Sonâmbulos escrita por Black Wolf


Capítulo 7
Mantra




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— Ouvi dizer que vocês humanos eram preguiçosos, mas dormir no meio da história de Ebling pode ser considerado rude também. – O som de uma voz nova retornava aos ouvidos de Tito assim como o mundo desconhecido retornava a sua realidade. E lá estava ele novamente, deitado na cama, sem entender exatamente o que estava acontecendo e quanto tempo tinha se passado. Enquanto no seu colo repousava um gato que lambia uma das patas e continuava a falar. – Coisas estranhas acontecem por aqui, mas para um ser tão normal e em tão pouco tempo, você deve estar quebrando recordes.

— Gatos que falam também não são muito comuns de onde eu venho. – Disse Tito sentando-se na cama e espantando o sono com um bocejar longo, sem mover o gatinho falante de cima dele. – Onde está todo mundo? Eu dormi por muito tempo?

— Você não dormiu por mais do que um dia inteiro dessa vez, embora eu ainda não tenha entendido o porquê, Ebling disse que você já estava completamente recuperado do ferimento e caiu no sono de uma hora para outra. Ela teve que sair então me pediu para te vigiar enquanto isso, eu me chamo Mantra, garoto sonolento.

— Meu nome é Tito, mas você já deve saber disso. Eu andei apagando de novo?

— Apagando é pouco para alguém que simplesmente desiste de viver na realidade. – Disse o gato pulando para o chão para novamente se aninhar e começar a lambar uma de suas patas. – Ebling acha que é por causa do estresse, mas não é esse o sentimento primordial que eu sinto em você, Tito.

— E qual seria esse sentimento? – Tito se sentou na cama e jogou as pernas para fora dela para testar sua sustentabilidade.

— Confusão. Você parece perdido, pequeno humano. Perdido em um pequeno mundo, e perdido em um mundo infinito.

Tito pensou em discordar veemente do gato que ali lambendo a outra pata parecia estar ciente de todas as coisas ao seu redor e em controle de ainda mais coisas, seu pelo reluzia com a luz do luar que adentrava pela janela e seus olhos brilhavam como estrelas, fechou os olhos e começou a entoar uma canção que vinha de dentro de si, um som leve e melódico composto por tranquilidade e satisfação. Um mantra. E todas as verdades foram imbuídas no som que agora preenchia o recinto e o coração de Tito. Um coração confuso.

— Como você sabe disso? – Tito se levantava e sentia pela primeira vez em um bom tempo o solo de Éden novamente aos seus pés e o ronronar de Mantra ao seu redor. Se deitou no chão ao lado do felino e olhou para o teto, onde pela primeira vez pode notar uma clara boia que pintava o quadro mais bonito daquela pequena casa repleta de magia.

— Vocês humanos tem uma maneira diferente de sentir o mundo, reagindo dentro de si de acordo com o mundo ao seu redor. Nós gatos somos exatamente o inverso, nós moldamos os ambientes de acordo com o que estamos sentindo. E a magia de Éden nos proporciona sentir mais do que nós mesmos, eu sinto você, Tito, do mesmo jeito que você me sente agora. – E o ronronar parecia estar cada vez mais fora de Mantra e mais dentro da casa e de Tito.

— Esse mundo inteiro é novo e cada vez mais eu me surpreendo com tudo que eu conheço, inclusive você, Ebling, Espectros. Tudo aqui é tão incrível e assustadoramente lindo. Eu... eu não sei como vim parar aqui, e muito menos o porquê de ter vindo parar aqui. Cada coisa nova que eu descubro é como uma incógnita nova para quem eu deveria ser. Entre magos e espectros, entre criaturas e animais, qual é o meu lugar aqui? – Tito começara a falar e não reparar que sua voz agora soava juntamente com a de Mantra, e suas dúvidas foram atribuídas ao canto noturno e ao movimento das estrelas no céu.

Em Éden as constelações não eram fixas, e os astros e as estrelas se moviam de maneira lenta e sincronizada, Tito se perguntou se existiria algo além daquele céu roxo e suas estrelas laranjas, Mantra respondeu que deveria procurar as respostas dentro de si mesmo antes de procurá-las além das forças que não estavam ao nosso alcance, mesmo a dúvida de Tito tendo sido apenas um pensamento. As respostas estavam mais perto do que qualquer outro lugar, no entanto, haveria ainda mais dúvidas a serem enfrentadas antes que se pudesse expô-las e então lidar com elas. Mantra embalava Tito dentro de um mundo exclusivo de pensamentos e sons exclusivos onde não existia tempo, apenas perguntas e nenhuma resposta.

