O Detetive Aparvalhado escrita por Sophie Claire


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Que saudades de publicar!!! (〜 ̄



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Dublin, 2010

 

O site Science of Deduction e a fama do detetive londrino se espalharam como pólvora em todo o Reino Unido e não demoraram em chegar à República da Irlanda. Seus métodos e casos divulgados ganharam alguns céticos e muitos fãs, desde aqueles que se impressionaram com os relatos no blog do Dr. Watson e genialidade de Sherlock Holmes. O curioso é que ao passo que conquistava admiradores surgiam “fãs” um tanto obcecados que se perguntavam até que ponto o detetive era infalível, haveria alguém capaz de enganá-lo?

Londres, 2012

Em uma manhã qualquer agitada e barulhenta as calçadas estavam abarrotadas de pedestres. Rostos sérios que iam e vinham no coração de Londres. Em meio a essa multidão uma jovem mulher andava apressada. Consultava o relógio de minuto em minuto e dava passos furtivos. Muito educada para não chamar a atenção, ela somente contorcia o rosto. Sentia alguma dor? Seu sofrimento passava despercebido, mas não para um olho treinado.

Ela estava sendo seguida, mas não por um maníaco, apenas um peculiar sociopata que em um dia entediante encontrou nela um pequeno jogo dedutivo, uma aposta.

─ Vamos jogar deduções? – Sherlock sugeriu, quebrando o silêncio.

─ Jogar? – John repetiu em tom divertido.

─ Sim, uma aposta. Quero saber até onde vão suas habilidades dedutivas – Sherlock comentou enquanto caminhavam, mantendo a vista em um ponto à frente.

Naquela escura manhã de outono Lestrade havia os convidado por telefone para um “compromisso importante” na sede da New Scotland Yard. A princípio o detetive se animou pensando em um assassinato em série ou eventos bizarros sem explicação, no entanto logo torceu o nariz quando ligou os fatos. Como por exemplo, o tom de voz alegre e confiante do Inspetor meio fora do contexto que imaginara. E o sorriso maroto de John que não pode ouvir a conversa, mas que com certeza sabia algo de antemão.

No caminho para se distrair o detetive propôs algo estimulante para seu cérebro, pois ele foi unicamente para atender aos pedidos de John a fim de ser sociável.

─ O que será o objeto de nossa análise? – o loiro perguntou em um tom interessado.

─ Na verdade é “quem” – disse apontando para uma figura já um tanto distante.

Ao perceber que estava sendo seguida a jovem adulta apressou os passos com dificuldade visto que usava sapatos de salto alto, o que acabou por dificultar sua locomoção.

Sherlock avançava cada vez mais rápido seu casaco contra o vento fazendo um som de “wlush” acompanhado de um loiro sem fôlego.

─ Apresse-se, John! Ela vai escapar de nossas vistas! – exclamava enquanto puxava-o sem tirar os olhos do objeto de interesse.

Próximo à esquina, a morena desapareceu como mágica, deixando-os perplexos. Dessa maneira o detetive arrastou o amigo, ainda a tempo de encontrar a “fugitiva” dentro de um café.

 Ofegantes, o moreno com um sorriso louco apontou para a figura a sua frente, indo a sua direção, ele perguntou quase como um sussurro rouco para o amigo com uma expressão apreensiva.

─ Diga-me o que você pode deduzir a respeito dessa jovem?

─ Parece uma pessoa comum que está com medo de um stalker! – John cochichou escandalizado.

─ Ora, ora! Isso não é óbvio! Esperava que fosse melhor do que isso, John! A escolhi em meio à multidão, não de maneira aleatória, mas porque ela esconde um segredo e mal pode disfarçar. Veja bem – prosseguiu com a explicação ignorando o fato que já chamara bastante atenção para si – Ela não deve ter mais de trinta anos, sua aparência não combina com o ambiente. O que faria uma mulher elegante em plena segunda-feira pela manhã em um botequim como esse?

O silêncio tomou conta do lugar, a mulher não mais esperou e saiu rapidamente de cena, entrando em uma salinha no fundo do corredor.

John queria morrer de vergonha alheia e dar meia volta como se não estivesse lá, mas Sherlock insatisfeito quis prosseguir com o escândalo que ele mesmo iniciou. Foi para junto da porta e estranhamente ficou a espera do retorno da moça.

