Defeituoso escrita por ohmygiu


Capítulo 6
I only see daylight (things will never be the same)


Notas iniciais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece



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Haviam muitas tradições entre as matilhas, tradições velhas ultrapassadas e sem sentido. Luis odiava todas elas e dedicava todos os dias da sua vida a mudar isso.

Desde que ainda era um filhote na barriga de sua mãe já carregava pesos enormes, era um primogênito, um herdeiro.

Quando veio ao mundo suas responsabilidades começaram, tinha sempre que ser o impecável, o melhor, o líder. Nunca teve muito tempo para brincar e se o fizesse tinha que ser brincadeiras que exercitassem suas habilidades

Foi nesse tempo em que tinha que cumprir mais coisas do que qualquer outra criança de 8 anos tinha que conheceu Carlos, de uma maneira ou de outra seus caminhos estavam destinados a se cruzar. Seu irmão era o chefe de guarda mais jovem da história além de um beta e o sangue guerreiro parecia ser uma herança dos deuses à família já que Carlos tinha tanta habilidade quanto ele.

Com o tempo as lutas e os treinos foram se tornando cada vez mais a melhor ideia de descontração que Luis tinha, incrivelmente, mesmo com todos os títulos e formalidades Carlos sempre o tratava igual, sempre o chamava de irmão e estava ao seu lado.

Quanto mais crescia, mais Luis formava suas opiniões, estudar avidamente para ser líder tem suas consequências e acaba sendo uma faca de dois gumes, Mikel sentiu isso na pele na primeira vez que o filho levantou a voz para si e a partir daí só vieram mais e mais ideias revolucionárias, ele simplesmente já não sabia do rumo que a matilha iria tomar depois que partisse dessa vida e por mais que buscasse amparo aos Grandes Anciões eles nada tinham a dizer.

A maturidade não veio só para o seu senso de governo como também para as descobertas sobre seu corpo, sabia que não gostava de garotas, nunca as tinha olhado com o fogo e o desejo que só um adolescente em plena puberdade pode ter, mas o espaço em que morava não dava muitas brechas para experimentar, tinha medo de dar uma escapadela com algum dos ômegas oferecidos que sempre colocavam um tom de voz doce demais quando cruzavam com ele na rua e acabar fazendo uma marca imprudente.

Com a teimosia que todo Alfa parece ter, pegou Carlos de um lado, a mochila de outro e partiram para conhecer mais do mundo fora da matilha.

Tinha experimentado mais bebidas e mais corpos do que podia contar, de mais jeitos do que poderia jamais descrever, durante as curtas duas semanas que fugiram sentiu uma liberdade sem igual, inclusive durante esse episódio que Carlos conheceu Denise, uma bela e simples humana.

Muitos falam de choque de cultura, mas nada a tinha preparado para acordar num dia de ressaca com um enorme lobo emaranhado a si, no mesmo lugar em que tinha certeza que o misterioso homem que trouxe para casa estava a noite, o processo foi longo, mas sentia que depois de tudo que descobriu não poderia viver normalmente de novo e sem pensar muito fugiu para a matilha com Carlos.

Mikel teve diversas provações durante a vida, se orgulhava por ter passado por todas elas com honra, mas seu filho era, sem dúvida alguma, a maior de todas. Quando ficou sabendo da notícia de que dois adolescentes de 16 anos tinham fugido e que um deles era o herdeiro, sua cabeça latejava tanto que mal conseguiu ficar em pé.

Podia ser um homem bruto, mas era um homem de palavra, se Luis quisesse se manchar e acabar com aquela família, respeitaria sua decisão e não iria procurá-lo jamais, daria algum jeito, acharia qualquer outro herdeiro, assim os dias passaram e no décimo quarto sol do começo da primavera, sentiu de longe o cheiro de seu filhote.

Não haviam palavras para serem ditas, por mais liberdade que Luis tivesse sentido, a decepção e a ansiedade em seu rosto mostravam para Mikel que todas as broncas e consequências já lhe eram cientes.

