Nunca brinque com magia! escrita por Lyana Lysander


Capítulo 20
O Espelho de Galadriel!




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Naquela noite, nos dormimos sobre o chão, para a grande satisfação dos hobbits. Os elfos ergueram para nós um pavilhão entre as árvores perto da fonte, e colocaram ali colchões macios, então pronunciando palavras de paz com suas belas vozes élficas, deixaram-nos.

Por alguns momentos, os hobbits conversaram sobre a noite anterior na copa das árvores e sobre a viagem daquele dia, e sobre o Senhor e a Senhora, pois ainda não tinham tido a coragem de lembrar o que tinha ficado mais para trás.

—Por que você corou, Sam? -perguntou Pippin. -Você logo desabou. Qualquer um teria pensado que você estava com a consciência pesada. Espero que não seja nada além de um plano maldito para roubar um de meus cobertores. -eu ri com a ideia dele.

—Nunca pensei em nada disso. -respondeu Sam, que não estava disposto para brincadeiras. -Se quer saber a verdade, eu me senti como se estivesse nu, e não gostei disso. Parecia que ela estava olhando dentro de mim e me perguntando o que eu faria se me fosse dada a chance de fugir de volta para casa no Condado, para uma toca pequena e agradável, com... com um pedaço de jardim que fosse meu.

—É engraçado. -disse Merry. -Quase o mesmo que eu senti, só que, só que... bem, acho que não vou falar mais nada. -acrescentou ele sem jeito.

Todos eles pareciam ter tido uma experiência semelhante: cada um sentiu que ela lhe oferecia uma escolha entre uma sombra cheia de medo, que se encontrava lá na frente, e alguma coisa profundamente desejada, que se apresentava clara aos olhos do espírito, e que para tê-la bastava desviar-se da estrada e deixar a Demanda e a guerra contra Sauron para outros.

—Tive também a sensação. -disse Gimli. -De que minha escolha permaneceria em segredo e seria apenas de meu próprio conhecimento.

—Para mim pareceu muito estranho. -disse Boromir soturno. -Talvez tenha sido apenas um teste, e ela pensou em ler nossos pensamentos para seus próprios propósitos. Mas quase poderia dizer que ela estava nos tentando, e oferecendo o que ela fingia ter o poder de nos dar. Não é preciso dizer que me recusei a escutar. Os homens de Minas Tirith dizem palavras verdadeiras.  -mas o que ele achava que a Senhora tinha lhe oferecido, Boromir não disse.

Quanto a Frodo, não dizia nada, embora Boromir o pressionasse com perguntas.

—Ela o fitou por mais tempo, Portador do Anel. -disse ele.

—Sim. -disse Frodo. -Mas o que quer que tenha entrado em minha mente, lá deve ficar.

—Bem, tenha cuidado! -disse Boromir. -Não me sinto muito seguro a respeito dessa Senhora Élfica e de seus propósitos.

—Não fale mal da Senhora Galadriel! -disse Aragorn com severidade. -Você não sabe o que está dizendo. Não existe maldade nela ou nesta terra, a não ser que um homem o traga aqui ele mesmo. Se for assim, que ele tome cuidado! Mas esta noite poderei dormir sem medo pela primeira vez desde que deixei Valfenda. E poderei dormir profundamente, e esquecer um pouco meu sofrimento! Sinto o coração e o corpo cansados. -jogou-se sobre seu colchão e adormeceu imediatamente, num longo sono.

Os outros logo fizeram o mesmo, e nenhum som ou sonho perturbaram seu sono.

Eu queria perguntar a Legolas o que a senhora o tinha dito, mas este não veio dormir conosco, preferindo a companhia de seus parentes. 

Meu coração estava pesado e preocupado. Eu não entendi exatamente o que ela quis me dizer, e fiquei feliz por ninguém me perguntar. Suspirei cansada, sentindo um grande vazio e tristeza, como aquela vontade de chorar e chorar até se aliviar. 

Deitei sobre o colchão macio como a muito não fazia, e logo sono veio, me libertando daquelas correntes de dúvidas.

