Segredo das profundezas escrita por KhatySeraph


Capítulo 1
Segredo das profundezas - capitulo unico


Notas iniciais do capítulo

Venho com novo conto com tritões o/
Espero que gostem ^^



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Sob a lua cheia, águas negras remexiam-se. Suas ondas inquietas não esperavam uma noite de agitação, apenas mais uma era de escuridão monótona.

O balançar das ondas debaixo de um certo navio, fazia o pequeno tripulante fechar os olhos e apreciar o vento que bagunçava seus cabelos negros. Respirou fundo aquela brisa agradável e com tantos anos tripulando aquele navio, já nem sentia mais falta de terra firme, parecia que o oceano o chamava; era seu novo lar.

Posicionando-se no cesto da gávea, pegou sua luneta, observando as águas como seu pai, o grande capitão do navio pirata Cauda Negra, que colocava medo em muitos, havia mandado. Ele podia ser o filho do pirata mais assustador dos sete mares, porém, sua vida não era um mar de rosas. Ninguém da tripulação o respeitava ou o obedecia, nem seu pai trocava muitas palavras e isso o deixava triste e mais forte.

Queria mostrar que podia ser um bom pirata, podia ser poderoso como seu pai.

Conseguira pegar o posto de observador porque ninguém queria ficar lá, e isso o deu a oportunidade de achar a bela sereia que aquele navio procurava.

A sereia que os levaria ao maior tesouro afundado naquele oceano. Todavia, parecia que seria mais uma noite igual, nada de sereias, ou vitórias, isso o deixava descontente.

Debaixo das ondas, estava calmo e silencioso, tirando um certo tritão que nadava sem rumo.

Com seus olhos cheios de lágrimas que se misturavam ao oceano, nadou sem direção, decidindo ir para a superfície. Nunca tinha sentido aquele aperto em seu coração, nunca tinha sentido aquela dor que o corrompia agora, decidindo apenas achar um lugar isolado e longe da água.

A imensidão negra que o engolia, não o atrapalhava e ele continuava com seus movimentos, fazendo alguns peixes saírem nadando em disparada.

Ia rumo a superfície agora, encontrando o local ideal: um amontado de rochas.

— Por quê...? — Sussurrou tristonho enquanto colocava boa parte de seu corpo sobre a pedra.

Pelo mar estar calmo, aquela pedra não era engolida pelas águas, deixando seus cabelos vermelhos e compridos caírem sobre seu rosto e pequenas gotas molharem a rocha. Balançou sua cauda da mesma tonalidade de seus cabelos.

Ergueu a cabeça para cima, fitando agora o céu estrelado, tentando buscar um conforto para seu coração partido. Queria estar ao lado do tritão que dizia amar, mas pelo visto, o outro não nutria os mesmos sentimentos por si e, vê-lo partir logo depois, o entristeceu. Queria tanto ficar com seu amado. Pensara em um futuro, porém, pelo visto a coroa sobre sua cabeça o assustara. Ser um príncipe a cada dia de sua vida dizia que era difícil.

Suspirou, sentindo a água escorrer por seu corpo forte. Teria alguém dentro do oceano que seria seu grande amor? Ou isso não era para ele? Será que por ser um príncipe, não poderia ter um grande amor?

— Por quê...? — Perguntou as estrelas que não responderam.

Realmente elas poderiam respondê-lo? Poderiam dar sua resposta mais almejada?

— Será possível alguém me amar? — Continuou com suas perguntas. — Terei alguém que poderei compartilhar bons e maus momentos como vejo em minha família? Ou isso é apenas um sonho distante?

Amargurado, fechou os olhos, agora conseguindo sentir a água que saía de seus olhos, todavia, seu momento foi breve ao escutar um som forte.

Piscou, olhando em direção ao objeto que flutuava sobre as águas. Arregalou os olhos, nunca tinha visto nada igual, ainda mais iluminado e tão grande. Era maior que uma baleia e muito mais assustador. Piscou novamente, pensando se deveria fugir, ou ver mais de perto o que era aquilo, seria algo novo da Mãe Natureza?

Agora fascinado, continuou a observar o navio, não notando que o objeto vinha em sua direção, apenas inclinara um pouco a cabeça, não entendendo como aquilo se movia, se poderia devorá-lo, ou teria que destruí-lo.

Ouviu vozes.

— Humanos... — Se apavorou.

Sabia que não deveria ter ficado ali.

As criaturas que os adultos contavam estavam vindo em sua direção, aqueles monstros sem alma que apenas vinham a procura de benefícios tirados de sereianos. Rosnou, odiava aquela raça desde que ouvira sobre eles. Completos monstros sem vida, ou amor. Destruiria aquele barco, poderia fazer isso facilmente, mas por que hesitava? O motivo estaria o observando oculto naquelas velas negras?

