Your Heart escrita por Lai Carpe


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Perdoem qualquer erro e não desistam de mim

Vou deixar o link das músicas nas notas finais
Ps: ouçam a segunda música até o final, mesmo se tiverem que repetir pls :))))))))))



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[Play link 1]

As pessoas costumam dizer que quando estamos no banho ou em assentos ao lado de janelas em ônibus, são ótimos momentos e lugares para refletir sobre seus problemas e suas existências, mas eu nunca ouvi ninguém dizer isso sobre escadas. Porém, ali estava eu, na escada da faculdade pensando no maior problema da minha vida. Tanto tempo havia se passado e eu ainda não o tinha superado; não havia conseguido esquecê-la. Tirá-la de minha cabeça ou meu coração não era uma possibilidade. Nunca foi, mas eu só notava isso agora. Fazia quatro anos desde que nos falamos pela última vez.

Vivíamos em estados diferentes, ela acabara de começar o colegial e eu estava prestes a ingressar na faculdade. Eu possuía vários sonhos, um deles era o de cursar Cinema na Universidade do Sul da Califórnia, outro deles, desde que a conheci, havia se tornado ela.

Nós fazíamos milhares de planos, eu inclusive havia mandado cartas para diversas faculdades em Nova Iorque com o único objetivo de estar perto dela. Mas o destino às vezes gosta de nos testar, eu não enxergo outra explicação plausível para as fatalidades  que aconteceram no inverno de quatro anos atrás. Meus pais faleceram em um acidente de carro enquanto voltavam de uma conferência. Meus parentes todos foram para Miami e cuidaram de tudo, deixando para mim a  tarefa de permanecer ao lado de meus irmãos mais novos. Eu precisei redefinir todos os meus planos, pois não poderia abandoná-los. Assim, no final do inverno estávamos nos mudando para Los Angeles, iríamos morar com uma tia que conseguiu a nossa guarda e eu estudaria na USC.

Às vezes eu penso como seria se nada disso tivesse acontecido. Afinal, vir para esta universidade era meu plano inicial. Penso nas possíveis frustrações que eu poderia ter. Será que eu a culparia? E se o fizesse, será que nossa relação sobreviveria? Pensar nisso faz minha cabeça doer. Por mais que eu acredite no destino, é difícil pensar que era o destino dos meus pais morrerem em um acidente de carro. Ou pior ainda, mesmo que eu não tivesse culpa diretamente no acidente deles, pensar que o destino os matou para que eu fosse para Los Angeles. Eu sinceramente não sei se surto mais com a possibilidade de isso ser verdade ou simplesmente por ter tido um infeliz e prepotente pensamento como esse.

Apesar de ter me apoiado durante todo o meu luto, eu percebi Camila cada vez mais distante, e eu definitivamente tenho certeza de que ela não deveria ter esperado meu luto passar, ela não deveria ter esperado eu me reerguer para me derrubar outra vez, deveria ter aproveitado que eu já estava mal o suficiente e detonado de vez com o meu psicológico.

Mas eu dei continuidade a minha existência fazendo uso da minha exorbitante e previsível burrice de ficar com inúmeras garotas, mesmo estando todas cientes de que nosso envolvimento não passaria de simples ficadas, porque, na verdade, eu ainda era apaixonada por outra garota. E como era de se esperar, nenhuma foi capaz de fechar o buraco que a ausência dela abriu em minha alma.

Eu tentava entender seus motivos, juro que tentava. Se nós éramos jovens demais e não estávamos preparadas pra viver um amor de tamanha grandiosidade? Talvez. Se nós tínhamos medo? Certamente tínhamos, e não que isso fosse uma competição, mas com certeza eu ganhava de lavada dela.

Medo dos nossos sentimentos, medo de sermos dependentes de alguém, medo de ser egoísta, medo de não ter coragem suficiente e então abrir mão do mínimo de coragem existente para não correr o risco de se machucar. Medo de não ser o suficiente para quem amamos.