─ Cavalheiros, – o atendente disse em tom de deboche – precisam de algo?

─ Sherlock precisa de senso de ridículo. – o John resmungou para si mesmo.

─ Sim, precisamos fazer algumas perguntas para a dama que está trancada lá dentro suspeitamente – Sherlock rebateu com falsa polidez.

Cinco minutos depois a jovem saiu de lá e se deparou com o detetive que mantinha uma expressão acusatória e um tanto curiosa.

Sem dizer uma palavra, ela desviou dele, porém este bloqueou sua passagem.

─ A senhorita pode me responder algumas perguntas?

─ Saia da minha frente, por favor, ou chamo a polícia!

Sherlock riu triunfante, convencido estar diante de uma mentirosa e provar seu ponto para John. Olhou para seu amigo indicando que seu show havia começado.

─ Creio que os Yarders estão bem ocupados agora... Não vai nos dizer o porquê de andar tão apressada? Sua roupa social indica que você trabalha em um escritório, diria o L&W Company que fica na outra direção... seu porte e a pasta que carrega sugere secretária executiva. Já olhou no relógio? O horário de funcionamento já começou, pontualmente às nove, ou seja, está atrasada mais de meia hora. Mas seu sapato esquerdo contrasta com seu elegante traje, está riscado no salto e falta a pedrinha do meio da correia, para alguém que ganha relativamente bem e na sua ocupação, isso sugere problemas financeiros. Por que desviou do caminho em uma segunda-feira? Não tomou um táxi ou metrô, apenas veio andando até esse lugar – gesticulou ao redor vagamente.

Ela ouvia, horrorizada. O que incentivou o moreno seguir em frente com suas deduções.

─ Notei certo desconforto em seus passos curtos e expressão angustiada, a questão é: por curiosidade pode me informar que negócios você tem com essa empresa de fachada? O que lhe levou a tal extremo a ponto de sacrificar seu emprego para se misturar com esse tipo de gente? Meu parceiro e eu temos hipóteses diferentes...

─ Cretino! – exclamou ofendida, levantando a mão para estapear lhe a face, no entanto antes Sherlock segurou seu pulso.

─ Eu não faria isso! – repreendeu com sua voz baixa – viemos pacificamente, pela Ciência!

─ Você é maluco! Ou melhor, vocês são uns desocupados, de onde tirou essas ideias? Se quiser saber por que estou aqui vou lhe dizer: atrasei-me para o trabalho e para compensar fui pegar um táxi, antes que conseguisse tomar um, percebi o meu estado... Precisei de um banheiro – a jovem mulher corou levemente olhando para a própria saia que exibia uma pequena mancha escura desbotada, nitidamente lavada no local e secada às pressas para disfarçar o que as mulheres querem evitar. - Como o senhor mesmo explicou: minha aparência deve estar impecável para a companhia e contrariando suas expectativas sou uma mísera secretária que está no primeiro dia de trabalho. Quis me humilhar publicamente, parabéns o senhor conseguiu! Qual o seu problema?

O sorriso de Sherlock se desfez e o detetive evitou encarar o amigo que teria assunto para o resto do dia com o desfecho inesperado.

Sherlock encarou a mulher, mas seu olhar era tão distante que ele enxergava além dela. Seu olhar ficou parado, abriu a boca, mas fechou-a reprimindo sua pequena frustração. Saindo em seguida, sem dizer coisa alguma.

— x -

Como isso foi possível? A pessoa mais inteligente, analítica que conhecia, errar uma dedução tão boba? Apostar algo que nem foi mencionado para causar um estardalhaço sem necessidade para no fim das contas envergonhar uma pobre moça? Essas perguntas ficaram na mente de John quando eles regressaram à calçada, mas acabou por comentar:

─ Você perdeu a aposta... – esboçou um sorriso fraco – E eu nem dei o meu palpite...

─ Não seja ingênuo, eu fiz de propósito esperando você me corrigir enquanto eu expunha aquela absurda dedução, tsc – o moreno replicou como uma criança birrenta, não admitindo os erros, soando mais falso do que imaginara. – Mas o Doutor Watson falhou, que feio, John!

Este ergueu as sobrancelhas surpreso, pois ainda que morassem juntos há mais de um ano, sempre se surpreendia com o temperamento deste que parecia pura arrogância. O ocorrido azedou o humor do mais alto que parecia sociável e empolgado uns poucos minutos atrás.

