Contagem Regressiva escrita por Winston


Capítulo 1
O Pacote




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/721222/chapter/1

Um, dois, três. Direita.

Os pés de Angela batiam contra os pequenos laguinhos formados nos buracos da calçada pela chuva que acabara de passar, seus lábios quase não se mexendo enquanto murmurava o caminho.

Cinco, seis, sete, oito. Esquerda.

Até o momento apenas o barulho de seus passos poderiam ser ouvidos pelas ruas escuras e desertas da cidade, que estava dormindo depois de mais um dia onde tudo e nada acontecera ao mesmo tempo. Carregava consigo seu último trabalho em um pequeno pacote seguro na mão esquerda. Não podia perdê-lo.

Então, de repente, não estava mais sozinha.

Tentando se misturar ao ruído da sola de suas botas contra o pavimento, outro par de sapatos também espalhava a água recolhida em pequenas poças. Ele tentava ser muito mais cuidadoso que Angela ao tentar passar despercebido não somente pelas ruas silenciosas, mas também pela garota.

Dezessete, dezoito, dezenove. Esquerda.

Apressou o passo, tomando distância do que a estava perseguindo ao virar na esquina da próxima rua também igualmente deserta e escura, dando apenas mais dois passos - vinte, vinte e um — antes de girar nos próprios calcanhares em apenas um movimento rápido. Ergueu o braço em frente ao corpo com a mão espalmada na direção do desconhecido, que agora era uma sombra a poucos metros dela.

— Apresente-se! — Sua voz soou alta e clara na rua escura, os olhos se estreitando para tentar ver melhor enquanto a outra mão abraçava o pacote contra o peito.

Não era novidade que coisas estranhas aconteciam pela noite. Motivo pelo qual por todos os lugares em que Angela havia passado até aquele momento, fossem eles ruas cercadas de lojas ou apenas casas espalhadas, estavam sem nenhuma alma que fosse possível ver a olho nu.

Todos aqueles que tinham onde se esconder dificilmente saíam de seus portos seguros para se aventurar pela escuridão, deixando que os desavisados ou os que se achavam corajosos demais fossem o próximo alvo das criaturas que do silêncio e solidão se alimentavam. Ou, como no caso de Angela, fossem apenas criaturas designadas a trabalhos que seres de sua idade normalmente não deveriam fazer e que, por um motivo ou outro, acabavam por se encontrar em situações como a qual estava sendo submetida naquele instante.

Pontos cintilantes se iluminaram ao redor deles, acordando com a voz de Angela, mas pareceram não ver muita importância naquele pequeno distúrbio de seu silêncio e sono e voltaram a se apagar. A garota também tinha coisas mais importantes que lidar naquele momento, e nenhuma delas se referia aos Noturnos escondidos nas sombras de todas as ruas, então apenas os ignorou e se focou no que tinha em frente.

A silhueta que a acompanhava há alguns passos - onze —, havia parado de caminhar. Mas, após parecer pensar um pouco, dera um passo para frente. Angela segurou sua posição, e ao redor de sua mão faíscas brilhantes começaram a surgir, rodeando-a como pequenos planetas ao redor do sol. Isso pareceu ser aviso o suficiente para o que a perseguia, já que acabou não dando nenhum passo mais.

O que ele fez, porém, provocando um arrepio no braço da garota como se não pudesse mais controlar o próprio corpo, foi abrir um sorriso. Ou o que ela pensava que fosse um sorriso, pois na escuridão que ele se encontrava mais se parecia com uma lua crescente aumentando aos poucos pronta para engolir tudo à sua volta. E, assim como seu aviso de ataque tinha sido o suficiente para que ele parasse de andar, o sorriso acabou fazendo o mesmo efeito, avisando Angela de que algo que não esperava provavelmente estava para acontecer.

Teve menos que um segundo entre mover o olhar para sua direita, e sincronizar sua mão naquela mesma direção, ao notar um movimento com sua visão periférica. A explosão de faíscas que saiu da palma de sua mão causou cócegas nas pontas de seus dedos, mas Angela tinha a atenção tomada em como o que atingira parecia engolir seu ataque.

Era quase como se estivesse se alimentando da única luz presente no local, e agora que ela parava para observar, realmente observar, o local que se encontrava, podia notar que nenhuma das luzes da cidade ali estavam funcionando.

Dessa vez quem sorriu como lua crescente fora Angela. Com isso sabia lidar.