Quando acordamos, vimos que a luz do dia se espalhava sobre a grama diante do pavilhão, e a fonte subia e caía, reluzindo ao sol.

A comida ali era farta, e todos nos tratavam como convidados de honra. Uma elfa foi enviada para me ajudar no banho, e trouxe roupas finas para eu vestir. Há um banho, quanto tempo fazia que eu não aproveitava isso de verdade. 

Ela me preparou uma banheira morna com ervas, e a agradeci imensamente por isso. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas posso dizer que sai renovada.

Permanecemos alguns dias em Lothlórien, pelo que posso dizer ou lembrar. Durante todo o tempo em que moramos ali, o sol brilhou intensamente, a não ser por uma chuva suave que às vezes caía e passava, deixando todas as coisas novas e limpas.

O ar era fresco e suave, como no início da primavera.  Apesar disso, sentíamos ao redor a quietude profunda e pensativa do inverno. Eu tinha a impressão de que faziam pouca coisa além de comer, beber, descansar, e caminhar por entre as árvores, e isso era o suficiente.

Não tinham visto o Senhor e a Senhora outra vez, e tinham poucas conversas com os elfos, pois poucos deles sabiam ou usavam a língua Westron, e eu não entendia bem a deles, apesar de me esforçar bastante para aprender. Haldir nos acenara um adeus e retornara para as fronteiras no Norte, onde uma grande guarda estava montada desde que nos trouxemos as notícias sobre Moria.

Legolas estava distante, com os Galadhrim, e em nenhuma noite dormiu conosco, embora voltasse para comer e conversar com a gente. Sempre levava Gimli consigo quando ia passear pelo lugar, e todos nos ficamos surpresos com essa mudança. Eu havia tentado conversar com ele no dia seguinte a nossa chegada, mas ele me respondeu parcamente, o que me fez perceber que algo estava errado, então não o forcei mais, dando espaço a ele. Contudo, eu me sentia um pouco solitária, e algo em meu coração começava a me machucar, como um incomodo constante, como se algo estivesse errado ou faltando.

Quando nos se sentávamos ou passeávamos, conversávamos sobre Gandalf e tudo o que cada um tinha descoberto ou observado nele ficava claro em nossas mentes. 

Era notável que a medida que eles se curavam da dor e do cansaço do corpo, o sofrimento pela perda ficava mais intenso. Frequentemente escutávamos por perto vozes élficas cantando, e sabíamos que eles estavam fazendo canções de pesar por sua perda, pois podíamos entender o nome dele entre as doces palavras tristes que não conseguíamos captar.

Mithrandir, Mithrandir, cantavam os elfos, Oh, Cinzento Peregrino! Pois assim gostavam de chamá-lo. E mesmo quando Legolas estava com a gente, não interpretava as canções, dizendo que não tinha habilidade para isso, e que para ele o sofrimento ainda era muito recente, um assunto para lágrimas e não ainda para canções. E eu entendi bem o que ele queria dizer.

Foi Frodo quem primeiro colocou alguma coisa de sua mágoa em palavras pausadas. Raramente eu o via sentir vontade de fazer uma canção ou uma rima, mesmo quando estávamos em Valfenda. Ele tinha sempre escutado mas não as cantava. Mas agora, sentado ao lado da fonte de Lórien e escutando ao redor as vozes dos elfos, seu pensamento pareceu tomar forma numa canção que me parecia bonita, apesar disso, quando ele tentou novamente repeti-la para Sam, apenas pequenos trechos permaneciam, apagados como um monte de folhas murchas.

Naquela tarde eu caminhava sozinha no frescor crepúsculo.

Sentia-me inquieta De repente, a sombra da partida havia caído sobre mim, eu sentia de alguma forma que estava bem próximo o momento de deixar Lothlórien.

Minhas feridas tinham se curado a dias, e eu sentia meu poder pulsando em meu corpo, muito maior do que jamais fora.

Caminhei entre as árvores pelo que me pareceram horas, e logo a noite caio fria sobre mim. A calma daquele lugar me fazia muito bem , eu podia tentar entender o que se passava comigo ali. Eu sentia a cada dia o poder do Anel tentando crescer sobre meu amigo, mas este não me deixava se aproximar, era como se ele soubesse que eu agora sentia o Anel.

