Brasileiríssima escrita por Sweet Girl


Capítulo 1
Capítulo 1




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A porta do carro foi fechada com força. Uma força bem maior que a necessária. Era possível ver de longe o brilho da irritação nos olhos claros daquela garota. Ela não queria estar ali, aquele lugar era a última opção em sua mente para qualquer coisa, especialmente férias. Contudo, contrariando seus antigos planos, era ali que passaria as férias de inverno. No Brasil, um país tropical, algo que abominava; na Paraíba, um estado que não lhe agradava em nada, apesar de ser seu lugar de origem; em Cabedelo, uma cidade tipicamente praiana, muito visitada pelos turistas que vinham ao estado, pois era quase que uma extensão da capital, João Pessoa.

Onde Mariana, que odiava praia, sol e calor, fora se meter?

Inspirando aquele ar carregado de umidade marítima, em seu suspiro desgostoso, ela olhou para a casa de dois andares a sua frente, enquanto lamentava que não estivesse em Aspen naquele momento; na viagem que planejara durante meses com suas amigas da Inglaterra.

Todos os seus colegas de classe ficaram com inveja ao saber que elas iriam para outro continente esquiar, enquanto eles teriam de se contentar com algum passeio familiar pela Inglaterra mesmo.

 Estava tudo pronto e organizado para sua partida quando, no último minuto, sua mãe inventara que ela não poderia ir para um país onde não conhecia ninguém, e cancelara a viagem. Esta decisão fora muito estranha e repentina, pois em nenhum momento ela fizera objeção à viagem. Não engolindo aquela desculpa esfarrapada, Mariana exigiu saber o que estava acontecendo, o que a fizera mudar de ideia.

Sua mãe, no entanto, continuou a desconversar, e, algumas horas depois, apareceu com uma passagem para o Brasil, onde a garota deveria passar as férias com a família. Férias de inverno em um país que estava no verão! Isso era um absurdo, principalmente porque o verão era a única estação do ano que Mariana não gostava.

— Todos estão com saudades de você - foi o argumento usado pela mais velha, dando o assunto por encerrado, apesar de a filha ter tentado discutir.

Mariana não voltava ao Brasil desde que se mudara com os pais para a Europa, quando ainda era muito pequena. E, mesmo falando português, porque a mãe insistia em se comunicar dentro de casa usando o idioma nativo, ela não sentia conexão com o país. Não se sentia brasileira.

— Será que você poderia melhorar essa cara? - Perguntou sua tia Carla, ao abrir o portão e virar-se para encará-la.

Mariana não pronunciara uma palavra desde que a tia fora buscá-la no aeroporto. Não sentia vontade. Aquela era sua maneira de manifestar o quanto estava aborrecida em ter de passar duas semanas ali.

— Acho pouco provável - respondeu a garota, com forte sotaque. Ninguém acreditaria que era brasileira.

  - Pelo menos, tente - a mulher insistiu, enquanto a sobrinha a acompanhava para dentro de casa.

— Acho que não consigo -  Mariana retrucou.

— Neste caso, leve você mesma a sua mala. - Tia Carla lhe entregou a mala de rodinhas e seguiu caminhando, destrancando a porta e entrando na sala.

Mariana balançou a cabeça e puxou a mala atrás de si. Estava prevendo que aquelas férias seriam uma porcaria. Pois, o que mais aquela cidade poderia lhe oferecer?

— Ih, chegou a priminha estrangeira! - Disse um garoto esparramado no sofá da sala, de modo debochado. A televisão ligada transmitia algum programa que parecia não ter conteúdo algum. Combinava com aquele garoto. Ela já não gostara dele.

 - Tenha modos, Guilherme! - Tia Carla ralhou com o filho e virou-se com um olhar de desculpas para Mariana. - Desculpe o jeito que meu filho falou, Mari. Ele anda um pouco rebelde.

 Como se a garota se importasse com isso. Ela só queria poder se trancar em seu quarto e contar os dias para dar o fora dali.

Contendo a vontade de revirar os olhos, disse apenas: - Tudo bem - e sorriu forçado. Entretanto, imediatamente acrescentou - Só quero saber em que quarto vou ficar, para poder arrumar minhas coisas.

 - Ah, claro - sua tia ficou um pouco rubra, mas logo se recompôs. - Pode subir e deixar suas coisas no segundo quarto. Você ficará mais confortável lá.

Assentindo, Mariana puxou a mala e começou a subir a escada, degrau a degrau, com aquele peso tendo que ser levantado a cada segundo. Era mais difícil do que ela supôs. Desgastante. Quando chegou ao último degrau já respirava com mais dificuldade.

Assim que entrou no quarto, se permitiu cair na cama, sem se importar com mais nada. Arrumaria suas coisas depois, antes precisava descansar.

 

***

 

Passava um pouco do meio dia, Mariana estava na sacada, lendo em uma das confortáveis cadeiras que lá havia, quando um barulho lhe chamou a atenção para a casa vizinha. Deixando seu exemplar de Orgulho e Preconceito de lado, ela aproximou-se da grade de proteção e espiou.

Sentiu o rosto corar com o que viu e afastou-se um pouco, de modo que a parede escondesse sua presença de quem estava lá embaixo.

