Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 30
Capítulo 28 – Can’t Fight This Feeling (Parte I).


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Aqui estou eu com mais um capítulo. Novamente, será dividido em duas partes, porque ficou muito longo. Eu gosto dele por vários motivos, mas o principal deles é que ele será inteiramente narrado pelo Diego, tanto a parte 1 quanto a 2, o que é algo novo para a fic. Logo, teremos algumas revelações por aí.
A música de hoje não tem tanto a ver, tem um pouco, mas não é 100%. Eu sempre ouvi versões dela, tanto que mal conheço o cantor original kkkkk aqui o link: https://www.youtube.com/watch?v=zpOULjyy-n8
Bem, acho que não tenho muito mais o que acrescentar. Boa leitura a todos, e espero que gostem! Beijos!



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Diego

 

Vingança nem sempre é ruim. Algumas vezes, algumas pessoas merecem o que têm. É difícil esperar pela forma “certa” de justiça, então às vezes acabamos sendo forçados a procura-la com nossas próprias mãos.

Ouvi um som de algo ao longe, mas não soube distinguir o que era, apenas que estava me irritando. Coloquei um travesseiro sobre o rosto e apertei-o contra meus ouvidos, na tentativa de abafar aquele barulho chato. No entanto, fui ganhando consciência aos poucos, até finalmente me tocar sobre o que se tratava.

Dei um pulo da cama e corri até a janela, visualizando o belo carro de Anastasia estacionado em frente ao meu prédio, com os vidros abaixados. Vi que minha amiga estava lá dentro, com o celular contra a orelha, e ela apertava a buzina continuamente. Virei-me e peguei o celular de cima do criado-mudo, vendo que estava recebendo uma ligação dela.

— Eu desço em um minuto. – falei ao atender, enquanto pegava a primeira roupa de dentro do guarda-roupa.

— Você está de brincadeira, né Diego? Anda logo! — exclamou, não parecendo muito feliz.

— Desculpa mesmo Ana. Já desço, beijos. – desliguei e troquei de roupa na velocidade da luz. Escovei os dentes bem rápido, apenas para tirar o bafo matinal, e joguei uma água no rosto para despertar. Peguei minha mochila e o celular e desci o mais rápido que consegui, entrando no carro da moça em poucos minutos – Oi. – cumprimentei um pouco hesitante, preparando-me para escutar.

— Se você fizer isso mais uma vez, eu vou te deixar para trás, está me ouvindo? – repreendeu-me, estressada.

— Ih, acordou virada hoje? – zombei, enquanto ela acelerava o carro em direção ao hospital.

— Não, é você que consegue me irritar. – rebateu – Olha que horas são, vamos perder metade da palestra!

Foi somente aí que lembrei-me do que aconteceria naquele dia. Era dia de palestra! Se eu tivesse me lembrado antes, iria inventar alguma doença ou desculpa para ficar em casa. Eu detestava ter que ficar lá sentado, ouvindo gente que se achava o rei da medicina ficar falando o quão milagrosos eles eram.

— Ah, que merda! Eu já tinha até esquecido disso! Dá meia volta que eu vou ficar em casa! – exclamei, batendo com minha mão na parte da frente do meu próprio rosto.

— Agora você vai! Não vou voltar nem ferrando. – negou com a cabeça, enfiando ainda mais o pé no acelerador. Qualquer dia, ela ia acabar pegando uma multa.

Seguimos o resto do caminho em silêncio, apenas com alguma música pop de fundo. Fiquei observando a paisagem que já estava cansado de ver, pois passava por ali todo santo dia.

Em menos minutos do que o recomendado, estávamos no hospital, e a jovem não parecia estar muito a fim de conversar comigo, então atravessamos o estacionamento sem trocar uma palavra sequer.

— Eu vou comprar um café, pode ir entrando. Guarda um lugar para mim. – disse, e ela nem respondeu, apenas continuou seu caminho para dentro do hospital.

Suspirei e balancei a cabeça negativamente, sem entender por que ela estava tão brava. Eu apenas me atrasara! Não é coisa que acontecia sempre, mas também não tinha sido a primeira vez. Que pessoa temperamental!