O humano magro, que pulava de alegria via sua tripulação em alerta a preparar redes. A correria era mútua, conseguindo ouvir o som dos passos de seu pai pelo convés. Finalmente ele sorriria? O elogiaria? Tinha encontrado a sereia que tanto desejavam. Um tanto estranha observando mais de perto, porém, ainda queria permanecer ali, analisando com sua luneta a criatura. Via cabelos incrivelmente vermelhos, uma cauda da mesma cor que balançava e seu corpo que fez o pequeno humano parar, lembrava o de um homem. Seria uma sereia macho? Possivelmente, mas não era essa razão que o jovem Daryl continuava a observação.

Corou ao notar que aquele ser o tinha descoberto agora tão próximos, e assim, com movimentos rápidos, ele mergulhou de volta na água, fazendo o coração do humano se acelerar. Queria observar mais aquela sereia macho, saber se falava sua língua, algo que deveria ser impossível. Saber seu nome, certamente haveria um nome. Baixou a luneta, tristonho.

— Andem seus idiotas! — A voz de seu pai o fez erguer a cabeça e fitar o que acontecia.

Os tripulantes se enrolavam nas redes, caindo e derrubando outros. Daryl riu baixo daquela cena.

— Joguem as redes ao mar! — Gritou o capitão.

A rede pronta foi jogada, mas nada capturou além de algas. O capitão continuava a desferir xingamentos contra os marujos. Outra rede foi jogada do outro lado do navio, nada.

O capitão já ficava enfurecido. Daryl voltou a observar com sua luneta em direção a pedra que aquela sereia tinha ficado, esperançoso por vê-lo novamente, porém, apenas encontrou um local vazio e silencioso. Baixou a cabeça, suspirando.

Ele era tão lindo. Pensou corando.

— Pegamos!

Daryl piscou, fitando do outro lado onde os tripulantes puxavam a rede. Muitos escorregavam para frente com tamanha força, fazendo mais homens virem ajudar. Com dificuldade, ergueram a rede, a levando para dentro do navio onde Daryl pode ver melhor aqueles cabelos vermelhos que caiam sobre o corpo do tritão. Algumas algas vieram junto, uma permanecia em sua cabeça, enquanto a rede envolvia sua cauda que se movia desesperadamente, suas guelras localizadas no pescoço se mexiam, pedindo oxigênio vindo do oceano, seu coração bombeava rapidamente e sua boca estava levemente entreaberta.

Se afastaram do ser a medida que os passos do capitão anunciavam a aproximação. O humano um tanto gorducho, parou diante do ruivo que mostrou-lhe um olhar irritado, não abalando o inimigo que gargalhou.

— Você é uma sereia, não é? — Analisou melhor o tritão, vendo que não tinha corpo de mulher. — Uma sereia macho... Interessante.

O ruivo revirou os olhos, não sabia que aqueles humanos acima de tudo, eram tão burros.

Tossiu.

Precisava da água, não aguentaria muito tempo ali, precisava escapar. Fitou em volta, vendo apenas humanos cochichando.

— Onde está o tesouro, sereia macho? — Perguntou com uma voz forte e assustadora, o capitão.

Tesouro?

O capitão rosnou, não gostando da resposta, o silêncio era a resposta que odiava ouvir. Se aproximou mais, pisando na cauda vermelha. O ruivo grunhiu, não adiantava enfrentar aquele humano com o olhar assassino, nada o fazia tremer, quem era ele?

— Ele precisa de água!

O capitão não olhou para o dono da voz, apenas o tritão. Erguendo a cabeça pôde ver novamente aquele humano que tinha avistado, agora muito mais de perto. O observou, descendo com certa rapidez, por que ele tinha chamado tanto sua atenção? Todos daquela raça eram iguais, era isso que sereianos diziam.

Daryl parou ofegante ao lado de seu pai que não o fitou. Olhou rapidamente o tritão que ainda tinha os olhos de duas tonalidades, presos nele, corou de leve, voltando-se para seu pai.

— Você o quer para levar até o tesouro, mas ele precisa de oxigênio da água, apenas vai matá-lo.

O capitão nada disse, pisou mais forte na cauda do ruivo que grunhiu alto.

— Onde está o tesouro afundado? Eu o quero antes que eu corte e coma sua carne para ganhar a imortalidade.

Ele acredita realmente nisso? Que sonhador barato. Pensava.

— Diga!

O sereiano fitou Daryl que apenas piscou. Sabia pelas guelras, que o tritão não aguentaria muito.

Tossiu mais, deixando o humano apreensivo. Queria arrancar o ruivo dali e jogá-lo de volta na água, não queria que o tritão morresse. O que deveria fazer?