Era um garoto, que parecia ser um pouco mais velho que ela. Um garoto muito bonito, vestindo apenas um short preto de tactel enquanto tomava banho no chuveiro externo de casa. Mariana ficara um pouco envergonhada à princípio, por estar espionando-o, mas logo a vergonha foi substituída por fascinação pelo belo corpo à mostra. Aquele garoto devia malhar, pois tinha um peitoral definido, que ficava ainda mais bonito com as gotículas de água brilhando sobre ele com aquele sol forte.

— O almoço tá na mesa! – Mariana teve um sobressalto ao ouvir aquele grito, e sua reação deve ter sido maior que o imaginado, já que o rapaz ergueu os olhos e a flagrou observando-o.

Mariana tratou de sair dali o mais rápido que pôde, e não chegou a ver que o garoto havia sorrido.

Entrando na sala de estar do andar de cima, viu seu primo Guilherme já começando a descer a escada. Ela devia ter imaginado que ele seria o causador de sua primeira vergonha naquele lugar, dado o modo como a recepcionara mais cedo.

— Mamãe falou para você se apressar, senão a comida esfria e ela não vai esquentar para você – ele disse por sobre o ombro.

— Já estou indo – a garota disse, a contragosto.

Voltou à sacada para pegar seu livro e o guardou na mala. Olhou-se rapidamente no espelho e desceu. Todos já estavam sentados à mesa. O marido de sua tia, Fábio, ocupava uma cabeceira, o primo idiota, a outra, e sua tia estava sentada em uma das duas cadeiras do lado direito, ao lado do marido. Mariana preferiu sentar-se em frente a tia, mas assim que viu o que estava servido no prato, fez uma careta.

— O que é isso? – Perguntou, cutucando, enojada, um pedaço retorcido de carne.

— Feijoada – tia Carla respondeu.

Mariana não gostava daquele tipo de comida, que misturava tantas coisas, e que não lhe parecia agradável.

— Ah, tá bom. Não temos isso lá em Manchester. – Ela sorriu, sem graça. – Mas parece ser muito bom – mentiu e forçou-se a começar a comer.

Engolir aquela gororoba foi praticamente impossível, e, quando terminou, estava nauseada.

— Filho, por que não leva sua prima para passear na praia? – Sugeriu Fábio, algum tempo depois de terem terminado de comer. Guilherme e Mariana estavam tirando a louça da mesa, enquanto tia Carla e o marido decidiam quem lavaria a louça e quem a secaria naquele dia.

Mariana gemeu internamente. Além de estar enjoada, após comer algo que não queria, apenas para não fazer desfeita, ainda teria de ir a um local que detestava com aquele garoto chato? Era muito azar para um mesmo dia.

— Pai... – Guilherme tentou protestar, no entanto, o olhar de Fábio não deixava discussões; ele teria de ir.

— Você vai adorar, Mari – sua tia disse, de costas, com as mãos enfiadas na pia. Ao que parecia a decisão já havia sido tomada sobre o pequeno dilema doméstico.

— Claro. – A garota deu um sorriso amarelo. – Estou louca para conhecer o mar, de pertinho – tentou parecer animada.

Guilherme notou a animação falsa, e tinha certeza de que os pais também, por isso não entendia o porquê de forçá-los a fazer isso. Ele não gostava daquela prima, a menina era uma chata, mimada e cheia de frescuras, do jeito que imaginara quando ouvira sua mãe dizer que a filha de sua tia Helena viria passar as férias com eles. Guilherme não se lembrava com muita clareza da tia, só o que sabia sobre ela é que havia ido há mais de dez anos para a Europa com o marido, primeiro para a Itália, em seguida para a Inglaterra; e que ficara viúva pouco tempo antes de mudar-se novamente. Sobre a prima, ele só sabia o que tinha visto até agora, e isto não era nem um pouco favorável em sua opinião sobre ela.

O modo como a garota olhara para a feijoada, toda enojada, como se aquilo fosse comida para os porcos, o irritou na mesma proporção em que fez com que quase caísse na gargalhada. Ela fazia com que se sentisse em constante contradição, e só estava em sua casa há algumas horas. Como ele suportaria ter que aturá-la por duas semanas?

— Vamos sair em meia hora, vá pôr seu biquíni, você não vai querer perder a oportunidade de entrar no mar, não é? – Indo contra tudo que sentia de ruim pela prima, resolveu ser cortês, pois não queria ser reclamado outra vez pela mãe.

Ela pareceu desconcertada por um momento, mas foi muito rápido. Tão rápido que se ele perguntou se não teria imaginado aquela expressão.

— Bem, é que eu não tenho um biquíni.

— Como assim, não tem um biquíni? – Guilherme realmente ficara confuso com aquela afirmação. – Você veio passar as férias no litoral, roupa de banho é um item obrigatório na bagagem.

Esse comentário parecera acender algo na garota, pois seus olhos faiscaram e ela fechou as mãos em punhos ao lado do corpo.

— Guilherme, filho, a viagem para o Brasil foi de última hora. A Mari não deve ter trazido muita coisa para o nosso clima, ela estava indo para os Estados Unidos – sua mãe respondeu pela menina. – Vocês podem caminhar pela calçada hoje, que tal? Eu vou pegar algumas coisas lá na loja, então não precisa se preocupar com isso, tudo bem, sobrinha?

— Claro, tia.

Olhando para Mariana, toda sem jeito com aquela situação, Guilherme teve uma ideia. Algo que o faria divertir-se muito, e que deixaria a prima ainda mais desconfortável.

— Eu já sei pra onde vamos, não precisa se preocupar por não ter roupa de banho.


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