A porta rangeu e a sinfonia foi cortada pela entrada de Ebling, Momento e Claus. Todos os três estavam contentes e pareciam conversar sobre um tópico engraçado pois entraram pela porta aos risos, e tomaram o lugar com sua alegria no instante em que colocaram os pés para dentro da casa. Momento estava sentado no ombro de Ebling, que se locomovia lentamente ao lado de Claus segurando sua mão. Por um instante todos pareciam uma família, a família mais esquisita que Tito já vira, sem a menor sombra de dúvida. No entanto quando Mantra se levantou e correu em direção a Claus saltando em seus braços ele teve certeza que não faltaria amor naquela família.

— Que sorriso bobo é esse dorminhoco? – Disse Claus no instante em que viu Tito se levantar do chão também. Ele estava voltado para as quatro figuras que conhecera em Eden, as quatro figuras amistosas, pelo menos. Pretendia falar algo, mas Claus foi mais rápida vindo vagarosamente eu sua direção e crescendo cerca de cinco centímetros a cada passo e quando se encontrou frente a frente com Tito estavam exatamente do mesmo tamanho. Seus olhos humanos congelaram ao contato com os da Fada, e seu coração se aqueceu quando ela encostou a testa na dele. – É um alívio te ver de pé, meu humano preferido.

— Como vocês dois são lindinhos. – Disse Momento pulando do ombro de Ebling e montando nas costas de Mantra no seu rodeio particular.

— É bom estar de pé, minha fada preferida. – Disse Tito agora com um sorriso em resposta a todos aquelas figuras tão distintas umas das outras, e ainda assim, tão próximas. Então Ebling também foi de encontro a Tito para se certificar de seu estado físico e se seus sonos iminentes não haviam lhe causado algum mal. Os seres humanos eram criaturas distintas deles, mas sabia que não era comum esse tipo de comportamento.

Os cinco amigos agora se cumprimentaram e contaram suas histórias, Tito não tinha muito o que dizer além de seus sonhos conturbados em lugar cinzento, cheio de pessoas e de fumaça. Mantra manteve vigia sobre Tito, então também não teve muito o que compartilhar do seu animado dia de sono sincronizado. Claus, Momento e Ebling haviam saído naquele dia mais cedo em busca de pistas do dois Espectros de haviam escapado da luta que o levara para cama. No final acabou sendo um beco sem saída, os Espectros eram incrivelmente bons em esconder seus traços e viajar nas sombras sem ser notados, a não ser pelos da sua classe. Momento se ofereceu para preparar uma refeição e sugeriu que a comecem lá fora, pois, as estrelas da noite de hoje estavam intensamente dançantes.

Assim, os quatro se dirigiram para o lado de fora da casa e Tito pode ver novamente o cenário da luta contra os Espectros, sua garganta apertou e a sua frente andava Claus com pedaços das suas cicatrizes expostas pelas suas roupas rasgadas. Existiam dúvidas naquele mundo também além das suas dúvidas. Dúvidas que ele pretendia esclarecer. Mais à frente sentaram-se no chão em um círculo e mantra se dirigiu ao centro entoando uma canção diferente da que ele havia mostrado mais cedo.

— Claus, no dia em que nos conhecemos, o que houve depois que eu dormi? – Decidido a encontrar as respostas que ele queria, começou pelas mais simples, que pudessem preencher os vazios de seus sonos.

— Haha, história engraçada. Então, é até um pouco vergonhoso.... Eu na verdade fiquei ali ao seu lado, durante dois dias e meio.... Zelando pelo seu sono, você parecia tão em paz, que não ousei te acordar em nenhum momento. Nunca havia visto um humano assim tão tranquilo, eu nunca me perdoaria se quebrasse tal encanto. – O ronronar de Mantra ficava cada vez mais audível, mas não de uma maneira alta, apenas de uma maneira ampla. Agora a floresta recebia o canto com a mesma intensidade que os ouvidos das criaturas. – Mas Momento apareceu e pediu meu auxílio na floresta e tive que te deixar na ravina, quando eu voltei você não estava mais lá.

— Você... – Tito perplexo pela de atitude de Claus não soubera o que dizer além de: Muito Obrigado. – E a canção de Mantra não parava de se expandir, e crescer, e subir. No momento em que Momento saiu da casa com uma bandeja do que pareciam ser sanduiches versão Éden e um liquido verde ele estava no tamanho de um adolescente jovem Tito percebeu um fecho novo de luz a sua esquerda, perto de Mantra e ao se voltar para ele pode ver uma pequena figura laranja, um globo de luz flutuante agora dançava no meio do círculo com o gato. Em uma coreografia única de cada um e repleta de alegria.

— Eu disse que elas estavam dançantes hoje, só não achei que seu canto fosse alto a esse nível, Mantra.

— Agora você tem duas dúvidas a menos, Tito, qual a próxima da sua lista?

Tito tinha a resposta para essa pergunta, mas decidiu deixar a noite seguir com danças e risos, ele poderia começar a questionar pela manhã, agora decidira aproveitar até o sono voltar para lhe levar novamente.


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