— Será que ele fala nossa língua? Talvez ele não fale. Faça então ele nos mostrar a direção.

O tritão gostou de ouvir aquilo, era uma boa ideia para fazer aqueles idiotas seguirem em direção ao local onde teria ajuda para fugir. Os levaria até o local de sua raça, assim poderia afundar aquele objeto gigante. Arquitetando seu plano, apenas apontou para o local que precisava que fossem.

O capitão semicerrou os olhos.

— Viu. — Daryl sorriu, agora precisava apenas salvar o ruivo. — Devemos ir em direção ao norte... — Disse, fitando a imensidão negra. — Pai, precisamos colocá-lo no tanque.

O capitão libertou a cauda do tritão que a mexeu, puxando-a para perto de si e assim, arregalou os olhos ao ver a cena a seguir. Aquele a quem chamavam de capitão tinha acertado um soco no que o chamara de pai, o levando ao chão de madeira. Viu sangue escorrer pelo canto de sua boca e muitos rirem para logo em seguida uma lâmina ser posicionada em sua direção.

— Não me dê ordens. Apenas o deixo vivo por tê-lo visto, inútil. — Disse guardando a espada de volta ao cinto em um ato rápido. — Coloquem a sereia no tanque que fizemos!

Assentindo, pegaram o ruivo, o levando para longe de Daryl que apenas mantinha a cabeça baixa com os olhos tomados pelas lágrimas. Apenas queria ser aceito por seu pai... Apenas queria fazer algo para que ele ficasse feliz.

O que então deveria fazer?

Todos se afastaram deixando o jovem ali sozinho. Não tinha ninguém ao seu lado, ninguém o aceitava, ninguém aceitava sua presença. Era um fardo...

Deixou as lágrimas caírem. Piscou, vendo algo cintilar em meio as redes que antes capturaram o tritão. Daryl, enxugando suas lágrimas se aproximou do pequeno objeto pegando-o na mão. Parecia feito de ouro e assemelhava-se a um anel. Seria do tritão?

Sorriu, guardando a joia consigo.

Decidindo não chorar mais, começou a se esgueirar pela escuridão, indo atrás da suposta sereia macho. Queria tentar falar com ele, saber como era o oceano. Não queria tesouro ou qualquer fortuna, apenas respostas de suas curiosidades. Queria conhecer o mar que escondia tantos segredos, fazer parte dele.

Decidido, esperou alguns homens saírem do depósito onde o tritão tinha sido colocado, para logo entrar em silêncio. Com os movimentos do barco, alguns barris se mexiam, mas muitos eram impedidos por outros. Analisou em volta, havia uma luz fraca iluminando o local e logo no fundo o aquário pequeno de mais para aquela criatura.

Sorriu se aproximando, assustando o tritão.

Pensava no que deveria falar. Um oi, talvez? Coçando o braço pensativo, apenas decidiu pegar o que tinha achado, estendendo a mão para o ruivo que arregalou os olhos, o fitando logo em seguida.

— Isso é seu, não é? — Dizia quase em um sussurro.

O tritão arregalou os olhos, todavia, nada disse. Permanecendo em seu aquário, apenas se mexeu, querendo pegar seu objeto, algo muito importante, mesmo que quem dera a ele, houvesse partido seu coração.

Daryl baixou a cabeça com a mão ainda estendida em direção ao ruivo que hesitou antes de pegar a joia.

— Obrigado. — Disse, fazendo o humano arregalar os olhos, fascinado.

Tinha escutado a voz daquele ser e, acima de tudo, entendia o que falava. A voz era tão nítida, mas, ao mesmo tempo, fraca. Estaria com medo por Daryl ser humano? Baixando novamente a cabeça, o humano coçou o braço. Deveria falar mais alguma coisa? Perguntar que objeto era aquele? Não, seria intrometido demais começar uma conversa.

Suspirando baixo, ergueu as vistas, notando que o tritão colocava o objeto de ouro na orelha. O que significava o porquê de haver uma pequena rachadura no "anel" e uma pequena corrente extremamente estranha. Lembrava uma barbatana.

— Eu... Eu... — Gaguejava Daryl.

Queria falar com aquele tritão, mas não sabia por onde começar.

— Eu prometo que não deixarei eles machucarem você. — Sorriu fraco.

O ser piscou, confuso com os atos do humano. Sempre ouvira que aquela raça era perversa e que apenas pensavam em si mesmos, capazes de matarem uns aos outros por poder, mas o que via em sua frente era apenas um humano corado que tentava falar e passar palavras de conforto, além disso, tinha lhe devolvido algo de extremo de valor. Quem seria aquele humano?