E se eu ganhava na fantasiosa competição de ter mais medo, ela ganhava na de ser detestável. Ela acreditou que agir da maneira que agiu comigo era a única saída para não ter que viver sob as expectativas de ninguém, para ser livre, não pertencer a alguém e nem a sentimento nenhum que não pudesse controlar. Ela decidiu aumentar a distância entre nós da pior maneira possível; como se a distância física não bastasse, ela estupidamente decidiu que o melhor a ser feito era me afastar emocionalmente. 

 Não tê-la para mim já era uma dor insuportável. Agora, não poder falar com ela, nos tratarmos como estranhas, ou melhor, não nos tratarmos de maneira nenhuma, era infinitamente pior.

Ela era volúvel e parecia gostar de ser assim, além de não acreditar que pudesse ser diferente. Mas eu sabia que ela podia ser diferente, que ela não era assim de verdade, ela só queria ter essa vida fútil por comodismo, e ninguém poderia convencê-la do contrário. Apenas ela mesma.

E eu esperaria a eternidade, porque ela foi meu primeiro amor, e eu sempre estaria disposta a torná-la o último.

Por mais que eu tentasse odiá-la por todas as palavras ditas, eu não conseguia, porque ela me conhecia suficientemente bem pra saber que tudo o que disse me machucaria, e o fez exatamente por saber que seria o único modo de me afastar. Caso contrário, eu não cederia.

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”. Se não sentíssemos nada uma pela outra, ela não teria quaisquer sentimentos para se preocupar. E era isso que ela queria. O problema era que nos amávamos, e não se importar com esse fato ia além de sua capacidade.

Sabe quando defendemos alguém apesar de todos difamarem essa pessoa? É maravilhosa a sensação de no fim sabermos que estávamos certos sobre aquele alguém e é igualmente horrível a sensação de estarmos errados. Eu sempre a considerei bastante madura para a idade, e não reagi de outra forma senão surpresa quando vi a forma com que ela escolheu tratar aquela situação.

Eu só podia ser masoquista ou muito otária. Quem em sã consciência teria esperança numa situação dessas? Ou ainda pior, a insuportável virtude da paciência? E o destino adorava brincar com a minha cara ou eu não estaria pensando nessas coisas. Não agora,  depois de ter batido um recorde: duas semanas sem pensar nela. O que não adiantou coisa alguma, já que eu tive uma baita surpresa ao descer os últimos lances de escada da faculdade ao término da aula, acompanhada de minhas amigas.

— Sinu?! — Perguntei surpresa e mais alto do que deveria. Sinu era mãe da Camila, eu e ela conversávamos frequentemente, mas ela não deveria estar ali. Elas moravam em Nova Iorque, aproximadamente 4.000 km de distância de onde eu morava. Ela não podia estar ali. Não naquele dia e não daquela forma. Não na minha frente.

— Lauren? — Sinu perguntou de volta, vindo em minha direção. Droga, não era miragem. Mas o que diabos ela estava fazendo ali?! — Lauren? É você mesma? O que você tá  fazendo aqui? — Perguntou sorridente, se acostumando com a novidade da minha presença. 

— É, sou eu! — Disse rindo nervosa, a presença dela trazia uma possibilidade que me amedrontava. Ela veio em minha direção e me abraçou. Quando me soltou eu prossegui. — E... E...  Eu estudo aqui. Eu que pergunto o que você tá fazendo aqui?

— Ah, sim! É a Camila, ela foi aceita aqui para cursar Medicina. Não é maravilhoso? Vai ter sua amiga por perto pelos próximos cinco anos... No mínimo! Ela e aquela outra amiga de vocês, a Dinah, mas ela vai cursar Artes Cênicas. — Sinu não sabia que eu e Camila namoramos, e muito menos que não nos falávamos mais. Ela era bem neutra em relação à sexualidade da filha, achava que era passageiro, portanto não implicava muito. E nem comigo, já que ela também sabia da minha homossexualidade e me respeitava assim como todo mundo deveria fazer.

— Ah, claro! Maravilhoso! — Respondi mais nervosa ainda, tremendo pela notícia. Em qualquer outra ocasião, saber que Dinah estudaria aqui me deixaria nas nuvens, mas saber que ela estava acompanhada de Camila não ajudou muito os meus batimentos cardíacos a se normalizarem.