Peguei a fila, que estava um pouco longa devido ao horário, e fiquei olhando em volta. Sempre as mesmas pessoas, sempre a mesma coisa. Eu estava vivendo meu sonho, mesmo depois de muita luta, mas eu poderia dizer que já estava cansado da mesmice. Queria mudar alguma coisa, mas não sabia o quê.

Minha vez finalmente chegou depois de não sei quanto tempo, então fiz meu pedido e fui para o lado esperar ficar pronto. Logo peguei meu copo e afastei-me dali, dando um longo gole e soltando um gemido de prazer. Eu me viciara em café desde a adolescência, e mesmo sentindo saudade do café de minha terra natal, eu me contentava com aquele mesmo.

Dirigi-me até o Auditório, procurando minha turma com o olhar. Quando finalmente encontrei-os, apressei-me até lá e passei encolhido pela frente das pessoas, até chegar no lugar que Anastasia havia guardado para mim, ao seu lado. Algum médico falava sobre algo que eu não prestei muita atenção. Minha mente viajou pelos assuntos mais sem nexo que existem, desde clipes de música até pessoas que eu já tive algum relacionamento.

— Agora, damos a palavra ao Dr. Bruce Russell, especialista em neurocirurgia. – Bailey anunciou, fazendo-me acordar de meu transe, e olhar diretamente para o palco.

Meus olhos arregalaram-se ao ver a figura do homem, que caminhava sorridente até o centro do palco. Acompanhei seus movimentos, que pareciam em câmera lenta, e de repente tudo em volta pareceu um borrão, tendo apenas o som das palmas ao fundo. Meu coração faltou saltar do meu peito, e senti meu corpo encher-se de profundo ódio.

Antes de o homem falar qualquer coisa, levantei-me e corri o mais rápido possível para fora dali, sem olhar para trás. Senti vários olhares em minhas costas, e temi que um deles viera de cima do palco, mas ignorei isso completamente, seguindo apressadamente para a primeira Sala de Descanso que encontrei. Entrei no cômodo rapidamente e tranquei a porta, escorregando minhas costas por ela até tocar o chão. Abracei minhas pernas e tentei retomar o controle da minha respiração, que estava totalmente descompassada. De repente, um turbilhão de lembranças me atingiram.

 

São Paulo, 2001.

Encontrava-me sentado em minha carteira, dentro da sala de aula. A professora já parara a aula, porque o dia escolar já estava no fim, então todos os outros alunos estavam de pé e gritando. Contudo, eu, como sempre, estava em meu canto no fundo da sala, sem tirar os olhos do relógio. Acompanhava o ponteiro dos segundos com excitação, afinal quando ele cruzasse o 12, o sinal bateria e eu estaria livre daquele inferno.

Alguns segundos se passaram e, como o previsto, quando o ponteiro passou pelo 12, foi possível ouvir o som estridente do sinal, e eu agarrei minha mochila e corri para a porta com um pouco de dificuldade, devido à grande multidão. Segui rapidamente pelo corredor, olhando estritamente para frente, concentrado em sair logo dali. No entanto, meu objetivo foi interrompido por um empurrão forte, fazendo meu corpo chocar-se contra a parede mais próxima.

— E aí, bichinha? Achou que ia se livrar da gente hoje, né? – disse um garoto musculoso, que mais parecia ter seus 30 anos do que apenas 17, enquanto eu tentava situar-me – Por que você ainda insiste em vir para a escola? Aqui na minha área não entra viado não! Sabe o que é bom pra o Luluzinha aí virar homem? – virou-se para os garotos que estavam atrás dele, e todos sorriram maleficamente, já entendendo o que ele queria dizer – Uns belos socões na boca. – continuou antes de acertar-me com um murro no queixo, jogando-me no chão. Tudo começou a girar, e já pude sentir o gosto de sangue na minha boca. Em questão de segundos, todos formaram uma rodinha em volta de mim e começaram a chutar-me, e a partir de certo momento, nem sentia mais seus golpes, já quase perdendo a consciência.

Ouvi alguns sons ao fundo, que iam ficando mais próximos, até ficar mais nítido, dando a entender que estava bem próximo. Era uma voz feminina que gritava algumas coisas, e em algum tempo notei que a roda se desfizera. Abri os olhos e vi tudo embaçado, piscando algumas vezes para tentar focalizar. Até que finalmente consegui visualizar o rosto feminino da diretora, que não era muito velha, na verdade, era bem jovem para o cargo.

