Um conto: Elizabeth Regina George escrita por Cibrs


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Então, a estória de Elizabeth Regina George surgiu como por um desafio. Uma amiga minha me desafiou a escrever uma história de um alguém que é quase que completamente meu oposto em algum aspecto da minha vida. Um alguém que eu não poderia compreender facilmente, porque não é assim que eu estou acostumada a agir. Elizabeth Regina George surgiu para me tirar da minha zona de conforto. E, apesar de tudo, eu gostei muito do resultado final. Acabei criando apreço por esse conto. Okay, aqui vai a história da minha garota. :) Apreciem! [Cibrs]



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Elizabeth Regina George abriu os olhos sentindo um peso sobre o peito. Imediatamente imaginou ver um pequeno duende sobre seu busto, lhe sufocando. Aqueles pequenos Duendes do Pesadelo, que usavam o poder de seus dedos para provocar maus sonhos nas boas pessoas da Inglaterra e sugá-lhes, assim, a energia. Mas a visão sumiu assim que ela percebeu que a neve que cercava o duende, na verdade, não era neve. Eram penas. Penas brancas e fofas de ganso, vindas de suas almofadas, que desciam no ar.

Elizabeth entrou em pânico. Se seus pais acordassem àquela hora e vissem o que ocorria no seu quarto, a senhora sua mãe lhe olharia repreendedora e o senhor seu pai nem se dignaria a expressar qualquer emoção sobre aquilo tudo, a não ser desprezo. Uma filha mulher não era importante o suficiente para ganhar qualquer reconhecimento de existência do Senhor das Terras do feudo.

Elizabeth, imediatamente, levantou da cama e começou a catar, uma por uma, as penas que caíam ao chão. A última coisa que queria era não obedecer à ordem que regia sua vida de manter a organização e a compostura. Como uma lady. Como a filha mais velha do suserano das terras em que vivia. Como a senhora dos criados, logo após sua mãe. Sua posição exigia que ela sempre fosse exemplo. Assim como sua religião impunha o bom comportamento e a sua fé a motivava a ser boa.

Elizabeth Regina George revistou cada canto de seu quarto. Viu que as almofadas que haviam liberado as penas pareciam rasgadas. Cogitou inúmeros motivos de estarem assim. Primeiro pensou que o pequeno duende dos pesadelos deveria ter as estraçalhado. A seguir, pensou se alguma criada maldosa havia lhe pregado uma peça durante a noite, tentando a colocar em apuros e a desestabilizar. Depois pensou se algum de seus irmãos havia feito isto a ela. Henrique nunca lhe perdoara por ter nascido antes dele, apesar de ser o sucessor óbvio do pai, pois mulheres não poderiam assumir a liderança, somente poderiam ser boas esposas de um nobre senhor.

Por algum motivo, sua sorte havia lhe trazido à vida primeiro que Henrique. Jamais entendera o porquê disso, já que tudo seria bem mais fácil se não tivesse sido ela a primogênita. Com certeza, pelo menos, poderia contar com o afeto de seu irmão.  Emanuelle, a terceira filha, e Luís, o mais novo, nada tinham contra ela. Porém o amor de Henrique era como uma farpa de madeira. Toda vez que ela tentava chegar até ele, mais se aprofundava seu amor, porém, mais ele lhe machucava.

Elizabeth não chegou a nenhuma conclusão sobre quem poderia ter sido. Por mais que soubesse que Henrique se ressentia dela, não o imaginava fazendo aquilo. Assim, se resignou a, logo que terminou de apanhar todas as penas, guardá-las em um baú, próximo à cama, juntamente com o que tinha restado das almofadas rasgadas. Depois disso, deu uma última olhada no quarto, procurando imperfeições e, como não achou nada, retornou à cama. Já tinha passado muito do horário de dormir. Não poderia se perdoar por infringir tal regra.