— Lauren? — Normani, uma de minhas amigas, me chamou. — Nós estamos indo almoçar, você vem agora?

— Desculpe meninas, nem apresentei vocês, essa aqui é a Sinu, err... Mãe de uma amiga minha! — Disse apontando para minha ex-sogra. — E essas aqui, Sinu, são minhas amigas Normani, Ally e Lucy. — Disse apontando para as meninas. — E nós acabamos de sair da aula e estávamos indo almoçar, se importa? — Perguntei sem graça, mas nem deixei que ela respondesse. — Ou melhor, não gostaria de vir almoçar conosco? O shopping é aqui do lado...

— Não, não, eu estou esperando a Camila, nós vamos almoçar juntas. Ela só foi até a cantina comprar um suco e já volta. — Puta. Que. Pariu. A Camila estava ali, naquele momento, e eu estava prestes a ter um colapso nervoso. — Nós poderíamos almoçar todas juntas, o que acham? — Eu estava pronta para recusar a sugestão, alegando qualquer desculpa quando Sinu me interrompe. — Olha ela ali!

Nesse momento eu senti minha espinha congelar, eu estava paralisada. Sentia olhares questionadores em cima de mim. Eu estava morta de medo, mas após alguns segundos naquele estado me forcei virar, e encarar a pegadinha do destino.

Ela vinha andando com um copo de suco na mão, e então quando seus olhos castanhos encontraram os meus, a bebida foi ao chão, mas ela pareceu não se importar com o suco respingado em sua calça e continuou me encarando. Estava tão espantada quanto eu, parecia ter visto um fantasma de tão pálida que havia  ficado. Mas essa reação não durou muito, pois ela abriu um sorriso tímido de canto e disse incerta:

— Anjo? — Foi impressão minha ou sua voz soou mais apaixonada do que deveria? Não, não mesmo, eu estou é ficando mais louca do que já era. Mas com certeza aquilo em seu olhar era uma centelha de esperança.

Ah, seu olhar! Eu amava aqueles olhos, só não tanto quanto amava seu sorriso. O sorriso dela me desconcertava. Mas não deixei me abater, fui forte o quanto pude e respondi lhe lançando um olhar magoado:

— Camila.

Dei um sorriso medíocre que seria incapaz de convencer qualquer um, e cocei a nuca abaixando o olhar. A idiota deu um passo em minha direção e escorregou no suco derramado. Em um reflexo sobrenatural  eu a alcancei e a segurei em meus braços, impedindo a desastrada de se sujar com o suco. No momento em que notei nossa posição, eu corei ridiculamente, nós estávamos naquela posição em que nos filmes o cara curva a mocinha em seus braços para em seguida beijá-la. Tive vontade de gargalhar, mas fui impedida pelo meu cérebro que racionalmente alertava: perigo. Onde eu estava com a cabeça? Era sempre assim, era irritantemente incrível a habilidade que ela tinha de me fazer baixar todas as guardas sem o mínimo de esforço. Mas eu não poderia ceder tão facilmente. Não dessa vez.

— Err... Obrigada. — Ela pediu e eu assenti com a cabeça enquanto a levantava cuidadosamente para que ela não escorregasse novamente.

— Ai meu Deus, que menina desastrada! — Disse Sinu rindo, tentando descontrair o clima tenso que pairava no ar. — A gente estava esperando por você, filha. As meninas já tão roendo as unhas de tanta fome e Dinah então... Não quero nem imaginar.

— Err...  Vamos almoçar todas juntas? — Perguntou Camila, provavelmente com medo da resposta.

— Claro! — Sinu respondeu. — Quer dizer, tudo bem pra vocês meninas?

— Não, problema nenhum! — Normani tomou a palavra com o sorriso mais descarado do mundo. Tanto ela quando as meninas sabiam da minha história com a Camila, e Normani devia estar querendo um show de horrores. — Acabamos nos conhecendo melhor, fazendo novas amizades e aprofundando as antigas!

Olhei para Camila de relance e a encontrei me encarando com um sorriso em seu rosto. A desgraçada estava se divertindo com isso. Semicerrei os olhos, e apertei os lábios com força, ao mesmo tempo em que desviava o olhar.