─ Oh, entendo. Como ando desatento – o loiro seguiu com o jogo sem sentido. Sherlock sabia que de maneira alguma o convencera e ficou em um ponto entre a vergonha e o orgulho.

─ É melhor que o que nos espere seja algo proveitoso, estou cheio de energias.

─ Você está bem? Ando meio preocupado ultimamente... – o loiro perguntou inocentemente, mas o moreno estreitou os olhos sem compreendê-lo.

O moreno ia dizer que estava um pouco entediado, porém desconfiou da pergunta do médico.

─ Em que sentido pergunta isso? Não estou doente se quer saber... não sou uma farsa.

O outro fez uma expressão descontente e nada satisfeita com a resposta, meditando no que havia acontecendo. Logo a conversa caiu em silêncio e aqueles poucos quarteirões que os separavam do destino final pareciam mais longos.

~~ uma semana atrás ~~

John chegou do expediente mais cedo do que de costume no flat encontrando um Sherlock sentado no chão revirando umas caixas no meio da sala. Este ao menos se importou em virar-se para cumprimentá-lo, apenas murmurou:

─ Xadrez não combina com você, deveriam cortar custos naquele hospital e por favor troque de enxaguante bucal!

─ Boa tarde para você também.  – o médico processava o que ouvira – Porque me disse essas coisas? – seu estômago dava nós, antecipando as brilhantes deduções que viriam daquelas afirmações sem pé nem cabeça.

O moreno deu um sorrisinho de canto, não saindo o lugar e sem olhar para John.

─ Você veio mais cedo em um dia que não tem nenhum compromisso ou evento importante que te faça mudar de ideia e sair daquele consultório, como não está doente ou caiu um meteoro no prédio, está aqui por algum motivo... fútil. Amanda, Ananda... que seja, deixou 34 mensagens no seu celular desde ontem e como você há muito tempo não sai com ninguém exceto comigo para resolver crimes deu alguma desculpa esfarrapada para não ficar de plantão hoje e se encontrar com ela. Ou seja, aquele hospital poderia contratar gente com mais comprometimento. Colocou hoje de manhã a camisa pavorosa de estampa xadrez para lavar porque acha que fica atraente. Se cogita beijá-la ao menos troque de enxaguante! – concluiu com uma excitação no tom de voz

John normalmente ficaria surpreso, exclamando o “Amazing”, no entanto riu às gargalhadas.

─ O quê, tá de brincadeira?! E pare de xeretar minhas coisas!

─Vai dizer que errei algum ponto?

─ Em tudo! Pelo amor de Deus!

A resposta foi como um raio que atingiu em cheio o ego do detetive.

─ Pensei que estivesse brincando, mas vejo que acredita em coisas que você mesmo inventou! Não tem encontro nenhum! E se não acredita eu explico: um de meus colegas precisou trocar de folga comigo e não me avisaram. Quando nos encontramos, fiquei sabendo que eu nem deveria ter ido hoje, aproveitei e liguei para Amanda, tomamos um café e agora estou aqui.

─ Oh! Eu disse que tinha um encontro! – levantou-se finalmente olhando para John, caminhou até ficar bem próximo. Aspirou o cheiro vindo dele – De fato cheira a café. Ficou encabulado o resto do dia.

~~ cinco dias atrás ~~

─ John, quantos dias fazem que não vemos Mrs. Hudson? – Sherlock perguntou na hora do chá.

─ Nem chega a ser um dia, um par de horas. Está com saudades? – comentou distraído lendo o jornal.

─ Estou fazendo um experimento e ela irá me fornecer informações. Estou digamos ansioso. “A arte de flertar na terceira idade” é o título.

─ Cristo... O tédio tomou conta do seu ser?

─ Lá vem a cobaia, aja naturalmente!

A simpática senhoria chegou batendo na porta mesmo sendo vista, como de costume.

─ Sherlock! John! Algum de vocês podem me dizer que cheiro de coisa queimada é esse que dá pra sentir da rua? E que barulhos foram aqueles na madrugada...

─ Oh Hudders! – o moreno interceptou-a. - Cada dia mais elegante para uma dona-de-casa viúva, a senhora possivelmente tem pretendentes. O que falta na juventude sobra nos bolinhos...

John pigarreou o repreendendo pela indelicadeza.