Com medo de mais alguma ameaça, Mikel agilizou o máximo de coisas que conseguiu para que tudo estivesse em seu devido lugar quando Luis assumisse, isso inclui o casamento com um belo Omega da Matilha do Sul.

Por gerações eles tinham o acordo de paz firmado por casamento e sua própria mulher tinha vindo de lá, mesmo que com as complicações no parto sua alma tenha sido levada.

Sabia que Luis tinha estudado as tradições por anos de sua vida e sabia também que ele tinha plena consciência de que esse casamento não era uma opção, mas sim um dever.

Quando o chamou para começar os preparativos de cortejo que futuramente viria a se tornar um noivado percebeu que as ideias revolucionárias de seu filho iam longe demais. Gritos foram proferidos e palavras das quais os dois se arrependeriam para o resto da vida também, a vida de Mikel já lhe fugia às mãos e descansou sem conseguir atar esse último nó, o mais importante que decidiria o futuro da matilha que sempre cuidou com tanto zelo.

****************************************************

Voltando para a realidade, Luiz se encontrava tão perdido quanto Carlos.

Sabia que estava adiando aquele assunto por muito tempo, era um líder justo e responsável, mas quando o assunto era Fernando simplesmente se sentia com 12 anos ainda com medo de trovões.

Numa luta do que fazer tentou se recompor levantando rapidamente deixando Gabriel sem entender nada.

— Gab, espera aqui só um minutinho, eu já explico o que está acontecendo — Se virou para Carlos tentando dar seu melhor olhar confiante, mas este lhe conhecia o suficiente para saber que não tinham a menor ideia de como escapar — peça para que eles subam e me encontrem no escritório, eu vou dar um jeito.

Sem muita opção, Carlos foi em direção a porta para fazer o que lhe fora pedido.

Quando estavam sozinhos de novo, Gabriel resolveu se pronunciar sobre tudo aquilo, não entendia o que estava acontecendo, mas parecia que a visita de alguém de uma matilha distante causava desconforto em todos, especialmente em Luis.

Via que ele andava de um lado para o outro, tentando parecer o mais apresentável possível e parecia que ele nem notava que não estava sozinho na sala.

— Luis, o que está acontecendo? Você precisa de ajuda?

O maior virou para olhá-lo, deixando aquele olhar terno que sempre lhe direcionava voltar, tinha sido um estupido, um fraco por ter simplesmente ignorado tudo para correr atrás de quem amava, esperando que o destino simplesmente resolvesse as questões que não tinha coragem, agora percebia que depois de todo esforço, sua relação com Gabriel poderia ruir com duas palavras.

— Estou noivo, isso aconteceu, mas eu prometo com todo o meu coração que vou te explicar tudo com calma, só preciso resolver isso primeiro.

Por um momento Gabriel viu seu mundo parar.

Noivo.

Luis estava noivo, tinha um futuro encaminhado e a promessa de uma família. Sabia que tinha seus medos e inseguranças, mas tinha aprendido a gostar de Luis, de apreciar suas palavras sem vergonha e os gestos bobos para lhe impressionar.

Além disso, percebia agora que não tinha ninguém além dele, para onde voltaria? Não tinha mais emprego, duvidava que sua mão fosse o aceitar de volta, não tinha nenhum dinheiro e muito menos sabia as direções para voltar a cidade.

Não aguentaria ser o outro, amante.

Também duvidava que aguentaria ficar na vila e ver Luis prosperando com uma própria família, algo que nunca poderia dar a ele. No fim, todas as suas teorias estavam certas, era uma ilusão, um divertimento para que ele aproveitasse antes do casamento,

Antes que pudesse sequer argumentar, viu Carlos voltando com algumas pessoas ao seu redor, Luis lhe deu mais um olhar suplicante enquanto acenava para os presentes e subia a escada que levava ao escritório.

Sentado na sala, destoando de todo o ambiente, Gabriel viu um a um passar por si sem nem lhe dirigir o olhar, a maioria pareciam guardas até que um homem que inspirava liderança passar.

