Defeituoso escrita por ohmygiu


Capítulo 4
I was enchanted to meet you...


Notas iniciais do capítulo

Gente Olaa! Sei que eu demorei um pouco mas ainda estou pegando jeito haha Sobre esse capitulo eu não tenho muito o que falar porque ele foi até que fácil de escrever. Muito obrigada pelos comentários e por estarem acompanhando. Se tiver algum erro muito grave me avisem por favor e eu só não vou falar mais aqui porque são 3:15 e eu estou com muito sono.



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Quando acordou, a primeira coisa que Gabriel percebeu foi que dormir no banco de passageiro inclinado foi um erro, todo o seu corpo doía como se tivesse levado uma surra, até sua cauda estava dolorida por ter ficado muito tempo enroscada em sua cintura já que tinha esquecido de libertá-la da camiseta ontem a noite. 

A segunda coisa que percebeu é que já era dia e que ainda estavam na estrada. Se espreguiçou como dava naquele espaço apertado e olhou para o homem ao seu lado que dirigia  concentrado mesmo com o cansaço estampado em seu rosto.

— Bom dia, ainda falta muito para chegarmos? Eu perdi o turno da manhã no bar, vou ter que virar a noite lá para compensar, é sábado então o movimento é muito grande.

Dando uma desviada da estrada para Gabriel, Luis avaliou a cara um pouco amassada, os cabelos tão bagunçados que quase escondiam as orelhas, o olhar ainda meio perdido pelo sono e a cauda que agora aparecia pela calça — "Tão fofo"

— Bom dia, espero que tenha dormido bem apesar de não estar num lugar tão confortável.  — Deu mais uma olhada para o lado, mas logo voltou seus olhos para a estrada — Depois que eu tirar um cochilo de pelo menos doze horas, nós iremos conversar para deixar tudo claro, mas já adianto para não se preocupar, já resolvi tudo da sua demissão lá. 

Gabriel arregalou os olhos. Como assim demissão? Ele precisava daquele emprego para pagar as contas e de vez em quando bancar um lazer.

— O que? Você ficou doido? Eu não trabalho lá porque quero e sim porque preciso! Eu tenho contas e...

— Por favor, não grite! Eu estou com dor de cabeça — suspirou — A partir do momento em que veio morar comigo não precisa mais se preocupar com contas, eu arcarei com todas as suas necessidades, mas se quiser trabalhar para ocupar o tempo eu posso ver alguma coisa na vila, se não me engano Sara estava precisando de ajuda na floricultura.  

Mesmo que a situação fosse totalmente bizarra ele ficou aliviado por ter se atentado ao detalhe ''morar comigo'' e a oportunidade de ter um trabalho melhor que lavar pratos e servir jovens soberbos, isso significava então que não seria jogado na Casa de Rubis, pois os lobos que lá ''trabalhavam'' eram proibidos de sair, condenados a servir até o final de suas vidas. 

— Então se você não vai me jogar na Casa de Rubis porque me obrigou a vir pra cá?

Luis o olhou incrédulo, sem acreditar que o menor tinha imaginado que ele ia mandá-lo para um prostíbulo.

— Você achou que eu ia te jogar naquele lugar? Que tipo de Alfa você pensa que eu sou? Desde que assumi eu tenho tentado fechar aquela prisão mas grande parte da matilha ainda é muito conservadora e seguem à risca as Grandes Lendas, acredito que com o tempo eles vão acabar cedendo. Sei que isso não responde a sua pergunta, mas eu já disse que só vou esclarecer as coisas mais tarde, se apronte que já estamos quase chegando em casa.  

Gabriel decidiu não falar mais nada, afinal, não teria as respostas que queria mesmo, porém a confirmação de que não ia para a Casa de Rubis o aliviou muito, mesmo que sua vida não fosse boa não merecia ir para lá.

Virou-se um pouco para olhar a paisagem e percebeu que estavam muito longe de onde costumava morar, por todo lado só enxergava altas árvores, a densa vegetação que formava a floresta e a estrada de terra por onde estavam indo. Era sem dúvida um lugar quase paradisíaco.

