Demons escrita por Hikari Mondo


Capítulo 2
Look into my eyes (it's where my demons hide)


Notas iniciais do capítulo

E eis que, depois de mais de 4 anos, quem volta para terminar essa fanfic?

Pois é, quem diria... Eu falei que não abandonaria, mas que poderia levar muito tempo para postar. Essa fanfic foi muito sentimental para mim, porque tem muito da minha experiência escondida nela - e muitos dos meus desejos. Queria muito um Shikamaru para mim, em certos momentos.
E talvez por conta dos sentimentos envolvidos, não consegui escrever muito ela. Acho que esses últimos tempos tive mais momentos sofridos, intensos, que me permitiram me reconectar com essas sensações, e tentar voltar a escrever.

Um alerta importante: esse capítulo tem indícios de ansiedade, depressão, ataque de pânico. Se você for sensível a isso, recomendo avaliar se realmente gostaria de ler. Leia sobre seu próprio risco. Agora, se você ler, se identificar com algo, se sentir mal, precisar falar com alguém, me escreva - um review, no whatsapp, no facebook, nas mensagens privadas, onde for. Ficarei feliz em oferecer suporte - e tratarei ao máximo ser sem julgamento. Apenas um ombro para chorar, um ouvido para ouvir, e alguém para oferecer acolhimento ao que quer que você se sinta.
Depressão, ansiedade, pânico, entre outros, são problemas psicológicos sérios e não devem ser zombados ou menosprezados.
No mais, espero que gostem desse capítulo - ou que ao menos os faça refletir.



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No outro dia, Temari acordou em seu hotel ainda se sentindo meio estranha. Como se estivesse um pouco fora de si. Um pouco fora do mundo que a cercava. No dia anterior, Shikamaru a convencera a sair mais cedo do casamento de Naruto e Hinata. Temari ainda se sentia um pouco mal por isso. Ela sabia que a desculpa de Shikamaru era bastante crível, então ela não sentia remorso quanto a Naruto e Hinata.

Não, o problema era justamente por causa de Shikamaru. Ela o deixara preocupado, e nem sequer sabia dizer como estava se sentindo para poder acalmá-lo. Era simplesmente... estranho. Às vezes ela não sabia exatamente o que ele pensava, seus movimentos eram leves e relaxados como sempre, mas sua expressão era preocupada e apreensiva.  Ele estava sofrendo... e a culpa era dela.

Temari tentou afastar esse pensamento, tão recorrente, de sua mente. Ela nunca gostara que as outras pessoas se preocupassem com ela. Por isso ela era forte e destemida. E por isso ela nunca contava como se sentia. Com Shikamaru as coisas eram um pouco diferentes. Ele conseguia ver através dela, mas nunca a subestimara por isso. E mais importante, ele a ajudava sem nem se esforçar para isso. E mesmo assim ela estava o fazendo sofrer, mesmo ele sendo tão bom para ela. Temari negou com a cabeça novamente. Era melhor ela não pensar nessas coisas.

Ontem depois da festa, Shikamaru a trouxe até o hotel. Logo que eles saíram de dentro do salão, Temari começou a tremer. Ele fora bastante gentil em lhe oferecer o casaco. Mas o tremor não passara, e sua respiração começou a ficar pesada e acelerada. Ela puxava o ar mas parecia que ele não chegava até seus pulmões. Ela até chegou a lhe perguntar o que eles iriam fazer agora – olhar o céu talvez? -  mas Shikamaru estava preocupado – por sua saúde - e achou melhor levá-la diretamente para o hotel. Quando ela pensou em lhe contrariar – ela não queria parecer fraca— ele lhe sorriu desafiador. “Mas ficamos combinados para um almoço amanhã.”  Ela não pôde evitar sorrir – na hora e com a lembrança. Uma frase. Uma frase foi tudo que ele precisou para lhe demonstrar que ele se importava, mas não menosprezava sua capacidade. E o melhor é que nada era forçado a respeito disso.

Ainda sorrindo, Temari levantou da cama para se preparar para seu almoço com o Nara. Não que ela fosse usar ou fazer algo diferente hoje, mas o simples fato de saber que saíria com Shikamaru alegrava seus ânimos.