Senti quando o primeiro pingo de chuva caiu, e olhei para cima, vendo o céu se fechar, e senti que aquilo era uma representação do meu coração naquele momento.

Suspirei resignada, a quem eu queria enganar?

Não era o Anel ou sua crescente força maligna que me fazia sentir triste. Era ele, era a falta dele, e eu sabia agora, eu entendi como a muito não tinha feito que eu tinha me apaixonado. Estava apaixonada por aquele elfo, que chegou como um amigo e no fim se apossou de meu coração. E no momento em que me deixou, foi que eu percebi isso.

Enfim eu tinha aceitado, e foi com essa simples confirmação que eu senti o coração aliviado e em meio a chuva que agora caia de verdade, eu chorei silenciosa.

Levei bastante tempo ali, pois precisei chorar até me sentir melhor. 

Quando eu voltei, o caminho parecia diferente, talvez apenas eu o esteja vendo com olhos diferentes agora. 

Não foi surpresa encontrar todos preocupados comigo, mas eu ainda não me sentia bem para conversar, então pedi licença para sair dizendo que não estava com fome. Me dirigi aos banheiros e tomei um longo banho.

A chuva ainda caia lá fora, mas era fraca e fina. E o frio da noite obrigou-me a me agasalhar.

Não me juntei a eles quando voltei, fiquei quieta em minha tenda, deitada no colchão do quarto. Eu precisava decidir o que fazer dali para frente.

—Que acha dos elfos agora, Sam? -ouvi Frodo pergunta-lo. -Já lhe fiz esta mesma pergunta uma vez antes... Agora parece há muito tempo, mas desde aquela época você viu mais coisas sobre eles.

—Realmente vi. -disse Sam. -E acho que existem elfos e elfos. Todos são bastante élficos, mas não são todos iguais. Agora estas pessoas não são andarilhos sem lar, e parecem um pouco mais conosco: parecem pertencer a este lugar, mais ainda que os hobbits pertencem ao Condado. Se fizeram a terra ou a terra os fez é difícil dizer, se entende o que quero dizer. Aqui tudo é maravilhosamente silencioso. Parece que nada está acontecendo, e parece que ninguém quer que nada aconteça. Se existe alguma mágica, está muito bem escondida, num lugar que não posso alcançar com as mãos, por assim dizer.

—Você pode senti-la e vê-Ia em todo lugar. -disse Frodo.

—Bem. -disse Sam. -Não se pode ver ninguém operando a mágica. Nenhum fogo de artifício como aqueles do pobre Gandalf. Fico surpreso em não termos encontrado o Senhor e a Senhora durante todos esses dias. Imagino agora que ela poderia fazer algumas coisas maravilhosas, se tivesse vontade. Eu adoraria ver alguma mágica élfica, Sr. Frodo.

—Eu não! -disse Frodo. -Estou satisfeito. Não sinto falta dos fogos de Gandalf, mas das suas sobrancelhas grossas, de seu humor instável, e da sua voz.

—Sinto falta de sua sabedoria. -falei me levantando e indo até eles. -De nossas conversas, e principalmente de seus conselhos. -sai da barraca e me sentei no chão ao lado deles, notando que a chuva tinha passado, e que agora o céu estava estrelado. 

—Aura, desculpe se te acordamos. -disse um Sam preocupado.

—Eu não estava dormindo. -falei. -Sinto muito ter ouvido a conversa, não era minha intenção.

—Não há nada a se desculpa, não estávamos falando segredos. -Frodo disse. -Além do mais, nesse momento você parece diferente. -tentei sorrir.

—Eu me sinto diferente. -era a verdade. 

—As coisas aqui realmente nos fazem pensar. Mas não podemos ficar aqui por muito mais tempo. -comentou Sam.

—Receio que esteja absolutamente certo, Sam. -disse Frodo. -Mas espero do fundo do coração que, antes de partirmos, possamos ver a Senhora dos elfos outra vez.

