Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 20
Capítulo 19 – Take Me to Church.


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde! Aqui vamos nós com mais um capítulo!
Primeiramente, eu gostaria de agradecer a todos vocês, porque finalmente alcançamos as 2000 leituras. Pode não parecer muito, mas para mim é um grande progresso! Mas gostaria de mandar um obrigada especial para Prongsnitch, que recomendou a fic! Você fez meu dia, semana, mês, mais feliz. Esse capítulo é dedicado a você! E se vocês quiserem dar uma lida na recomendação, seria legal, ficou muito boa.
Em segundo, preciso avisar que decidi postar capítulo novo a cada 15 dias a partir de agora. Porque minhas aulas já voltaram (;-;), e estou com zero tempo para escrever, e pelo visto vou continuar assim até o fim do ano, já que estou me preparando para os vestibulares e tudo mais. Então, para deixar a fic em mínimo de hiatus contínuo possível, vou postar a cada duas semanas, para comprar tempo. Já tenho alguns capítulos prontos, mas não o suficiente para sustentar a história até minhas próximas férias.
A música do capítulo é bem conhecida, sem contar que é maravilhosa. Se você nunca ouviu, corre lá que você está perdendo um musicão https://www.youtube.com/watch?v=PVjiKRfKpPI.
Acho que é isso. Se você leu até aqui, parabéns, e boa leitura! Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/720919/chapter/20

Minha vida toda eu passei na igreja. Catequese, Crisma, 1ª Comunhão... Sempre considerei minha fé a coisa mais importante da minha vida. Sempre acreditei que Deus estava comigo, me ajudando. Não posso mentir que já tive minha fé testada, mas quem nunca passou por situações ruins? Bem, eu vivi um milagre, então não tenho do que reclamar. Mas nunca fui de tentar enfiar as coisas que acredito na garganta das pessoas. Cada um acredita no que acredita, e não tem nada que eu possa fazer.

Ainda me encontrava estática, intercalando olhares entre o paciente e sua recém-aparecida esposa. Engoli em seco e respirei fundo, tentando reagir de uma forma um pouco normal. Arrumei a postura e sorri o menos falso possível, apertando a mão da mulher.

— Dra. Claire Scofield, é um prazer. – apresentei-me, tentando esconder o choque.

— O prazer é todo meu... – afirmou, educadamente – Você pode me atualizar sobre o caso dele? – pediu, parecendo preocupada.

— Claro. Seu marido está com insuficiência renal, causada muito provavelmente por abuso de remédios. De acordo com exames de imagem, os rins dele estão muito deteriorados, e ele terá que ficar na fila de transplante. Amanhã faremos uma cirurgia exploratória, para darmos uma olhada mais de perto no problema. – respondi calmamente, enfatizando a palavra “marido”, de forma um pouco irônica.

— Oh meu Deus, eu não sabia que o problema ia além do naufrágio! – exclamou a mulher, cobrindo a boca – Querido, nós vamos passar por isso juntos, você não está sozinho... – virou-se para ele e segurou sua mão, olhando-o com carinho. Pelo pouco que eu conhecera da mulher, ela me parecia uma pessoa maravilhosa, e não via motivo aparente para ele querer flertar com outras mulheres – É você que realizará a cirurgia? – voltou-se para mim novamente, ainda apertando a mão do homem.

— Eu apenas ajudarei, quem realizará serão os cirurgiões especialistas. Eu ainda sou uma residente. – falei, e não pude deixar de encarar as mãos dadas dos dois.

— Entendo... É uma cirurgia arriscada? – franziu o cenho, aparentemente muito preocupada.

— Seu otimismo me surpreende, Katlheen. – ironizou Ronan, que se encontrava quieto e com cara de desconfiado desde a chegada de sua esposa.

— Eu só tenho medo de que alguma coisa aconteça com você, querido. – defendeu-se com uma voz doce, acariciando seu ombro.