— Okay... Vamos indo então, né gente! Pela multiplicação dos pães, porque eu to morta de fome mesmo! — Disse Ally se pronunciando pela primeira vez.

— A Vero mandou mensagem agora a pouco, Lauren. Ela está no shopping com Keana e já está nos esperando. — Disse Lucy meio incerta. Vero e Keana eram veteranas  que já haviam se formado. Vero havia se tornado minha melhor amiga, e como agora ela e Lucy namoram, toda semana Vero almoça conosco. E Keana, bem, era minha amiga e ficante mais recorrente. Não era como uma ficante fixa nem nada do tipo. Apenas amigas com benefícios, do tipo que não iríamos protagonizar nenhuma comédia romântica, descobrir que nos apaixonamos e terminar juntas. De qualquer jeito, ela raramente acompanhava Vero no horário de almoço delas, e era sempre nessas ocasiões em que ficávamos. E comparando às tantas vezes em que ela deixou de vir, hoje definitivamente não era o melhor dia para ser uma dessas raras vezes.

Estávamos sentadas em uma mesa redonda na praça de alimentação. Todas, exceto eu e Camila, optaram por comida propriamente dita, essa baboseira saudável. Camila tinha escolhido uma pizza e eu, que já havia perdido a fome com toda aquela situação, mordiscava sem muito interesse as batatas fritas do meu Club BK. Ao menos uma coisa boa hoje; minha coleção de miniaturas da Liga da Justiça estava completa com o Lanterna Verde.

Estavam muito bem entrosadas. Quando chegamos, Keana me cumprimentou com um selinho, o que pareceu não agradar Camila, que desmanchou na mesma hora o sorriso que vinha trazendo desde que nos reencontramos. As meninas conversavam animadamente, vez ou outra eu prestava atenção no assunto. Elas falavam do nosso curso, a vida de universitárias, as matérias, coisas que não me interessavam no momento. Meu mau humor era perceptível, então nenhuma delas ousou me inteirar do assunto, exceto unicamente pela Keana. Eu estava muito bem mordendo minha batata frita em câmera lenta e preparando esquemas de vingança quando ela me cutucou. Bufei e me virei para ela desgostosamente.

— Sim? Disse alguma coisa? — Perguntei desinteressada.

— Eu disse, meu bem, que a Sinu não precisa se preocupar com a Camz nas festas porque ela vai ter a melhor segurança da cidade, e de graça. — Disse sorrindo. "Camz”? Mas que porra de intimidade é essa?! Apoiei o rosto na minha mão direita fechada em punho e indaguei:

— Ah é? E eu posso saber quem é o anjo que se dará ao trabalho de vigiar essa peste e ainda sem cobrar? — Olhei de soslaio para Camila, ela parecia atenta ao assunto agora. Repreendi-me mentalmente por tê-la chamado de peste, já que eu a chamava assim quando fingia estar brava com ela. E ela pareceu ter percebido já que o sorriso com a língua entre os dentes estava novamente em seu rosto. Maldita peste, maldito sorriso. Maldita Camila.

— Você. — Respondeu Keana, o sorriso não saía de seu rosto. Senti-me corar e me endireitei na cadeira. Acima de ser minha ficante mais duradoura, Keana era minha amiga e sabia que existia uma garota por quem eu era apaixonada, mas até então não sabia quem era. Não sabia o nome, e nem vira foto alguma. E, no entanto, me conhecia bem o bastante para saber que Camila era A garota só pelo jeito que eu estava me comportando; extremamente quieta e alheia à conversa. Ela nunca havia me visto assim, tão envergonhada e desconfortável quanto naquele almoço, e eu sabia que suas intenções eram as melhores, em seu conceito, pra ter me provocado como ela acabara de fazer. O problema era que nem sempre eu concordava com conceitos. Mas eu também a conhecia muito bem e confiava nela, e se Keana estava fazendo aquilo é porque ela sabia que sozinha eu não conseguiria e simplesmente ignoraria a presença de Camila pelos próximos cinco anos —  mesmo que eu fosse sofrer mais ainda com isso — se eu não me decidisse naquele momento. Olhei rapidamente para Camila, ela tinha o olhar baixo e parecia um pimentão. Resolvi entrar na brincadeira. Eu estava realmente cansada daquilo. E se o destino queria brincar e estava me colocando de volta ao jogo eu não passaria a minha jogada. 