Assim que Luis fez uma curva, eles entraram no que parecia uma pequena cidade que não aparentava ter mais do que 1000 habitantes. Enquanto passavam, ele podia ver alguns comércios como um mercadinho, um restaurante e até uma farmácia, o que era incomum já que lobos quase nunca ficavam doentes. 

''Até que deve ser legal morar por aqui, é bem calmo" Pensou distraído.

Percebeu que tinham chegado quando o carro parou na frente de uma casa toda feita em madeira, particularmente afastada do resto da vila, perto da porta tinha um homem em pé com uma carranca intimidadora. 

— Vem, nós já chegamos. — Chamou Luis já saindo do carro.

Quando saiu, Gabriel quis voltar imediatamente, estava um calor insuportável e um clima abafado. Ele definitivamente odiava o calor, a estação sempre pedia roupas mais curtas e o fazia suar até estar totalmente nojento, fora que o mau humor sempre lhe abatia em dias quentes. 

Fez uma cara de desgosto e foi até a porta vendo que Luis estava levando uma bronca pois fazia uma expressão de cachorro que caiu da mudança enquanto o outro homem continuava muito sério.

— Você devia ter esperado! Sabe que não pode ficar longe por muito tempo, ainda mais com os problemas de agora. Porque foi lá mesmo sabendo que os homens que mandou dariam conta do recado? — O desconhecido estava realmente irritado, o que confundiu um pouco  porque até onde sabia Luis que era o Alfa.

— Ai Carlos não seja chato, eu só estava ansioso! Eles estavam demorando muito eu só quis checar, não tem nada de errado nisso

— Para checar, você poderia ter ligado ou mandado eu ir, não é mesmo? Mas tanto faz, não tem o que fazer agora. Você deve ser o Gabriel, certo? — Dirigiu a atenção para Gabriel enquanto ignorava as desculpas que Luis estava tentando dar.

Já estava acostumado com os pequenos escapes do amigo, ele conseguia ser extremo em tudo, uma hora era o líder que precisavam, tomando decisões como um verdadeiro governante e horas depois conseguia se comportar como um adolescente pego fazendo arte.

— Ah sim, prazer em conhecê-lo — Deu um pequeno aceno com a cabeça.  

— Eu sou Carlos, beta e melhor de amigo do Luis. — Deu um sorriso sério, mas que ainda transparecia certa simpatia

Carlos era um homem alto, de olhos castanhos, com os cabelos  também castanhos cortados em um corte militar e um porte atlético no mínimo intimidador, com certeza não era alguém com quem você gostaria de trombar na rua e a expressão séria junto da cicatriz em sua bochecha só reforçava esse visual. Pôde ver que ele era vinculado, pela brecha de sua regata estava estampada a cicatriz da mordida entre o ombro e o pescoço. 

Ele e Luis se conheciam desde que nasceram e compartilharam praticamente todos os momentos, bons e ruins, da adolescência e fase adulta.

— Ele se diz meu amigo, mas age mais como se fosse minha mãe! — Luis queria provocar um pouco o amigo só para não perder o costume.

— Se você se comportasse, eu não precisaria ficar falando! Gabriel, você sabia que eu tenho até que mandar ele escovar os dentes! — O fato do menor estar finalmente ali era uma ótima oportunidade para contar os podres do amigo e se Luis queria jogar ele estava mais do que disposto.

— Carlos cala boca! Para de colocar mentiras na cabeça dele, você sabe muito bem que foi só daquela vez que eu esqueci. — Deu um empurrão no amigo que revidou e logo estavam se batendo como crianças de 10 anos. Até o ponto em que Carlos deu uma chave de braço em Luis, que para se soltar começou a lamber a mão que o prendia. 

— Ai pelo amor de Deus!  Luis, você é um nojo! — Se soltou limpando a mão cheia de baba na regata enquanto fazia uma careta enojada. 

Luis apenas deu uma gargalhada tão escandalosa que o fez segurar a barriga que doía e até sentiu lágrimas em seus olhos. Gabriel, que estava apenas observando também começou a rir, era confuso associar o Luis que ria distraidamente depois de uma brincadeira com o autoritário e provocador que estava em sua casa.   