— Amanhã os cirurgiões e eu passaremos novamente para esclarecer todas as dúvidas. – afirmei, querendo muito sair dali e me livrar daquela cena melosa – Mas respondendo sua pergunta, não, não é uma cirurgia arriscada. – sorri simpática – Agora, se me dão licença, eu tenho algumas outras coisas para resolver.

— Ah, claro, não queremos tomar seu tempo, eu sei que você deve ser muito ocupada. – disse a mulher, num tom compreensivo. Mal sabia ela, que naquele hospital eu não ficava realmente ocupada com alguma coisa havia meses.

— É, claro. – ri forçado, dando de ombros – Vejo vocês amanhã. – despedi-me e não pude deixar de dar uma boa encarada no paciente, que parecia constrangido e manteve seus olhos em mim o tempo todo.

Deixei o quarto e entreguei o prontuário para uma enfermeira, apressando-me para longe dali o mais rápido possível. Sim, eu me iludira que um clima se formara ali. Sim, eu já tinha feito mil e um planos, porque eu nasci para ser feita de trouxa. E sim, eu estava constrangida e com raiva de nós dois: dele por ter flertado comigo e me iludido mesmo sendo casado, e de mim por me deixar levar tanto por apenas alguns flertes. Talvez fizesse muito tempo que eu não tinha aquela troca de faíscas com algum homem, e estava me atirando facilmente para o primeiro que me apareceu.

Fui diretamente para o quarto em que Rebecca estava internada, e encontrei a morena ainda num sono profundo. Suspirei, me sentei na poltrona ao lado da cama e fiquei encarando seu rosto pacificamente adormecido, e notei que nunca havia a visto assim. Aproveitei aquele momento para me afogar em pensamentos, que iam desde quando nos conhecemos no vestiário dos internos até aquele momento, e reparei que em tão pouco tempo, muita coisa mudara. De repente voltei a pensar no paciente, e como fui boba em flertar de volta. Eu me sentia solitária e indesejada, já que meu corpo ainda não era o mesmo de antes da gravidez. Então quando aquele homem maravilhoso deu bola para mim, senti necessidade de corresponder. Contudo, fiz ali uma promessa para mim mesma: nunca mais seria mais do que profissional com um paciente.

Continuei ali imersa em meus pensamentos por talvez horas, não tinha certeza. Só me despertei do transe quando ouvi Rebecca resmungar alguma coisa, e automaticamente desviei meu olhar para ela, que parecia despertar.

— Acordou a Margarida. – brinquei, rindo fraco enquanto ela se espreguiçava, aparentando estar um pouco perdida.

— O que aconteceu? – questionou, olhando em volta – Por que estou internada?

— Você desmaiou, muito provavelmente devido à exaustão. Quanto tempo fazia que você não dormia? – respondi, enchendo um copo com a água que ficava numa jarra e a entregando.

— Dias. – afirmou, suspirando e dando um gole na água que eu a entreguei – Quanto tempo eu dormi?

— Apenas algumas horas. – dei de ombros.

— Eu perdi muita coisa? E o naufrágio?

— Não estive muito em contato com os outros pacientes do naufrágio. Meu paciente é o engenheiro do navio que afundou, e ainda por cima está com insuficiência renal e já está até na fila do transplante. – falei, e a mesma arregalou os olhos.

— Sua vaca, pegou um caso dos bons! – franziu o cenho, aparentemente com inveja.

— E eu posso ter passado o dia todo flertando com um paciente casado... – disse, esperando sua reação exagerada junto com uma bela bronca.

— O quê?! – exclamou, arregalando os olhos novamente e virando-se completamente para mim – Você perdeu o juízo? É só eu ficar 5 minutos dormindo que você já faz merda!

— Deixe-me explicar. – pedi, tentando acalmá-la – Eu não sabia que ele é casado... Ele, mesmo com todas essas notícias ruins, começou a dar em cima de mim, e ele é muito, mas muito gato mesmo!

— Claire, não pode se envolver com pacientes... – falou antes que eu continuasse, julgando-me com os olhos – Não importa se ele é maravilhoso, sexy, o diabo a quatro.

— Quando você o ver, vai entender... – tentei me defender – Mas eu já me prometi que não vou me deixar levar por nenhum outro paciente, eu juro.