—----

Depois de sair do banho e já vestida, Temari se sentou na frente do espelho para arrumar os cabelos. Ela começou os penteando para baixo, tentando alisá-los um pouco antes de prendê-los nas duas chiquinhas que passara a usar ultimamente. Apesar de estar na frente de um espelho, Temari se penteava distraidamente – afinal, ela era uma kunoichi, e não podia se dar o luxo de precisar de um espelho – portanto ela fazia tudo sem esforço.

Quando, no entanto, se olhou no espelho, o reflexo no espelho lhe mostrava Karura. Sua mãe. Temari travou e piscou, descrente. Ao abrir os olhos novamente, ali estava ela, o pente pendurado em seus cabelos ainda úmidos e meio emaranhados. Mas seu corpo não mais reagia. Seus olhos encaravam o reflexo imóvel no espelho, mas novamente era como se sua mente não pertencesse a seu corpo. Uma vontade de chorar e fugir invadiu seus pensamentos, e nada mais parecia fazer sentido.  O que ela estava fazendo ali? Quem era aquela pessoa no espelho?

Ela não soube quanto tempo se passou até ouvir Shikamaru bater em sua porta. Um pânico tomou conta dela. O que ela deveria fazer? Fingir que não ouvira? Dizer que não estava pronta? Ela era uma péssima pessoa, nem sequer podia cumprir o compromisso com ele. Ela sentia sua pele muito sensível, formigando, e não sabia o que fazer.

“Temari?” Shikamaru a chamou do outro lado da porta, parecendo preocupado. Olha o que você está fazendo, ele não merece sofrer por você. “Já vou” A fala machuca ao sair de sua garganta, que parece seca e rígida, mas sua voz sai tão normal quanto seria possível na situação. Seu corpo ainda demora a responder, como se estivesse buscando as conexões corretas para fazê-lo, ela termina de pentear seu cabelo rapidamente e, mesmo insatisfeita com o resultado, vai atender a porta. Melhor não deixar ele esperando, ou talvez ele vá embora. E nunca mais volte.

“Desculpe,” ela diz assim que abre a porta, “eu acabei perdendo a hora.” O olhar dele é preocupado e incerto. Sua idiota, olha o que está fazendo com ele. “Está tudo bem?”  Ela sente toda sua pele arrepiar com a pergunta dele, as bochechas formigando com mais intensidade. Você não devia ter aberto a porta. Tratando de ignorar sua mente, ela sorri levemente e responde. “Tudo bem” Ele não parece convencido, e num impulso ela completa. “Eu só estou cansada, acho que peguei um resfriado ou algo assim.” Ele assentiu devagar, como quem está processando a informação.  “Você quer ficar aqui no hotel então? Podemos pedir algo para almoçar aqui e fazer algo mais tranquilo, assistir um filme ou algo assim.”

“Ah não, não precisa.” Ela respondeu depressa. Você está entregando pra ele que tem algo errado, ele vai ficar preocupado. Ele não merece ficar preocupado por você. “Eu vou só terminar de me arrumar e podemos sair.”

“Temari, não precisamos sair, podemos ficar aqui.” Ele manifestou novamente, mas tentando parecer relaxado. Ele está se esforçando para fazer você se sentir melhor, como você é desprezível. “Vem cá, deixe-me ver se você tem febre.” Ele tocou o dorso da mão em sua testa por apenas alguns segundos antes dela recuar arisca, mas foi o suficiente para Temari sentir todo o calor que emanava dele, sentir uma corrente elétrica correr pelo seu corpo. Logo depois ela sentiu sua pele formigar com mais intensidade, suas mãos, seu rosto, seus pés. Ela não estava mais certa se conseguiria andar por muito tempo, então resolveu se apressar.

“Não não, você queria sair, vamos sair.” Ela disse novamente, se virando rápido e tentando se dirigir a penteadeira, mas tropeçando em uma cadeira que estava atrás dela.

“Temari, eu não quero sair. Eu quero é estar com você. O lugar não me importa.” Ele falou sério, ajudando-a a se recompor.  “Você tem certeza que está bem?” Ele perguntou novamente, alarmado. “Você parece estar tremendo.”