— Tem razão, eu sou um anjo! — Concordei convencida, e sorridente pela primeira vez naquela mesa. — Toparia só pelo gostinho de desafio que com certeza é cuidar dessa criatura. Mas eu sou bem mercenária quando me convém, sabe? — Perguntei maliciosa, revezando o olhar entre Keana e Camila, nem me importei com a presença de Sinu no meio, ela não é criança, e sabia bem que eu sempre gostei da Camila. Nesse momento Camila abriu a boca pra falar alguma coisa, mas Keana a interrompeu.

— Ô! Sei bem. — Disse distraída. Acho  que o comentário saiu mais alto do que ela pretendia. Senti seu corpo se retrair ao meu lado sob o olhar repressor de Camila. E eu ri internamente pela situação. — Mas não é hora de mostrar seu lado mercenário, moça! — Disse se recompondo. — Estou  vendo a hora que a Sinu vai começar a arrancar os próprios cabelos e os meus de tanta preocupação, já que foi  eu quem deu a ideia. — Disse acariciando meu braço involuntariamente e causando risos ao redor da mesa, exceto em Camila que não parecia muito contente. Na verdade ela parecia prestes a soltar fogo pelas narinas.

— Eu acho que eu é que deveria me preocupar com isso. Vocês tão falando de mim como se eu fosse de porcelana e não estivesse escutando, o que não é o caso! Eu não preciso de nenhuma fodida  segurança! — Disse num só fôlego, batendo a mão direita  fechada em punho na mesa, assustando todas ao redor, inclusive a mim. Eu não tinha lembranças dela ser tão ciumenta. Se é que aquilo era ciúme. Vi quando ela respirou lenta e profundamente notando o silêncio que se instalara na mesa. — Err... Eu vou ao banheiro. Com licença! — Disse e se levantou. 

— Espera! — Pediu Keana. Camila se virou e a olhou com uma expressão indagadora. — A Lauren vai com você! — "Eu vou?"

— Você ouviu alguma palavra que eu acabei de dizer? — Camila perguntou com uma expressão assassina em seu rosto.

— Ouvi, mas é bom estar sempre prevenida, ainda mais com a cidade do jeito que está, sabe como é, estupradores coisa e tal. — Disse Keana bem convencida de sua desculpa esfarrapada.

— No banheiro feminino? — Camila perguntou com uma das sobrancelhas erguida e eu assisti Keana ficar muda.

— Pode não ter estupradores lá, mas de todas nós você é a que mais corre o risco de ficar entalada no vaso sanitário por causa dessa tua bunda gigantesca. E se for o caso, a Lauren pode te dar uma mãozinha. — Disse Dinah com a melhor cara de pau que eu já vi na minha vida, entrando na onda de Keana. Todas ao redor da mesa explodiram em gargalhadas, exceto eu que estava tentando me situar no que aconteceu enquanto pisquei. Depois disso só vi Camila revirar os olhos e sair da mesa bufando impaciente.

— Vocês não prestam! — Eu constatei, ainda um tanto perdida, apesar de há muito já ter consciência dessa verdade.

— Ah, qual foi, até a tia Sinu ta se divertindo! — Disse Dinah abraçando minha ex-sogra de lado. — Mas e você? O que diabos tá  fazendo aqui ainda? A gente suando a camisa pra te deixar a sós com ela e você patetando, faça-me o favor... Vai logo atrás da sua mulher antes que eu tenha que te chutar daqui!

— Mas... — A verdade é que eu estava morrendo de medo de ficar sozinha com ela.

— Sem mais mocinha, vá logo atrás da minha filha. — Disse Sinu e eu a encarei surpresa, ela me lançava um sorriso encorajador. Olhei para as outras meninas, todas tinham o mesmo sorriso. Levantei-me num pulo e corri até o banheiro feminino.