— É bom mesmo, você tem que manter a ética. – disse, ainda com seu olhar julgador.

— Mas vamos mudar de assunto. – virei-me mais para ela – Eu estive pensando, e já passou da hora de batizar os gêmeos... E eu realmente queria que você fosse a madrinha. – afirmei, um pouco acanhada. Aquele assunto estava martelando em minha cabeça há semanas, mas eu nunca tinha tempo e coragem de pedir a ela. Afinal, eu sabia que ela tinha um pouco de ódio à religião, mas por outro lado ela era minha melhor amiga, e esteve comigo na pior fase de toda minha vida, sem contar que foi uma segunda mãe para meus filhos quando eu estive em coma. Então não podia pensar em ninguém melhor para ser a madrinha.

— Você está de brincadeira, né? – ergueu um sobrancelha, rindo ironicamente. Continuei séria, demonstrando que não estava brincando, e a mesma fechou o sorriso – Você está falando sério... – suspirou, abaixando a cabeça – Você sabe que eu não entro em uma igreja nem amarrada, e que nunca entendi o porquê de batizarem as crianças, então pode pedir a outra pessoa, eu passo.

— Por favor, Rebecca... Você é minha melhor amiga, é a pessoa que eu quero que meus filhos vejam como uma segunda mãe... Eu confio em você, caso aconteça alguma coisa comigo e as crianças fiquem órfãs... – tentei convencê-la, olhando-a com súplica.

— E você pode continuar confiando, se alguma coisa acontecer com você, eu vou cuidar dos gêmeos... Mas eu não preciso segurá-los enquanto o padre joga água na cabeça dos pobres coitados, para provar isso. – rebateu, dando de ombros.

— É importante para mim que seja feito diante de Deus, Rebecca... Por favor... Eu não estou pedindo que você vá para a igreja todo domingo, eu só quero que batize meus filhos. Uma horinha, ouve o que o padre tem a dizer, segura as crianças e pronto, nunca mais precisa pisar na igreja de novo. – sorri fraco, na tentativa de convencê-la.

— Você realmente deveria encontrar outra pessoa... Aposto que a Anastasia vai adorar. – disse sem ceder, com a cara fechada. Desmanchei o sorriso e tentei esconder o quanto aquilo me chateara, mas provavelmente foi inútil.

— Eu não quero a Anastasia. – falei, levantando-me – Vou pedir
às enfermeiras para te darem alta. – afirmei e saí do quarto antes que ela dissesse qualquer coisa. Não estava mais a fim de conversar com ela, porque aquilo realmente me deixara aborrecida.

—-

Acordei no outro dia com um milhão de mensagens de Rebecca, mas não tive disposição para responder nenhuma delas. Já tinha combinado de pegar carona com Anastasia e Diego pelo resto do mês, então não precisaria encarar a morena tão cedo.

Passei no quarto das crianças, que ainda dormiam pacificamente, e dei um beijo em cada um, tomando cuidado para não os acordar. Desci e encontrei a mesa do café da manhã já posta. Troquei poucas palavras com meus pais e tomei meu café rapidamente, e em poucos minutos já estava no carro com Anastasia e Diego. O silêncio prevaleceu ali também, assim como no dia anterior, e eu estava grata por isso.

Chegamos no hospital e fomos direto para o vestiário, enquanto eu tentava ao máximo evitar me encontrar com Rebecca. Foi uma batalha inútil, pois logo de cara eu avistei a morena em sua repartição, fazendo-me respirar fundo e adentrar o local tentando ignorá-la.

— Por que você não respondeu minhas mensagens? – questionou Rebecca, parando ao meu lado, já vestida em seu uniforme.

— Não vi. – nem tentei disfarçar que era mentira, e dei de ombros, continuando a me trocar.

— É claro que viu, você não sabe mentir! – retrucou, fazendo cara feia – Eu fiz alguma coisa?