— Você está bem? – perguntou, encarando-me.

— Mais ou menos. – respondi com a voz um pouco embargada.

— Eu digo a você para tomar cuidado, Diego... – suspirou, provavelmente sentindo pena – Você deveria ser um pouco mais discreto. – aconselhou, deixando-me incrédulo. Mais discreto do que eu já era? Eu nem olhava para o lado e não conversava com ninguém. A única pessoa que eu conversava naquela escola, tinha sido expulsa por ter sido pega fazendo coisas “inadequadas ao ambiente escolar” comigo, e ele me ressentia até aquele momento. Eu não conseguia ser mais discreto que aquilo, e nem sei se dava. Só se eu usasse uma capa da invisibilidade! – Você acha que consegue ir embora sozinho?

— Consigo sim, Sra. Diretora. – assenti, sentando-me no chão – Obrigado. – agradeci por educação, pois ela não me ajudara em nada.

A mulher apenas concordou com a cabeça e afastou-se, deixando-me sozinho ali. O corredor já estava vazio, pois todos os alunos já haviam ido embora.

Levantei-me com um pouco de dificuldade, escorando-me na parede para não cair. Senti uma tontura mas logo consegui retomar o equilíbrio. Passei os dedos na boca e vi que estava sangrando, e ao olhar para minha roupa, notei que estava toda manchada de vermelho. Bufei e sequei os lábios na manga da camiseta do uniforme da escola, não me importando em sujá-la mais do que já estava. Minha ficha caiu de que eu estava perdendo tempo ali, então disparei para fora da escola, e antes que pudesse chegar no ponto, vi o ônibus saindo, lotado de alunos. Tentei alcança-lo, gritando e movendo os braços para cima na tentativa de chamar a atenção do motorista para que ele me esperasse, mas foi inútil. Parei de correr e respirei fundo, ficando ainda mais frustrado. Segui lentamente até o ponto de ônibus e sentei-me no chão, escorando as costas no muro da casa que ficava ali em frente.

Tirei de dentro da bolsa meu MP3 Player que foi uma super conquista do meu avô e coloquei os fones, dando play na primeira música. “A Dor Desse Amor” da banda KLB começou a tocar, e eu senti um aperto no peito, pois aquela música me lembrava meu quase recente término. Pulei rapidamente para a próxima, que era “Ela Não Está Aqui”, da mesma banda que a anterior. Revirei os olhos e pulei para a seguinte, “Quem De Nós Dois”, da cantora Ana Carolina. Eu definitivamente fizera aquela lista de reprodução em um momento de tristeza, porque era uma pior que a outra.

Desisti de ouvir música, tirando os fones e guardando o aparelho de volta na bolsa. Fechei os olhos e senti a brisa soprar em meu rosto, junto com o sol que queimava qualquer coisa. E ali eu imaginei como seria bom sair daquela vida. Aquele era meu último ano do colegial, e assim que ele acabasse, um leque de oportunidades seria aberto para mim. Eu mal podia esperar para nunca mais ver aquelas pessoas na minha vida.

Meu sonho nem sempre fora fazer Medicina, mas, com o tempo, despertei um certo interesse nessa área. Foi por isso que passei os três anos do colegial me esforçando ao máximo nos estudos, porque meu sonho era passar na USP em medicina. Por estudar em uma escola pública, as chances eram menores, mas como dizem, quem faz a escola é o aluno, e eu acreditava naquilo cegamente. Estava confiante de que iria entrar na universidade, e deixar para trás todos aqueles fúteis que “estudavam” – ou melhor, marcavam presença na escola – comigo, que provavelmente nem pensavam em ir para a faculdade. Eu queria mudar de vida. Talvez nunca conseguisse fugir do preconceito, mas tinha na cabeça que quanto mais instruídas as pessoas, menos preconceituosas. Pode não ser totalmente verdade, mas eu preferia acreditar.

Os 30 minutos entre uma passada de ônibus e outra voaram, e antes que eu percebesse, ouvi o barulho do automóvel vindo ao longe, e abri os olhos rapidamente, confirmando visualmente o que ouvira. Coloquei-me de pé e aproximei-me da placa, esperando-o parar. Subi na condução e passei o Cartão do Estudante, torcendo para dar certo de primeira. Soltei o ar que estava prendendo quando ouvi a catraca destravar, e segui para dentro, segurando-me para não cair quando o motorista acelerasse. Por ser horário de pico do almoço, o transporte estava lotado, então tive que ficar em pé, agarrado a um dos ferros.