O pacote, que tinha bem seguro pela mão esquerda até então, caiu ao chão com um pequeno baque quando a garota juntou as duas mãos em frente ao corpo, observando o andar calmo do ser que a tinha seguido em sua direção pelo canto dos olhos, sabendo que o que acabara de atacar demoraria algum tempo a comer tudo que tinha dado a ele anteriormente.

— Vocês são engraçados — comentou ela em voz baixa, ainda mantendo o sorriso e sem sair do lugar.

Ao seu redor, os pontos cintilantes voltaram a se iluminar por toda parte, e dessa vez não foram embora quando a voz de Angela fora engolida pela noite. Ela sabia que devia fazer algo a respeito delas também, mas uma coisa de cada vez.

Separando suas mãos aos poucos, a garota fez com que no espaço entre elas uma esfera, feita das mesmas faíscas que as rodeavam, começasse a surgir. Pequena a princípio, mas que aumentava a medida em que suas mãos se separavam uma da outra.

Angela esperou que a esfera tivesse o tamanho de uma bola de vôlei e, sabendo que ambas criaturas estavam bem mais perto que antes, soltou a esfera no chão, batendo-a contra o pavimento algumas vezes em movimentos rápidos. A cada batida a esfera dobrava de tamanho.

— Criaturas que morrem se você der muito de comer — falou mais para si mesma do que para qualquer outra entidade ali presente, rindo pelo nariz.

Sua curta risada sumiu ao mesmo tempo em que a esfera flutuou a sua frente, com um movimento de sua mão ainda rodeada de faíscas, e saiu em direção ao primeiro ser como um projétil. Dessa vez não ficou encarando o que aconteceria com ele por já ter visto ocorrer mais de uma vez, deixando que a criatura se afogasse na própria fome ao virar-se para a outra que há muito já havia se recuperado.

Não precisaria de muito para acabar com ela, considerando a quantidade de energia que havia jogado no ataque brusco de antes, e já estava girando a outra mão para jogar mais uma explosão grande em sua direção quando algo, ou melhor dizendo, alguém saltou a sua frente. Até mesmo de costas e no escuro não precisou mais do que um milésimo de segundo para que Angela se desse conta de quem era, e toda sua empolgação se esvaiu juntamente com suas faíscas em um piscar de olhos.

Os Noturnos iluminados ao seu redor começaram a se mover de seus lugares com a movimentação e perturbação repentina de seu território e Angela já tinha ouvido o primeiro sussurro de aviso de um deles quando abriu a boca para reclamar.

— Não lembro de ter te chamado — falou com a voz cansada ao mesmo tempo em que a pessoa a sua frente se livrava do outro ser que a tentara atacar com uma explosão própria.

— Você estava com problemas, então eu vim — respondeu ele, finalmente virando-se na direção de Angela, e era claro ao olhá-lo que ela não era a única a estar sendo perturbada pelos Noturnos.

Os cabelos curtos e loiros de quem a atrapalhara começavam a esvoaçar ao redor de sua cabeça, desafiando a gravidade, e pequenos cortes já apareciam em seu sobretudo preto. E Angela sabia que o mesmo estava acontecendo com ela, pois os pontos brilhantes ao seu redor só aumentavam de quantidade.

— Eu não chamaria isso de problemas — respondeu após notar que o estava encarando, deixando que o olhar recaísse sobre o espaço vazio ao seu lado, onde antes estivera uma das criaturas e que agora era como se nada houvesse acontecido.

— Havia dois deles, Angela — constatou o outro, franzindo um pouco as sobrancelhas ao abaixar um pouco a cabeça para ver melhor a garota.

Angela, ao ouvir aquelas palavras, voltou a encarar Eric, mais conhecido como o tutor mais protetor de toda a cidade. Ele não era um dos tutores mais velhos que conhecia, e muito menos o mais velho que havia buscado ao se aplicar como aprendiz. Sua idade não se mostrava em seu rosto, com marcas causadas tanto pelo tempo quanto por seus trabalhos, e sim em suas atitudes, em como sua voz ecoava sempre que algo realmente sério acontecia e como tomava um tom mais aconchegante, quase como um abraço, quando achava que ninguém estava prestando atenção.

Apesar de todas as reclamações que Angela tinha sobre sua super-proteção, não podia negar que conseguir alguém tão experiente quanto ele como tutor logo após acabar seus estudos era uma das melhores coisas que lhe acontecera. O que não fazia ser menos irritante ele achar que ela não era capaz de se virar.