No dia seguinte, nada falou a Isabel, sua dama de companhia, sobre o que aconteceu durante a noite. Aliás, nada falou a ninguém. Somente passou seu dia com suas atividades normais. Sua rotina de obedecer às instruções da senhora sua mãe sobre como agir, de orientar a educação de seus irmãos menores e de tentar evitar entrar no caminho de Henrique e do senhor seu pai, que estavam sempre tratando de negócios. Deveria, também, orientar a organização dos criados e cuidar de sua própria educação como senhora. Deveria terminar o bordado que vinha fazendo há uma semana, aperfeiçoar sua técnica no piano e ler os livros indicados por sua mãe para construir sua educação. Uma senhora nunca encontraria um bom casamento se não fosse bem prendada e ela já ia no auge de seus dezessete anos. Em breve estaria em idade de casar-se.

No pouco tempo livre que tinha para si própria gostaria de descer de sua torre de marfim e ver como era a vida nas terras de seu pai. O mundo que conhecia se restringia ao castelo, poucas vezes por semana visitava o jardim. Não conhecia os estábulos, nem na cozinha tinha entrado muitas vezes. Não era apropriado a uma lady.

Já que não podia sair, ficava sempre observando a vida por uma das inúmeras janelas do seu mundo. Observava como os camponeses pareciam trabalhar duro, porém como riam sempre. Pareciam tão mais felizes. Pareciam ter uma vida tão mais plena.

Toda vez que via Henrique sair de cavalo, veloz como o vento através da entrada, entendia seu coração ansiar por estar junto dele. Tanto por sentir muita falta da companhia do irmão quanto por curiosidade pelo mundo que ele podia desbravar e ela não. Finalmente, depois de se ver tanto tempo divagando, se auto repreendia e voltava a procurar alguma atividade. Passara tempo além da conta não fazendo nada produtivo. Imperdoável.

Naquela noite, mais uma vez, Elizabeth Regina George acordara pensando ver o Duende dos Pesadelos sobre seu peito e uma tempestade de neve. Levou meio minuto pra reconhecer que era uma visão e que mais uma vez seu quarto se via em uma confusão de penas. O medo se enroscou em seu âmago. O que poderia estar acontecendo noite após noite?

Elizabeth não se moveu de onde estava. Primeiro observou o quarto para ver se notava alguém, quando não viu ninguém, levantou-se e prestou-se a, mais uma vez, catar todas as penas em silêncio. Mais uma vez as escondeu no baú junto com os restos das almofadas e mais uma vez procurou imperfeições. Quando percebeu que tudo estava certo e sentiu o peso das horas sobre si, retornou à cama. Já era a segunda vez que infringia a hora de recolher. Ela iria ser punida em breve pelo Destino. Ou pior, pela senhora sua mãe.

Na manhã seguinte, teve que tomar um cuidado especial com sua aparência. Apresentava olheiras e sua expressão delatava estresse. Tinha que sempre aparentar a mais suave e doce das senhoras. Já começara errado seu dia. Assim que terminou de retocar seu visual, retornou à rotina torcendo para que nada mais de ruim lhe ocorresse e que nenhuma vivalma notasse sua indisposição. Ia pela tarde quando Henrique retornou de uma de suas saídas a cavalo. Elizabeth bordava junto a Isabel quando ele irrompeu pela porta.

Elizabeth, diga-me, que achas deste novo broche?

De fato, muito bonito, meu irmão. - ela respondeu surpresa. Henrique raramente se dirigia a ela a não ser que fosse essencial.

Fico feliz que o admire. Você o quer?

Perdão? - pensava ter ouvido errado. Era uma joia toda revestida de topázios azuis e aquamarines. Suas pedras favoritas e sua cor favorita.

Tu queres este broche, minha irmã? - ele lhe sorria de um modo que ela não via há muitos anos.

E-eu não creio ser merecedora de tal jóia, meu irmão!