O tritão desviou o olhar. Não sabia se era confiável dizer seu nome ou conversar, se não fosse rápido acabaria morto nas mãos daqueles humanos.

Daryl deu um passo para trás, corando.

— Qual seu nome, humano? — Sua voz agora era mais forte e grossa.

O tritão, se ajeitou enquanto balançava sua cauda avermelhada para lá e para cá. Estava curioso em parte por aquele humano, todavia, seria cauteloso.

— Daryl. — Disse quase em um sussurro.

Daryl sorriu, bagunçando os cabelos negros que iam até os ombros. Seus olhos eram de um castanho escuro não tirando o charme que o pequeno humano conseguia ter, ainda mais quando sorria. Ficou sem jeito, não sabendo se deveria perguntar o nome daquele tritão, então optou por outra questão.

— Nunca imaginei que existiam sereias machos. — Sua voz demonstrava curiosidade.

O tritão caiu na gargalhada, deixando o humano confuso. Falara algo errado?

— Tritão.

Daryl arqueou uma sobrancelha, ainda atônito. Vendo aquela confusão em seu olhar, o ser continuou a rir da situação.

— Não existe sereia macho, sereia é para mulheres, tritão para homens. — Respondia calmamente com certa diversão na voz.

Daryl piscou.

Então a palavra certa era tritão? Sorriu fascinado, deixando o outro agora atônico. Aquele humano achava tudo interessante? Ignorando suas reações, voltou-se para seu aquário apertado, ajeitando-se, mantendo apenas uma parte de sua cauda para fora.

O humano se aproximou, chamando a atenção do tritão.

— Obrigado por falar comigo. — Dizia com certa tristeza na voz e assim, se virou, saindo rapidamente.

Queria ficar ali, tinha gostado de conversar. Ninguém daquela tripulação trocava palavras com ele, todos não o aceitavam, apenas riam e o jogavam para todos os lados como uma bolinha. Isso apenas o fazia muitas vezes querer se atirar da água e ver se sobreviveria, queria ser envolto pela água e chorar, não teria ninguém nesse mundo que poderia pelo menos sorrir para ele?

Não precisava dizer que estava tudo bem, apenas sorrir... Era algo tão difícil assim?

Secando as lágrimas de felicidade, Daryl voltou para o convés e adentrou o quarto que ficava ao lado dos aposentos de seu pai, pelo menos tinha conseguido um quarto confortável, algo que ainda dava esperanças de seu pai o aceitar.

E assim, o restante de sua noite foi tranquila e feliz. No dia seguinte tentaria novamente falar com aquele tritão, sentia que o ser hesitava, desconfiava, mas não desistiria. Não dele...

Sorriu, fechando os olhos enquanto a imagem do tritão estava fresca na mente, percebendo que não tinha perguntado o nome dele.

— Amanhã perguntarei! Eu vou conseguir! — Sussurrava, quase imerso em sonhos.

*

No dia seguinte, Daryl esgueirava-se pelos cantos do navio, tentando chegar ao depósito. Muitos tripulantes estavam limpando o local, fazendo o humano esconder o que levava em direção ao depósito. Ninguém desconfiaria assim, além do mais, ele era encarregado de cuidar do depósito, porém, havia outro fator que não o ajudava.

O balancear do barco.

Estava estranho para um dia tão bonito, mas as ondas estavam agitadas de mais, fazendo o barco balançar mais do que normal.

Daryl colocou a mão na boca, se continuasse assim, sabia que colocaria tudo para fora, mesmo não tendo nada dentro. Respirando fundo, concentrou-se em chegar ao depósito. Sorriu, chegando ao local onde desceu as escadas ficando em frente a uma porta frágil.

Entrando devagar, desembrulhou o que trazia. Quase pulando de alegria, fechou a porta, seguindo rumo ao tritão que estava de costas para ele. Resmungou algo cambaleando para o lado, isso fez chamar atenção do ruivo que se virou, piscando. Daryl se segurou em uma pilastra, resmungando, não poderia vomitar, não ali.

Piscando, o ser curioso perguntou:

— O que foi?

Daryl respirou fundo novamente, levantando a cabeça com um belo sorriso.

— Nada! — Disse rápido, porém, não convincente. — Trouxe comida! — Sorria. — Quer um pouco? Talvez esteja com fome.

O ruivo semicerrou os olhos, desconfiado. Observou a comida em um prato de madeira que foi oferecido em sua direção.

Peixe e algo mais...

O ruivo sorriu de leve, não passando despercebido pelos olhos escuros de Daryl que se alegrou por dentro. Tinha o feito sorrir!

O tritão pegou o peixe levando-o para baixo da água onde pôde ver sua boca sendo aberta e seus dentes um tanto diferentes de humanos mastigando o animal. Mastigando devagar, o ruivo o achou estranho, certamente pelo fato de não estar cru como de costume. Devorando o restante do alimento, emergiu novamente pegando o segundo peixinho, fazendo o mesmo processo.