— Você me treinou para lidar com mais de cinco deles de uma vez — retrucou, abaixando-se para recuperar o pacote que havia caído no chão.

Ao se levantar notou que sua calça ganhara mais alguns rasgados ao longo das pernas.

— Treinos são diferentes da vida real. — E la estava sua voz de tutor que Angela já não aguentava mais ouvir toda vez que algo remotamente perigoso lhe acontecia.

Tirou os olhos dos buracos que inspecionava de suas calças, levantando a cabeça com a boca já aberta para retrucar, com frases já feitas e que sabia que não a levaria a lugar nenhum, quando notou um pequeno arranhado surgir logo abaixo dos olhos de Eric. Um fio de sangue começou a sair do pequeno ferimento, mas seu tutor não parecia notar que ele havia sido feito. Isso só deixava mais claro ainda que os Noturnos estavam mais do que incomodados com a presença dos dois.

Sem pensar duas vezes, Angela levantou a mão que não carregava o pacote e levou até o machucado, passando o polegar de leve logo abaixo dele para sumir com o fio de sangue. Eric apenas a olhou por um instante, piscando vagarosamente algumas vezes antes de virar os olhos na direção da mão de Angela tão próxima ao seu rosto e voltar a se pronunciar.

— Já começou, então? — perguntou, ao mesmo tempo em que segurava a mão da garota, antes que pudesse se afastar, e batia duas vezes de leve com o indicador ao lado de um arranhado que ela mesma não tinha notado que havia ganhado nas costas da mão. — Temos que sair daqui.

Angela arregalou seus olhos castanhos. Não havia notado o arranhado antes. Mesmo sabendo que esse era o efeito dos Noturnos, não deixava de ficar assustada com o fato de que eles podiam fazer alguém se machucar e nem ao menos se dar conta. Puxou sua mão de volta, colocando-a atrás do corpo antes de assentir com a cabeça.

— E rápido — concordou a garota, mas, momentos antes de começar a correr, sabendo que Eric esperaria que ela saísse primeiro, não conseguiu deixar de notar que ele não havia feito a pergunta de sempre. — Quantos passos você ainda tem? — Virou-se na direção de seu tutor novamente, juntando um pouco as sobrancelhas pretas.

— Menos de vinte, mas consigo chegar — respondeu ele simplesmente, os olhos agora focados no caminho que tomariam para sair daquela rua em que mais Noturnos se juntavam, provocando mais alguns cortes tanto em suas roupas como em sua pele.

— Menos de vinte?! — Sua voz acabou saindo mais alta e espantada do que esperava. — Como assim menos de v… — E então estava sendo obrigada a parar de falar pela mão de Eric tapando sua boca. Ele mal encostava nela, mas era o suficiente para que a fizesse parar de falar.

— Você quer mesmo acordar mais deles? — falou com a voz baixa e Angela teve tempo apenas de ver como ele ganhava outro corte em suas roupas antes de bater a mão dele para longe.

— Você quer ficar inútil no meio do caminho?! — Agora Angela falava entre dentes, sua preocupação finalmente dando espaço para a irritação.

— Às vezes eu acho que você esquece qual de nós dois é a aprendiz — retrucou ele com um suspiro cansado, passando uma das mãos pelo rosto e espalhando nele o pouco de sangue que saía de seus cortes. Quando teve o rosto visível outra vez para Angela, tinha os olhos azuis rígidos e o semblante sério e ela sabia que a partir daquele momento não poderia mais retrucar. — Quando eu contar até três você vai sair correndo daqui e eu farei o mesmo, estamos entendidos?

— Mas… — tentou começar, voltando a arregalar os olhos preocupados e indo para dar um passo na direção de Eric, mas mais uma vez fora interrompida.

A diferença era que dessa vez não havia sido pela voz de Eric e sim de outra pessoa.

— Vocês acabaram de flertar aí e podemos ir, ou pretendem ficar e morrer aos poucos?

A pergunta ecoou por toda a rua e de repente parecia que todos os Noturnos começavam a se mover com mais rapidez. As luzes cintilantes ao redor dos dois apareciam e desapareciam em um piscar de olhos e suas roupas e pele estavam sendo atacadas com mais frequência, e, enquanto se viravam para ver quem havia causado todo aquele alvoroço, já tinham mais cortes e arranhões do que normalmente teriam se continuassem falando em voz baixa.