“Eu estou bem.” Ela soou mais ríspida do que queria, e pode ver a cara de surpresa de Shikamaru. Temari se repreendeu mentalmente. Olha o que você está fazendo. Ele não merece isso. A culpa não é dele. Temari fechou os olhos, tentando se concentrar nas coisas além de sua mente e seu corpo agindo esquisito. “Tudo bem,” ela disse por fim, olhando finalmente para ele. “você decide alguma coisa para comermos aqui, enquanto eu vou terminar...” sua voz conseguiu sair bastante natural, mas ela travou nessa parte, sem conseguir mais falar. Ela deu apenas um aceno com a cabeça, tratando de soar convincente, e ele concordou também, a encarando e em silêncio. Ela então andou resoluta até o banheiro do seu quarto, com os elásticos na mão, e fechou a porta atrás de si.

Assim que fechou a porta do banheiro, Temari respirou fundo devido a falta de ar que sentia. O que quer que estivesse acontecendo com ela, ela não podia deixar Shikamaru saber. Ele só ficaria preocupado e com pena dela. E quando ela melhorasse, ele a deixaria sozinha. As lágrimas começaram a correr de seus olhos, seu corpo continuava tremendo e o formigamento parecia se espalhar por todos os seus membros.  Sua respiração era pesada e difícil. Ela recuou da porta, como se estivesse com medo dessa, e se sentou sobre o vaso sanitário ainda fechado.

Suas mãos tocaram seu rosto um tanto desesperada. Ela não estava sentindo bem seu rosto, as lágrimas não paravam de cair. A sensação de vazio e desespero tomou conta de si, que lhe trazia vontade de chorar e desaparecer. Nada fazia sentido dentro de si, ela era apenas uma bagunça de sensações e emoções. Ela queria fugir, queria chorar. Queria vomitar, queria correr, queria gritar. Mas não conseguia fazer nada disso. Suas lágrimas logo secaram, sua voz não saia. Seu corpo não reagia como ela esperava. Seus músculos se tensionavam, e suas mãos que haviam parado sobre seus cabelos, se fecharam sobre estes, agarrando algumas mechas. Sem que pudesse evitar, seus pés vão parar sobre o vaso sanitário, a fazendo ficar em uma posição fetal sentada.

Seus olhos estavam arregalados, e no meio do desespero ela começou a se balançar. A tensão em seus músculos a fazia puxar seu cabelo com força. Mas a dor, física pelo menos, estava longe de ser indesejada. Era uma maneira de ela saber que ela ainda estava ali, mesmo que não conseguisse fazer nada do que desejava fazer. Ela só queria algo que pudesse afastar aquilo que estufava seu peito e a impedia de reagir. Ela só queria que tudo aquilo acabasse. Ela teria um infarto daquele jeito. Ela iria morrer ali. Ela queria morrer. Ela não tinha medo disso, ela só queria morrer, queria algo que tirasse aquilo dela.

Em algum momento ela pode ouvir Shikamaru batendo na porta e chamando seu nome. Temari não sabia dizer quanto tempo havia se passado desde que entrou no banheiro – poderia ser um minuto ou dois séculos, daria na mesma para ela. Ela só sentia seu coração acelerado, sua pele formigando, seu corpo sem reagir, uma dor no peito que parecia inchado, um desespero, um pânico. Ela queria qualquer coisa. Qualquer coisa que não fosse aquilo. No entanto, não conseguia fazer nada.

Em algum momento Shikamaru entrou. Temari não sabia como ele destrancou a porta. Pela voz dele ele parecia preocupado, mas Temari não conseguia olhá-lo. Primeiro porque sua visão era nublada, seus olhos pareciam querer saltar de sua face. Segundo porque ela não queria que Shikamaru a visse assim. Ela tentou se esconder, mas não havia muito que ela pudesse fazer naquele momento. Apenas sua cabeça baixou, escondendo o rosto entre suas pernas, e suas mãos agarrando e puxando seus cabelos ajudavam em sua tarefa.

“Temari, Temari”, Shikamaru a chamava, mas seu corpo não queria reagir. Ele não devia ver isso, ele não deveria sofrer. Ele era muito bom para sofrer com isso. Ela não merecia ele. Ela devia ir embora. Antes que ele a deixasse. Ele se sentou na sua frente, e lhe afagou o braço, a cabeça, as costas. “Vai ficar tudo bem.” “Eu estou aqui com você.” As palavras dele lhe traziam ao mesmo tempo conforto e dor. Era confortante para ela se sentir amada. Mas doía porque ele merecia algo melhor, não estar sofrendo por ela e passando por aquele momento.