No momento em que ele falava, nós vimos, como se viesse em resposta àquelas palavras, a Senhora Galadriel se aproximando. Alta, bela e branca, caminhava por entre as árvores. Não disse nada, mas acenou para nós.

Mudando de direção, conduziu-nos para a encosta Sul da colina de Caras Galadhon, e, atravessando uma cerca-viva alta e verde, nos chegamos a um jardim fechado.

Ali não crescia nenhuma árvore e o jardim se abria para o céu. A estrela da tarde tinha subido e brilhava num fogo branco sobre a floresta do Oeste. Descendo um longo lance de escadas, a Senhora entrou numa concavidade funda e verde, através da qual corria murmurando a água prateada que jorrava da fonte na colina. Embaixo, sobre o pedestal pequeno entalhado como uma árvore cheia de ramos, ficava uma bacia de prata, larga e rasa, e ao lado dela se via um jarro de prata.

Com a água do riacho, Galadriel encheu a bacia até a borda, e soprou sobre ela, e quando a água estava parada novamente, ela falou.

—Este é o Espelho de Galadriel. -disse ela. -Trouxe-os aqui para que possam examiná-lo, se quiserem.

O ar estava quieto e o vale, escuro. A senhora élfica, ao lado de Frodo, era alta e pálida.

—Que vamos procurar, e o que vamos ver? -perguntou Frodo, cheio de assombro.

—Posso ordenar ao Espelho que revele muitas coisas. -respondeu ela. -E para algumas pessoas posso mostrar o que desejam ver. Mas o Espelho também revelará fatos que não foram ordenados, e estes são sempre mais estranhos e compensadores do que as coisas que desejamos ver. O que você verá, se permitir que o Espelho trabalhe livremente, não posso dizer. Pois ele revela coisas já passadas, coisas que estão acontecendo, e as que ainda podem acontecer. Mas o que ele vê, nem mesmo o mais sábio pode dizer. Você deseja olhar? -Frodo não respondeu.

—Aura? -ela perguntou olhando para mim.

—Sim eu gostaria de dar uma olhada. -falei corajosamente.

—Então suba criança e olhe, mas não toque na água. -fiz que sim e fui.

Subi no pedestal e me inclinei sobre a bacia. A água tinha uma aparência sólida e escura. Estrelas estavam refletidas na superfície. Inicialmente nada mudou, então tive um pequeno sobressalto, pois as estrelas desapareceram. Como se um véu escuro tivesse sido retirado, o Espelho ficou cinza, e depois transparente. Ali o sol brilhava e os galhos das árvores ondulavam e se agitavam ao vento. Mas antes que eu pudesse perceber o que tinha visto, a luz se apagou, e agora eu via Legolas deitado sobe uma árvore ao anoitecer, brincando com uma criança no colo. Os cabelos do menino eram negros como a noite, mas seus olhos eram idênticos aos dele. A criança se virou e me olhou profundamente e eu senti uma ligação tão estranha ali que lágrimas desceram por meus olhos inconscientemente. 

De repente a paisagem mudou, e eu me via em meio a guerra, eu lutava bravamente em meio a orcs, gobelins, humanos, elfos e anões. Uma árvore branca pegava fogo ao longe. Via Gimli a poucos metros com Legolas, e esse me sorriu, mas logo seu sorriso se tornou uma mascara cinza, e ele cambaleou e nesse momento eu percebi, uma espada estava fincada em seu estomago.

—NÃO. -eu gritei e a imagem sumiu.

—Aura. -ambos me olharam preocupados.

—Estou bem! -mas minha mão tremia ainda pelo susto e medo.

Desci dali, e olhei para a senhora.

—Muitas coisas são vistas, mas não discutiremos elas. Guarde em seu coração, mas saiba que nem tudo se torna verdade. No fim, ainda somos donos de nossos destinos.

—Eu entendo, obrigada senhora Galadriel. -me afastei um pouco deles, o que eu tinha visto ficaria sempre gravado em minha memória agora.