Bastou apenas uma olhada rápida para que notassem os cabelos ruivos cheios da garota parada no fim da rua. Ainda que não pudesse ver seu rosto, tanto pela pouca iluminação quanto porque estava muito longe, não era difícil imaginar que estava com uma sobrancelha levantada e um leve sorriso em seus lábios quase sempre pintados de vermelho.

— E então? — perguntou novamente em voz bem alta, colocando as mãos na cintura.

Eric apenas riu, sem saber que um dos cortes em seu lábio inferior se abria mais ao fazer isso, desfazendo totalmente o clima de tensão anterior com apenas isso. Tão fácil como explodir uma bolha de água.

— Já estamos indo, Maria! — avisou também em voz alta o suficiente para que Maria escutasse, logo pegando Angela pela mão e, sem esperar qualquer outra reclamação vinda da garota sobre seus passos, a puxou para frente em uma corrida desenfreada para longe daquela rua e dos Noturnos.

Vinte e dois, vinte e três, vinte e quatro…

— — —

— Quantos ele disse que tinha? — A voz de Maria fez Angela tirar os olhos das páginas do livro que tinha sobre as pernas cruzadas, sentada em uma das grandes poltronas presentes na sala não tão modesta da casa de Eric.

Ele tinha tantas poltronas que podia encher três casas e ainda sobraria alguma.

— Ele disse; — pigarreou Angela, forçando a voz para que ficasse mais grossa. — Menos de vinte, mas sou muito forte e fodelão e vou conseguir chegar lá com isso sem morrer… Ou alguma coisa assim — terminou, soltando um suspiro ao ouvir a risada baixa de Maria.

Assim, ignorando o livro que ainda tinha aberto sobre as pernas, Angela apoiou os cotovelos em seus joelhos e juntou as mãos, fazendo um barulho irritante com as unhas, batendo umas nas outras. Seu olhar meio preocupado continuava na forma inconsciente de seu tutor em um dos únicos sofás de três lugares que ele se dignava a ter em sua casa.

— Acha que ele vai demorar muito para acordar, Queen? — Virou-se para Maria por um segundo antes de voltar a encarar Eric, usando o apelido que nem ela mesma sabia de onde tinha surgido, mas que combinava com a outra de uma forma ainda mais difícil de explicar.

— Talvez esteja andando outra vez amanhã pela manhã, depende muito de quantos passos ele tentou forçar antes de cair e fazer a gente carregar seu peso o resto do caminho.

Maria, que até então estava escorada no balcão que separava a cozinha da sala, jogou o corpo um pouco para frente e passou os dedos entre os fios ruivos, dando uma última olhada para Eric antes de deixar o olhar recair sobre Angela novamente. Estava óbvio que ela não estava esperando encontrar os dois naquela noite sendo atacados por Noturnos, tanto por sua expressão cansada quanto pelo fato de que era difícil que Maria fosse encontrada se alguém estivesse mesmo procurando. Todos achavam que era algo que ela fazia até sem perceber, mas era difícil pensar isso quando ela surgia em situações como aquelas para ajudar como se estivesse sempre ali.

— Bom, acho que já fiz minha parte por aqui, você vai ficar bem?

— Aham — começou a responder Angela, retirando o livro de cima das pernas e levantando-se da poltrona para ir até Eric, o olhar pregado em sua forma inconsciente. — E você? — jogou a pergunta de volta, virando-se para olhar para Maria outra vez, para então notar que estava falando sozinha.

Um suspiro escapou seus lábios. Devia ter se acostumado com os sumiços da outra a essa altura, mas nunca era divertido perceber que tinha sido deixada falando para o vento. Pelo menos dessa vez não tinha alguém para enchê-la de implicâncias por causa disso, porque quem fazia exatamente isso parecia estar em um mundo dos sonhos que Angela daria o dedo mindinho para entrar também. Mas sabia que devia continuar acordada para cuidar de quem deveria estar cuidando dela.

Sentou-se no chão ao lado do sofá, vendo sobre a mesa de centro o pacote que tinha saído naquela noite para buscar.

Era apenas mais um de seus trabalhos manuais, na verdade o que deveria se transformar em um deles quando o levasse até seu espaço e começasse a trabalhar com a magia que estava muito bem guardada naquele pacote resistente.