Eu insisto! - dissera-lhe ele chegando perto e prendendo o broche na renda de seu vestido puramente branco.

Oh, Henrique. Muito obrigada por tal graça! - Elizabeth por fim aceita a prenda, seus olhos lacrimejando de emoção.

Por nada, minha irmã.

E ele voltou do mesmo modo como veio, em um rompante de movimento. Deixou-a emocionada a inspecionar a peça nova que trazia ao peito. Era, de fato, linda! Jamais esperara que ele lhe oferecesse tal presente. Chegava a ser surpreendente e carinhoso.

Na noite que se seguiu, já era madrugada quando Elizabeth Regina George acordou mais uma vez como já vinha fazendo há três noites, de um pesadelo e falta de ar. Desta vez, porém, viu que o estrago estava além de suas almofadas. Desta vez fora o colchão que fora rasgado. Tudo ao seu redor parecia mexido e revirado. Impressionava-se com como tudo fora revolvido e tirado do lugar e ela não havia despertado com tal movimento. Só podia culpar a si própria por não perceber tais violações a seu quarto, noite após noite. Só lhe restava culpar a si própria por não notar como este vis atos ocorriam e quem os realizava.

Imediatamente levantou-se e começou a recolher as penas. Hoje o seu trabalho seria mais pesado, teria que voltar os móveis ao lugar também. Novamente colocou as penas catadas no baú de antes. Era a última vez que poderia fazer isso, o baú estava cheio a partir de hoje. Voltou cada móvel ao lugar e cada objeto ao seu respectivo canto. O problema que lhe sobrou foi o colchão rasgado.

Decidiu que o único modo de lidar com aquilo seria virando o colchão para esconder os rasgados. E assim o fez. Com os braços tremendo de esforço e a testa brilhando de suor, conseguiu virar o colchão. Temeu que alguém aparecesse à sua porta devido o barulho dele caindo sobre o apoio, porém, quando não o aconteceu, ela respirou de alívio. Voltou à cama, se ressentindo de desobedecer à ordem de dormir quieta a noite toda novamente.

O dia seguinte começou rotineiro. Elizabeth Regina George teve que preocupar-se em agir normalmente. Ultimamente andava cada vez mais assustada e temia seus arredores. Teve que usar maquiagem hoje de novo. Estava com uma aparência pior que a anterior. E quando foi bordar, sentia os músculos dos braços doloridos do esforço da noite passada. Não estava nada bem. Quando levantou durante um breve intervalo e se dirigiu a uma janela, viu Henrique saindo mais uma vez para cavalgar. Desta vez carregava um montante de papéis. Negócios do senhor seu pai, sem dúvida. Acompanhou-o com o olhar até que este sumiu de vista e então retornou às suas atividades. Era por volta do fim do dia quando Henrique irrompeu pela porta. Dessa vez olhou para a irmã em silêncio.

Henrique? O que…?

Nenhuma palavra lhe foi dirigida até que Henrique se ajoelhou à sua frente e pegou-lhe as mãos.

Elizabeth, minha irmã. Breve se casará. Por fim sairás da minha vida e do meu caminho.

Ele se levantou e a encarou em silêncio mais uma vez. Elizabeth não sabia como reagir. Sempre soube que ele consideraria isso uma boa coisa. Não entendeu, no entanto, o porquê daquela expressão de hesitação em seu rosto.

Aquele broche que lhe dei ontem, por favor, o leve consigo. Posso não ter sido o melhor irmão nos últimos anos, contudo gostaria de manter esta boa recordação entre nós, assim como todos os bons anos de nossa infância juntos.

Oh, Henrique. - seus olhos lacrimejaram - Eu sempre te amei e sempre amarei. Por mais que me afastes de ti com todo o teu fervor, eu sempre guardarei a esperança de teu afeto para mim. Desculpe-me ter nascido antes de ti, se pudesse escolher preferiria mil vezes que tu tivesses sido o primogênito de nosso senhor, nosso pai.