— Agora que já te atormentei um pouco, preciso de um favor, será que você pode levar o Gabriel para comer alguma coisa na vila? Eu acho que não tem nenhuma comida aqui, eu vou só tirar um cochilo, estou cansado de dirigir a noite toda — Disse enquanto destrancou a porta com uma chave que estava em seu bolso. 

— Sim, não tenho nada  pra fazer agora e vou apenas fingir que não escutei que não tem comida nessa casa.   

— Você sabe que eu não tenho tempo para fazer compras — espreguiçou-se e soltou um bocejo — Bom, vejo vocês mais tarde. 

Subiu as escadas e Gabriel entrou no carro que estava parado ali na frente, não vendo muita alternativa.

— Normalmente eu perguntaria se gosta de algum tipo específico de comida, mas aqui na vila só tem um restaurante, então espero que goste.

— Sem problemas — Estava com tanta fome que comeria qualquer coisa que pusessem na sua frente. 

No balanço do carro até a vila, ele olhava para a paisagem e se perguntava sobre tudo que estava acontecendo.

''Porque eu estou aceitando tudo isso tão passivamente? Porque ele foi me buscar se não é  para servir na Casa de Rubis? Porque não estou com saudades de casa ou preocupado com a minha mãe? ''

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Assim passaram no pequeno restaurante e comeram apenas um lanche reforçado já que era cedo demais para almoçar, durante a refeição ele e Carlos conversaram bastante, mas apenas amenidades sobre o clima e a comida e por mais verde que Gabriel tentasse jogar, não tinha conseguido nenhuma dica do porque Luis decidiu trazê-lo. 

Depois que terminaram, percebeu que haviam duas crianças apontando em direção às suas orelhas e a realidade bateu, ele tinha esquecido de escondê-las quando saiu do carro e estava com tanta fome que nem prestou atenção quando chegaram. Parando para olhar em volta percebeu que mais pessoas olhavam e apontavam como se ele fosse uma aberração. 

Carlos, notando os olhares, tratou de pedir a conta e distrair Gabriel dizendo que tinham que ir na floricultura para ver se ele gostaria de trabalhar lá.

Mesmo que tudo fosse muito perto ele fazia questão de ir de carro para não expor o menor, não que ele tivesse vergonha ou algum preconceito, mas sim porque sabia como as pessoas conservadoras de uma cidade pequena podem ser más. 

Gabriel já tinha relaxado um pouco, mas ainda tinha receio do que poderia vir a acontecer.

Quando chegaram na floricultura logo foram atendidos por uma mulher baixinha e gordinha que tinha um sorriso muito doce.

—Olá, Como estão? Posso ajudar em algo?

— Oi Sara, estamos bem, esse aqui é aquele menino que o Luis falou, lembra? Viemos aqui porque ele falou que você precisava de ajuda e quem sabe o Gabriel pode ajudar, né?

— Ah sim! Então ele é o famoso Gabriel de quem Luis tanto fala, venha aqui para eu te cumprimentar direito — Limpou as mão no avental que estava em sua cintura e puxou Gabriel para um abraço — Sei que no começo as coisas não são fáceis, principalmente pela sua condição, mas te garanto que será feliz aqui. Ah e sobre o emprego, fico feliz que queira me ajudar, mas primeiro tenho que falar com Jonathan, Deus sabe que aquele homem enfartaria se eu contratasse alguém sem consultá-lo antes.

— Obrigado pelas palavras gentis. — Ele não sabia muito bem como responder a mulher, mas tinha gostado bastante dela.

— Então se resolveu com Jonathan? Achei que tinham terminado de vez. — Carlos parecia se divertir com o jeito exagerado da mulher

O fato era que alguns dias atrás, quando tinham se reunido na casa de Luis para beber e conversarem, ela reclamou que seu companheiro, Jhonatan ou apenas Jhon, estava sufocando-a com tanto carinho do nada, não que ela fosse uma ingrata, mas não aguentava mais as melações e estava disposta a terminar seu relacionamento de longos 7 anos.