—E agora você, você não quer ver através do espelho? -disse ela, voltando-se para Sam. -Isto é o que seu povo chamaria de mágica, eu acho, embora não entenda claramente o que querem dizer, além do fato de ele usarem, ao que parece, a mesma palavra para os artifícios do Inimigo. Mas esta, se você quiser, é a mágica de Galadriel. Você não tinha dito que queria ver alguma mágica élfica?

—É sim, mas depois do que ouve com a senhorita Aura, eu não sei. - disse Sam, oscilando um pouco entre o medo e a curiosidade, mas não resistiu. -Vou dar uma espiada, Senhora, se me permitir. E eu não me importaria em dar uma olhada no que está acontecendo em casa. -disse ele à parte para Frodo. -Parece que já faz um tempo terrivelmente longo que estou fora. Mas lá, provavelmente só vou ver as estrelas, ou alguma coisa que não conseguirei entender.

—Provavelmente. -disse a Senhora com um sorriso suave. -Mas venha, você vai olhar e ver o que puder. Não toque na água! -ela o avisou também, e ele subiu no pedestal.

—Só vejo estrelas, como já imaginava. -disse ele, mas logo parou e olhou fixamente ali por longos minutos. -Olha só! -gritou Sam numa voz enraivecida. -Estou vendo Ted Ruivão cortando árvores, e ele não devia. Elas não devem ser derrubadas: é aquela alameda para lá do moinho que faz sombra na estrada para Beirágua. Gostaria de pegar e derrubar ele! -ele continuava lá olhando. -Há alguma maldade sendo feita no Condado. -disse ele. -Elrond sabia o que estava dizendo quando quis mandar o Sr. Merry de volta. -então, de repente, Sam deu um grito e pulou para trás. Não posso ficar aqui. -disse ele alucinado. -Preciso ir para casa. Eles cavaram a rua do Bolsinho, e estou vendo meu pobre e velho pai descendo a Colina com suas coisas num carrinho de mão. Preciso ir para casa!

—Você não pode ir para casa sozinho. -disse a Senhora. -Você não desejava ir para casa sem seu patrão, antes de olhar no Espelho, e mesmo assim sabia que coisas horríveis podiam muito bem estar acontecendo no Condado. Lembre-se de que o Espelho revela muitas coisas, e nem todas já aconteceram. Algumas nunca chegam a acontecer, a não ser que aqueles que as vêem desviem de seu caminho para impedi-las.

—O Espelho é um guia perigoso para a ação. -Sam sentou-se no chão e cobriu o rosto com as mãos. -Gostaria de nunca ter vindo aqui, e não quero mais ver nenhuma mágica. -disse ele, e então emudeceu. Depois de um momento, falou numa voz espessa, como se lutasse contra as lágrimas. -Não, vou para casa pela estrada longa com o Sr. Frodo, ou não vou. -disse ele. -Mas espero realmente voltar algum dia. Se o que vi no Espelho vier a acontecer de verdade, alguém vai pagar muito caro por isso!

—Deseja olhar, Frodo? -disse a Senhora Galadriel. -Você não queria ver nenhuma mágica élfica, e estava satisfeito.

—A Senhora me aconselha a olhar? -perguntou Frodo.

—Não. -disse ela. -Não aconselho nada. Não sou uma conselheira. Você pode aprender alguma coisa e, quer as coisas que verá sejam boas quer sejam más, a visão pode ser compensadora, ou não. Ver é ao mesmo tempo bom e perigoso. Apesar disso, eu acho, Frodo, que você tem a coragem e a sabedoria suficientes para se arriscar, caso contrário não o teria trazido aqui. Faça como quiser!

—Vou olhar. -disse Frodo, subindo ao pedestal e se curvando sobre a água escura. 

Frodo ficou lá mais tempo que Sam, e eu ainda me sentia perdida com o que tinha visto quando eu senti, o mal, um mal mais profundo que tudo, fazendo meu corpo entrar em choque, pois uma dor alucinando o perpassava. Cai de joelhos no chão e fechei os olhos colocando a mão no coração tentando parar aquela agonia. 