 

Camila’s POV 

[Play link 2]

Eu havia sido aceita em outras universidades além da USC, então eu não sei o que eu pretendia vindo aqui. Quer dizer, não ao banheiro, mas sim a Los Angeles. Atrás de Lauren mais precisamente. Ou talvez eu soubesse; ela era a pessoa mais esperançosa e otimista que eu já conheci. Ao menos era até perder seus pais e eu a abandonar. E com certeza lembrar-me dessa parte dela foi o que mais me motivou e fez-me estar onde estou agora. Encarando meu reflexo embaçado no espelho desse banheiro bonitinho e cheiroso.

— “Às vezes tudo que você precisa é de 20 segundos de coragem extrema. Sério, 20 segundos de bravura vergonhosa. E eu te juro que algo ótimo vai acontecer.” — Repeti com escárnio a frase que ouvi naquele filme em que o Matt Damon se muda pra um zoológico com os filhos e se apaixona pela Viúva Negra. — Algo ótimo... Humpf! — O problema não era os 20 segundos de “bravura vergonhosa”, até porque eu dominava esse quesito. A questão era que eu esqueci qualquer plano que eu pudesse ter formulado, no momento em que meu olhar caiu sobre a mais linda morena dos olhos verdes que já vi.  Minha mente deu um branco pior do que quando eu fazia as provas de física no colegial. Eu só soube me apaixonar mais ainda por ela e passar vergonha.

Dirigi-me ao secador de mãos e em seguida, enquanto secava meu rosto com algumas toalhas de papel que também estavam disponíveis ali, ouvi quando abriram a porta do banheiro e logo a fecharam. Eu estive sozinha no banheiro até aquele momento e sabia que era Lauren.

— O que você está fazendo aqui, Camila?

— Secando o meu rosto, não está vendo? — Ri nervosamente e ousei olhá-la por cima dos ombros a tempo de vê-la revirar os olhos. — Sua namorada tem um ótimo senso de humor, há quanto tempo estão juntas? — Joguei verde com ela.

— Ela não é minha namorada e você sabe disso, sua sonsa. Além disso, eu não lhe devo explicações da minha vida!

Ela tinha razão, no fundo eu sabia. Quem em sã consciência jogaria a própria namorada para cima de outra garota e ainda mais quando essa garota era a ex-namorada dela? Suponho que nem mesmo a maioria dos seres humanos por mais autoconfiantes que fossem.

— Estou tentando recuperar meus 20 segundos de coragem extrema. — Respondi sua pergunta me virando para encará-la de frente.

— Eu acho que já ouvi isso em algum lugar. — Disse pensativa.

— Já sim, é daquele filme, Compramos um Zoológico, nós assistimos juntas pelo Skype, lembra? Você até chorou quando viu as pessoas chegando pra reinauguração. — Eu ri, recordando a ocasião. Eu adorava quando assistíamos a filmes juntas. Mas isso não excluía o fato de que eu estava divagando por puro nervosismo.

— Tá, tá, eu lembro sua idiota! Mas o que isso tem a ver, vinte segundos de coragem para quê? — Ela parecia realmente curiosa, seus olhos refletiam expectativa.

— Okay, você consegue Camila, vá em frente. — Falei baixinho para mim mesma, mas alto o suficiente para ela escutar e gesticular para que eu prosseguisse. Respirei fundo. — Perdoe-me, Lauren!

— Camz...

— Não, cala a boca, meus vinte segundos vão acabar e eu preciso fazer isso! — Ordenei impaciente. Meu nervoso era tanto que eu podia jurar ter ouvido ela me chamar pelo meu antigo apelido que só ela usava comigo. Talvez eu esteja ficando tão louca quanto a tal Keana. — É o seguinte, eu sei que você me odeia, eu também me odiaria se fosse você, mas eu sabia que se não fizesse daquele jeito você não desistiria de mim e eu precisava que você desistisse. E te fazer me odiar foi o preço que eu tive que pagar, por que... Eu não teria que me esforçar pra manter seu ódio por mim ao contrário do que eu teria que fazer se ainda tivesse o seu amor. Eu não sabia lidar com a responsabilidade que é possuir o amor de alguém. Eu sei que fui egoísta, naquela época, eu até tentei camuflar isso para mim mesma com a ideia de que eu estava fazendo isso pro seu bem. E sei que isso pode soar muito confuso, mas... Eu fiz a coisa certa pelos motivos errados. Não, espera. Isso ta errado também. Vamos tentar de novo. E-eu... Eu... Fiz a coisa certa, é... De maneira errada e pelos motivos errados. Entendeu? — Lhe lancei um olhar suplicante.