—  E eu consigo me livrar daquela praga que o destino fez pra mim? Se bem que ele está chateado porque eu recusei a ideia de termos filhotes, isso mesmo que você ouviu, filhotes! Por isso de toda aquela palhaçada da semana passada. Ele está muito enganado se acha que vou deixar algum pãozinho entrar nesse forno. — Ela parecia realmente indignada.

— Ah não seja chata, tenho certeza que seria uma ótima mãe.

— Ai Carlos vai passear, vai. Não quero mais um falando na minha cabeça sobre filhotes. Gabriel, quando eu tiver a resposta ligo para Luis e peço para ele te avisar, ok?

— Tudo bem, obrigado pela oportunidade.

E como não tinham mais nada para fazer ali foram embora, mesmo que Sara tivesse insistido para Carlos montar um buquê para sua esposa Denise, ele apenas alegou que não fazia o estilo romântico. 

Aproveitaram que ainda era cedo e deram mais algumas voltas pela cidade, quando já era 15h pararam para almoçar no mesmo restaurante, só que dessa vez pegaram uma mesa um pouco mais afastada. 

Depois de comerem, Gabriel sugeriu que fossem ao mercado porque aparentemente ele moraria junto com Luis e não pretendia morrer de fome só porque ele esquecia de comprar comida. 

Aproveitaram o caminho e passaram outra vez na floricultura para ver se Sara queria alguma coisa e ela apenas entregou uma pequena lista e um cartão. Assim, entre fazer as compras, parar para lanchar e levá-las até a casa da mulher, eles gastaram um dia inteiro e já era quase 22h30 quando pararam na frente da casa de Luis. 

Enquanto Gabriel pegava as sacolas, Carlos ia abrindo a porta e assim que entraram notaram a casa escura, as janelas todas fechadas e silenciosa. Deixando as sacolas no balcão e já se preparando para dar uma bronca, Carlos subiu as escadas com Gabriel lhe seguindo. Foi até uma porta branca no fim do corredor que estava entreaberta e entrou já acendendo a luz e gritando. 

— Puta merda Luis! Já são quase onze horas e você ainda está dormindo, nem a janela abriu para entrar um ar na casa! 

O outro que estava em um sono profundo deu um pulo pelo susto que levou e sentou-se esfregando os olhos.  

— Ai calma Carlos, eu estava dormindo, poxa.

— Poxa nada! Trata de levantar e fazer alguma coisa da vida, amanhã nós temos muita coisa pra resolver. Eu vou indo porque Denise já me ligou três vezes. Se cuida e tchau Gabriel, te desejo muita sorte.

Se foi resmungando sobre como Luis era irresponsável e bateu a porta da sala quando saiu.

Gabriel, que estava apenas olhando a situação, ficou vermelho de vergonha com seus pensamentos nada castos avaliando Luis, que no caso estava deitado com apenas um edredom cobrindo a parte de baixo de seu corpo e o tronco desnudo, dava pra ver que tinha uma tatuagem na barriga, mas não conseguiu distinguir o desenho.

—  Como foi o seu dia? Senta aqui, está na hora de te dar algumas respostas — Deu um sorriso charmoso enquanto dava batidinhas na cama para indicar onde ele deveria sentar. 

Por um momento Gabriel sentiu a respiração falhar, não sabia se pela ansiedade de esclarecer tudo ou por ficar tão perto de Luis.

Gabriel sentiu as bochechas corarem e ficou morrendo de vergonha. Não tinha nada demais acontecendo, mas sua mente fazia questão de interpretar tudo errado, principalmente depois que percebeu que Luis estava usando  apenas uma cueca. 

Estava viajando para lugares que não se importaria de ir, porém agora não era a melhor hora. Para começar, não devia nem fantasiar com um estranho, ainda mais quando esse estranho o levou  à força para um lugar que não conhecia e tomou decisões como se tivesse total controle sobre sua vida. 

— Bom, quer falar do seu dia ou ir direto para a parte séria? — Luis tinha deitado novamente e estava virado para Gabriel enquanto abraçava um travesseiro. Ainda sustentava uma cara de sono e seu cabelo estava todo bagunçado.