Ela não soube quanto tempo se passou desde que tudo começou, quando Shikamaru entrou, ou quais foram exatamente as palavras que ele disse. Em algum momento finalmente pareceu como se um pouco de ar finalmente entrou em seus pulmões, e ela pode soltar um misto de choro e grito sem lágrimas. Shikamaru lhe apertou o ombro tratando de confortá-la. Sentindo que talvez estivesse voltando a si, tentou mexer sua mão, mas apenas puxou mais seus cabelos.

“Não, não se machuque.” Ela ainda não conseguia respirar direito, quem diria responder. Ele tentou tirar sua mão, mas ela não respondia. Ele acabou usando um pouco de força para abrir seus dedos enquanto Temari ainda tremia com os músculos tensionados. Assim que conseguiu, ele segurou sua mão. Ela a apertou com força, não propositalmente, mas porque precisava fazê-lo, mesmo que não fosse ela quem controlava seu corpo nesse momento. Ele respondeu apertando sua mão também com força.

Aquele contato a ajudou a se fixar e lhe serviu de apoio para retomar um pouco de seu autocontrole. Aos poucos, sentiu que seus músculos relaxavam e o ar passava a entrar em seus pulmões. Começou a sentir dores por todo o corpo, mas o peso em seu peito parecia ter aliviado. Ela chorava, mas ainda sem lágrimas. Sua garganta estava seca, tinha sede. Queria desaparecer de vergonha. Shikamaru não a deixou sozinha em nenhum momento. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que ele não merecia passar por isso.  

Seu corpo tinha finalmente parado de tremer, sua respiração era entrecortada, mas pelo menos podia sentir o ar em seus pulmões. Ela soluçava, e não conseguia mexer seu corpo, mas por outro motivo agora. Ela podia sentir seus membros, mas seus músculos estavam tão doloridos e travados que não reagiam aos seus estímulos. Ela não conseguia sequer entender o que tinha acontecido. Então ela apenas se deixou estar ali, como um boneco imóvel sobre o vaso.

Shikamaru a colocou em pé após um momento, e ela achou que iria cair. Não sabia anteriormente, mas seu senso de equilíbrio também fora afetado. Ele a ajudou a se locomover até o sofá – ou ele a arrastou? Ela não sabia dizer – e lá ele tratou de esticar e deitar seu corpo. Suas pernas doeram quando ele as esticou, por estarem muito tempo na mesma posição. Quando ele tratou de deitar seu tronco e sua cabeça no sofá, Temari começou a gemer de dor. Suas costas doíam mais que suas pernas, e seu pescoço mais que tudo. Ele então colocou almofadas atrás dela para mantê-la meio sentada, e foi soltando-a lentamente sobre elas, arrancando pequenas lamúrias dela.

Ela ouviu ele ligar para alguém enquanto ela estava deitada. Ela manteve seus olhos fechados, não queria olhá-lo depois do que acontecera. Ela só queria sumir. Esquecer tudo que havia acontecido. Voltar tudo a como era antes. A verdade é que ela tinha medo. Medo do que podia acontecer de agora em diante.

 Ele se sentou no chão ao lado do sofá que ela se encontrava. “Pedi comida pra gente, deve chegar em uns 30 minutos.” Havia preocupação em seu olhar, mas também algo mais... Carinho? Alívio? Amor? Temari não sabia o que a assustava mais de tudo isso. Seu corpo ainda doía, mas sentia que poderia tentar movimentá-lo se quisesse.

“Á-ua” O g saiu mudo, não pronunciado, mas pela leitura de seus lábios, Shikamaru entendeu.

“Você está com sede? Vou pegar, já volto.” Ele se levantou depressa, e achou um cantil de água que ela deixara sobre a pia. Ele o encheu no filtro e lhe trouxe, estendendo em sua direção pra que ela pegasse. Temari tratou de estender o braço, que ainda tremia devido ao esforço prévio, mas sua mão estava torta e inerte, com os dedos em posições esquisitas e travados. Ela ficou apenas olhando o cantil, desejando poder beber de seu conteúdo, mas se vendo incapaz de fazê-lo e sem saber como reagir a isto. “Você consegue pegar?” Shikamaru perguntou, e ela negou com a cabeça lentamente. “Quer que eu te dê?” Desta vez ela assentiu, ainda lentamente e um pouco encabulada com a situação.