Daryl riu das caretas que o ruivo fazia.

Sentou-se no chão, cutucando o restante da comida. Tinha trazido peixe com batatas, porém, agora não existia mais peixe.

— Você não tem algas? Ou lulas? Qualquer outro fruto que venha da água? — Perguntou, emergindo novamente.

Daryl baixou o olhar, negando.

Não sabia o que sereias comiam, então apenas trouxera o que tinham dado a ele.

— Prince.

O humano ergueu a cabeça, confuso.

Piscou.

— Ontem perguntei seu nome, e agora estou falando o meu. — Virou a face.

Daryl sorriu de leve

— Obrigado. — Sussurrou.

— De novo agradecendo por ter falado com você? — Prince o fitou, curioso. — Por que sempre agradece, humano? Sua raça não se comunica com outros?

Daryl abriu a boca, todavia nada disse.

— Vocês são estranhos... — Falou pensativo. — Pensei que eram carnívoros e agressivos. — Prince voltava para dentro da água, fazendo seu cabelo flutuar.

Pegou uma mecha enrolando em seus dedos, e com isso voltou a fazer movimentos circulares dentro da água, o que fez o barco voltar a balançar agressivamente.

Daryl segurou a boca firmemente, arregalando os olhos, precisava sair logo dali. Deixando de lado sua batata, tentou se levantar, mas caiu.

Prince piscou.

— Quero vomitar.... — Resmungou as palavras.

O ruivo arqueou uma sobrancelha.

— O balançar... Está me deixando enjoado... — Não sabia porque estava falando isso, deveria correr para fora.

Daryl levantou-se, cambaleando quase encontrando o chão de madeira novamente.

Prince vendo o garoto, parou com seus movimentos dentro da água, o que fez tudo começar a sessar. Confuso, o humano apenas caiu de joelhos segurando sua barriga. Odiava aqueles balanceamentos, resmungando voltou a se sentar em frente ao tritão que o olhava curioso.

Tentou sorrir para disfarçar, mas apenas sentia repulsa.

Pediu desculpas para o ruivo que ainda permanecia atônito. Rindo das caras que Daryl fazia, fez os movimentos da água pararem totalmente. Conseguia controlar a água, todavia, com baixo nível do aquário, não conseguiria afundar aquele navio, por isso precisava da ajuda de sua raça.

Percebendo que tudo tinha parado, o humano piscou vendo que os movimentos de Prince também pararem.

— Como... — Ainda sentia vontade de vomitar.

— Está melhor? — Falava em um tom preocupado.

Daryl sorriu com aquilo, assentindo.

Nunca alguém tinha feito aquela pergunta para ele e quase chorara com isso. Era tão bom ter alguém para conversar, para perguntar se estava tudo bem, para sorrir juntamente. Percebendo que ainda sorria, corou, desviando o olhar.

Prince sempre ficava intrigado com o jeito daquele humano, mas a cada momento que passava com ele fazia seu coração se acalmar e esquecer que estava a mercê de humanos perigosos. Desejava que todos os humanos fossem igual a Daryl... Por que desejava isso?

Balançou a cabeça, aquele humano certamente estava o enfeitiçando, não podia deixar-se esquecer seus objetivos.

Tocou em seus cabelos, voltando com sua expressão dura, não falando mais com o humano que permaneceu o tempo todo ali.

Várias vezes o observava pelo canto do olho, sentado fitando o prato com batatas, enquanto os barris de bebida o acertavam. Fechava aquelas órbitas várias vezes, parecendo que cairia no sono. Sua boca estava levemente aberta e bem vermelha.

Não me sinto bem.

— Você tem família?

Daryl piscou, erguendo a vista.

Observou Prince que brincava com seus cabelos vermelhos. Mexendo a cauda do lado de fora da água esperando a resposta, se a recebesse. Perguntava-se se os humanos eram iguais a sua raça, se a família para eles era importante. Uma grande família era o desejo de todos de sua espécie.

— T-tenho... — Não sabia ao certo se poderia chamar seu pai de família.

Prince o fitou.

— Tenho meu pai... — Falava baixinho.

O tritão voltou a fitar seus cabelos, lembrando-se de quem era o pai de Daryl. Aquele homem com aura assustadora que tinha pisado em sua cauda e queria o tesouro afundado que nem sabia onde estava ou se realmente existia. Humanos inventavam muitas histórias e mentiam, mais um motivo para manter-se afastado deles.

— Não conheço minha mãe... E nunca tive ninguém... — Sussurrava.