— Vamos direto ao ponto, estou cansado, quero tomar um banho e  ir dormir. — Foi curto e objetivo, não estava conseguindo se controlar muito bem e por mais que não conhecesse  Luis, não queria que ele pensasse que era um pervertido solitário. A melhor alternativa era acabar a conversa o mais rápido possível.

— Ok, então me fala o que você sabe sobre sua condição e sobre os lobos em geral, acho que terei que explicar mais algumas coisas antes — Usava um tom calmo e esperava estender aquela conversa o máximo possível, tinha percebido como o outro reagia a proximidade, ainda mais enquanto estava praticamente despido e aquela carinha vermelha era a coisa mais fofa que já tinha visto. 

Gabriel parou para pensar por um momento, não sabia muitas coisas já que sua mãe praticamente não falava sobre isso e a internet só mostrava bizarrices, o que era compreensível porque os lobos viviam separados dos humanos. 

— Eu sei que nasci aqui e que minha mãe foi expulsa depois disso, mas ela nunca me falou o motivo. Também não sei que fim deu meu pai porque ela não quis contar quando perguntei.  Sou um ômega e sei disso pela marca em meu ombro — Mostrou a pequena marca em forma de meia lua em seu ombro direito —  Mas não sei bem o que ela significa de verdade, além disso, não posso me transformar e meu lobo nunca se manifestou, consequentemente, não tenho poderes. Sei dos papéis dos Alfas, ômegas e betas, mas não como isso funciona na prática já que nunca estive numa matilha — Deu um olhar perdido procurando em sua mente mais algum detalhe que pudesse ser relevante — Acho que só, Mirela não gostava de explicar as coisas.

Luis percebeu que teria que explicar muitas coisas, o outro não sabia praticamente nada sobre sua raça ou o que tinha acontecido com sua família.

''Será que devo falar daquilo agora ou seria melhor deixar pra lá esse assunto da mãe dele, não sei se ele vai reagir bem com toda a informação de uma vez...'' 

— Olha, eu vou te contar tudo porque percebi que antes de falar dos meus motivos, você precisa conhecer sua própria história,  mas tem que me prometer que só vai julgar depois que eu terminar, ok? É algo bem complicado — Apesar de se mostrar calmo, estava preocupado com a reação do menor

Gabriel deu apenas um aceno com a cabeça. Não sabia o que poderia ser tão sério, nunca nada muito fora do comum tinha acontecido.

— Há dois anos atrás, quando eu tinha dezoito anos e estava assumindo o título de líder da matilha, pedi para o meu pai me contar sobre todos os seus feitos, ideias e erros no tempo em que comandou só para  ter uma noção mais real dos limites e foi aí que ele me contou do seu maior feito, que para mim, foi seu maior erro. — Soltou o travesseiro e sentou na cama, como se julgasse aquela postura mais adequada para o assunto. 

Não era segredo que Luis e o pai tinham visões totalmente diferentes sobre os valores da vida e comando de uma matilha. Não achava que o conservadorismo exagerado e uma fiel crença às Grandes Lendas, que tinham sido criadas incontáveis gerações atrás, eram o caminho para uma boa e feliz matilha. Muitos dos preceitos ali seguidos beiravam ao ridículo, além de serem extremamente segregadores e preconceituosos. 

Essa diferença de valores quase colocou a liderança de Luis em jogo, mas no final o velho Mikel já estava lutando contra o tempo para permanecer vivo e não haviam outros herdeiros. Assim, anos depois, Luis ainda tentava mudar gradualmente os valores da matilha e mesmo que fosse um trabalho exaustivo e até mesmo perigoso, ele seguia pois sabia que os frutos seriam excelentes a longo prazo, mesmo que provavelmente não fosse viver o suficiente para contemplá-los. 

Ao notar o olhar envergonhado de Gabriel decidiu que seria melhor por uma roupa, o assunto era sério e queria que o outro prestasse atenção no que tinha a dizer. Se tudo fosse conforme seus planos, eles teriam muito tempo para aquele tipo de coisa. 

