A arqueira escrita por


Capítulo 1
A arqueira


Notas iniciais do capítulo

Só pra deixar claro, a "regra" era colocar o amiguinho na one. Devo dizer que Melissa caiu como uma luva nesse projeto.

Sem mais delongas, Mel, essa é pra você



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O único som que se ouvia na grande sala, iluminada apenas pelas velas que flutuavam lentamente, era a respiração das duas crianças que estavam sentadas no carpete de pelos. Ambas estavam em perfeito silêncio, suas respirações sincronizadas enquanto olhavam para o tabuleiro á sua frente.

— Brianda — Uma das duas chamou, a mais nova e loira. Seu vestido era azul, e seus cabelos estavam trançados em suas costas. A ruiva ergueu o olhar do tabuleiro.

— O que foi, Irina? — Ela perguntou, os olhos bicolores brilhando por causa das chamas da lareira. Brianda pensou por um minuto antes de fazer sua torre comer um bispo preto da irmã.

— Deveríamos ir ver se o papai voltou — Ela falou, fazendo seu cavalo comer a mesma torre da irmã. Ambas conversavam, mas não se desconcentravam do jogo, como faziam há anos.

— Sabe que não devemos sair dessa sala, Irina. — Brianda ajeitou o vestido e sorriu — Xeque mate — Falou, terminando o jogo de xadrez. Irina cruzou os braços e se levantou. Brianda, o cabelo ruivo esvoaçando atrás de si, se ergueu e segurou o pulso de Irina, puxando-a — Onde está indo? — Perguntou.

— Vou ver se o papai voltou — Respondeu. Brianda suspirou, segurando-se para não revirar os olhos.

Irina, ou, como era conhecida, a princesa Irina, era uma pessoa muito desesperada. Diferente de Brianda, a princesinha loira ficava desesperada se seu pai demorasse demais para voltar das viagens de negócio.

— Não vai não — Brianda reclamou. Depois teve uma ideia. — Vamos — Ela chamou.

Brianda era a irmã mais velha de ambas, passara quase três anos de sua vida vagando sozinha pelos imensos salões que havia no castelo. Embora não se lembrasse direito, os anos em que ficara ali faziam com que ela soubesse exatamente o que fazer.

As princesinhas andaram sem fazer nenhum barulho pelos corredores. Deveriam não sair da grande sala, mas onde uma princesa adolescente, em seus treze anos, e sua irmã aos dez, seguiam regras?

Brianda puxou Irina pela mão até a porta do salão. A loira abafou risadinhas quando a irmã mais velha puxou um grampo que trazia escondida nos volumosos cabelos. Com o grampo, destrancou a porta e as duas trocaram um olhar, rindo animadas.

Automaticamente, como se fizessem isso sempre - realmente faziam isso sempre - as princesinhas ergueram a barra dos vestidos igualmente lindos e correram pela grande escada que havia ali, rindo alto sem se importarem com que alguém ouvisse.

Os pais, rei e rainha de Argon, estavam fora por alguns dias, em uma tentativa amistosa de conseguir paz para as fronteiras do reino. Mesmo assim, haviam levado seis tropas dos melhores guerreiros e uma tropa de arqueiros, liderados por Mel.

A história da melhor arqueira de Argon, arqueira á quem os reis tinha grande consideração, era uma mistura de grandes tristezas e felicidades.

Para garantir a sobrevivência de seus irmãos, que morriam de febre, seu pai a vendera, com apenas sete anos, como escrava para um grupo andarilho que praticava tráfico humano. Ela vivera nas mãos desses trogloditas até os dezesseis, quando a rainha, vendo o horror que os prisioneiros passavam, assinara uma lei contra o tráfico.

Mel, ou Melissa, foi vendida para o palácio para trabalhar com as cozinheiras, mas seu sonho real eram os arco e flechas com os quais alguns guerreiros treinavam de vez em quando na arena.

Um dia, o rei e a rainha, durante um de seus passeios reais com a filha mais velha, Brianda, com seis anos de idade na época, foram atacados por dois grandes lobos que rondavam a floresta prateada.

Os gritos da menininha atraíram a atenção de Mel, que, de onde estava, correu até a arena, roubou um dos arcos que estavam ali e, tendo treinado algumas vezes durante as noites escondidas, atirara duas flechas certeiras.

Essa não foi a única vez que Melissa salvara a família real, ainda mais as princesinhas, que só Deus sabe como aprontavam. Mel fora, após alguns anos, declarada uma arqueira real e sempre era vista rondando as princesas ao longe, olhos pregados em todos os movimentos das garotas.

Falando nelas, ambas agora corriam pelos corredores do palácio apenas de meias, escorregando enquanto riam alto. Algumas cozinheiras escutavam os risos e riam juntas, contagiadas.

Mas algo rondava o corredores. Algo ou alguém.

Se Mel estivesse ali, teria reconhecido os dois homens altos e musculosos que, em um momento de distração, cobriram as bocas das meninas e as puxaram contra si, levando-as para a floresta. Eram os mesmos homens para quem seu pai havia a vendido.

Os dois homens arrastaram as princesas até a floresta. Lá, eles teriam total liberdade para fazerem o que quisessem, mas não seria tão fácil. Não enquanto a melhor arqueira estivesse cavalgando em direção á floresta, na frente dos outros arqueiros e guerreiros.

— Vamos lá, cavalheiros. Soltem elas — Ela pediu, girando a espada com uma mão. Se fosse necessário, daria a sua vida pelas princesas.

Brianda suspirou trêmula, estava com medo de morrer, medo de perder a irmã e com medo de perder sua amiga Melissa, que olhava com ferocidade para o maior dos homens.