Não deveria ter que ir atrás dele tão tarde. Mas, mesmo a magia sendo algo normal e que se via em cada palavra que saia da boca dos moradores da cidade, ainda era difícil conseguir algo tão específico com facilidade e sem precisar passar por alguns pequenos apertos.

Angela não notou o que fazia, perdida demais com os olhos presos no pacote na mesa e pensando no que o transformaria, mas quando virou-se para Eric novamente pegou-se com uma das mãos passando distraidamente entre os fios loiros de seu tutor.

Se ele estivesse acordado provavelmente teria feito algum comentário fazendo hora com a cara de Angela, mas como ainda continuava dormindo a única coisa que anunciava que ele sentia que alguém o tocava era o leve movimento do canto de seus lábios em um quase sorriso.

A garota mais nova não conseguiu segurar o leve sorriso que também surgiu em seus lábios ao ver a ação inconsciente alheia, apoiando a outra mão no sofá para ajeitar-se com a cabeça ali mesmo, sem parar de brincar com os fios entre seus dedos. Seus olhos seguiam as leves faíscas que saíam de vez em quando entre seus dedos, pelo contato de duas magias diferentes.

Esticou o corpo o suficiente para dar-lhe um beijo na testa, para logo voltar a sua posição inicial no chão para esperar que Eric acordasse.

— — —

Acordou com uma dor no pescoço, o braço abaixo de sua cabeça dormente e o outro jogado sobre o pescoço de um Eric ainda desacordado.

Provavelmente havia ficado ali quando tinha caído no sono sem ver, perdendo as forças quando o sono tomou conta de seu corpo de repente.

Tratou então de começar a se mover, tanto para ver o dano que havia causado a si mesma, ao ficar tanto tempo deitada, quanto porque precisava ver as horas e procurar um jeito de acordar seu tutor logo.

Apoiou as duas mãos no sofá para se levantar, apenas para ser puxada de volta pela pessoa que acreditava que ainda estava dormindo.

— Ei! — reclamou por causa do susto, já ajoelhada e olhando com o cenho franzido para Eric.

— Você tem que parar de se meter em problemas — foi a primeira coisa dita por ele, em uma voz rouca de quem tinha dormido demais e que fez Angela gaguejar algumas vezes antes de fechar a boca e respirar fundo.

— Quê… Você que tem que parar de ir atrás de mim quando te sobram poucos passos! Aquilo não era um problema, até parece que não sabe que sabe que sou forte o suficiente pra cuidar de pelo menos cin…

— Eu sei — cortou ele, começando a se sentar no sofá, mas ainda sem largar o pulso de Angela e com os olhos azuis presos em seus castanhos. — Eu sei que você é forte, todo mundo sabe, por isso se formou tão cedo e eu te escolhi como aprendiz — prosseguiu, com uma seriedade que só deixou a garota ainda mais confusa e nervosa.

— Então?! Se sabe disso, por que fica me perseguindo? — Já haviam tido aquela mesma discussão tantas vezes que já estava cansada antes mesmo de ela nem ao menos começar direito.

Eric não mudou a expressão que tinha no rosto com a pergunta dela, claramente esperando que fosse dita, mas ficou bastante tempo em silêncio. Tempo suficiente para que até mesmo Angela, acostumada com os silêncios repentinos dele, começasse a querer desviar o olhar de nervoso, apreensão ou qualquer outra coisa.

Estava prestes a inventar uma desculpa para acabar com aquela situação quando quase caiu para trás, levando Eric junto de encontro com a mesa se ele não fosse mais forte e a tivesse mantido parada, ao sentir a ponta dos dedos de seu tutor tocar de leve seu rosto, quase como se estivesse com medo que ela fosse sair correndo.

— Porque no dia que você não precisar mais de mim, acabou. — A voz de Eric saiu como um segredo, e agora seus olhos azuis pareciam procurar alguma coisa no rosto da garota.

Angela tinha certeza que nunca sentira seu corpo tremer tanto assim, nem mesmo por medo.

— Acabou o que? — perguntou, por falta de algo melhor para dizer, e também porque agora Eric soltava seu pulso a favor de entrelaçar seus dedos com os dela.

Não obteve como resposta nenhuma palavra, apenas um pequeno sorriso do homem a sua frente e a sensação que a ponta de seus dedos deixavam para trás ao passar por seu maxilar até sua nuca.

Eric puxou-a para frente com tamanha delicadeza que Angela nem ao menos teria notado que estava se mexendo não fosse o fato de estar extremamente alerta a respeito da distância entre os dois. Mas nem por isso estava lutando contra, deixando-se levar com facilidade.