No abismo negro de minha mente apareceu um único olho que cresceu lentamente, até cobrir quase toda a extensão ali. Tão terrível era aquela visão que me fez ficar colada ao solo, sem poder gritar ou se quer abrir meus próprios olhos. O Olho estava emoldurado por fogo, mas era ele mesmo que reluzia, amarelo como o de um gato, vigilante e atento, e a fenda negra de sua pupila era um abismo, uma janela que se abria para o nada.

Então o Olho começou a se movimentar, procurando algo de um lado e de outro, e eu percebi, com medo e certeza, que eu assim como Frodo eramos uma das muitas coisas que estavam sendo procuradas. Mas também percebi para meu alivio que eu não podia ser vista  por enquanto, a não ser que o desejasse.

—Não toque na água! -disse a Senhora Galadriel num tom suave.

E como se eu fosse liberta de um encanto, tudo passou e eu abri os olhos finalmente. A primeira coisa que vi foi um Frodo suado, segurando a corrente com o anel em seu pescoço, ele parecia mais pálido e cansado do que nunca. E eu não me via diferente, até Sam veio preocupado me ajudar a me levantar, fazendo perguntas que eu não sabia responder.

—Sei o que você viu por último.  -disse ela, insinuando que ele tinha visto muitas coisas. -Pois está também em minha mente. Sua companheira também o viu agora. Não tenham medo! Mas não pense que é apenas cantando por entre as árvores, ou só por meio de flechas frágeis e arcos élficos que nós da terra de Lothlórien nos defendemos e nos guardamos do Inimigo. Digo a você, Frodo, que neste exato momento em que conversamos eu percebo o Senhor do Escuro e sei o que se passa na mente dele, ou pelo menos tudo que se relaciona aos elfos. E ele sempre se insinua para me ver e ler meus Pensamentos. Mas a porta ainda está fechada. -ela disse altiva. -Na terra de Lórien, no dedo de Galadriel, permanece um dos Três. Este é Nenya, o Anel de Adamante, do qual sou guardiã. Ele suspeita, mas não sabe... ainda não. Entende agora por que sua vinda aqui representa para nós a passada do Destino? Pois, se você falhar, então seremos expostos ao Inimigo, e Lothlórien desaparecerá, e as marés do tempo a levarão embora. Partiremos para o Oeste, ou seremos reduzidos a um povo rústico de vale e caverna, para lentamente esquecermos e sermos esquecidos. -ela levantou a mão para que o víssemos.

—E o que a Senhora deseja? -perguntou Frodo.

—Que aconteça o que deve acontecer. -respondeu ela. -O amor dos elfos por sua terra e seus trabalhos é mais profundo que as profundezas do Mar, sua tristeza é eterna e nunca poderá ser completamente abrandada. Mesmo assim, jogarão tudo fora se a outra opção for a submissão a Sauron: pois agora os elfos o conhecem. Você não deve responder pelo destino de Lothlórien, mas apenas pelo desempenho de sua própria tarefa. Apesar disso, eu poderia desejar que, se isso adiantasse de alguma coisa, o Um Anel nunca tivesse sido forjado, ou que continuasse perdido para sempre.

—A Senhora Galadriel é sábia, destemida e bela. -disse Frodo.  -Dar-lhe-ei o Um Anel se assim o desejar. Esse peso é demais para mim.

—Sábia, a Senhora Galadriel pode ser. -disse ela. -Mas aqui ela encontrou alguém que está à sua altura em cortesia. De um modo gentil, você se vingou do teste que apliquei ao seu coração em nosso primeiro encontro. Agora começa a enxergar com olhos agudos. Não vou negar que meu coração desejou muito pedir o que está oferecendo. Por muitos longos anos, pensei o que faria, caso o Grande Anel me chegasse às mãos, e veja! Ele está agora ao meu alcance. O mal que foi concebido há muito tempo continua agindo de muitas maneiras, quer o próprio Sauron seja ou não derrotado. Não teria sido uma ação nobre a ser creditada ao Anel dele, se eu o tivesse tomado à força ou ameaçando meu hóspede? E agora finalmente ele chega. Você me oferece o Anel livremente! No lugar do Senhor do Escuro, você coloca uma Rainha. E não serei escura, mas bela e terrível como a Manhã e a Noite! Bela como o Mar e o Sol e a Neve sobre a Montanha! Aterrorizante como a Tempestade e o Trovão! Mais forte que os fundamentos da terra. Todos deverão me amar e se desesperar!