─ Diga-me porque todo domingo a senhora sai após o almoço, demora algumas horas, já chegou a voltar ao escurecer! Apanha o trem, percebe-se pelo cansaço e bolhas que faz nos pés, e nem me venha com papo que vai à missa porque não sou idiota! Sai daqui com pequenos embrulhos recheados de quitutes e se dá ao trabalho de esconder o senhor de uns sessenta e cinco anos que a encontra quadras a frente. Tem medo de apresenta-lo para nós?

─ Oh Sherlock, caiu no vício outra vez?! – a senhora tapava a boca numa expressão desolada.

─ Eu estou limpo!

─ Como pode tão descaradamente achar que tenho um caso? Se está se referindo à espionar minhas saídas posso dizer que nunca convidei vocês pra me acompanharem por estarem sempre ocupados e é um hobby que conservo de ir a uma feirinha em prol do combate ao câncer de mama. Esse senhor é o marido de uma amiga de longa data e para confundir sua curiosidade eu o encontro longe daqui e vamos de carro, pois é em Devonshire... Só pra avisar eu já tenho um pretendente! Eu não tenho problema de assumir, ao contrário de certas pessoas – a senhora Hudson inspirou fundo como uma mãe que repreende a grosseria de uma criança.

Saiu de lá fazendo o assoalho ranger com os sapatinhos de salto ressoantes.

O detetive ficou perplexo. Poderia ser verdade assim como ser exagero da parte dela para humilhá-lo. O problema é que não conseguia pensar com clareza.

~~ de volta à realidade~~

─ Sherlock, seu cérebro não estará cansado? Nos últimos dias você está deduzindo pior que eu... e a história de que é de propósito não me engana. Lembre-se do que aconteceu há três dias! – John comentou seguindo a ordem de seus pensamentos.

~~três dias atrás~~

─ Já lhe disse, nunca é o motivo mais óbvio, John! Pelas marcas no gramado o ladrão teria que ser um ogro. O terreno dá uma afundada e teria que ser no mínimo um sapatão de palhaço.

─ E se a hipótese de Anderson estiver correta? – Greg Lestrade sugeriu o que atiçou a irritação de Sherlock.

─ Eu seria namorado de Moriarty. – o detetive concluiu, ríspido.

─ Então o doutor já pode ficar com ciúmes, porque encontramos a “gangue do circo”, composta por um homem de quase dois metros de altura. Para alcançar a janela e entrar ele carregava na casaca dois anões que faziam ficar mais pesado e alcançarem facilmente o duto de ar. Coisa digna de filme policial pastelão. E corrigindo sua observação, não poderia ser um sapato de palhaço, visto que geralmente o sapato é maior que o pé de quem o usa, o bico é arqueado, portanto a pressão exercida no solo seria menor de modo a não marcar a parte frontal – orgulhosamente o legista explicou diante a plateia boquiaberta.

~~ fim do flashback~~

Absorto em suas lembranças vergonhosas, Sherlock continuou andando, porém diminuiu o ritmo. Seu olhar que antes evitava o de John foi de encontro ao dele.

─ Sei o que está pensando. Aquele pequenino mistério inacabado foi um divertimento às minhas custas. Sinto cheiro de armação e espero que o senhor não esteja envolvido nisso, Watson!

─ Não é capaz de deduzir se estou envolvido? - John rebateu calmamente, dando um sorrisinho provocativo. Ah como Sherlock gostaria de pular em seu pescoço!

─ Acha que estou obsoleto demais para isso? Não sou uma máquina enguiçada, sou capaz de deduzir os transeuntes, por exemplo, aquela senhora que manca de uma perna na verdade está em perfeita saúde. Repare na força exagerada que ela exerce sobre a outra, quando deveria ser o contrário. E agora se apoia em uma parede, com essa cara suspeita. Está distraindo alguém enquanto serve de vigia para um ato delinquente.

─ O quê? – John espantou-se. ─ Parece que ela torceu o tornozelo.

─ Cale-se!

Para Sherlock tudo tinha que ser grandioso.

─ Vejamos – apontando dramaticamente em direção aleatória – Gay! Solteirona com treze gatos! Traficante! Viciado em analgésicos que está evoluindo para hipocondria crônica. Pai solteiro! Virgem!