Ele tinha longos cabelos cor de fogo que caiam por suas costas como cascatas, as roupas também pareciam se ajustar perfeitamente ao seu corpo, numa espécie de armadura sobreposta, mas nada que parecesse pesado ou destoante de seu rosto delicado, a marca de meia lua estava destacada com orgulho no ombro direito e não precisou de mais nada para adivinhar que aquele era Fernando, o noivo de Luis.

Na parte de cima da casa, Luis sabia que eles estavam vindo, ainda não tinha certeza do que faria ma resolveria aquela situação de uma vez por todas, nunca se casaria com alguém que não fosse Gabriel, aguentaria os conflitos que iriam vir daquela escolha, estaria quebrando uma tradição centenária.

Quando todos passaram pela porta e entraram no escritório, Fernando se sentou bem de frente para si e lhe deu aquele olhar que apenas outro líder tinha.

— Luis, ótima noite, não acha? Cansou de fugir? Sabe que estou aqui porque estou sendo tão pressionado quanto você.

A verdade é que Fernando era tão revolucionário quanto Luis. Nunca tinham realmente se conhecido fora de jantares arranjados, mas sabia desde os 8 anos que aquele era seu marido, seu prometido. Na época não entendia a magnitude de tudo aquilo, mas ter um amigo que vinha de um lugar diferente bastava.

A Matilha do Sul era muito diferente, não importava o quão revolucionário fosse ou o quanto suas ideias fossem boas, eles se agarravam às tradições com unhas e dentes e esperavam pela partida do jovem herdeiro para cumprir o seu papel mantendo a aliança com a Matilha das Montanhas.

Gostava da vida que tinha, mas não conseguia evitar ter inveja de Luis quando escutava das mudanças que ele implantava, sonhava em fazer o mesmo, mas as condições eram diferentes, eram herdeiros diferentes.

Enquanto sucessor da Matilha das Montanhas, Luis tinha recebido todo o treinamento para ser o que um líder promete, enquanto ele tinha aprendido a ser uma esposa, a vida toda rodeado de etiquetas, pois para nada mais servia os primogênitos da Matilha do Sul.

— Sim, ótima noite, não tão oportuna para uma visita diplomática, mas agora já estamos todos aqui. Eu estava fugindo e você sabe porque, eu achei o amor da vida e não estou disposto a abrir mão disso por uma tradição.

Sempre determinado, Luis realmente nunca mudaria. Fernando deu um sorriso, mas por dentro já sabia o que aquilo significava e temia pelo futuro de ambos.

— Sim, entendo sua coragem Luis, às vezes você esquece que somos noivos desde os 8 anos. Meu povo me pressiona, minha matilha não é tão liberal quanto a sua, posso estar fazendo lentos avanços, mas minha cultura é diferente e meu irmão também não ajuda já que ele quer mais do que tudo a liderança após eu partir, eles não vão aceitar que o herdeiro primogênito ômega não forme laços de sangue com a matilha das montanhas.

Sempre aquelas tradições estúpidas atrapalhavam sua vida.

— Você pode formar laços de sangue com a nossa matilha, só não especificamente comigo.

Fernando agora revirava os olhos, já prevendo a saída de Luis para aquela situação.

—— E com quem eu me casaria? Com qual irmão seu? Pelo que sei você é filho único e não há nada que possa mudar isso.

Realmente, Luis sabia que sua saída era absurda, mas era a única que tinham.

— Não precisa ser especificamente com a minha família, todos na Matilha das Montanhas são um, passe um tempo aqui e escolha alguém para ser seu noivo, não é o ideal, mas é a melhor saída que temos, você manteria sua honra e eu estaria com quem amo. Além disso, você não se incomoda nem um pouco com a ideia de casar com alguém que você nem ama ou conhece direito? Sinceramente, você me assusta.

Fer apenas o olhou de volta com a expressão gelada e impassível de sempre.

Lógico que se importava, que queria uma vida calma e tranquila dividindo os dias com alguém que amasse e criando seus filhotes para correr por aí, a diferença é que tinha aprendido a colocar suas responsabilidades acima da sua felicidade.

Todo aquele assunto fazia a cabeça de ambos latejar, casar-se com um qualquer da matilha não traria consequências muito diferentes de não casar, perderia a honra de qualquer maneira e passaria o resto da vida longe de seu lar.

