Ela jogou uma papelada sobre a mesa da cozinha. Haney se virou com o baque.

   - O que é isto?

   Tina bufou.

   - Veja por si mesma – resmungou, enquanto sentava na bancada e mordiscava uma maçã.

   O silêncio prevaleceu alguns minutos, o que permitiu a Tina terminar sua fruta e Haney examinar o documento. Agora, a garota dançava com a língua por entre os dentes perfeitos.

    - Você só pode estar brincando! – Haney se exaltou.

   - Por quê estaria?

   - Demitida?! O que você tem na cabeça?

   Tina pensou em dar uma resposta debochada, mas preferiu guardar seu atrevimento e limitou-se a balançar os ombros num gesto de indiferença.

   - Realmente, eu não poderia esperar muito! Dois meses num emprego e você se coça pra sair! Sua cara isso – argumentou Haney.

   - Não me venha com essa! Pelo menos, é melhor que limpar banheiro de pirralhos! – Tina contra-atacou.

   Haney suspirou, com sentimento de raiva pesando sobre ela e jogou de volta na mesa a carta de demissão.

   - E nem assim você dá conta, não é?

   Tina revirou os olhos e deu de ombros.

   - Não vai pra escola?

   - Que se dane a escola! – A garota devolveu.

   Haney deu a volta pela mesa, ficando cara a cara com Tina na bancada.

  - Hoje é o primeiro dia! Ou você vai, ou faço um escândalo agora mesmo.

   Tina resmungou algo, apanhou a velha jaqueta de couro preta, as chaves da moto e saiu do cômodo.

   - Que desgosto te ter como filha... 

   A garota já não podia mais ouvir.

**************************************************

      Tina era o tipo de adolescente que toda mãe odiaria ter em casa. Não era nada tradicional nem fazia o tipo tranquila. Uma infinidade de coisas negativas podia defini-la facilmente. Se metia em inúmeras confusões, tinha mais tatuagens que uma pessoa normal acharia possível possuir, incontáveis piercings por todo o corpo, cabelos coloridos, bebia tudo que viesse acompanhado por uma etiqueta escrito ‘’alcóolico’’, seu vocabulário péssimo deixava as pessoas ao redor totalmente desconfortáveis, suas roupas eram escuras e chamativas, seu caráter ignorante e completamente desprovido de uma centelha de educação... Entre outros defeitos, moldavam Tina, uma garota de dezessete anos.

   Haney era o tipo de pessoa que qualquer filho detestaria ter que chamar de ‘’mãe’’. Indiferente a todo sentimento materno, impaciente nos quesitos educar e ensinar, dicionário ambulante de xingamentos e ofensas, falar alto era seu hobbie, etc. Suas únicas preocupações eram com o próprio trabalho e se Tina, ao menos, frequentava a escola. Em que condições e de resto, nada importava.

   Por vezes, ela pensava quando a filha tinha se tornado tão rebelde. Quando perdera o controle da situação? Quando deixara o papel de educador por conta do mundo? Ora, Tina tivera uma infância adorável. Brincava na rua com as outras crianças, aprontava tudo que podia, era um verdadeiro moleque. Em casa, os pais enchiam-na de mimos, tinha tudo nas mãos e, principalmente, o amor, que sempre fora item número 1 nas relações da família. Como chegara a este ponto. Culpa do pai, certamente. Na cabeça de Haney, o fato da família ter desmoronado era culpa de Robson. Desde que este entregara sua vida à bebida, as coisas saíram dos limites do normal.

   Basicamente, era um fardo para uma só pessoa ter que carregar. Portanto, Haney se acomodara, em seguida, Tina. Os três eram meros estranhos entre si. Ninguém devia satisfações a ninguém, ninguém cuidava de ninguém, ninguém amava nem odiava ninguém. Eram apenas ‘’colegas de casa’’. Não havia algo concreto que pudessem dizer um do outro sem antes olhar para seus próprios defeitos.

*************************************************

   Com um cigarro no canto da boca, Tina dava uma investida no motor da velha mobilete. O veículo de duas rodas dava problema desde que havia comprado num ferro velho sujo e abandonado perto de casa. Um idoso além de nojento, mal-educado, vendeu a ela por uns trocados e, apesar de ser uma mobilete usada e maltrapilha, Tina não andava sem ela.

   Era a terceira investida e nada.

   - Moto de merda – a garota deu um chute no motor.

   Com isso, conseguiu dar partida, com um barulho forte e direito a fumaça preta.

   Era uma manhã fria e cinzenta na cidade de agosto na cidade de Detroit. Devia ser 7h30. Tina estava atrasada para o colégio. Subiu na moto e ajeitou o cigarro. Do outro lado da rua, alguém estava de mudança. Um casal entrava e saía da casa carregando caixas enormes deixadas na varanda da frente por um possível caminhão, que por sinal, não estava por ali. A mulher, branca com cabelos negros e ralos, acenou graciosamente quando viu a jovem sentada na moto, prestes a sair.

   - Olá, bom dia! – Disse num tom jovial.

   Foi cruelmente ignorada. Tina deu uma baforada de fumaça e acelerou. No mesmo instante, de dentro da casa, veio um adolescente, talvez fosse um homem já, usando uma camisa branca colada de mais para seu porte físico, calça jeans escura e aparência atrativa. Tinha uma expressão bem séria. Parou no portal e cruzou os braços, os músculos saltando. Encarou Tina como se ela fosse um alienígena. Talvez fascinado, com seu estilo diferente, ou enojado.

   Que ótimo,— pensou – vizinhos novos!

   Acelerou rumo ao colégio, sem olhar para trás.