─ Chega! – John o interrompeu, um tom de voz acima – está sendo ridículo. As pessoas podem errar. Até mesmo você! O seu orgulho o está cegando e cada vez mais que insiste no erro faz disso um círculo vicioso. Você é brilhante, seu smart ass! Agora vamos normalmente a nosso destino, sem tentar se mostrar.

Bollocks! – Sherlock inspirou fundo e em seguida já se encontravam adentrando ao prédio da polícia.

As mesmas caras de sempre. O cheiro fraco de desinfetante passado minutos antes, a camada de pó sobre a escrivaninha com pastas empilhadas. Aquela lâmpada não estava queimada? A mesma mancha no colete do inspetor de duas semanas. O aroma misto de tabaco e spray de menta vindo de um agente que os cumprimentou alegremente.

─ Oh, ambos vieram, que maravilha! O que John não conseguir quem conseguirá?

O doutor comprimiu os lábios arqueando as sobrancelhas, cinicamente lisonjeado.

O detetive simplesmente ignorou, partindo para prática:

─ Onde está Geoffrey? O DI, seu colega... – sendo interrompido por John, agindo muito estranho.

─ Ora Sherlock, esqueça Lestrade, vamos por ali...

─ Com licença, mas você bem sabe que meu aniversário foi há meses! – Sherlock olhava desconfiado pros cantos como se esperasse que surgissem balões e confetes.

─ Não há festa alguma, bem... mais ou menos. – sorrateiramente chegou Lestrade – Mesmo na condição de consultor o consideramos do time e devemos a você até quando nos casos não solucionados. Ao contrário do que pensa não somos irracionais ou ingratos e precisamos honrar nossa parceria, digamos assim. Um importante caso de um par de semanas, intitulado “O turista fantasma” pareceu sem solução quando o fugitivo desapareceu após uma busca implacável...

─ Você correndo reclamando do joanete, John e eu o perdemos de vista. – murmurou o moreno.

─ Bem, demos ele por fugitivo como se estivesse entrado no esgoto ou evaporado. As três vítimas que relataram estelionato dias depois foram ficando com lapsos de memória e não sabiam ao certo descrever o que lhes aconteceram, nem se eram vítimas de fato ou foram pagas pra distrair-nos o que dificultou ainda mais. Decidimos arquivar o caso, já que ninguém se feriu. Logo percebemos o seu desinteresse e você mesmo desistiu da investigação.

─ Sério? – o moreno franziu o cenho por um segundo, pensativo. Como se tivesse voltado a seu raciocínio inicial complementou: ─ Não desisti tão facilmente, eu necessitava de uma pausa para colocar algumas coisas em ordem.

John ouviu a desculpa esfarrapada, o que o deixou preocupado com o motivo de seu amigo ter dito isso se há poucos minutos estava reclamando da falta de trabalho para se ocupar. Foi então que um lampejo de memória passou pelo loiro. Sherlock estava há alguns dias “fora do personagem”, com deduções precipitadas e por muitas vezes equivocadas. Como se estivesse sob efeito de algo...

─ Você pode ter sido uma das vítimas! – falou de uma vez, deixando escapar seus pensamentos.

Os dois ficaram se encarando: o médico absorto nas íris azuis desbotadas e o detetive com um rosto ilegível para os demais, no entanto o outro reconheceu certo desconforto em sua expressão facial.

─ Oh John... você foi capaz de pensar nisso? Desapontei você? A Scotland Yard deixou essa informação vazar? – sua expressão era curiosa. Lestrade tomou a palavra:

─ Porém o que talvez não saibam é que enquanto o senhor descansava nós procurávamos o desgraçado arduamente. E nossos agentes descobriram que o patife atende por Jason White, norte-americano. De acordo com as vítimas que nos descreveram fisicamente e pelo sotaque do garoto e história que ele contou todas as vezes. Tudo isso num espaço pequeno, devido à nossa excelente comunicação...

─ E ao que parece alguns agentes trabalham melhor quando você está fora de questão – Sally completou, debochada.

─ Sem provocação, Donovan!  Bem, como eu estava dizendo ele foi detido tentando escapar para os Estados Unidos. Felizmente foi reconhecido.

─ Hei, peraí... isso significa que o caso foi encerrado? As vítimas o reconheceram? Vocês já o interrogaram e tudo mais? – John estava inquieto.