— Eu vou pensar, as consequências serão as mesmas e há também a possibilidade de meu irmão querer iniciar um conflito com vocês, ele é jovem, mas a cabeça funciona como a de um ancião, um herdeiro primogênito omega com um simples lobo qualquer? Ele não vai aceitar de maneira alguma e obrigada pela parte que me sensibiliza, Luis, mas sim eu me importo e estou tão incomodado quanto, só que é muito melhor me sacrificar num casamento do que colocar todos em risco num conflito sem sentido.

— Você tira todo o glamour do amor, sabia? Não que seja divertido por vidas em risco mas é revigorante saber até onde iria por amor.

— Ok Luis, você está apaixonado, entendemos, mas agora não é hora para ficções, você tem que entender que é um problema real, se não conseguirmos achar alguem para eu me casar e ainda, se meu irmão não aceitar isso nós entraremos em conflito, em guerra por honra, entenda que eu sou um titulo, nada que eu disser vai para-lo ou parar meu povo depois que começar

A Matilha do Sul, sempre tinha sido complicada, viviam praticamente isolados do mundo ou da tecnologia, sendo especialmente violentos e fechados, aquela tradição foi criada exatamente para evitar guerras por território.

— Eu vou pensar no que fazer, nem que eu tenha que viajar, mas vamos dar um jeito. Está um pouco tarde e sua viagem foi longa, fique a vontade para se instalar em um dos quartos aqui de casa ou na vila.

Sem esperar resposta, deu apenas um aceno para os presentes e um olhar significativo para Carlos enquanto saia em busca de Gabriel, não deixaria tudo acabar sem nem mesmo se explicar.

Vendo Luis sair Fernando suspirou, sabia que ele era competente quando queria, mas parecia que nesse ele estava escolhendo ser negligente com o assunto, mas ele sabia muito bem como aquilo poderia acabar se providências reais não fossem tomadas.

— Carlos, você sabe do que eu estou falando falando, estou falando de sangue, de tortura e prisioneiros de guerra, subjulgação. Meu povo, apesar de muito querido a mim, é extremamente intolerante e um quanto sádico, vocês não querem entrar em guerra por uma questão estúpida como casamento, você tem que dar um jeito, aproveito meus privilégios para dizer que não é um pedido.

Carlos entendia e pensava da mesma forma que Fernando, Luis estava com a cabeça em outro lugar, mas sabia que arranjaria mais briga se apontasse isso, teria que dar um jeito sozinho, estando preparado ou não.

— Eu entendo, mas também não sou o líder dessa matilha, farei o que estiver ao meu alcance.

— Entendo, de fato estou exausta, embora não seja um caminho longo, as preocupações pesam demais, se importaria de me mostrar um quarto de hóspedes?

Naquele momento Carlos quis dar um tapa no próprio rosto, mais problemas, o único quarto de hóspedes disponível estava ocupado por Gabriel e por mais liberal e compreensivo que Fernando fosse, duvidava que ele aceitaria dormir no sofá da sala enquanto estava numa visita diplomática.

— Claro, só um momento enquanto arrumo o quarto.

Andou calmamente até a saída do escritório, mas assim que já não estava mais no campo de visão dos convidados correu para o quarto de hóspedes pegando tudo que conseguia ver e levando para o quarto de Luis.

Gabriel o perdoaria por isso depois, mas era uma emergência.

Quando conseguiu organizar o quarto para uma nova pessoa e checou o banheiro, voltou ao escritório e chamou Fernando, que lhe deu um polido agradecimento e se trancou lá dentro.

Estava cansado, não sabia onde estava Luis, não sabia o que ia fazer, tudo tinha se transformado num caos em questão de horas.

Mesmo que tentasse, não conseguiria fazer nada, então apenas ligou para Denise pedindo para ela fazer algo gostoso no Jantar que ele estava quase chegando.

*********************************************************************************************************

Gabriel não conseguia acreditar. Como Luis tinha a capacidade de olhar em seus olhos, falar que estava perdidamente apaixonado por si e agora vir com a bomba de que estava noivo, de que iria se casar?

