Você é a minha lembrança escrita por Anielka


Capítulo 1
Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/720575/chapter/1

 Christian encarava a lápide. A única informação chegando ao seu cérebro era o nome ali gravado: Samuel Lieberman. Ignorava tudo ao seu redor: das pessoas que ainda continuavam no cemitério, trocando palavras de confortos, ao sol da tarde que apresentava-lhe um dia odiosamente lindo. Ignorava-os não só de propósito, mas por não conseguir ao certo absorver o fato. Do momento em que chegara até ali e nos minutos que se seguiram, a única coisa que pôde fazer fora encarar aquele pedaço de pedra que certificava a verdade de que Sammy estava morto.

Por um lado, se recusava a aceitar que seu melhor amigo e companheiro de quarto — aquele que estava sempre ali para o ajudar, para fazer um sorriso surgir em seu rosto ou até mesmo para lhe oferecer um ombro quando queria reclamar sobre seus relacionamentos conturbados — não mais estaria ao seu lado. Sammy, seu Sammy, havia-se ido. De forma estúpida e em um momento tão pouco oportuno.

Não que houvesse realmente um momento oportuno. Ou que pudesse aceitar que alguém tão jovem, com tanta alegria, talento e devoção fosse embora dessa forma: atropelado enquanto corria numa manhã que não tinha nada de especial. Uma, como qualquer outra, em que Christian havia dado bolo nele para... O quê? Por Tara Webster? Por sua vida confusa e complicada? Havia dispensado seus últimos minutos com seu amigo pelo quê?

Nada, era o que pensava. Tinha descartado Sammy por nada.

Por todo o dia anterior, desde que recebera a notícia, até aquele momento, Christian ainda não tinha conseguido chorar. Seus amigos estavam preocupados. Provavelmente receosos de que sumisse novamente, ignorasse a escola de dança e abandonasse tudo o que já construíra naquele lugar. Era irritante saber que eles pensavam dessa forma, mas como culpá-los quando na verdade o que realmente queria, no fundo do seu ser, era exatamente isso: fugir? Esconder-se. Sumir do mundo para remoer sua dor; sua culpa.

Mal notou quando uma mão lhe tocou suavemente no ombro, tentando chamar sua atenção. Reconheceu o perfume, no entanto. Tara. Soltou um suspiro e finalmente desviou o olhar da lápide para encarar o vazio. Ainda nenhuma lágrima.

— Nós estamos voltando para a escola. — A voz suave parecia ser de alguém que tentava lidar com um animal acuado, prestes a atacar. Talvez fosse exatamente isso que Christian era. Um animal que, quando pressionado e enjaulado, atacava, corria e se escondia. — Vamos juntos?

Christian precisou engolir uma bola que se formava em sua garganta.

— Ainda não — falou, sem a encarar. — Eu quero ficar um pouco sozinho.

Tara demorou a responder. Talvez por não querer deixá-lo sozinho, fosse porque desejava oferecer conforto, fosse porque tinha medo de que ele sumisse mais uma vez. Nenhuma das duas opções importava para Christian. Ele somente queria ficar sozinho. Queria achar alguma forma de entender que Sammy nunca mais estaria ali. Não mais dançaria ao seu lado, nem riria de alguma bobagem que fizesse. Que não mais ouviria sua voz; seus conselhos.

— Tudo bem — ela sussurrou e se afastou um pouco. — Vamos te esperar para comer.

Christian não se deu ao trabalho de dizer algo em resposta. Escutou os passos se afastando, os de Tara sendo acompanhados por Ben, Kat e Abigail. Outros remanescentes também se iam. Abraçados entre si, ainda chorando, pensando em formas de confortar a família que perdia um filho tão amado. O silêncio não demorou a lhe fazer companhia, assombrando os pensamentos que voltavam para sua mente.

Tudo poderia ter sido evitado se ele simplesmente tivesse cumprido o que prometera. Se estivesse ali, ao lado de Sammy durante a corrida, o salvaria. O tiraria da frente do carro, impediria que ele atravessasse a rua. Ou simplesmente se jogaria para salvá-lo. Porque Sammy era alguém que merecia ser salvo. Alguém que merecia todas as chances e oportunidades que a vida tinha a oferecer. Era alguém que não merecia morrer sem antes ter completado todos os seus sonhos.

Os joelhos de Christian falharam com o peso da culpa que já curvava seus ombros. Sentou-se no chão, sua cabeça baixa, os olhos fechados. Não chorava. Não conseguia. Não podia. Porque chorar seria dizer que aceitava e entendia que Sammy morrera, seria como finalmente dizer a si mesmo que seu melhor amigo se fora e que era tudo por sua culpa.

Christian nunca superaria isso.

Voltou a encarar a lápide momentos depois. Os olhos vermelhos e perdidos. Os pensamentos já se confundiam com as lembranças de momentos que passara ao lado dele, tornando os fatos embaçados. Sorriu ao recordar de como Sammy tentara ser amigável na primeira vez que o vira, ou quando tiveram que dançar um com o outro durante uma aula. Sorriu se lembrando de cada brincadeira e gentileza, de cada mínimo movimento que Sammy, um dia, fizera.

Estava sendo nostálgico. Sabia que esse era um dos sinais de que logo o choro viria e, então, a aceitação de que, a partir daquele momento, somente teria Sammy em suas lembranças.

O sorriso morreu em seus lábios muito rapidamente. Não mais pensava em Sammy, seu amigo, mas sim em Samuel, a pessoa que se apaixonou por ele. Perguntara-se por vezes o que Sammy vira nele para que pudesse ter sentimentos tão puros e profundos. Christian não era um príncipe encantado, não era uma boa pessoa... Pelos céus! Christian era o típico garoto problemático, sem perspectiva de vida ou confiança. Ninguém o levava a sério.

Ninguém a não ser Sammy.

Lembrava-se do beijo rápido trocado às escondidas no escuro do quarto, quando ainda pensava que, talvez, pudesse amá-lo. Porque Sammy não era como Tara ou Kat. Ele não queria somente um namorado, alguém para sair e beijar. Sammy queria um parceiro, um companheiro. E mesmo se não quisesse, era aquilo que ele merecia. Mas Christian não era esse tipo de pessoa. Christian nunca poderia amar, respeitar e cuidar de Sammy da mesma forma que Sammy faria com ele.

Naquela época, pareceu um bom motivo para rejeitá-lo. Porque, como não? Como poderia seguir com aquilo só para depois magoar a pessoa que mais lhe foi importante? Que mais amou... Não. Ele não podia arriscar perder a amizade que tinha com Sammy. Não podia arriscar deixá-lo infeliz, miserável. Porque era exatamente isso que Christian faria, um momento ou outro. Iria estragar tudo, quebrar Sammy e, então, nada mais existiria entre eles a não ser a mágoa de quem teve seu coração quebrado em milhões de pedaços.

Um suspiro deixou seus lábios e ele encarou a sua volta, vendo o sol já começar a se pôr. Foi sob sua luz e enquanto o vento gelado passava por seus cabelos, que seus olhos finalmente se encheram de lágrimas. Via agora o quão estúpido tinha sido ao pensar dessa forma.

Porque rejeitara Sammy como namorado e agora nem mesmo o tinha como amigo.

Deveria ter ido naquela corrida com ele. Deveria ter escutado seu coração, ignorado Kat, Tara e toda a confusão que elas duas traziam para sua vida. Deveria ter ficado com Sammy enquanto ainda o tinha.

Era um tolo.

Fechou os olhos quando as lágrimas finalmente começaram a cair.

Sentirei sua falta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Você é a minha lembrança" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.