— Quanto tempo em, Méli — O mais franzino dos homens falou, rindo. Ele soltou Irina, que correu para um arbusto próximo, e avançou para Melissa, achando que ela era ainda a mesma menininha assustada que ele uma vez abusara.

Mas Mel não era mais aquela menininha. Ela era agora uma guerreira, e foi com seu treinamento que conseguiu, com extrema facilidade, matar o homem que queria ela morta.

— Bri... — Mel sussurrou, sabia que a princesa a escutaria. — ABAIXA! — Gritou, retirando rapidamente uma flecha da aljava e atirando-a na direção do homem que segurava Brianda. Ela consegui se soltar e correu para onde Irina estava escondida.

— Eu não acredito! — Ele urrou, segurando o braço onde a flecha perfurara.

Mel desviou rapidamente o olhar para o arbusto onde as princesas estavam agachadas, trêmulas. A cena fez seu sangue ferver em raiva, desde que fora vendida e entrara no castelo considerava as duas princesinhas e o pequeno príncipe como seus irmãos.

A arqueira preparou outra flecha da aljava no arco, esticando a corda até a bochecha. Respirou por um segundo e depois prendeu a respiração, pronta para soltar a flecha.

A mente humana, porém, serve apenas para nos pregar peça nas piores horas. Quis então, novamente, o destino, que os olhos que transmitiam tanta segurança para as meninas se cruzassem com os olhos ameaçadores. Assim que os olhos castanhos encontraram os olhos da cor de sangue, a corda do arco afrouxou, e Mel abaixou a flecha.

Estava se lembrando dos onze anos que passara nas mãos daquele homem. Dos onze anos em que fora humilhada, escravizada de diversas formas e abusada várias vezes. Seus olhos estavam presos, fixos nos vermelhos que ela tanto odiava, e ela não conseguia se mexer. Ás vezes, o poder das lembranças supera o instinto de proteger quem amamos.

Foi Irina que reparou que Baltazar, o homem que encarava Mel, pegara uma pequena adaga de prata, adaga esta que ele trazia escondida nas vestes. Melissa ainda estava parada, o arco mirando para baixo, por isso a menina gritou:

— Mel!

Aquilo bastou. Bastou porque para arqueira, ao escutar a vozinha baixa e trêmula chamar seu nome, as lembranças ruins se apagaram como se um vento as levasse embora, e agora sua mente era preenchida novamente por uma raiva descomunal, uma raiva que a fez largar o arco e a flecha e também puxar uma pequena adaga dada pela rainha.

Ambos se observaram por um momento. Mel tentava fazer sua mão parar de tremer. Não tinha medo da morte, mas tentava aceitar que morreria ali, na frente de Irina e Brianda, e nisso ela não conseguia acreditar.

Os segundos podem passar de formas diferentes. Para Baltazar, pareciam milésimos de segundos. Já para Mel, foi tempo suficiente para que ela aceitasse a morte como uma velha amiga, companheira de muitas batalhas.

Baltazar caminhou de forma decidida ao encontro de Melissa. Segurava a arma na altura do coração da arqueira, mas mudou de ideia no último instante, e sua lâmina encontrou o lado direito da arqueira. Mas Mel não deixou-se cair, embora a dor tomasse conta dela, e foi com muito desprezo que conseguiu atingir a Artéria femoral.

Baltazar deixou sua lâmina no corpo da mulher e andou rapidamente para dentro da floresta, caindo já morto há alguns metros dali. Mas nossa preocupação está em Mel, que caíra deitada no chão, olhando o céu por meio das nuvens.

— Mel... — Brianda sussurrou, saindo do arbusto ao lado de Irina e correndo para o lado da arqueira, que tentou esconder ao máximo sua dor. Ela sorriu assim que ambas se aproximaram, e tocou carinhosamente o rosto da princesinha mais nova, colocando uma mecha de seu cabelo loiro como o ouro para trás de sua orelha.

— Bri, preciso que me faça um favor — Ela falou pausadamente, ouvindo o trote dos cavalos do rei se aproximarem mais. — Seu pai, seu pai está naquela primeira tropa. Ele está procurando vocês. Corra para lá, sem olhar para trás — Ela pediu, a respiração fraca. Brianda negou com a cabeça, mas Mel sabia como persuadi-la — Vá, eu vou ficar bem, eu prometo.

— Promete? — Ela perguntou. Melissa sorriu, mesmo com as dores.

— Prometo. Sem olhar para trás.

Brianda pegou na mão de Irina e as duas correram em direção ao magnífico cavalo branco, de onde seu pai logo desceu para recebê-las em um abraço.

Mel voltou seu olhar para cima, sentia sua vida indo embora e não se arrependia disso. Os dois corpos dos chefes do tráfico estavam caídos perto de si, mortos, e isso lhe dava uma enorme satisfação.

Foi ali, na base da floresta prateada, que, olhando para as estrelas que começavam a surgir no céu, Mel deixou seu último suspiro escapar por seus lábios. Seu corpo tremeu de leve e depois não se mexeu mais.

Algumas promessas simplesmente não podem ser cumpridas.

O corpo de Mel foi retirado dali pelo próprio rei, e ela recebeu as honras e o enterro dignos de uma arqueira que deu a sua vida para salvar a vida de duas princesinhas.

Era o fim de uma era no palácio, e o início de outra.


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Notas finais do capítulo

Mel, ou Brida, eu espero que tenha gostado.
Os nomes Brianda e Irina já existiam em minha mente, eu só precisava de uma forma de colocar essas duas meninas no papel, e você me ajudou com isso.
Eu tentei colocar um dragão no meio da história mas não consegui, sorry '-'
Porém a história foi escrita com o maior carinho, espero que realmente tenha gostado.
Mil beijinhos de luz,
Bia!