Assim que todos subiram ele ainda estava em choque pelo que tinha ouvido, mas ver o que estava acontecendo. Subindo as escadas foi guiado pelos barulhos até a porta do escritório.

— ... às vezes você esquece que somos noivos desde os 8 anos.

Seu coração deu um salto e começou a bater disparado.

Ele já estava com o futuro encaminhado muito antes de o conhecer, desde os 8 anos de idade. Não queria acreditar, depois de estar finalmente confiando e abrindo sua vida para Luis.

Sempre soube que sua vida não era justa ou doce, mas por um pouquíssimo espaço de tempo duvidou que isso fosse realmente verdade, o amor tinha vindo até ele, tinha amigos e dava risada, não se escondia mais.

Com uma simples frase tudo que vinha lutando para mudar na sua cabeça voltou como uma avalanche.

Com o coração apertado e com um fio de esperança de estar entendendo errado, Gabriel abriu uma fresta da porta e o que viu fez seu coração parar por um momento. Luis olhava para Fernando com compreensão enquanto pensava no que falar.

Sem esperar para ver o rumo da conversa, apenas negou com a cabeça e sem pensar muito foi correndo para o quarto que dividiam e se trancou no banheiro que tinha lá. Definitivamente um péssimo lugar para ir se lamentar, mas teria que servir até pensar para onde iria agora que tudo estava acabado

Escorregou pela porta até alcançar o chão e deixou as lágrimas correrem sem freio. Seu coração doía tanto que ele pensava estar morrendo. Como podia ter sido tão estupido a ponto de cogitar entregar-se a Luis?

Era óbvio que o maior não gostava realmente dele, mas as declarações, os momentos bobos e a carência faziam Gabriel acreditar que finalmente as coisas tinham se acertado e agora ele estava ali, com o coração despedaçado e sem rumo. Mas o que podia esperar? Luis já era um homem feito, bonito e dono de si, já ele era apenas um gordo virgenzinho, um lixo que mal conseguia fazer as coisas direito.

Pior do que saber que era apenas uma diversão de momento era ficar se lamentando por isso quando a culpa era apenas sua, se não tivesse se aberto com Luis não estaria sentindo tanta dor agora, se não tivesse esquecido de quem era.

Mas o que estava feito não podia ser mudado e ele decidiria o que fazer amanhã, por agora só queria chorar para deixar sua dor correr junto com as lágrimas.

Saindo do escritório, Luis procurou Gabriel pela casa toda, escutava a movimentação na parte de cima da casa, mas deveria ser apenas Carlos com Fernando e os outros homens.

Agora vinha a parte difícil. Como fazer Gabriel acreditar que ele não estava traindo e que tudo não passava de um mal entendido? Não suportaria ver toda confiança que trabalhou arduamente para conseguir desmoronar e escapar como areia por suas mãos.

Seguiu o cheiro de Gabriel no banheiro do quarto e disparou para lá, estranhou todas as coisas dele no seu quarto, mas não pensou muito a respeito.

Pela porta pode ouvir que o outro chorava baixinho, saber que era o causador daquilo doeu em si.

— Gab? Deixa eu entrar, vamos conversar sobre o que eu te disse.

.

Ouvir a voz do outro só fez Gabriel se encolher ainda mais no chão banheiro, não tinham mais nada para conversar, Luis estava noivo, tinha o usado até seu noivo chegar, fim da história.

— Vai embora, eu não quero falar com você, já está tudo bem explicado.

''isso vai ser mais difícil do que eu pensei'' Luis só aceitaria a possibilidade de Gabriel o deixar depois que estivesse tudo explicado, não deixaria mágoas mal explicadas os separarem.

— Se não quiser abrir a porta tudo bem, mas escute o que eu tenho pra falar e depois tome qualquer decisão, ok?

Sem esperar qualquer resposta do outro, ele se sentou no chão apoiando as costas na madeira da porta.