Várias paradas depois, finalmente estava chegando a minha, então puxei a cordinha, indicando ao motorista para parar no próximo ponto. Eu não via a hora de sair daquele lugar, que além de abafado fedia muito a suor, misturado com alguns perfumes baratos. Dirigi-me com dificuldade até a porta de trás, espremendo-me em meio às pessoas. O ônibus parou e as portas traseiras se abriram, e eu pulei para fora rapidamente, ganhando a rua. Caminhei apressadamente por mais alguns quarteirões, até finalmente chegar em casa.

Tirei as chaves da bolsa e destranquei o portão de grades finas, trancando-o ao entrar, e depois abri a porta da frente, que dava numa sala de jantar que ficava junto com a sala de estar e a cozinha. Guardei as chaves de volta na mochila e joguei-a no chão, apressando-me para arrumar o almoço. Meu avô chegaria dentro de poucos minutos, e tinha apenas uma hora de almoço, sendo que 40 minutos eram apenas de transporte, ida e volta.

Enquanto fritava dois ovos para cada um, ouvi o som do portão abrindo-se, deduzindo que ele chegara. Suspirei e olhei no relógio, negando com a cabeça, decepcionado. Ele teria que engolir a comida em cinco minutos e já voltar para o ponto de ônibus, e provavelmente não ficaria muito feliz com isso.

— Boa tarde. – cumprimentou, adentrando a cozinha – O almoço ainda não está pronto? – reclamou, olhando-me com desgosto.

— Boa tarde, vô. Desculpa, é que aconteceram alguns imprevistos, e eu perdi o ônibus. Desculpa mesmo. – falei sem olhar para ele, tentando evitar que ele visse meu rosto inchado devido ao soco que eu levara.

— Hey, olha pra mim. – pediu, provavelmente já desconfiando quais imprevistos haviam acontecido. Hesitei um pouco, mas fui forçado a olhar para trás, quando o mesmo virou meu rosto para ele delicadamente – Ah, meu filho... Aqueles valentões mexeram com você de novo?

— Você tinha que ver o outro cara. – brinquei, rindo fraco – Está tudo bem, vô, sério.

— Eu vou lá na escola reclamar. Ninguém nunca toma uma providência! – disse, ficando bravo.

— Não precisa, vô. A própria diretora apartou hoje. Ela só diz que eu tenho que ser mais “discreto”. Eu estou tentando evitar, prometo que isso vai parar. – afirmei, tentando acalmá-lo.

— Olha, eu não sei o que esses malditos estão fazendo com você, mas não se deixe levar por eles, okay? Você é melhor que todos eles. Não é porque você não gosta de meninas, que você é inferior, e espero que saiba disso. Daqui a alguns anos, você vai ter conquistado todos os seus sonhos, enquanto eles vão estar estagnados e infelizes. Eles só te inferiorizam porque têm inveja do que você pode se tornar, e tocar o terror na vida dos outros os fazem sentirem-se melhores. Não dê ouvidos! – aconselhou, encarando-me profundamente nos olhos, com carinho. Soltei um sorriso bobo, sentindo-me um pouco melhor.

Aquele homem era tudo na minha vida. Meu avô se tornara a pessoa mais importante para mim, desde que minha mãe morrera quando eu era criança. Eu nunca tive um pai, e minha avó faleceu depois de sua filha, acho que de tanta tristeza, então éramos apenas meu avô e eu contra o mundo. Eu fiquei morrendo de medo quando fui pego com meu ex-namorado – o primeiro e último – na escola, e a diretora disse que ia contar ao meu avô. Mas depois que ele descobriu que eu sou gay, seu comportamento me surpreendeu completamente. Ele me apoiou em tudo, batendo de frente até com a própria escola. Eu já amava-o, depois daquilo então, meu carinho só aumentou. E desde então, ele batalhava por nós dois, sempre procurando fazer as pessoas abrirem suas mentes quanto à Homossexualidade. Inclusive afastou-se de todos os seus amigos que me ofenderam ou foram homofóbicos de alguma forma. Aquele homem era meu exemplo de vida, e eu pretendia ajuda-lo com o que pudesse no futuro.