Levantou a mão novamente e do anel que usava emanou uma grande luz que iluminou a ela somente, deixando todo o resto escuro. Ficou diante de nós e parecia agora de uma altura incalculável, e de uma beleza insuportável, terrível e digna de adoração. Depois deixou a mão cair, e a luz se apagou, e de repente ela riu de novo e eis então que se encolheu: era uma mulher élfica frágil, vestida num traje simples e branco, cuja voz gentil era suave e triste.

—Passei pelo teste. -disse ela. -Vou diminuir e me dirigir para o Oeste, continuando a ser Galadriel. -ela riu um pouco mais leve. -Vamos voltar! Amanhã vocês devem partir, pois agora já fizemos nossas escolhas, e as marés do tempo estão fluindo.

Eu sentia meu coração pesado, e ao olhar para Frodo que caminhava ao lado da senhora Galadriel eu me senti mal. Era como se agora o poder ali fosse palpável a mim, um veneno que tentava a todo custo entrar no meu corpo.

Quando finalmente voltamos, eu me afastei deles enquanto se despediam dela. Procurei uma árvore próxima e encostei minhas costas nessa. Eu ainda tremia um pouco. Vê aquela criança, Legolas morrendo e depois olhar novamente para aquele olho, e sentir todo aquele mal estava me enlouquecendo. 

As palavras saíram da minha boca sem que eu percebesse, como se meu coração e alma precisassem aliviar-se de alguma forma.

You were the shadow to my light. Did you feel us. Another start. You fade away. Afraid our aim is out of sight. Wanna see us. Alive. Where are you now. -eu cantei tão emocionadamente, e com tanta força que eu podia sentir como se meu coração fosse transbordar. 

 

Faded de Alam Walker, aquela música me definia completamente naquele momento, fazendo colocar tudo para fora. -So lost.  I'm faded. I'm faded. So lost. I'm faded.

—O que está fazendo? -aquela voz me arrepiou, e eu senti seus braços ao meu redor me segurando firmemente. Eu o olhei e vi que este estava triste e perturbado, como se ele mesmo estivesse por um fio ali.

Legolas parecia tão perdido e triste quanto eu, mas ainda sim me segurava firmemente em seus braços, não me deixando fugir dali.

Meus lábios tremiam, e por mais que eu tentasse eu não conseguia falar.

—Aura você está bem? -olhei ao redor e vi meus amigos se aproximando preocupados, vários elfos também estava ali, e todos me olhavam. Em seus rostos, lágrimas ainda caiam.

—Eu... eu preciso ficar sozinha. -eu precisava ficar longe dele, precisava me acalmar de alguma forma.

—Eu não vou te deixar sozinha. -ele abaixou a cabeça e fechou os punhos apertando-os. -Eu nunca vou te deixar sozinha, mesmo que queira. -ele levantou a cabeça me olhando firme, e como se tivesse tomado uma decisão ele apertou ainda mais as mãos.

—Eu achei que você não queria mais falar comigo. -disse triste. 

—Eu estava magoado e confuso, me perdoe! -eu queria me afastar mais minhas pernas pareciam plantadas ali. 

Meu coração estava confuso, meio triste e meio feliz por ele ter vindo até mim, mas eu não tinha certeza se aquele era o momento certo, não quando eu tinha percebido o que sentia por ele. Eu abaixei a cabeça, não queria que ele visse minhas lágrimas.

Ele segurou meu rosto, e me obrigou a olhá-lo. 

—Eu estou aqui, eu estou com você, e prometo que nunca mais vou te deixar. -ele alisou minha bochecha com seu polegar, e com aquele leve toque eu já me sentia reconfortada. -Eu não vou permitir que nada de mal lhe aconteça. -ele disse firme, e seus olhos faiscaram, e antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, ou entender o que estava acontecendo o elfo me beijou.

 


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