— Primeiro de tudo, eu não estava te usando, praticamente desde que nasci tudo foi planejado para mim, afinal eu sou o filho do Líder -- Riu amargurado -- Quando eu digo tudo é desde quem vai falar comigo até com quem eu vou casar, quando criança eu não ligava muito para isso, mas cresci, formei opiniões, fiz besteiras e aproveitei a vida, mas nunca deixei de lado o meu dever, assim como você eu também sou perseguido por tradições, a Matilha do Sul sempre foi muito violenta e o acordo de paz é sempre celebrado por casamento, eu deixei claro para o Fernando que não tenho intenção de causar uma guerra mas que também não vou abrir mão de você.

Gabriel agora estava na mesma posição, apoiado de costas para a porta e escutava atentamente o que o outro estava dizendo. A essa altura já tinha parado de chorar e soluçava levemente.

''Será que está mesmo falando a verdade? Bom, ele não estaria perdendo nada se mentisse, não é?''

— Então não eram mentiras todas aquelas coisas que você me disse todo esse tempo? — sua voz saiu um pouco embargada pelo recente choro.

— Não Gab, não eram. Acho que nunca conseguiria mentir pra você. — Deu um sorriso doce, mesmo que o outro não pudesse ver.

— Sabe Luis, isso que aconteceu agora foi só o velho choque de realidade, isso que estamos vivendo não é certo, eu não sirvo pra estar ao seu lado, só te trarei vergonha, você deveria desistir disso e assumir Fernando, ele tem esse ar quase nobre, é bem bonito e com certeza inteligente também.

Luis não queria ouvir aquilo, Gabriel era perfeito pra si. Amava o outro incondicionalmente, seu corpo, sua personalidade, o jeito que ele penteava o cabelo, a estranha mania de sempre colocar dois saquinhos de chá na caneca mesmo que apenas um fosse suficiente e até o jeito que ele dava várias voltas com os cadarços nas solas ao invés de dar um grande laço. Amava tudo que dizia respeito a Gabriel.

Decidido a dar um fim em todas aquelas besteiras que o outro pensava, levantou-se e deu um leve toque na porta.

— Abre a porta, por favor Gab.

Gabriel hesitou por um momento, não tinha certeza se queria ver Luis agora. As feridas do medo ainda estavam abertas.

No entanto, não podia se esconder para sempre naquele banheiro, o máximo que podia acontecer era ele dizer que tinha razão e expulsar-lhe de casa de uma vez. Nada com o que não pudesse lidar, pelo menos era o que pensava.

Assim que abriu a porta e caminhou para fora do banheiro, todas as suas convicções caíram por terra diante do carinho e arrependimento que irradiava daqueles olhos cinza. Ele nunca conseguiria se afastar de Luis, já o amava e se fosse preciso imploraria para ele não o deixar.

— Vem aqui comigo — Luis estava decidido a dar um fim em tudo ali mesmo. Seu lobo estava desolado por ver as orelhas fofinhas de Gabriel tão baixas e o rosto inchado pelo choro, saber que mentiras e paranoias causavam aquilo o deixava frustrado e impotente.

Sem pensar muito, Gabriel pegou a mão que o outro lhe estendia e foi guiado para frente do grande espelho que ficava no canto do quarto.

''Qual o objetivo de tudo isso?''

— Se olhe no espelho, me diga o que você vê.

— Luis pare com isso, eu quero um tempo para colocar as ideias no lugar e... — Antes que pudesse terminar de falar Luis segurou seu queixo e o fez olhar novamente para o espelho — Vamos, olhe no espelho e me diga o que está vendo.

Gabriel voltou seus olhos para o espelho e o que viu não foi muito animador. Estava com os cabelos totalmente bagunçados e as orelhas caídas, seu rosto estava vermelho e inchado, o nariz estava querendo escorrer e as roupas amarrotadas. Em sua opinião, o verdadeiro retrato da derrota.

— Eu vejo um homem de pele morena e olhos cinza que é muito bonito.

Luis deu um sorriso, nem tudo estava perdido então.

— Muito obrigado, mas e ao lado dele, o que você vê?

— Eu não sei...

— Vê? Isso é ótimo, antes você só via um monte de lixo e agora não vê nada. Quer dizer que você limpou o lugar — Passou os braços pelos ombros de Gabriel, o abraçando por trás — Agora precisamos encher essa casca vazia com algo, não dá pra deixar isso assim. Olhe bem na sua frente, não tem nada que você goste nesse rosto bonito?