Abraçou as pernas, escondendo sua face em seu novo esconderijo, derrubando suas lágrimas. Não sabia o que era amor materno, ou qualquer tipo de amor... Apenas sabia o que era dor. Apenas queria parar de sentir.

Suas lágrimas continuavam a rolar e os soluços vieram, fazendo Prince o fitar tristonho. Sempre teve o amor de sua família e a compreensão, mesmo quando falou que estava apaixonado por outro tritão, eles o acolheram e sorriram, não importava que era um príncipe ou que estava apaixonado por outro homem, sua família estava ali, o apoiando.

Pensava se era isso, se era esse amor que aquele pequeno humano nunca sentira. Sentiu pena, tristeza.

— Não se preocupe. — Prince disse com sua voz firme e poderosa. — Vai ficar tudo bem. — Sorriu, mesmo que o humano não estivesse olhando-o. — Daryl.

Daryl ergueu suas órbitas tomadas pelas lágrimas ao ouvir aquelas palavras, a cada momento conseguia descobrir sentimentos novos perto daquele tritão, algo que nenhum humano nunca passara ou falara. Estava feliz, sorriu mesmo entre as lágrimas.

Agradeceu várias vezes, fazendo Prince rir e balançar a cabeça.

— Venha, vou contar algumas histórias para você! — Dizia animado, quebrando uma regra fundamental de sua raça.

E assim, Daryl mais perto do aquário, passou seu tempo todo ao lado daquele tritão que contava muitas histórias, muitas era aventuras que seu pai teve e sempre o contava quando era pequeno. Contara de sua família e dos dois irmãos mais novos que tinha, de sua mãe carinhosa que sempre estava atrás dele preocupada.

Contou a história dos polvos gigantes e Daryl ficou fascinado, e todos os acontecimentos fizeram suas lágrimas sessarem completamente e o sorriso ficar estampado em sua face. Prince apenas o fazia sorrir e se surpreender com tudo o que dizia.

Contando até mesmo que era um príncipe e que não existia nenhum tesouro e que as joias que conseguiam, eram todas de navios afundados e que recolhiam o que conseguiam por acharem fascinantes os objetos do mundo humano. Prince também ouvira algumas poucas histórias que Daryl contava, das situações que passara, fazendo as horas voarem e a lua começar a iluminar o oceano, mas o casal continuava com suas aventuras.

Daryl sabia que ninguém sentiria sua falta e perto de Prince, seu coração ficava mais calmo, feliz... Sentimentos que nunca tinha sentido. Não queria deixá-lo mais, queria permanecer ao seu lado.

— O oceano é magnífico! — Falava Prince.

Os olhinhos de Daryl brilhavam.

Daryl sentiu a temperatura baixar, o que indicava que deveria ser noite. Suspirou, não queria sair do lado do ruivo, realmente precisava deixá-lo? Vendo a tristeza voltar ao olhar do humano, Prince estendeu a mão, tocando na face do mesmo.

Arregalando os olhos, o moreno corou com o ato de carinho. Prince estava cada vez mais fascinado por aquele humano tão diferente dos outros, não conseguia ver maldade em seu olhar como via nos outros. Não conseguia ver aquele humano igual ao que sempre contavam para si. Via apenas um garoto que sempre sorria em sua direção, escondendo suas feridas e querendo um refúgio.

Prince queria ser esse refúgio.

— Você é especial, Daryl. — Sorriu fraco.

Fez o humano corar ainda mais, tentando se desvencilhar daquelas mãos que agora com a ajuda da outra, Prince o obrigou a fitá-lo. Algo em Daryl chamava tanto a sua atenção, porém, isso fazia seu desejo de destruir aqueles humanos, diminuir. Não queria matar seu pequeno Daryl, queria protegê-lo em seus braços.

Acariciou a face do humano que desistiu de lutar contra suas mãos.

— Cuidarei de você. — Sorria. — Prometo. — Sussurrou.

Daryl assentiu, uma lágrima rolou em sua face sendo amparada pelos dedos do tritão. Ainda sorrindo, Prince trouxe o humano para perto, selando seus lábios.

De início, Daryl se assustou, arregalando os olhos com os atos inesperados do tritão, perguntava-se o que era que Prince estava tentando fazer. A medida que sua boca era aberta e invadida por uma língua, desistiu de se afastar e perguntar o que estava acontecendo, apenas continuou imóvel, esperando os acontecimentos se desenrolarem.

Sentia a língua de Prince tentar pegar a sua. Sentia algo áspero e incômodo, porém, apenas segurou o vidro do aquário, fechando os olhos como o ruivo fazia. Tentou imitar os mesmos movimentos, fazendo sua língua se chocar a do outro. Sorriu no meio do beijo, não se importando mais com aquela aspereza, algo totalmente diferente da sua.