 ─ Há detalhes que percebemos que fez toda a diferença. Já desconfiávamos, mas a verdade veio à tona quando Sherlock saiu do caso após sabermos que um rapazinho que batia com todos os relatos apareceu perguntando pela dona dos apartamentos, a senhora Hudson. E quem o atendeu? Quem teve mais tarde uma atitude estranha de esquecer como deduz? Os senhores não acharam muito estranho as vítimas virem retirar a queixa? Pois é, resolvemos baseado nisso investigar ainda mais sob a perspectiva de drogas psicotrópicas. Fomos perguntar à sua senhoria se ela não deu por falta algo de valor...

Um minuto de silêncio. Holmes deveria estar triste e cabisbaixo pela vergonha, no entanto exibia um brilho no olhar e estava contendo um sorriso como o gato de Cheshire.

─ Sherlock foi mais uma vítima, é isso?

As peças pareciam agora se encaixar, na verdade elas pareciam “forçadas” a caber numa teoria que beirava o ridículo do discurso prosaico.

─ Eu lamento estragar a festa, não me levem a mal, mas eu gostaria de ter uma palavrinha com o senhor Jason White.

─ Entendo que queira acompanhar de perto nosso triunfo. Não quisemos nos adiantar e chamar a imprensa, mas sabe os holofotes não tardariam a aparecer nesse pequeno caso internacional. Ele está em nossa sala sendo interrogado e se quer ter o gostinho de vê-lo – Greg suspirou, satisfeito consigo e sua equipe.

Do nada surgiu um garçom servindo champanhe e Anderson brindava com Sally.

─ Oh John, leve-me para casa, sim?- os olhos pidões do moreno partiram o coração de seu amigo.

─ Sherlock, eu juro que lhe trouxe aqui porque Greg me disse que fariam uma festinha em sua homenagem! Como você anda tão arredio e nesses últimos dias não reconheço mais meu detetive, achei que seria uma boa ideia pra te animar. Sem contar que nunca viria se soubesse o motivo.

─ Sua lealdade é o que ainda me faz crer na humanidade! – respondeu apertando os ombros do baixinho com as luvas de couro. Deu uma piscadela que o deixou atônito.

Sherlock tinha a faca e o queijo na mão. Ou melhor, tinha uma taça que o mesmo ergueu ao fazer um brinde parabenizando toda a equipe envolvida.

─ Para mim é uma imensa honra participar dessa singela comemoração. Mesmo após eu sair desse eletrizante caso, meus nobres colegas não desistiram e trouxeram justiça por meio de reflexão, provas concretas e... inteligência – pronunciou a última palavra com nojo, que John reprimiu uma risada.

─ Posso fazer umas observações, inspetor Lestrade? Pois bem, – antes de obter qualquer resposta, continuou – ficar à toa me permitiu ter mais tempo livre e por sua vez conhecer senhoras simpáticas e um adorável rapaz no fim das contas...

─ Muito bem! – cortou Donovan, batendo palmas, entediada com a “historinha fútil” do detetive.

“Pobre coitado, está falando um monte de abobrinhas para disfarçar o constrangimento que é perder a moral”. – Pensou Lestrade, colocando a mão na têmpora.

─ Esta resolução seria perfeita se não fosse tendenciosa, induzida e completamente errada. Deixe me apresentar Fredric Jefferson, irlandês, de pai americano.

E chegou Mycroft em companhia de um moço de olhos castanhos claros apertados, estatura mediana, magro que vestia uma boina e calça com suspensórios.

─ Do que está falando? – Lestrade perguntou com a boca cheia de canapés. ─ Quem estaria induzindo nossos rumos?

─ Isso não é óbvio? Eu! – satirizou, apontando para si mesmo. ─ Lamento desapontar essas pessoas, no entanto os senhores prenderam o homem errado! Corrija-me se eu estiver errado em algum ponto – dirigiu-se a Fredric.

─ É um prazer em revê-lo, Greg Lestrade, estou de passagem, só para garantir que este... jovem, chegasse são e salvo. – O Holmes mais velho cumprimentou-o com um aperto de mão solene. Antes mesmo de este responder Mycroft saiu segurando seu guarda-chuva.

O rapaz ao seu lado apenas observava curioso a plateia ao redor do detetive, ora exibia um discreto sorriso de satisfação ao olha-lo de relance ora demostrava as mãos meio trêmulas e mordia os lábios.

─ Pois bem, quantos anos dão a este sujeito?