— A-a-cho que sim. — Soltei uma risada baixa pela sua dificuldade em conseguir verbalizar sua compreensão. Mas ainda bem que ela entendeu, porque eu não iria explicar novamente. Mentira, eu ia sim.

— Sabe... A última coisa que você precisava era  de alguém que usasse o seu bem estar como desculpa para diminuir a própria culpa, que foi exatamente o que eu fiz. A nossa relação estava ficando desgastada e a culpa era  toda minha. Eu nunca terei como dizer com toda a certeza do mundo se nós ainda estaríamos juntas se eu não tivesse dito tudo o que te disse, mas eu tenho a vaga ideia que mais cedo ou mais tarde você ia se tocar da pessoa estúpida que eu era e que eu ainda sou. Mas eu te poupei de ter que descobrir isso aos poucos. Você merece todo o amor do mundo, merece ter todo o seu amor retribuído por quem quer que o possua. E Lolo, eu posso não ser mais a pessoa que você ama, mas eu te amo. Eu te amo muito mais agora que eu aprendi a fazer isso de verdade. E não querendo ser prepotente nem nada, mas essa Camila aqui merece o seu amor muito mais do que a pirralha ignorante de quatro anos atrás que não suportou a pressão de um namoro à distância com a universitária mais gostosa que ela já conheceu. — Ouvi Lauren gargalhar, a essa altura seus olhos que estavam marejados deixaram as primeiras lágrimas caírem. — Eu estou  aqui agora e não espero que esse fato ou meia dúzia de palavras te faça voltar pra mim num piscar de olhos, mas eu  também não posso negar que espero pelo seu perdão ou ao menos a chance de conquistar ele. — Respirei fundo ao fim de meu monólogo, e só então notei meu rosto molhado por algumas lágrimas traiçoeiras. — Nossa, eu acho que demorei bem mais do que vinte 20 segundos. — Constatei surpresa e encarei a morena a minha frente.

Ela tinha um sorriso fraco nos lábios, negava com a cabeça e secava algumas lágrimas quando começou a caminhar em minha direção. Parecia envergonhada, mas isso não me impediu de encostar minha lombar na pia do banheiro, temendo apanhar. Ótimo esconderijo Camila, merece uma medalha.

— Eu sei. — Ela disse quando já estava próxima demais e tinha o olhar voltado para o cordão que eu usava, até que pegou entre o polegar o indicador direito o pingente que havia nele. Era uma coroa, ela havia me dado de presente no nosso aniversário de um mês. Eu também lhe dei um cordão, mas seu pingente era uma asa de anjo. — No começo eu me senti magoada como nunca. Mas eu conhecia você, e não aceitei a possiblidade de ter me enganado tanto com uma pessoa. Ainda mais quando essa pessoa era a mesma por quem eu estava apaixonada. — Ela disse as últimas palavras me olhando diretamente nos olhos. Perdi o ar com aquela visão, e apertei os dedos contra o mármore gelado da pia. Eu nunca tinha visto seus olhos tão de perto pessoalmente, mas agora eu tinha certeza de que era a coisa mais linda e intimidadora que eu já vi na vida. — E aparentemente eu não estava. Não é mesmo? — Eu assenti, perdendo repentinamente a capacidade de falar. Seus olhos refletiam a expectativa que eu não podia controlar. — Ninguém está livre de se quebrar alguma vez na vida. E eu aprendi que pessoas quebradas não consertam umas as outras. Eu estou inteira Camz, não curada, mas inteira. Viver sem amor é como ter uma doença, um buraco na sua alma que não te mata, mas não te deixa ser plenamente feliz. Podemos escolher entre apenas existir ou curar essa doença com amor. O que você escolhe, Camz? — Ela levou a mão que ainda estava no meu pingente até meu rosto e a outra pôs ao lado da minha própria no mármore.