Prince se afastou, ainda segurando a face do humano que piscava confuso.

— Pelo visto nunca tinha beijado. — Riu.

Daryl arqueou uma sobrancelha, fazendo o outro rir mais alto.

— Sua língua é áspera. — Falou, curioso.

Prince também notou a diferença na língua do humano, era por que eram de raças diferentes que seus dentes e língua eram tão distintos?

— E a sua não.

Daryl baixou o olhar, corando.

— E-eu gostei... — Sussurrou envergonhado.

Prince riu, acariciando seu rosto.

— Pelo que sinto da água, amanhã chegaremos na região que indiquei para seu capitão. — Prince tomava um ar sério. — Quero que esteja comigo quando tudo acontecer. — Sussurrou.

Daryl não estava entendendo, abriu a boca para falar, todavia, foi impedido pelo dedo indicador do outro. Sorrindo, Prince selou seus lábios novamente, um beijo rápido e assim, soltou o humano que pareceu não gostar.

Seu corpo queria continuar recebendo os toques de Prince.

— Você é diferente Daryl, eu gosto disso. — Dizia baixo.

Ajeitando-se, o tritão se encolheu no aquário fechando os olhos. Daryl apenas sorriu agradecendo. Nem tinha tocado hoje na comida e sua barriga não reclamava. Decidiu ir direto para o quarto. Sonharia com aqueles momentos. Como sonharia.

Um sorriso alegre estava bem exposto em sua face, aquilo era felicidade?

Daryl tinha descoberto o que era o sentimento de felicidade, não apenas o de tristeza.

Fez um trajeto calmo e silencioso até a popa, onde chegando, apenas quis saber de sua cama, pegando num sono profundo.

*

Não sabia quanto tempo tinha dormido, não sabia onde o sol se localizava. Apenas tinha acordado com o movimento agressivo novamente que afetava o navio. Piscou várias vezes, vendo que parecia ser o pôr do sol.

Quero que esteja comigo quando tudo acontecer.

Lembrando-se das palavras de Prince, o humano saltou da cama, ajeitando suas vestes. Não sabia por quanto tempo tinha ficado ali, mas precisava ver seu tritão, certamente o balancear da água estava avisando que precisava encontrá-lo o mais rápido possível.

Girou a maçaneta, tentando abrir a porta. Piscou, estava trancado? Não entendendo, deu um passo para trás.

A porta estava travada? Como? Não se lembrava de tê-la trancado, nem de possuir uma chave!

Seu coração acelerou. O que deveria fazer? Gritar? Por quem?

Daryl olhou pela única janela pequena do cômodo, a água estava muito agressiva, ondas altas. Tinha que fugir.

— Socorro! — Berrou. — Socorro! Por favor... — Tentava gritar, mas parecia estar sozinho naquele navio.

— Eu cuidarei de você... Prometo... — Ouviu a voz atrás da porta.

Deu um passo para trás, assustado.

— Foi isso o que ele disse, não é? — O capitão gargalhou.

Daryl pôde ouviu uma chave ser girada junto com outras. Seu pai tinha escutado toda a conversa? Engoliu em seco.

Ele o tinha prendido...

— Aquele tritão é um falso, ensinarei o que acontece quando se mente para mim. — O coração de Daryl parou. — É uma pena que não permitirei que saia desse quarto, apenas quando ver que estiver morto! — Berrou com ira.

Daryl sentiu as lágrimas rolarem por seu rosto. Não queria perder Prince, não...

Bateu na porta com força, fazendo seu pai rir.

— Um fraco como é, não consegue nem derrubar essa porta. Agora fique aí, e se não morrer em sete dias, darei uma segunda chance a você. — Sua voz parecia mais distante, como o som das chaves.

Daryl balançava a cabeça, não se importando com as lágrimas. Precisava fugir... Precisava ver Prince...

Seu Prince...

— Por favor... — Sussurrou, caindo de joelhos.

Sentia a água ficar mais brava, não sabia o plano do ruivo, mas torcia para que funcionasse e que matasse a todos do navio. Socou o chão, não perdoaria mais seu pai. Estava cansado de ter esperanças falsas! Ele nunca o aceitaria, nunca seria um verdadeiro pai.

— Prince! — Berrou. — Prince!

Chorou e socou a porta várias vezes. Precisava ser forte, fugir dali, mas não tinha forças para nada, além de ser fraco, estava com fome, com sede...

Permaneceu caído de joelhos.

— Coloque seu plano em prática... — Sussurrou.

Prince estava inquieto em seu aquário, tentava dar avisos a Daryl, entretanto o humano não aparecia. Tinha acontecido alguma coisa?

Resmungou.

Precisava guardar forças.