— Sério? – ergui uma sobrancelha, como se fosse óbvio – Quer saber, deixa para lá, vamos fingir que eu não vi suas mensagens e que você não sabe o que fez. – finalizei, terminando de me trocar – Agora eu tenho um caso importante, tchau. – despedi-me e saí dali, procurando Bailey.

Caminhei em direção ao quarto de Ronan, pois o combinado tinha sido que explicaríamos a ele e sua esposa sobre os detalhes da cirurgia. Encontrei Bailey e Owen conversando encostados no balcão das enfermeiras, e aproximei-me.

— Bom dia. – cumprimentei, tentando parecer de bom-humor.

— Bom dia. – responderam uníssonos, ambos me medindo com os olhos.

— Então, nós já vamos explicar o procedimento a eles? – tentei puxar assunto, um pouco sem graça.

— Vamos. – afirmou a mulher, e avançou até o quarto do paciente, batendo na porta já aberta antes de entrar – Com licença.

— Olá... Vocês são os médicos que vão fazer a cirurgia? – disse Katlheen, intercalando olhares entre os dois cirurgiões, aparentemente sem notar minha presença ali. Fiquei por um tempo parada na porta, atrás dos dois outros médicos, tentando esconder-me. Visualizei Ronan pelo meio dos dois corpos, e ele continuava de tirar o fôlego, como no dia anterior. Não podia negar que estive ansiosa por um reencontro, mas nunca assumiria algo do tipo.

— Sim... Meu nome é Owen Hunt, e essa é Miranda Bailey. – respondeu o cirurgião, sorrindo fraco – E a senhora é...?

— Kathleen Uí Kelleher, esposa do Ronan. – apresentou-se, parecendo nervosa – Eu conversei um pouco com a outra médica, a...

— ... Claire. – completou Ronan, deixando sua esposa um pouco sem graça – Ela disse que vinha com vocês, onde ela está? – questionou, procurando-me com o olhar. Senti um frio na barriga ao ouvir meu nome sair de sua boca, e minhas bochechas queimaram quando o mesmo perguntou de mim.

— Estou aqui. – finalmente pronunciei-me, saindo de trás dos dois médicos. Sorri um pouco constrangida ao sentir seu olhar intenso sobre mim, e entrei em um curto transe enquanto o observava, mas lembrei-me de minha promessa, então retomei a postura e fechei a cara – Bom dia, Sr. e Sra. Kelleher. – cumprimentei-os educadamente, tentando ser formal.

— Bem, agora que estamos devidamente apresentados, que tal começarmos a falar sobre a cirurgia? – indagou Bailey, parecendo um pouco desconfiada – Como o Dr. Hunt disse, meu nome é Miranda Bailey e eu sou especializada em Cirurgia Geral. Depois de dar uma olhada nos exames do seu marido, nós decidimos que o melhor a fazer é uma cirurgia exploratória, para vermos o que está acontecendo mais de perto.

— Sim, a Dra. Scofield já me explicou o caso. E me parece que ele está na fila de transplante de rins, como é isso? – falou a mulher, assentindo com a cabeça.

— Nós ligaremos para a UNOS, que controla o banco de órgãos, e ele entrará numa lista, ainda como pouca emergência. De acordo com o que vermos na cirurgia, podemos ligar novamente e atualizar o caso. Se for pior do que imaginamos, ele pode subir na lista, ficando mais próximo de receber um órgão. – explicou Miranda – Agora, Dra. Scofield, por que não nos explica como funcionará a cirurgia? – virou-se para mim, erguendo uma sobrancelha.

— Claro. – limpei a garganta e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha, sentindo-me mais nervosa do que o normal – Nós realizaremos uma laparoscopia, que ocorrerá hoje à tarde. A cirurgia é bem simples, nós faremos apenas algumas incisões pequenas, e colocaremos o laparoscópio, que é um aparelho que contém micro câmeras que nos permitirão ver o que está acontecendo por dentro, e tirarmos um pedaço para a biópsia. – expliquei, tentando não explicitar meu nervosismo – A recuperação é tranquila, contudo creio que o manteremos internado um pouco a mais, até termos certeza absoluta do diagnóstico. – finalizei, sorrindo fraco – Alguma pergunta?