— Gabriel, eu ficaria assim o dia todo só para ver essa sua carinha enquanto me seca, mas neste momento preciso de você atento — Se levantou da cama indo até um grande guarda-roupa no canto do quarto e pegou um dos vários pijamas arrumados na gaveta.

— Eu não estava te secando, não é nada disso que você está pensando... — Sussurrou a última parte mais para si mesmo. Se achava que já estava morrendo de vergonha antes, agora estava faltando apenas o caixão para se enterrar. O outro poderia ter um pouco mais de consciência e não ficar jogando aquelas coisas em sua cara.

Luis voltou para a cama já devidamente vestido com uma camiseta vermelha que combinava com a calça cheia de padrões também em vermelho, tinha pego um grande livro em algum momento, o colocando sobre a cama e ficou sentado com as pernas cruzadas de frente para Gabriel. 

— É tanta coisa que nem sei por onde começar. — Abriu o livro com cuidado e separou algumas das primeiras páginas 

— Como você nunca viveu nesse tipo de sociedade, dentro das matilhas, o que rege a moral, os costumes e todas as outras regras são as Grandes Lendas, basicamente esse livro muito velho escrito gerações atrás numa tentativa de colocar ordem no território dos Lobos. Os Grandes Anciãos têm o dever de perpetuá-las durante as gerações, garantindo que a matilha não entre em colapso, eles agem como um Conselho para o líder, direcionado o que ele pode fazer ou deixar de fazer. O problema é que para garantirem que ninguém se desvie desses valores, eles implantaram uma cultura do medo e castigo, dizendo que quando são quebradas surgem castigos divinos que trarão ruína para a matilha inteira e muitos aqui acreditam que você nasceu assim justamente como um castigo para a transgressão dos seus pais. — Por mais que tivesse tentado escolher cuidadosamente as palavras, o olhar que recebeu o fez perceber que não deu certo o plano de não deixar o menor triste e confuso  — Olha, eu não acredito que você seja um castigo, mas precisava contar, se quiser eu posso pular toda essa parte e falar de outra coisa, a gente pode continuar essa conversa amanhã.

Em seus dezoito anos de vida, Gabriel já tinha imaginado mil coisas que poderiam tê-lo feito nascer do jeito que era, entre elas má formação e apenas falta de sorte, mas pensar que era uma punição, uma praga para os erros de seus pais o deixou desolado. No entanto, precisava saber o que eles tinham feito de tão ruim para merecer um castigo dessa magnitude. 

— Não se preocupe, pode continuar. Eu só preciso saber o que eles fizeram.  

— Eu gostaria de achar outras palavras para dizer isso, mas basicamente,  seus pais cometeram um dos piores pecados dentro das Grandes lendas, o pecado do incesto. Eles eram irmãos de sangue e por muitos anos mantiveram um romance escondido, porém num deslize, seu pai acabou reivindicando sua mãe e com a enorme marca no pescoço todo mundo ficou sabendo. Meu pai me disse que na época foi um escândalo porque Ícaro, seu pai, era um dos chefes de guarda da matilha, ou seja, o braço direito do Alpha, uma peça super importante da matilha, que supostamente deveria mostrar exemplo de bom cumprimento dos valores — Olhou para o lado claramente desconfortável, não gostava daquele assunto — Resumindo tudo, a pena por incesto é a morte e ela foi aplicada no seu pai, já que ele era uma pessoa influente, só que um dos Grandes Anciãos tinha a esperança de que o castigo não recairia sobre uma criança, mas era apenas um deles ele contra o líder e os outros anciãos. No fim ficou decidido num consenso que manchariam o sobrenome da família e exilariam você e sua mãe para que ela pudesse te criar, mas não deu muito certo, né? Não se sabe muito sobre o resto da sua família também, apenas que na época eles ficaram extremamente enojados e deixaram a matilha na surdina indo viver em outro país, mas ninguém sabe qual. 

''Ok, muita informação de uma vez...Agora o comportamento de Mirela faz sentido pra mim, ela perdeu tudo de uma vez por causa de um deslize. Mesmo sabendo de tudo é difícil perdoá-la"  Gabriel estava começando a encaixar as peças, o porquê de o olharem estranho na vila, a hostilidade dentro de casa, quase tudo se encaixava, só a parte do sobrenome que não fazia nenhum sentido para si.