— Não muito...

— Olhe bem, nos seus olhos, o que você vê?

— Talvez um pouco de bondade, não sei bem, nada fisicamente agradável.

—Sim, bastante bondade. E o que mais? — Aproveitou o envolvimento do outro e deu um pequeno beijo em sua nuca que o deixou todo arrepiado, aproveitaria as brechas que tinha, mesmo o momento sendo delicado, acreditava que com carinho conseguiria reverter toda a bagunça.

— Bom, talvez esses não sejam tão feios assim? Castanho é uma cor comum.

Gabriel não entendia onde Luis queria chegar com todo aquele diálogo estranho, para que ficar dizendo aquelas coisas frente a um espelho?

— Beleza, isso mesmo. Eles são os mais lindos que já vi, o que mais?

— Talvez doçura.

— Sim, muita, mais do que você pode imaginar — Mais um beijo, só que dessa vez viu que Gabriel começava a ficar mais vermelho e não era pelo choro — E amor?

— Muito amor sim, às vezes até demais...— Sussurrou a última parte.

— Se tem muito, você precisa colocá-lo para fora. Vamos, diga que me ama.

— O que!?— Quase se soltou do abraço com o sobressalto que teve. Como Luis esperava que ele falasse coisas assim sem mais nem menos? Aliás, a quanto tempo estavam abraçados daquele jeito? Ele deveria estar chateado.

— Não me ama? — Soltou Gabriel para inclinar-se um pouco e o olhar cheio de expectativa, tentando fazer a maior cara de cachorro que caiu da mudança que conseguia.

Gabriel se perdeu por um momento naqueles olhos cinza que naquele momento brilhavam como prata e sem pensar muito acabou soprando a resposta.

— Sim, amo muito — Assim que as palavras saíram ele arregalou os olhos e tapou a boca com as mãos.

''Droga, droga, droga, mil vezes droga. Porque eu fui falar isso logo agora, com todas as coisas que aconteceram hoje.''

— Quer dizer...Eu tenho um imenso carinho por ti, pelo que fez por mim, mas com tudo que aconteceu hoje eu não sei mais e...

— Você me ama ou não? — O cortou de começar a falar bobagens, apenas queria que Gabriel respondesse sua pergunta, se o conhecia bem tinha certeza de que ele continuaria dando desculpas que não levariam a lugar nenhum.

E como um estalo, todo o receio que Gabriel sentia se esvaiu e a compreensão do que esteve sempre na sua frente, mas ele era burro demais para aceitar, bateu.

— O tempo todo. Desde o primeiro segundo.

Luis pensou que morreria de felicidade ali mesmo, Gabriel o amava! Depois de todo o esforço ele conseguiu fazer o outro retribuir tal sentimento. Lágrimas até se acumularam no canto de seus olhos, mas ele precisava se controlar, depois gritaria, soltaria fogos e o que fosse, mas antes tinha que terminar o que começou.

— Que ótimo, então diga alto e com todas as letras.

Gabriel fez uma careta quando tentou falar e nada saiu, parecia que as palavras tinham se trancado em sua garganta, por que não conseguia falar algo que já tinha admitido para si mesmo que sentia?

— É...É difícil dizer...

— Sabe por quê?

— Não...

— Porque ninguém te disse isso, certo? — Gabriel apenas fez um sinal positivo com a cabeça.

— É difícil amar alguém ou até a si próprio quando ninguém te mostra como fazer isso, não somos máquinas que podem ser simplesmente programadas.

Virando-se para o espelho ele olhou diretamente para os olhos de Gabriel refletidos ali.

— Eu te amo, Gab — Por mais que dissesse abertamente que era apaixonado pelo menor, nunca tinha dito aquelas palavras, pois tinha decidido guardá-las para quando ele retribuísse — Viu só? Acabou de receber amor, agora pode me dar um pouco, vamos lá. — Tinha um sorriso divertido nos lábios

— Eu te amo, Luis — Uma lágrima de felicidade e alívio escorreu por seu rosto.