— Como assim, Laur? Eu não acabei de te falar tudo o que sinto? — Perguntei tocando o pulso de sua mão que estava em meu rosto.

— É simples. Eu não quero me quebrar outra vez. Eu sei que é inevitável, mas não quero que aconteça como já aconteceu. Eu te perdoo, Camz, mas eu não quero estar sozinha. Eu escolhi preencher o meu vazio com amor ao invés de apenas existir. O problema é que eu sou um tanto quanto seletiva e não deixo qualquer amor fazer esse trabalho. E eu escolhi o seu amor. O que você escolhe, Camz? — Seu olhar vacilou infinitas vezes até os meus lábios enquanto ela falava, mas voltou aos meus olhos quando repetiu a pergunta. Eu a encarei numa pergunta muda buscando saber se era mesmo sério. Ela sorriu e eu tive minha resposta, mas quando abri a boca para lhe responder, fui pega de surpresa pelos seus lábios quentes sobre os meus.

Por Deus, o que foi aquilo! Eu definitivamente não estava preparada. Mas era nosso primeiro beijo. Eram os lábios de dela. Era ela ali. Já havia perdido as contas de quantas vezes nos imaginei nesse naquele momento. Não tinha mais o que pensar. Eu só tinha que aproveitar e fazer com que fosse perfeito, e não seria muito difícil. Éramos nós, afinal. Então eu apenas relaxei e correspondi com toda a paixão que sentia por aquela garota. Ela ainda mantinha seus lábios pressionados contra os meus o suficiente para que eu sentisse o sabor doce deles, levei meus braços ao redor de seu pescoço quando ela fez menção de se afastar por eu não ter correspondido até aquele momento. Capturei seu lábio superior e então aprofundei nosso beijo. Senti suas mãos em minha cintura me impulsionarem para cima até eu estar sentada no mármore cuja baixa temperatura agora contrastava com a do meu corpo, minha garota colocou-se no meio de minhas pernas e suas mãos foram parar em minha lombar por debaixo de minha camiseta. Adentrei sua boca com minha língua deslizando-a sobra a dela. Senti a sua também percorrer cada espacinho da minha boca. Nosso beijo era carinhoso e apaixonado. Eu podia ouvir uma baixa melodia que escapava dos fones de ouvido ao redor de seu pescoço. Sorri entre o beijo enquanto  o encerrávamos aos poucos com vários selinhos e desci minhas mãos por seu pescoço dedilhando a corrente do cordão que ela usava.

— Pizza. — Ela disse sorrindo com os lábios sobre meu queixo. Eu ri de sua constatação sobre o sabor em minha boca e puxei o cordão escondido sob sua blusa, revelando o que eu esperava. O pingente de asa de anjo. Ela acompanhou meu olhar até a joia e voltou a olhar para mim ainda sorrindo ternamente.

— Eu escolho o seu amor. — A vi sorrir mais largo, deixando a mostra seus dentinhos de coelho. O que me fez sorrir junto.

— Eu amo você, my pink princess. — Ela disse antes de me beijar novamente. Como se a perfeição que era o beijo dela não bastasse, ela ainda tinha que me chamar assim. Por Zeus, alguém avisa pra essa garota que eu sou cardíaca.

— Eu também amo você, meu anjo. — Respondi e a vi pegar minha mão a levando até o lado esquerdo do seu peito. Eu nunca me havia me sentido tão feliz. Olhar para ela sorrindo me dava esperança. E olhar para ela sorrindo para mim me dava coragem.

— Consegue sentir? — Assenti brevemente. — É seu. — Suas palavras fizeram melodia com o som de nossos batimentos cardíacos misturados.

Meu coração, ele era dela e sempre seria enquanto batesse.

Ou sempre bateria enquanto ela o quisesse e o cuidasse.

Mas na verdade não importa, porque ela havia confiado o seu a mim novamente e dessa vez eu não serei louca de quebrá-lo, mas o cuidarei pela infinidade. 


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Notas finais do capítulo

1 - https://www.youtube.com/watch?v=2QT5eGHCJdE
2 - https://www.youtube.com/watch?v=7D2F54ZDBTg



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