Alarmes não soaram em sua cabeça quando o teve perto o suficiente para notar como suas pupilas pareciam tremer um pouco, focando-se na velocidade que seu coração batia, parecendo decidir que era aquela hora onde perderia o controle total dele de uma vez, o que era um problema. Sua magia dependia de poder controlar as batidas de seu coração.

E, talvez por isso, quando já estavam tão próximos que se resolvessem falar alguma coisa certamente seus lábios se tocariam, os olhos de Eric semicerrados e ambas mãos tremendo tanto quanto ela achava que as próprias tremiam, que ele pareceu desistir e apenas apoiou sua testa na de Angela com um suspiro.

— Respira, Angela — pediu ele em um sussurro, fechando os olhos e afundando os dedos nos cabelos da garota, que acabou apenas aproveitando do momento, puxando o ar para tomar controle de si mesma outra vez.

Eric não esperou até que estivesse totalmente tranquila outra vez, o que demorou uns bons minutos, antes de soltá-la de uma vez e se colocar de pé, caminhando até o outro lado do balcão da cozinha e já começando a tirar utensílios e ingredientes dos armários como se nada de antes tivesse acontecido.

— Vai querer omelete? — Eric perguntou, mas mesmo que sua voz estivesse voltado ao normal não a olhava ao fazer a pergunta, o que não era seu normal.

Angela tentou ignorar que aquilo parecia ser ele querendo colocar uma barreira visível e tangente entre os dois de repente, tratando de se levantar também. Pegou o pacote sobre a mesa em um só movimento, antes de começar a caminhar em direção a seu quarto a passo lento.

— Não, vou estudar — anunciou em tom baixo, recebendo apenas um “hm” como resposta.

Suas mãos formigavam, ainda não tinha conseguido recuperar o controle de suas batidas e as faíscas rolavam leves e quase invisíveis ao redor de seus dedos.

Parou de andar de repente em frente a porta de seu quarto, juntando as sobrancelhas e ignorando como as faíscas aumentavam de tamanho e visibilidade ao fechar as mãos em punhos. Que diabos. Pensou consigo mesma, levantando a cabeça e encarando a porta de madeira clara por um segundo antes de bufar, largar o pacote no chão e dar meia volta, batendo os pés fortemente no assoalho ao ir em direção à cozinha.

— Ué, desistiu de estudar? — Veio a voz de Eric ao ouvir a barulheira que ela fazia ao se aproximar dele, mas ao notar a expressão nervosa em seu rosto, largou o copo que tinha em mãos na pia e a olhou com preocupação. — Angela?

A garota não respondeu, aumentando o tamanho de seus passos para chegar mais rápido perto dele antes que perdesse a coragem e, quando o tinha perto o suficiente, fechou a mão no material da blusa de Eric e o puxou para baixo de uma vez. O movimento fora rápido e brusco demais, o que fez com que seus dentes batessem, de uma forma que tinha certeza que não deviam bater em beijos, quando seus lábios se encontraram meio desengonçados tanto pelo susto de seu tutor quanto pelo afobamento de Angela.

O beijo, se é que podia se chamar assim, não durou muito tempo, pois logo a aprendiz se separava e apontava um dedo acusador para Eric, que por sua vez tinha a expressão assustada mais engraçada que tinha visto na vida. Teria rido se não tivesse certeza que estava vermelha como um pimentão pela vergonha e pela raiva, que por sinal agora diminuía rapidamente.

— Não vai acabar nada! — falou como se fosse uma ordem, e talvez fosse, recolhendo então seu dedo acusador. Aos poucos o que acabara de fazer parecia entrar em sua cabeça e notou que teria que sair correndo dali antes que morresse assustada consigo mesma. — Tchau!

Cruzou e descruzou os braços uma vez para só então girar o corpo e sair quase correndo em direção a seu quarto. Quase, porque ainda tinha seu orgulho e não ia passar também essa vergonha. Deixando Eric para trás com um sorriso incontrolável no rosto e faíscas piscando em frente a seus olhos.

Pelo menos até uma explosão tomar conta do quarto de Angela, assustando-o e obrigando-o a sair correndo para ajudá-la, sem conseguir segurar uma risada travessa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero de coração que você tenha gostado, amiga secreta ♥

Você e todo mundo que ler também, claro. :')



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contagem Regressiva" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.