— Obrigado, vô. – agradeci sorridente, e abracei-o. Ficamos naquele momento por alguns instantes, até que abri os olhos e olhei no relógio, tocando-me que ele estava super atrasado – Olha a hora! O senhor já está atrasado! – exclamei e soltei-o, virando-me para o fogão.

Apaguei o fogo e coloquei dois ovos em um prato, entregando-lhe logo em seguida. Chequei o arroz, e estava comestível, então permiti que ele comesse. Almoçamos juntos, ele bem mais rápido do que eu, e poucos minutos depois ele deixou-me sozinho novamente.

Eu já havia planejado fazer uma grande faxina na casa, então ao acabar de comer, lavei a louça e fui colocar uma roupa velha. Comecei pelos quarto, revirando tudo para limpar.

Ao chegar no quarto de meu avô, comecei a mexer nas gavetas de sua cômoda, esvaziando-as uma por uma. Até que descobri que a última possuía um fundo falso. Franzi o cenho e fui tomado pela curiosidade, então tirei-a e coloquei sobre a cama. Revelei o fundo verdadeiro da gaveta, e deparei-me com um milhão de cartas abertas. Sentei-me ao lado dela e comecei a ler as informações das cartas e, para minha surpresa, eram de um remetente americano, e estava tudo escrito em inglês. Organizei-as por data e, por dominar muito bem a língua inglesa devido aos vários anos que passei fazendo curso, pude lê-las com facilidade.

De repente, meu chão sumiu. O conteúdo daquelas cartas mudava tudo.

 

Seattle, 2012.

Ainda encostado na porta e abraçado à minhas próprias pernas, tentava organizar meus pensamentos. Eu não esperava encontrar aquele homem nunca mais na minha vida. Mas o passado teve que vir assombrar-me mais uma vez.

Ouvi uma batida na porta e uma voz feminina, que logo reconheci por ser de Anastasia.

— Diego, você está bem? – indagou com um tom preocupado, e eu hesitei em responder, pensando seriamente em fingir que não estava ali. Mas eu precisava desabafar com alguém, ou eu iria explodir. E a garota era minha melhor amiga, então ninguém melhor do que ela.

Detive-me a me levantar com dificuldade e destranquei a porta, em silêncio. A loira adentrou o local e fechou a porta atrás de si, enquanto eu fiquei de costas para ela, sem coragem de encará-la. Ficamos quietos por um tempo, até que eu decidi falar logo de uma vez.

— É ele. – afirmei com a voz trêmula.

— Ele quem? – questionou, e mesmo estando de costas, sabia que sua testa estava franzida.

— Meu pai. – finalmente virei-me para ela, demonstrando desespero no olhar.

 

São Paulo, 2001.

“Bruce Russell”. Escrevi essas palavras na ferramenta de pesquisa do computador da escola, e apertei o Enter. Minhas mãos suavam enquanto esperava o resultado carregar. Meu coração batia em um ritmo mais rápido que o normal, e minha respiração estava descontrolada, de tamanho o nervoso que eu me encontrava.

Finalmente apareceram algumas coisas na tela, e eu cliquei no primeiro link. Era um artigo em inglês, falando sobre a pesquisa de um renomado neurocirurgião. Cliquei na foto para que ela ampliasse, e ali tive certeza: era ele. Seus traços eram extremamente familiares, e eu sabia exatamente porquê: ele era meu pai. E eu era bastante parecido com ele.

Imprimi aquele artigo rapidamente, pois meu tempo de uso no computador estava acabando. Grifei um endereço com o marca-textos e digitei-o em outra aba do navegador, confirmando minhas suspeitas. Aquele era o endereço da clínica em que ele trabalhava, e era para lá que eu ia. Massachusetts, aí vou eu.

O ano letivo estava quase no fim, então eu precisava apenas fazer algumas provas para não ficar com 0 de média, pois já tinha fechado o ano no terceiro bimestre. Então fui para a aula, mas minha mente já estava trabalhando em um plano.

—-

Estava sentando na mesa da copa, com todas as cartas dispostas sobre ela. Meus olhos não saíam do relógio, pois estava esperando meu avô chegar do serviço para tirar satisfação. Já tinha um discurso preparado, e esperava poder usá-lo sem mudar nada.