Continue sendo uma boa senhora, minha irmã.

E o rapaz saiu. Sua explosão de vida e de sentimentos foi com ele. E Elizabeth ficou a chorar, sentiu, por fim, que era uma despedida antecipada que jamais se repetiria, que expôs sentimentos que não esperava vir dele e que não esperava ter a chance algum dia de expor. Durante a infância jamais houve um casal de irmãos mais unidos que os dois, mas as responsabilidades chegaram e cada um foi para um canto, quase que duas vidas separadas sob o mesmo teto. Aquela revelação lhe acalentara o coração ao mesmo tempo em que enfiara a farpa mais fundo. Nunca mais seria como um dia foi.

Na quarta noite de seu suplício Elizabeth acordou perturbada. Se na noite anterior estava ruim, desta vez estava pior ainda. Não havia um único objeto no seu lugar e nem uma única almofada inteira. Seu colchão estava rasgado e suas cortinas dilaceradas. Seu espelho quebrado e seu baú de penas virado de ponta cabeça, todas as penas anteriormente recolhidas libertas de sua prisão.

Elizabeth Regina George sentiu ânsia de enjoo e uma tontura abrasadora. O medo e a ansiedade tomaram conta de seu corpo. Ela então lembrou-se do broche do irmão e passou a procurá-lo freneticamente. Não sabia o porquê, mas precisava encontrá-lo antes de fazer qualquer outra coisa.

Depois que revirara o quarto todo, encontrou o broche de Henrique por sob uma cômoda fora de lugar. Assim que o pegou e o estudou à luz da lua que entrava pela janela, um golpe de recordações a atingiu. A torrente de memórias a jogou de joelhos ao chão. Um grito alto como jamais gritara na vida escapou de seus lábios. A revelação lhe veio rápida e certeira, como uma flecha mirada direto no seu coração pelo mais habilidoso dos arqueiros.

Era ela. Ela mesma havia feito tudo isso a si própria. Ela mesma havia rasgado cada uma de suas almofadas por dois dias. No dia seguinte, quando Henrique mexeu em sentimentos que ela reprimia há anos, fizera mais. Rasgara a cama e bagunçara os móveis. Logo na sequência, quando Henrique dissera que ainda a amava e despertara nela a sua declaração de amor incondicional acabara por fazer pior e pior. A cada dia fazia mais que no dia anterior. Toda a sua angústia interior se concentrara em um impulso destrutivo, e este culminou naquela madrugada e naquela situação.

Não aguentou mais. Viu a bagunça reinar em seu quarto. Sentiu o desacômodo reinar em sua vida. Viu-se desobedecer a cada uma das regras a que tanto se empenhava em manter. Viu o amor de seu irmão naquele broche e seu passado tão benquisto tão distante de si que jamais voltaria. A próxima coisa que viu foi o estrondo da porta de seu quarto se abrindo à força e um emaranhado de fios louros a observarem de cima, da janela.

Henrique fora até seu quarto em resposta ao seu grito anterior e agora se encontrava a gritar seu nome, incapaz de fazer qualquer outra coisa senão vê-la despencar velozmente rumo ao chão. Ela pulara do seu quarto no vigésimo terceiro andar. A sua torre de marfim por fim a libertaria. O broche, ela o deixou sobre o batente da janela. O deixou como uma recordação e um pedido de desculpas. Jamais quisera que tudo terminasse assim.


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Notas finais do capítulo

Oi. :) Sei que o final pode não ter sido o que vocês esperavam a princípio, mas isso é uma coisa boa. Eu fui escrevendo esta estória e o final simplesmente foi se criando. Ele tinha que ser assim! Não concebo ele sendo de uma outra forma, não pelo modo como chegamos ate ele. Eu espero que vocês tenham gostado! Se quiserem, podem comentar expressando suas opiniões sobre esse conto. Obrigada por lerem e até mais! [Cibrs]



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