''Por que eu tenho que ser tão chorão o tempo todo?''

— Agora diga de novo, sem o meu nome.

— Eu te amo...

— Ótimo, agora olhe nos seus olhos diga — Distanciou-se um pouco para deixar apenas a imagem de Gabriel no espelho.

— Eu não consigo — Não conseguia mesmo, uma coisa era direcionar todo o seu amor a Luis, outra coisa era direcionar a si mesmo, ele não achava que merecia, era um defeituoso.

— Claro que consegue, olhe para esse corpo machucado pela falta de amor, de confiança, maltratado durante anos, não vê que ele merece sua atenção? Então, não rejeite esse corpo ferido que já te aguentou por tanto tempo e jamais reclamou, diga que ele é importante, que seu lugar é aqui, ao meu lado e ao lado de todos os outros que prezam pela sua presença, dê o que ele merece. Se você não conseguir amar a si próprio jamais conseguirá amar qualquer outra pessoa verdadeiramente.

E enfim Gabriel entendeu, ele era único, mesmo que defeituoso. Se não fosse desse jeito talvez nunca teria encontrado a felicidade, nunca teria conhecido seus amigos e principalmente, nunca teria encontrado Luis. Deu uma curta risada, como tinha sido bobo por tantos anos e voltando a olhar-se no espelho com um semblante tão leve como nunca teve antes, finalmente disse aquelas três palavras que achou que nunca diria.

— Eu te amo, Gabriel. Eu te amo...

Realmente, as coisas não eram instantâneas, mas admitir que poderia mudar e trabalhar a visão que tinha sobre si mesmo era um ótimo começo.

Naquele momento Luis estava tão radiante que o mundo podia acabar que ele nem ligaria.

Finalmente tinha tudo que queria, seu amado estava ao seu lado, por completo. Para tudo ficar perfeito só faltava completar seu vínculo, mas isso era apenas um detalhe, cumpriria sua promessa de esperar até o moreno estar pronto.

Foi até Gabriel lhe dando um beijo carinhoso na testa

— Eu estou tão orgulhoso de você. Eu te amo tanto.

Ainda dentro do abraço Gabriel passou a pensar em algo que tinha começado a lhe incomodar do nada.

— Hum Luís, seria o momento errado para dizer que estou pronto?

— Pronto pra que? Você não está falando do que estou pensando, não é? — Luis gelou por um momento, sentindo-se como um adolescente que via o momento de fechar os olhos para dar o primeiro beijo

— Luis eu quero me vincular com você e nossa, é tão estranho falar isso em voz alta, mas enfim, quero me deitar e me entregar a você como a muito deveria ter feito, mas o medo não deixava.

E naquele momento Luis sentiu as pernas bambas e coração bateu mais rápido.

Finalmente se deitaria com Gabriel e realizaria todas as fantasias que guardava no fundo de sua mente, não esperava que toda aquela tempestade estivesse na verdade lhe trazendo um pote de ouro no final do arco-íris... 

I don't wanna look at anything else now that I saw you
I don't wanna think of anything else now that I thought of you
I've been sleeping so long in a 20-year dark night
And now I see daylight, I only see daylight

I wanna be defined by the things that I love
Not the things I hate
Not the things that I'm afraid of, I'm afraid of
Not the things that haunt me in the middle of the night
I, I just think that
You are what you love

 


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Notas finais do capítulo

Se voce chegou ate aqui parabens ahaha serio ate eu cansei escrevendo, imagina ler!! Eu amo esse capitulo e amo o Fernando, serio meu personagem fav. Sim eu nao sou a deusa do desenvolvimento mas fazer o que, sei que a historia ta meio corrida mas é o meu melhor gente, quem sabe alguem beta ou daqui uns anos sai a versao revisada

Essa cena do espelho eu vi uns anos atrás num filme mas nao tenho ideia do nome, se souberem me digam kkkkk tanto que só coloquei pq essa parte ja tava escrita aqui no drive tem uns bons anos.

Não sei quando sai o proximo, fiquei exausta escrevendo mas tenho ideias entao talvez nao demore tanto.



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