O show havia começado. Uns estranharam a pergunta sem sentido e alguém disse “dezoito”, outros desdenhavam e cochichavam, porém um fio de esperança brilhou no semblante de John.

─ Muito bem, o que os senhores fariam se encontrassem um jovem longe de sua terra natal, sozinho, precisando de uma mãe? Vou lhes contar uma história, este jovem veio dos Estados Unidos para a Inglaterra completamente quebrado e sem escrúpulos, como um parasita vai ao encontro de sua única parente a fim de extorqui-la já que ela não tem filhos e nunca se casou. Ele usa de sua lábia, pedindo emprestado quantias absurdas de dinheiro a cada semana. Sua tia, cansada e sem condições de bancar as extravagâncias do sobrinho decide por um fim nisso. Os dois discutem, até que ela não o aceita mais em sua casa, ele a ameaça, faz chantagem emocional, até que tudo começa: ele faz de sua vítima uma cúmplice mediante coação.

A turma estava quieta, os agentes processavam a ideia e já previam algum vexame que viria a seguir. Sherlock deu um gole na bebida e prosseguiu.

─ O negócio se expande e ele vai de encontro a casa de outras duas mulheres com perfil semelhante ao da tia. A. Thomas de 47 anos, divorciada e M. Morgan de 51 anos, viúva, ambas sem filhos. Pessoas de bom coração que fazem caridade na capela, de onde o meliante conseguiu suas respectivas localizações. Para cada vítima ele conta uma historinha diferente, com um sotaque estadunidense carregado, se passando por um pobre coitado e assume outra identidade. Recebe alimentos e roupas, para sua frustração. Elas desconfiam quando ele começa a pedir dinheiro, ele se torna o filho que elas nunca tiveram. Contrariado, ele furta joias e bens de valor, mas neste caso ele usa de toda sua persuasão. Ao que foi apurado, ele não usou de força física, nota-se pelo seu físico, imagina ele apanhando de três senhoras furiosas! – Sherlock interrompe a narrativa séria com o comentário infeliz. ─ Até aí temos a história de um malandro golpista comum, digamos. Mas, meus caros yarders a situação muda quando ele retorna à tia e pede que conte sua história a cada uma, separadamente alterando seu nome, e que as convença de prestar queixa à polícia de estelionato. Assim, a cada dia uma senhora chega com histórias semelhantes e intriga. Eu sou acionado, pois há uma grande desconfiança, contudo sem provas que as senhoras foram vítimas da mesma pessoa. Eu sou convocado para investigar, mas nesse ínterim as vítimas começam a voltar e alterar os fatos, dizendo não se lembrarem do que realmente aconteceu. Tudo fica suspeito demais e o caso que eu iria rejeitar por ser estúpido demais me deixa excitado. Aí a Scotland Yard vai por um caminho e eu por outro.

─ Foi de propósito que você saiu do caso? – Anderson constatou o óbvio.

─ E começou a apresentar os mesmo sintomas que as vítimas, como fui ingênuo! – Lestrade mordeu os dedos em punho fechado.

─ A mídia não tardaria em divulgar que eu abdiquei o caso por ser difícil – fez um som de escárnio – O que deixaria nosso amiguinho frustrado e com raiva. O que eu não esperava de fato, era que ao investigar a fundo sua história para entender o que se passava, conversei com as vítimas e deduzi bastantes coisas, porém só teria um relato completo achando o sujeito. Que seria bem mais fácil sem ninguém no caminho, capturar antes que este pudesse fugir. Enquanto a polícia mobilizou segurança nos aeroportos para todos norte-americanos dessa faixa etária. Minha rede me manteve informado e sua tia foi peça-chave para compreender, ela é irlandesa, mora há muitos anos em Londres. Sua irmã conheceu um americano e engravidou dele, teve a criança na Irlanda e anos depois se mudaram para a América, o que acontece é que o garoto era um rebelde que ficou morando com os avós na terra natal. Recentemente ele foi encontrar os pais para conseguir apoio em sua carreira falida de ator e não acabou bem, voltou com as mãos abanando e veio para a terra da Rainha talvez por ser mais próximo de casa. Algumas coisas para mim continuaram nebulosas como a data de nascimento em meados da década de 70! O que mais tarde foi confirmado que ele tem mais de trinta anos. Sua genética e caracterização fazem-no parecer muito mais jovem e vulnerável. O que me intrigava era a motivação além do dinheiro, ele queria atrair a minha atenção, mas sabia que simples trambiques não me fariam investigar. Ele quis jogar, eu aceitei.