— Quanto aos riscos...? – questionou a esposa do paciente, olhando-me atentamente.

— Levando em conta que teremos profissionais muito experientes realizando a cirurgia, são mínimos. Mas poderia acontecer a perfuração de algum órgão, hemorragias, problemas respiratórios, arritmias cardíacas... – dei de ombros, e só quando notei o olhar aterrorizado da mulher que caí em mim, e virei-me para Bailey, que não parecia muito contente com o fato de eu tê-la assustado.

— Mas nós já demos uma olhada no histórico médico do Sr. Kelleher, e ele não corre riscos. É uma cirurgia tranquila, você não deveria se preocupar. – disse Miranda, tentando acalmá-la.

— Eu confio em vocês. Podem fazer a cirurgia. – afirmou Katlheen, sorrindo fraco.

— Eu não tenho direito a opinião? – o paciente ergueu uma sobrancelha para sua esposa, ironicamente.

— Você precisa da cirurgia, e tem médicos muito bons à sua disposição. Creio que não há discussão sobre isso, amor. – falou a mulher, com uma tranquilidade que me dava inveja.

Aye, vamos com a cirurgia. – suspirou, não parecendo muito contente.

— A Dra. Scofield virá prepara-lo para a operação, e a realizaremos às 15:00. – disse Owen – Vejo vocês mais tarde, e qualquer coisa, sintam-se à vontade para nos biparem.

Bailey apenas assentiu e os dois saíram da sala, contudo eu não senti vontade de segui-los. Continuei com cara de paisagem, e ao notar a tristeza no olhar do paciente, senti um aperto no coração. Ele estava passando por muita coisa, e tudo que eu queria era abraça-lo e dizer que ficaria tudo bem.

Respirei fundo e voltei a mim, abrindo um sorrisinho forçado e desviando o olhar dele para sua esposa.

— Vejo vocês mais tarde. – despedi-me e deixei o quarto, levando comigo o prontuário.

Entreguei o objeto para uma enfermeira, que me avisou que os cirurgiões haviam ordenado que eu ligasse para a UNOS. Assenti e comecei a caminhar pelo corredor, quando num piscar de olhos eu fui empurrada para dentro de uma Sala de Exames, ficando atordoada por alguns segundos.

— Você vai conversar comigo. – afirmou Rebecca, virando-se para mim depois de trancar a porta – Por que está me ignorando?

— Por que você acha? – rebati, rindo ironicamente.

— Se eu soubesse, não estaria te perguntando. – retrucou, seriamente – Foi alguma coisa que eu fiz, que eu disse...?

— Não se faça de boba, nós conversamos sobre isso ontem! – estreitei os olhos, sem crer que ela não se lembrava.

— Você está brava porque eu não quero batizar seus filhos? – franziu o cenho, parecendo realmente confusa.

— Bingo! – exclamei, batendo uma palma para enfatizar.

— Mas isso não significa nada...

— Significa para mim. – cortei-a, apontando o dedo em minha direção – Você sabe que tem muita importância para mim, então custa você ceder uma vez na vida? – suspirei, com um olhar cansado.

— Por que eu? – questionou, apontando para si mesma com as duas mãos.

— Porque você é minha melhor amiga, Rebecca. Você é uma das pessoas mais importantes do mundo para mim. Você literalmente me manteve viva. Você é uma espécie de “Suporte à Vida” para mim, porque sempre que a vida me dava uma rasteira, você estava lá para me manter de pé. – respondi, olhando-a nos olhos. Eu não sabia ao certo de onde tinha tirado aquela expressão, mas eu senti um certo déjà vu— Diga o que quiser, que você não acredita em Deus ou sei lá o que, mas no fundo, você acredita sim. Se não acreditasse, não teria lutado tanto para deixarem meus aparelhos ligados. Você esperava por um milagre, queira admitir ou não. – continuei encarando-a, que parecia sem palavras – E eu creio que você está disposta a cuidar dos meus filhos, do mesmo jeito que cuidou de mim esse tempo todo. Então por favor, Rebecca...