Ouvi o barulho do portão e engoli em seco, ficando ainda mais tenso. Ajeitei-me na cadeira, mantendo as costas retas, tentando parecer confiante e disfarçar o nervosismo. O homem entrou pela porta e acendeu a luz, finalmente notando minha presença no cômodo.

— Diego? O que estava fazendo no escuro? – perguntou enquanto tirava os sapatos, e quando notou as cartas sobre a mesa, fechou a cara e alternou olhares entre elas e eu – O que é isso?

— Eu é que te pergunto, vô. – rebati, cruzando as mãos sobre a mesa.

— Onde você achou isso? – questionou, parecendo ficar nervoso.

— O senhor sabe. – ergui uma sobrancelha e sorri ironicamente.

— Você leu? – suspirou e aproximou-se, escorando numa cadeira na minha frente.

— Claro. – respondi como se fosse óbvio – O que o senhor tem a dizer sobre isso?

— Eu não queria que você lesse, para não sentir-se pior... Eu sei como a morte da sua mãe te atinge até hoje, e achei que isso só ia piorar. Sinto muito, filho... – falou com culpa no olhar. Assenti lentamente e ficamos em silêncio, num clima um pouco pesado. Eu olhava para o nada, ainda chocado com a atitude dele.

— Eu vou atrás dele. – afirmei finalmente, dirigindo meu olhar a ele.

— Quem? – franziu o cenho, e eu apenas respondi com cara de que era óbvio – Seu pai?! – exclamou ao cair sua ficha – Isso é loucura, você não vai!

— Aquele homem não é meu pai! – retruquei, destilando ódio na voz – Ele é o responsável pela morte da minha mãe. Isso não vai ficar assim. – neguei a cabeça, possesso de raiva – Eu tenho um dinheiro guardado na poupança. Vou usá-lo para conseguir os papéis e ir para os Estados Unidos. Afinal de contas, eu sou um cidadão americano, muito bem nascido em Nova Jersey. O senhor pode tentar me impedir, mas não vai conseguir. Está decidido. Se me ajudar, eu agradeço. Se não, eu me viro. Essa é minha chance de mudar de vida.

— Meu filho, você vai apenas desperdiçar esse dinheiro! Você vai para lá, e vai fazer o quê? Xingá-lo e vir embora para não passar fome? – disse, incrédulo – O que passou, passou. Agora você tem que focar em passar no vestibular, e começar sua carreira em medicina, que eu tenho certeza que será brilhante. Você se esforçou tanto... Não jogue tudo fora.

— Eu tenho um plano, vô. Não vou simplesmente chegar lá assim, sem nenhum objetivo, só a passeio. As coisas vão mudar, acredite. – afirmei com convicção – O senhor está comigo, ou contra mim? – perguntei, fitando-lhe profundamente nos olhos, que demonstravam seu desespero. O homem hesitou por um tempo, mas finalmente soltou o ar, parecendo ceder.

— Estou sempre contigo, meu filho... Diga-me o que preciso fazer. – respirou fundo e olhou-me cansado, arrancando um sorriso vitorioso do meu rosto.

 

Seattle, 2012.

Anastasia olhou-me chocada, processando o que eu dissera.

— Uau, você nunca me disse que seu pai é um médico renomado! – exclamou, unindo as sobrancelhas.

— Ser um médico renomado não anula o fato de ele ser um monstro. – rebati, andando de um lado para o outro, estressado.

— O que ele pode ter feito de tão ruim, para você odiá-lo tanto? – questionou, parecendo confusa.

— Ele simplesmente é responsável pela morte da minha mãe. – sorri sarcasticamente, fingindo banalidade nas palavras.

— Como assim? – ficou mais séria, agora com um olhar de pena.

Sentei-me na cama de baixo da beliche e apoiei os cotovelos em minhas pernas, passando as mãos por meus cabelos enquanto bufava, cansado. Fiquei encarando nada, enquanto relembrava mais algumas coisas.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que o final deixou meio que um suspense, mas calma que semana que vem vocês descobrem o que houve no passado! Mas, por enquanto, o que estão achando do Diego? Já têm seus palpites sobre o que aconteceu? E sobre o que vai acontecer?
Bem, obrigada pela leitura, e espero que tenham gostado/continuem gostando. Vejo vocês nos comentários! Beijos!