Não podia sair do aquário, não andaria pelo navio. O matariam.

— Daryl... — Sussurrou.

— Ele terá o mesmo destino que você, peixinho. — A voz do capitão soou pelo local.

Quatro tripulantes adentraram o depósito, suas faces sem emoção e cicatrizes a mostra, deixava claro que não seriam nada amigáveis. Prince semicerrou os olhos. O que aquele humano pretendia fazer com seu Daryl?

Rosnou.

— Você morrerá primeiro por ter me enganado. — Continuava, dando passos curtos em direção a Prince. — Não sabe do tesouro, então é uma sereia inexistente para mim. — Parou. — Matarei você e pegarei outra sereia.

O capitão olhou para os homens, assentindo.

Prince não ligava para os homens que vinham em sua direção apenas para as palavras do capitão.

Ele matará meu Daryl?

Ergueu o olhar, aquelas órbitas vermelhas levavam ódio e fúria. Não permitiria que matassem seu humano, não permitiria que aquela raça que poucos se salvavam, destruísse uma pessoa inocente e sorridente como Daryl.

Nunca mais deixaria alguém encostar em seu pequeno Daryl. Seria seu refúgio.

Rosnou alto, fazendo aqueles homens pararem e se entreolharem. O capitão semicerrou os olhos.

— Você nunca encostará em Daryl! — Berrou.

Ergueu a mão que estava dentro da água, deixando os humanos mais confusos.

— Ninguém tocará nele, humanos podres.

Os humanos se entreolharam novamente, dessa vez rindo. Gozavam das palavras do tritão que, notando isso lançou um sorriso frio, calando-os.

Junto aos gritos.

Até mesmo o capitão olhou para a escada onde viu tripulantes gritando desesperados. Berravam algo como uma mão feita de água.

Te protegerei, Daryl.

O capitão arregalou os olhos, mas nada conseguiu dizer.

Prince socou a água e com isso, a mão que os marujos gritavam, avançou contra o navio com o punho fechado, partindo-o no meio.

As exclamações sessaram e tudo adentrou ao silêncio do oceano.

Daryl sentiu o impacto, todavia, seu lado não tinha totalmente sido destruído, porém, não estava a salvo. Água começava a adentrar a cabine, fazendo o humano tentar fugir. Não sabia nadar, não tinha para onde fugir.... O que deveria fazer?

Gritar?

Ninguém o ajudaria, estava sozinho...

Sempre sozinho... Pensou chorando.

Não sabia ser forte, não sabia o que fazer. Deveria se entregar a água? Sempre desejara isso... seria o momento perfeito.

Sorriu fraco.

Prince...

Uma última lágrima rolou em sua face antes do quarto ser engolido pelo oceano. Fechou os olhos e esperou. Esperou o seu último momento, não lutaria mais...

Apenas pensava em Prince e em suas histórias. O único que o fizera realmente sorrir e estava agradecido por isso.

Prendia o ar em seus pulmões, seu corpo ainda lutava para sobreviver, lutava contra aquele novo mundo. Sua mente era a única que lhe dava lembranças boas, reconfortantes. Queria ter passado mais tempo com Prince, o único que era importante para ele.

Prince...

Sorriu.

Não escutava em baixo da água, porém, jurou que algo tinha se quebrado. Apenas o sentido que tinha era da sensação, do toque e sabia que algo tinha quebrado quando sentiu mãos enrolarem sua cintura e seu nome ser proferido.

Sorriu, todavia, não aguentava mais.

Queria abrir a boca, soltar o ar em seus pulmões...

Prince tocou em sua face, acariciando-a. Não conseguia vê-lo, mas imaginava sua face agora em sua mente. E assim sentiu seus lábios tocarem os seus em um beijo profundo, com intensos desejos. Era diferente do beijo da primeira vez, esse parecia tão surreal...

Soltou todo o ar preso em seus pulmões.

Abriu os olhos, agora podendo ver seu amado. Prince sorria e acariciava sua face. Era levado para longe do que sobrara do cômodo, deixando apenas uma pergunta na mente de Daryl: como ele não tinha morrido?

Como ele respirava debaixo da água?

Mesmo não fazendo essas perguntas, sorriu, e abraçou Prince. Estava novamente em seus braços e sendo agora engolido pelo mar. Faziam parte agora dele. Sempre soube que deveria ter se entregado ao oceano e agora, finalmente se entregou.

Cedeu a água nos braços de seu amado Prince.


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Notas finais do capítulo

o/ espero que tenham gostado do conto ♥ Minha amiga quase disse, tu faz por bem ou por mau ehehehehehe ~brinks.

Mas espero que tenham adorado o Prince e o Daryl :3

Obrigada a todos que leram ♥ Agradeço muito ^^