— Você não sabe do que está falando. – falou, negando com a cabeça e virando-se para a porta, deixando-me sozinha na sala logo em seguida.

Bufei e bati as mãos nas coxas, demonstrando minha insatisfação. Eu não achei que seria um assunto tão complicado, e a falta de interesse da jovem estava começando a me fazer pensar que talvez eu não importasse tanto assim para ela. 

—-

Adentrei o quarto do paciente, depois de dar duas batidinhas na porta, que já se encontrava aberta.

— Boa tarde, já está na hora de prepara-lo. – cumprimentei o casal, que aparentemente estavam engajados numa conversa. Eles pareciam se dar bem, e com certeza ficavam muito bonitos juntos.

— Olá... – Katlheen sorriu, levantando-se da cama, onde estava deitada ao lado de seu marido – Eu vou deixá-los à sós, para facilitar seu trabalho. – disse e deu um beijo rápido no homem – Eu volto para vê-lo antes da cirurgia.

Aye. – o paciente concordou com a cabeça, e olhou-me maliciosamente depois que fomos deixados sozinhos.

Ouvi o celular apitar e, num ato reflexo, peguei-o do bolso e olhei o visor, vendo que era uma mensagem da minha mãe, com uma foto anexada dos gêmeos todos lambuzados de comida. Sorri largo para o celular e guardei-o novamente no bolso do uniforme, ainda sorridente.

— Hmm, sorrindo para o celular. – provocou o paciente, sorrindo malicioso – É seu namorado?

— Não que seja da sua conta, mas eu não tenho namorado. São meus filhos. – respondi, dando de ombros.

— Você tem filhos? – ergueu uma sobrancelha, parecendo surpreso.

— Sim, gêmeos. Uma menina e um menino. – afirmei, sorrindo fraco.

— E o pai...? – olhou-me desconfiado, e eu engoli em seco.

— Morto. – falei seca, desviando o olhar.

— Eu sinto muito... – suspirou, pela primeira vez também me olhando com pena.

— Eu também. Agora vamos parar de conversar. – retruquei, fechando a cara.

Aye, Dra. Mal-Humorada. – riu-se, e continuou me observando enquanto eu cuidava de seus remédios – Você está agindo diferente. É por causa da Katlheen?

— Eu não estou agindo diferente. – rebati, claramente mentindo, e ficamos em silêncio por um tempo – Eu só acho engraçado que você nunca mencionou que é casado. – dei de ombros – Você nem usa aliança.

— Eu devo ter perdido a aliança no naufrágio. – afirmou, acariciando seu dedo anelar da mão esquerda – Não vi necessidade de mencionar que sou casado. Eu deveria? – ergueu uma sobrancelha com sua famosa cara irônica, e eu corei no mesmo instante, fazendo-o rir. Aparentemente, meu constrangimento estava divertindo-o, o que estava me irritando.

— Normalmente, em situações como a sua, os pacientes pedem para ligar para os cônjuges. – tentei disfarçar, voltando às minhas tarefas.

— E como você acha que minha esposa chegou aqui? – sorriu sarcasticamente, e eu ergui as sobrancelhas, um pouco surpresa – Eu pedi a uma enfermeira que ligasse. Eu deveria ter pedido a você, é procedimento padrão? – questionou ironicamente, e eu revirei os olhos, sem ter o que responder.

— Faça o que quiser. – dei de ombros, na tentativa de parecer indiferente, mas estava extremamente irritada, e só queria enfiar minha cabeça num buraco no chão.

— Estamos prontos aqui? – perguntou Hunt, entrando no quarto.

— Quase. – respondi, sem virar-me para o ruivo.

— Ela não acabou ainda por culpa minha, eu fiquei batendo papo com ela e a distraí, desculpe. – desculpou-se Ronan, sorrindo simpático para o cirurgião e erguendo a mão em sinal de rendição. Neguei com a cabeça e ri fraco, finalmente terminando o que tinha que fazer.