Essas últimas palavras fizeram o rapaz ao seu lado esboçar um sorriso enigmático.

─ Eu confundi o grande Sherlock Holmes, não é? Fiz ele pagar de ridículo e perder o crédito, tenho dupla cidadania! Portanto sou tanto americano quanto irlandês. Vim testar se o senhor é bom mesmo, quando saiu do caso fiquei furioso, eu sou inocente! Nunca agredi nenhuma das velhotas e elas me doaram coisas que nem precisavam! Foi uma forma de eu treinar minha capacidade de atuação e conhecer meu ídolo de infância!

John caiu na gargalhada. ─ Ele te chamou de velho!

─ Temos a mesma idade e pare de me bajular! – o detetive queria dar um basta naquilo.

─ E como o reconheceram pelo sotaque americano? Já que ele passou a vida inteira na Irlanda e nem morava com os pais. – perguntou John, confuso.

─ O que é pra ele fingir sotaque, não me enganou ao ouvi-lo se referir a nós como youse ao invés de you* e outras escorregadas de um típico irlandês. Imaginem só, se ele nos passa a perna, além de sair ileso eu viro chacota internacional! No entanto eu sou melhor ator!

─ E Sherlock Holmes mais uma vez salva o dia, fazem-nos de bobos e o agradecemos por isso! – ironizou Lestrade.

─ E o que vai acontecer comigo? Posso ir pra casa? Estou esperando ser chamado pra vaga da companhia de teatro em Dublin.

─ Você irá atuar na cadeia. – respondeu o truculento e pouco simpático Stanley Hopkins.

Acabou que o pobre americano indiciado por engano (ou incompetência) foi logo depois liberado. Para Fredric parecia brincadeira, mas as acusações eram sérias de estelionato, coação e furto mediante fraude. As senhoras envolvidas foram interrogadas e quem se meteu em problemas foi srª Jefferson por ter prosseguido com o plano e depois por calúnia e difamação ao reconhecer um inocente. Posteriormente as senhoras ficaram com proteção a testemunha após Sherlock esclarecer que elas faziam parte do plano dele para prisão de Fredric. Não haveria outra maneira de capturá-lo e levá-lo por bem à sede da polícia. Senão ele já planejava viajar para Dublin e de lá fugir para deus-sabe-onde.

A reputação do detetive do 221 B foi uma montanha-russa nas últimas 24 horas. De “loser” para “sassy”. Ou seja, não mudou muita coisa.

Na volta para casa, John ainda estava impressionado, havia levado o amigo para uma surpresa e é surpreendido.

─ Pare de se culpar John! É irritante. Eu não poderia te contar e estragar o disfarce!

─ Quem disse que estou me culpando? Você deveria ter me avisado! Mas se bem que eu já deveria esperar isso de você.

─ Francamente, menos drama, por favor! Onde está meu soldado aposentado destemido e leal?

─ Ah... agora eu me lembrei. Hoje cedo fizemos uma aposta, mas você perdeu de propósito, porque ainda estava no personagem e eu me achei mais esperto, droga!

Os dois pararam na calçada e ficaram se olhando, John com um olhar de reprovação e meio ferido de pra variar se sentir feito de idiota. Sherlock fitava as íris azuis escuras tão belas que o fizeram esquecer sobre o que falavam.

─ Que fique bem claro que o senhor também nem deduziu corretamente, ou seja, nós dois perdemos! Você por dizer o óbvio e eu por deduzir errado! Você me faz um favor e eu lhe retribuo. – disse ronronando. ─ Hoje à noite você não me escapa!

O loiro ficou tão estarrecido que não soube distinguir se a última frase foi realmente dita ou foi fruto de sua imaginação.

E assim mais um dia findava John ficou saboreando seus minutos de poder, se perguntando o que pediria ao moreno. Uma ida ao pub, algum acordo entre colegas de flat permanente ou coisas mais interessantes. Ao mesmo tempo estava rezando para Sherlock ser bonzinho com ele e não ter que pagar todos os seus pecados por causa de uma maldita aposta.


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Notas finais do capítulo

Valeu super a pena esperar e dar vida a uma ideia. Perdoem-me pelos errinhos. Eu não tenho beta ;-;
Beijos e abraços (



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