfarces que usava para fingir que estava tudo bem enquanto estava desmoronando por dentro. Mas ver as outras pessoas felizes, com tudo que sempre quiseram, com todas as pessoas em volta delas, lhe causava ódio, repulsa, inveja. Achava tudo tão injusto. Pensava no porque algumas pessoas poderiam ter exatamente TUDO, e mesmo assim reclamar, enquanto ela nunca teve NADA nem NINGUÉM. Perdeu a conta de quantas vezes chorava e quebrava copos em sua casa apenas para aliviar esse sentimento de injustiça que sentia sempre que via pessoas felizes. Talvez fosse egoísmo, mas para ela era apenas injusto.

Paula acendeu o último cigarro e atirou o maço pela sacada, vendo-o percorrer o caminho que em breve ela percorreria. Mas ele caiu suavemente, e seu pouso não gerou pânico nenhum das pessoas que passavam lá em baixo. Sabia entretanto que o seu “voo” seria bem diferente. Ela abriu um enorme sorriso. Finalmente teria atenção. As pessoas iriam se chocar, comentar do que pode ter levado a menina a se jogar, mas iria finalmente receber atenção. Alguns olhares de pena talvez, as pessoas tentariam socorre-la, no seu velório comentariam sobre o quanto a amavam, do quanto ela era especial, do quanto sua vida era valiosa e importante. Era tudo uma grande mentira, um grande teatro. Mas valeria a pena. Deixaria de sentir, deixaria de sofrer, e de bônus ganharia a atenção e o carinho que sempre desejou. Aquilo seria o paraíso para quem viveu uma vida solitária e sem sentido.

Estava ansiosa. Queria e ansiava logo por isso. Queria se jogar, mas parecia que o último cigarro não acabava nunca. O céu já estava escuro e as estrelas começavam a aparecer. Por um instante repensou se iria mesmo fazer isso, mas logo deixou isso de lado e focou no que importava. Ela ficaria em paz. Ela deixaria de existir. E foi isso que ela sempre quis. Deixou seu cigarro de lado e levantou, pra que ela precisaria terminar? Se jogaria de uma vez enquanto ainda tinha coragem.

Pensou uma última vez na sua mãe. Por mais que as vezes a culpasse por algumas coisas, era a única pessoa com quem ainda conseguia se importar. Tinha prometido que não haveria despedidas dessa vez, mas não aguentou, sacou o celular do bolso e enviou apenas um “Eu te amo. Mas não aguento mais. Adeus”. Era incrível como a cada tentativa de suicídio suas mensagens diminuíam. Talvez se sobrevivesse, a próxima vez seria apenas um “adeus” simples e modesto. Mas sabia que dessa vez não sobreviveria.

Paula jogou o celular de lado, abriu os braços e fechou os olhos sentindo a leve brisa de início de noite. Era nesses momentos, antes das tentativas que sentia a paz que sempre desejou, que sentia esperança, que dizia a si mesmo que iria dar tudo certo e finalmente ficaria bem. Mas essa seria a última vez. A última sensação de paz. E por fim um último sorriso estampou seu rosto. Ouviu batidas na porta, mas não se importou, não se desconcentrou, não interrompeu o impulso.

Ela se jogou.

E por um mínimo instante, ela voou.

E essa foi a melhor sensação que sentiu em sua vida, pouco antes de deixar de sentir tudo o que sentia, deixar de pensar e a escuridão finalmente a abraçar. Dessa vez, para sempre.


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Notas finais do capítulo

Talvez pareça meio superficial e confusa para algumas pessoas mas essa história saiu de pequenas divagações minhas em momentos ruins.
Comentários são sempre bem-vindos.