Ele levou cuidadosamente o cantil até sua boca, e Temari começou a beber ávida e ininterruptamente tudo que podia, ainda inclinando sua cabeça para poder beber mais. Parou apenas devido à falta de ar por estar bebendo direto, e abocanhou todo o ar que podia de uma vez só. Foi como se alguém estivesse injetando forças e vida de novo dentro dela. Ela não sabia que tinha tanta sede até começar a beber água. “Ei, vamos com calma.” Shikamaru riu, “Você estava com sede, hein? Quer mais?” Dessa vez Temari assentiu com mais veemência.

Ele levou novamente o cantil até sua boca, e Temari bebeu a outra metade que sobrara. Ao terminar novamente ficou respirando fundo, e sentia como se estivesse voltando a si mesma depois disso. Shikamaru ria da situação, e Temari estranhou ele parecendo mais tranquilo agora do que quando chegou. Ele não estava bravo com ela? Será que ele estava ali só por pena? E se ele achasse que ela estava só tentando chamar a atenção dele? Todas as incertezas em sua mente pareciam corroer sua sanidade.

“Tenta abrir a mão, ela está torta, não é bom.” Ele falava com sua típica atitude tranquila, mas um pouco mais autoritário que o comum. Temari olhou para sua mão como se nunca a tivesse visto antes. Se esforçou para concentrar-se nela e tentar abri-la. Tudo que conseguiu foi apenas um espasmo. E isso que estava se concentrando em apenas uma mão.

“Não consigo...” Ela disse baixinho, ainda se concentrando. “Não consegue?” Ele lhe perguntou em resposta, parecendo surpreso. “Deixe-me ver.” Ele estendeu sua mão para ela. Temari ficou em dúvida sobre o que fazer, mas estendeu a mão para ele. “Está bem contraído. É melhor esticar para não ficar doendo.” Ele começou a tentar abrir seus dedos, e Temari gemeu de dor. “Vai doer um pouco, mas tem que colocar no lugar. Qual o seu nível de tolerância a dor?” Ele começou a massagear sua mão, ela só conseguiu fazer uma careta. “Seus muscúlos estão rígidos.” Ele também franziu o cenho encarando a mão dela.

Depois ele tentou esticar novamente seus dedos, e Temari chiou de dor. “Quer que eu pare?” Ele perguntou, sincero. “Não, tudo bem. Melhor fazer logo.” Ele prosseguiu com a tarefa de ajeitar a mão dela, até que estava próximo de uma posição natural de descanso. “Agora, tente fazer isso aqui.” Ele indicou, mostrando como ele abria e fechava sua própria mão. Temari tentou o imitar, mas sua mão se fechou em um espasmo de maneira similar a como estava antes, e depois só tremia. “Ok, melhor deixar ela descansar.” Ele sorriu, pegou sua mão e a esticou novamente, repousando-a sobre o as pernas dela. “Agora vamos ver a outra.” Desta vez ela ofereceu a mão mais rápido, ele já sabia como ajudar e ela sabia o que esperar, o que tornou as coisas mais simples e menos dolorosas.

Enquanto ele a ajudava com sua mão, Temari ficou observando o Nara. Ele não parecia diferente de antes, apesar do que ele vira e de estar cuidando dela. Talvez nada na relação deles iria mudar por conta disso. Ou talvez ele estava apenas agindo naturalmente para ela não se sentir mal, mas depois iria se afastar ou tratá-la como uma peça frágil e delicada. Ela odiava essa incerteza e esse medo de que ele poderia afastar ou achar que ela era fraca e precisava ser protegida, mas ao mesmo tempo sabia que o melhor mesmo era mantê-lo longe dela, de sua escuridão, de seus demônios internos.  

Uma parte dela queria lhe perguntar e resolver isso logo, mandá-lo embora e chorar sozinha, saber qual o destino deles e o que aconteceria, ao invés de ficar nessa dúvida que a corroía por dentro. Outra parte dela tinha medo de saber a resposta. Essa outra parte dela desejava, ansiava, que ele não fosse se afastar como sempre acontecera anteriormente. Que ele ainda quisesse estar ali com ela. Mas ao mesmo tempo, ela tinha tanto medo que pudessem esmagar essa esperança dela que tratava com todas as suas forças de ignorá-la. Mesmo assim, ali estava ela, deixando o Nara massagear sua mão, sem conseguir dizer nada.