— Agora estamos prontos. – afirmei e olhei para Owen.

— Vamos, então. – disse o médico, e fez sinal para a equipe de enfermagem ir buscar a maca. Saí do quarto antes do paciente e dei de cara com sua esposa, que parecia aflita.

Seguimos para a SO lado a lado, e eu apenas observava a preocupação da mulher, que estava com sua mão agarrada à de seu amado. O mesmo sorria discretamente para o gesto, parecendo grato pelo apoio.

— Okay, você tem que ficar aqui, a partir dessa porta apenas pessoal autorizado. – falou o ruivo, parando antes da porta que levava às Salas de Operação.

— Tudo bem... – suspirou Katlheen, e virou para seu marido, sorrindo nervosa – Vai ficar tudo bem, daqui a pouco você já terá saído de lá. – afirmou, parecendo tentar mais se auto convencer do que a ele.

Aye, eu sei. – colocou a outra mão sobre suas mãos dadas – Não precisa surtar, vai dar tudo certo. – olhou-a nos olhos, aparentemente calmo.

— Te amo. – disse a moça, beijando-o rapidamente.

— Também te amo. – respondeu, e soltou a mão dela.

Aquilo pareceu uma cena de despedida de uma cirurgia que colocaria a vida dele em risco, e foi o que deixou claro a preocupação que um tinha pelo outro. Confesso que achei bastante tocante, e até invejei aquele casal. Eu poderia ter tido tudo aquilo, se um maldito atirador não tivesse matado o amor da minha vida.

Hunt acenou com a cabeça para que levassem a maca, e eu o acompanhei até o local de esfregarmos nossas mãos, onde Bailey já se encontrava. Lavamo-nos em silêncio, e logo entramos na SO, tendo nossas luvas colocadas por uma enfermeira. Encarei o rosto maravilhoso do paciente, que parecia nervoso, e assisti ao anestesista deixa-lo desacordado. Voltei a prestar atenção na mesa de cirurgia, e Miranda fazia uma oração antes de começarmos.

— Okay, vamos. – falou a morena – Bisturi. – estendeu a mão para a equipe, e em pouco tempo já estava com as incisões prontas – Laparoscópio. – pediu, e inseriu o aparelho em um dos cortes. Assistimos às imagens pelo monitor, e eu tentei prestar atenção em todos os detalhes – Scofield, o que você vê? – perguntou, já obtendo uma boa visão dos rins.

— Eles estão bem danificados, não? – respondi, com medo de especificar.

— Isso nós já sabemos, mas danificados quanto? – retrucou, fazendo-me engolir em seco.

— Eu... – olhei novamente para as imagens, completamente perdida. Aquele velho branco veio novamente em minha mente, acompanhado de uma leve dor de cabeça, como acontecia frequentemente – ... não sei. – suspirei, desistindo.

— Como assim, não sabe? – encarou-me, inconformada – Você não se deu o trabalho de estudar o procedimento, Dra. Scofield?

— Eu estudei, inclusive, os termos técnicos foram uma ótima canção de ninar para os gêmeos... – respondi, já desesperada – É só que... desde o coma, as coisas não estão muito no lugar, se é que me entende.

A negra respirou fundo, agora com pena e compaixão no olhar. Analisou meu rosto, parecendo julgar se eu dizia a verdade. Negou com a cabeça e voltou sua atenção para o abdome do paciente.

— Dessa vez você passa, Scofield, mas é melhor tomar cuidado com esse seu problema. – disse, mexendo com o laparoscópio – Ele conseguirá aguentar alguns meses na fila do transplante, mas o quanto antes, melhor... Vou tirar um pedaço para fazer a biópsia, e depois dos resultados, é ligar para a UNOS e atualizá-los do caso.

— Eu concordo. – afirmou Hunt, assentindo.

— Vamos terminar. – falou Miranda, preparando-se para prosseguir com a cirurgia.

—-

Adentrei novamente no quarto de Ronan, depois de ter sido bipada lá. Encontrei Owen e Bailey já me esperando, e o paciente estava com uma cara um pouco amassada, provavelmente ainda um pouco zonzo por causa da anestesia.