— O que é isso de manchar o sobrenome?  

Luis queria passar para o assunto bom logo, ficar remoendo aquelas histórias do passado só ia atrapalhar seus planos.

Passou mais algumas páginas do livro e quando achou o que queria virou para Gabriel.

Observando mais de perto, no livro tinha uma enorme árvore desenhada com centenas de nomes em volta, assim como alguns borrões pretos que pareciam rasurados

— A população de lobos vem diminuindo a cada ano e muitas famílias procuram pretendentes para casamentos arranjados, só que não pode ser qualquer um, então eles consultam a Árvore Sagrada, que realmente é uma árvore gigante no meio da floresta toda entalhada, do jeitinho que você está vendo aí no desenho e serve como uma árvore genealógica, toda vez que alguém nasce aqui, o nome é marcado na árvore na parte de sua respectiva família. Enfim, se a família em questão não é considerada digna, o sobrenome vai estar manchado, quer dizer que todos os membros quebraram algum preceito muito importante e estão igual  a esses borrões e eles são proibidos de dar continuidade a família. É uma coisa muito antiga e complicada, só os mais tradicionais ainda consultam isso e é uma coisa que estou tentando mudar hoje em dia.  

— Isso quer dizer que eu nunca vou poder formar uma família?

— Depende, só se tentar se vincular com um lobo que segue essas tradições à risca. Você vai entendendo essas coisas com o tempo, se quiser saber algo mais a fundo pergunte para o Carlos, ele vai saber explicar melhor do que eu, apesar de estudar minha vida toda para ser líder nunca fui o aluno prodígio — puxou o livro de volta, fechando com cuidado e colocando de volta na estante em que tinha pego no canto do quarto.

 —  Vamos falar do que realmente interessa, o porquê de você estar aqui 

Agora estava com um tom empolgado, já tinha imaginado muitas vezes aquela situação e mesmo assim não se sentia preparado, seu coração disparado era a prova disso.

 — Depois que meu pai me contou todas as coisas eu quis saber o que tinha acontecido com a criança que foi exilada, o que me levou até você. Na época você ainda estava no segundo ano do ensino médio e desde aquele momento fiquei encantado e queria vê-lo sempre, só que eu sou um líder e não dá pra ficar sempre viajando para a cidade e deixando a vila, então a melhor ideia que tive foi a de trazer você pra cá.

O que parecia muito simples para Luis estava fritando o cérebro de Gabriel. Era totalmente bizarro você se encantar  e usar isso como justificativa para trazer uma  pessoa que nem conhece para perto.

— Isso quer dizer que você é um stalker que foi longe demais, não é? — Depois de ouvir tudo aquilo estava começando a ficar com medo. 

Luis se inclinou mais para perto, deixando o rosto próximo de Gabriel e seus lábios quase  se roçando.

— Não Gabriel, isso quer dizer que eu sou perdidamente apaixonado por você desde a primeira vez que te vi e que te trouxe para ter a oportunidade de te cortejar de forma adequada e conquistar até que aceite ser meu companheiro para toda a vida — Sussurrou como se fosse um segredo  e sem esperar resposta, selou a pequena distância que impedia seus lábios de se encontrarem.  

I'll spend forever wondering if you knew

I was enchanted to meet you


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Notas finais do capítulo

Vou começar aquelas curiosidade com a origem do nome do Luis :)
A muito tempo atrás tinha uma fanfic aqui no site que era a minha preferida da vida e os protagonistas eram o Luis Romanove e o Drake Medley (se não me engano no sobrenome) e, por ter virado crente, a autora excluiu a conta falando que aquilo a incomodava. Eu logicamente chorei horrores e ele só tem esse nome como uma espécie de homenagem para os meus falecidos, inclusive a sua tatuagem é igual a que o Drake tinha no braço. Já a sua personalidade (que não tem nada a ver com a do Luis R.) é praticamente um mix de todos os personagens de fanfic pelos quais eu já me apaixonei tipo o João Paulo de Bilhetes e o Capitão de Inner Beauty.
Até o próximo.