pólvora e dinamite escrita por scarecrow


Capítulo 1
Outro conto sobre a chuva.


Notas iniciais do capítulo

Bom, sobre o tema "I love u, cuz I can't control u": decidi não fazer o usual, apesar de inicialmente ter pensado sobre o assunto. Não sei, acho que tem vários jeitos de não se "controlar" uma pessoa ou uma relação e segui para o lado mais subjetivo da coisa.

Provavelmente não ficou claro, mas deixei o personagem principal incapaz de controlar várias coisas no seu par romântico, que por consequência faz parte das coisas que também ama.

Não foi a melhor das minhas histórias e nem a melhor interpretação de tema. Mãs prometo que melhoro pro próximo, okay? EUSHDUHE ♥



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Pólvora e Dinamite

Lá fora estava pingando tristeza; aqui dentro chovia solidão.

A temperatura do dia anterior permaneceu até o entardecer de hoje, e desde então estávamos ali, na casa dele, amontoados em seu sofá de caro e camurça. E ali, nós víamos algum filme água com açúcar em sua grande televisão, ouvindo as falas se misturarem com o som da chuva. A força das gotas no vidro deixava o dia triste.

E ali, naquela sala, nós deveríamos estar longe dessas sensações esquisitas que costumamos sentir quando se chove tristeza, mas não estávamos. Porque dentro de sua casa, a sensação que mais me alastrava era a solidão. E ali, nós fingíamos que nada acontecia diante da sua tão encada netflix – calávamos nossas vontades para ouvir o silêncio da nossa relação fraca.

 “Está frio” Eu comentei puxando a coberta escura para meu lado.

“É só você vir mais pra cá” Ele respondeu, quase me convidando para seu canto, abrindo seus braços e fornecendo um pouco de calor. Eu aceitei como o esperado, porém não nos encostamos.

Mesmo com toda sua gentileza e seus sorrisos montados, não me senti confortável como esperei que fosse ficar. Eu só estava ali, do seu lado, sentindo a tristeza pingar no meu rosto rígida e gélida, a solidão esfarelando minhas urgências.

E eu continuei com frio.

O filme que víamos era sem graça, e eu não prestava atenção. Eu nunca conseguia prestar atenção em nada, principalmente ao lado de Matteo. Matteo, que sempre roubava um terço de meus fracos pensamentos e me desconsertava de todas as formas possíveis.

Voltamos a olhar para a tela grande, e eu abracei a coberta. Dei um largo suspiro, sem saber ao certo o que fazer. A estranheza da situação corroeu meus tecidos musculares, obrigando-me a encolher insosso. Queria dizer algo, mas a voz sequer chegava à minha garganta. Foi então que, na nossa curta proximidade, Matteo esbarrou-se em mim de forma desajeitada.

Seu toque tinha gosto de arrependimento; meu susto tinha cheiro de agonia.

Porque ele deixou sua mão exatamente onde estava – encostada nos meus dígitos, debaixo do cobertor. Porém, ao mesmo tempo, não se aproximou mais. Manteve sua distância, como se não quisesse continuar com o que quer que fosse aquilo. Como se arrependesse, mas tivesse medo de voltar atrás.

E ali, sentindo seu toque, eu me desconheci por uns instantes. A adrenalina cansou meu coração e me encheu de esperanças bobas, quebrando-me em pedaços. Meu peito doeu como nunca antes, e eu soube que a paixão estava alastrando um sentimento de angústia por todas as minhas artérias, entupindo-as. Tentei, em algum ponto daqueles infinitos segundos, aproximar-nos mais.

Não consegui.

“Esse filme é terrível.” Voltei a falar. O silêncio, a angústia e a solidão empurravam minha originalidade de dentro para fora do meu pulmão, forçando minhas cordas vocais.

“Estou adorando.” Respondeu-me simples, concluindo a desnecessária conversa. Matteo, de fato, parecia estar adorando aquele filme. O filme, todas as suas cenas de romance exageradas e falas mal feitas; enquanto eu sofria com a chuva e a eterna agonia.

Comecei a contar o tempo para o filme acabar. Queria ir embora, mas a chuva não dava índices de que iria diminuir – assim como todas as sensações esquisitas que estávamos sentindo ali, na casa dele. E ali, naquele instante, eu quis chorar.

Porque então, depois de tanto tempo de amizades e amores disfarçados, depois de tanto empenho meu para tentar enquadrá-lo dentro de algum tipo de relacionamento, eu notei a vida mais triste do que ela antes já fora. Porque eu percebi a amargura em cada sílaba não dita de Matteo. Porque eu entendi como a chuva nos sufocava e como seu toque nos constrangia.

E dentre tudo aquilo, o que mais me incomodava era o susto pela sua aproximação repentina e descuidada, como se aquilo fosse tão incomum que chegava a me atormentar– o que de fato acontecia. Porque eu sentia que, de alguma forma, Matteo sabia da minha agonia irremediável e minhas esperanças sem motivos.

Segurei o fôlego; deixei meus dedos correrem por sua pele fria e fingi não perceber seu espanto. Minha imaginação estimulou meus hormônios mais errôneos, e minha infelicidade impediu-me de continuar qualquer tipo de ação. Permanecemos daquele jeito até o fim do filme, com minha cabeça pintando as paredes de conclusões incertas.

Concluí, insatisfeito, que não importava o quanto eu tentasse, nunca conseguiria controla-lo em minhas desventuradas expectativas.

Seu coração era sólido e instável como dinamite; meus sentimentos eram fragmentados como pólvora.

Porque Matteo e eu tínhamos um imenso potencial para sermos o que quisermos, mesmo que minhas vontades fossem exageradas demais, amplas demais. Mesmo que suas ações fossem imprevisíveis demais, fora de qualquer zona de conforto existente. Porque eu me percebi farelo, líquido, pouco – minhas emoções escorriam pelos meus pulsos e contorciam minha voz sempre que eu tentava tornar-me realidade, tornar-nos realidade.

Porque Matteo e eu podíamos tudo, tudo o que quisermos. E nós queríamos.

O problema, é que nos faltava algo. Faltava um guarda-chuva para tirar-nos da tristeza, para termos a oportunidade de parar o que fazíamos e enxugarmo-nos da solidão. Faltava um incentivo para fazer de nossos toques um presente palpável e constante, para evitar os de repentes e os arrependimentos indesejáveis. Faltava algo para nos acender; um isqueiro, um fósforo, uma faísca, qualquer coisa.

E ali, nas últimas cenas do filme, a chuva começou a dar sinais de que iria parar a qualquer instante – mas não sairíamos dali tão cedo.

Ficamos ali, na casa dele, olhando para sua grande televisão, ignorando todas as sensações estranhas que nos alastrava.

E no fim, nós nunca passaríamos disso. Porque sempre iria faltar uma faísca para ascender-nos de fato, independente de nosso potencial explosivo. E nunca seriamos mais nada do que isso.

Eu não me aproximaria mais.

E ali, naquela sala, continuaríamos.

Apagados.


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