— Então, finalmente chegamos a um diagnóstico definitivo. Você realmente vai precisar de um transplante de rins, e pode aguentar por mais alguns meses, mas nós vamos tentar conseguir os órgãos o mais rápido possível. Ficaremos na cola da UNOS. – explicou o cirurgião, intercalando olhares entre o paciente e sua esposa.

— Você pode ir para casa esperar os órgãos, e nós entraremos em contato assim que conseguirmos. – sugeriu a médica.

— Eu vou esperar aqui. – respondeu Ronan subitamente, encarando-me com urgência, me deixando sem graça – Quer dizer, nós não moramos em Seattle, então teremos que nos ajeitar na cidade, e até isso acontecer, eu espero aqui, se não for um problema. – tentou disfarçar, dando de ombros.

— Sem problemas, estamos dispostos a ajudar com o que for. – disse o ruivo, concordando com a cabeça.

— Eu ficarei em um hotel enquanto isso, e corro atrás de algum apartamento para nós. – falou Kathleen, olhando para seu marido e depois para os médicos – Se puderem me recomendar uma imobiliária, eu agradeço, porque não sei absolutamente nada sobre Seattle.

— Nós a ajudaremos com isso. – afirmou Bailey – Mais alguma coisa?

— Eu acho que não. – a mulher negou com a cabeça e virou-se para seu marido, parecendo checar se ele tinha alguma dúvida.

— Nada mais. – falou o paciente.

— Então, se nos dão licença, nós vamos. Tenham uma boa noite, e eu espero que gostem de sua estadia em Seattle. – Owen sorriu e deixou o quarto, sendo seguido por Bailey e eu – Ligue para a UNOS e os atualize. Cheque o estado dele amanhã pela manhã, e nos avise qualquer coisa. – ordenou para mim, e eu assenti, afastando-me para fazer a ligação.

—-

Terminei de me trocar e respirei fundo, aliviada por mais um dia de trabalho cumprido. Peguei minha bolsa e ameacei sair do vestiário, mas Rebecca interrompeu-me, parando em minha frente.

— Claire, nós temos que conversar. – disse, olhando-me seriamente – Eu andei pensando no que você disse. Você não está 100% certa, mas confesso que em algumas coisas, você tem razão. Eu realmente me importo com você e seus filhos, e se isso é tão importante para você, eu vou batizá-los. Não significa que eu passei a acreditar em Deus nem nada disso, mas eu decidi que se você se importa tanto, eu vou fazer isso. Eu sou seu “Suporte à Vida” e você é o meu, como eu te disse enquanto você estava em coma, e eu gosto disso, e quero ser dos gêmeos também, se for necessário. – continuou, deixando-me sem palavras – O que você diz?

— Obrigada! – agradeci, abraçando-a fortemente, e meu déjà vu de anteriormente fora esclarecido. Eu havia me lembrado de alguma coisa do coma! – Eu sabia que você não ia me deixar na mão. – sorri largo e me afastei – Quer jantar lá em casa? Os gêmeos estão com saudades.

— Eu adoraria. – acompanhou-me no sorriso e me ofereceu o braço, seguindo comigo para fora do vestiário.

Cada um acredita no que quer. Mas mesmo dizendo ser ateus, a maioria têm o mínimo de crença em algo maior. É natural do ser humano, procurar alguém/algo para se apoiar em. Mesmo não sendo um deus exatamente, todos temos fé em alguma coisa. Acreditamos que, por algum motivo, as coisas darão certo para nós. Acreditamos, ou pelo menos tentamos, em milagres. E isso não é necessariamente algo ruim, porque sem isso, creio que mal conseguiríamos levantarmo-nos da cama pela manhã. Então mantenha as esperanças, mesmo que não tenha ninguém maior para crer em.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam? Para vocês, a decisão da Rebecca foi a certa? E o que estão achando do Ronan? Deem suas opiniões, elas valem muito para mim!
Vejo vocês nos comentários. Beijão!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Claire's Anatomy" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.