Assim que ele terminou de massagear sua outra mão e largou-a sobre sua perna, ele a olhou nos olhos. Aquele foi o momento que mais doeu em Temari. Porque ela sabia o que tinha que fazer, mas não tinha coragem. Aqueles olhos eram tão profundos, tão sinceros, tão amorosos, tão brilhantes. Ela não podia levá-los para a escuridão, ela precisava proteger aquela luz. Estava escrito dentro dela que ela precisava deixá-lo ir.

Seus olhos já estavam nublados pelo que ela sabia, mas ela não conseguia dizer nada. Ela abaixou a cabeça, sem conseguir manter o olhar com Shikamaru. Ela se sentia culpada. Com o tanto que ela dizia que o amava, com o tanto que ele era bom, mesmo assim ela não conseguia dizer nada para protegê-lo. Uma única lágrima escapou de seus olhos. Ela esperava que ele não visse nada, então a enxugou depressa sem encará-lo. Se ele viu ou não ela não sabia, pois ele não disse nada. Ela não sabia o que pensar daquele silêncio.

O interfone do quarto tocou. Ela ouviu a movimentação do Nara e ele atendendo. Ela respirou fundo, tentando tomar coragem, tentando pensar direito. “É o nosso almoço, vou lá pegar. Quer alguma coisa?” Ela apenas negou com a cabeça, e ouviu-o sair pela porta. De alguma forma, o fato de não tê-lo por perto a aliviava, como se pudesse pensar sem ter seus sentimentos envolvidos. Mas ao mesmo tempo, era como se ela tivesse perdido uma parte importante de si mesma. Como se algo estivesse faltando dentro de si.

Enquanto ele esteve fora, Temari se preparou mentalmente em como diria que eles deveriam se afastar, escolheu suas palavras, e acreditava estar pronta para encará-lo. Mas foi apenas Shikamaru entrar pela porta com duas sacolas de comida, que seu coração se contorceu, e de repente ela já não estava mais tão decidida assim. Ele trouxe hashis e uma garrafa de água para a sala e sentou-se novamente no chão onde estivera anteriormente. Como suas mãos ainda não estavam respondendo, Temari usou os cotovelos para se levantar, e conseguiu com alguma dificuldade.

“Aqui está. Bom apetite!” Ele deixou a caixa com sua comida em seu colo, junto com seus hashis. Ao sentir o cheiro de comida, a fome a invadiu violentamente.  Todo o resto parecia ter se apagado de sua mente naquele momento, tudo que ela queria era comer, e olhava a caixa ansiosa. Foi só depois que percebeu que apesar de desejar a comida, ela ficara apenas encarando-a sem fazer nada para alcançar seu objetivo. Temari queria se bater mentalmente por isso. Ela percebeu com desgosto que suas mãos ainda não reagiam como ela queria, mas ainda assim tentou da melhor forma que conseguiu pegar os hashis- apenas para perceber em seguida que não tinha aberto a caixa. Algo que seria tão fácil em uma situação comum lhe exigiu muita concentração e paciência – lidar com suas mãos, com sua fome, com o cheiro – inclusive teve que largar os hashis. Pelo menos pegá-los novamente foi mais fácil, já que ela já sabia como fazê-lo. Então, tentou levantar a pequena caixa para poder comer – e descobrir que não tinha forças para isso. Tentou pegar a comida com seu hashi, mas além da dificuldade em fechar os hashis, também não conseguia levantar o suficiente. Nunca um macarrão lhe parecera tão pesado. Temari estava irritada e desesperada. Ela só queria comer!

Já que nenhuma das tentativas anteriores deu frutos, ela apenas se inclinou levando o rosto próximo a caixa, o suficiente para ‘empurrar’ sua comida até sua boca, e finalmente pode sentir o gosto. Suas sensações estavam confusas: a comida que pelo cheiro lhe parecia que estaria tão gostosa, tinha um gosto amargo em sua boca. Sua visão embaçou, por algum motivo que ela desconhecia. A fome ainda era tanta que comeria o que quer que fosse. Logo o cheiro, que antes lhe parecia tão apetitoso, agora a deixava enjoada, quase na mesma medida que o gosto parecia cada vez mais o de um yakisoba comum. Suas mãos sentiam o hashi mas não conseguiam movimentá-lo – a maior parte de seu movimento ainda vinha dos braços e dos punhos. 

Em um momento ela parou para respirar - quando ela tinha deixado de respirar normalmente? – e finalmente reparou em algumas coisas a sua volta. Em como a almofada em suas costas estava meio torta. Como seus pés se estendiam sobre o apoio de braço. Como a mesa de centro estava bem arrumada apenas com a carteira do Nara além do que ela deixara anteriormente. E como Shikamaru ainda estava sentado comendo seu yakisoba calmamente, como sempre. Temari o observou por um momento, e logo olhou para sua própria caixa de comida – mais da metade se fora, e ela mal lembrava como exatamente tinha conseguido comer. Então percebeu que mesmo com toda a dificuldade que tivera para comer, em nenhum momento Shikamaru se oferecera para ajudá-la. O que isso significava? Que ele queria manter-se longe dela? Mas ele continuava sentado ali. Se ele achasse que ela era frágil, ele teria lhe oferecido ajuda. Será que mesmo com que acontecera ele ainda acreditava que ela tinha condições de fazer isso sozinha?  Lhe custava acreditar naquilo, mas isso lhe acendia aquela chama de esperança. Mas ela sabia que não devia criar expectativas, isso só a machucaria depois.

Com os hashis ainda na mão, ela voltou a comer, mas agora não com tanta pressa – a percepção de que ela estivera com pressa antes lhe bateu de repente. Tudo o que passou – ela teve dor, ela teve sede, teve fome, todos muito intensos. De alguma forma, sua mente parecia só estar processando agora algumas coisas que aconteceram – e algumas ela sequer conseguia lembrar. Percebeu que estava com sede de novo, e olhou para seu redor.

“Água?” Uma voz soou em sua mente, e só depois ela viu que fora ela mesmo que perguntara.

“Do seu lado.” Shikamaru apontou para o chão, ao lado do sofá. Temari viu seu cantil, não tinha reparado antes. Tentou levantá-lo – e de novo, falhou em seu objetivo. Teve que tirar a caixa de seu colo, colocando do seu lado, para inclinar-se e conseguir alcançar o cantil com as duas mãos. Com esforço, pode bebê-lo – torta mesmo, meio fora do sofá, meio em cima – para depois desajeitamente se arrumar novamente em uma posição mais ou menos confortável.

Então o silêncio caiu sobre ela como um balde de água fria. Não que eles não estivessem em silêncio antes, mas antes ela não reparara nisso. Normalmente o silêncio entre eles era agradável, reconfortante. Mas agora, o silêncio a fazia temerosa, duvidosa do que viria, o silêncio a assustava. Todos os seus demônios do passado pareciam se agitar dentro de si – e tomarem forma lhe afastando uma das poucas pessoas com quem ela se sentia bem. Ela não queria machucá-lo – ela queria protegê-lo, de tudo. Mesmo que isso incluísse protegê-lo de si própria. Ela queria esconder todas essas partes negras que habitavam dentro de si – ela sempre estivera destinada a sofrer, e ela já tinha aceitado isso. Mas mesmo que fosse tudo por ele, ela não queria lhe mentir – ela queria poder lhe contar toda a verdade. Tudo que ela sempre sentiu e sentiria, e como ela não queria arrastá-lo para esse poço com ela. Que tudo que ela queria era que ele fosse feliz – e isso a faria feliz, onde quer que estivesse, mesmo no inferno pessoal ao qual ela fora condenada ao nascer.

Seus olhos se nublaram, mas ela se negou a deixar as lágrimas caírem. Ela sabia o que devia fazer, mesmo que seu coração se contorcesse com a ideia. Ela respirou fundo e tentou puxar a conversa que sabia que teria mais cedo ou mais tarde – e ela ainda tinha determinação o suficiente para resolver o quanto antes, e evitar sofrer mais. “Odeio isso de fingir que nada aconteceu.” Ela tentou soar calma, mas não conseguiu olhar para Shikamaru para ver como ele reagiu.

“Não estou fingindo que nada aconteceu...” Ela o ouviu largar sua caixa. “Só estou esperando você se sentir à vontade para falar sobre isso.” Temari apenas acenou com a cabeça instintivamente, ainda se conseguir olhar para ele. Seus olhos continuavam nublados. “Você quer conversar agora?” Ele lhe perguntou amavelmente.  Os olhos de Temari umedeceram com isso. Doía mais saber que ele estava ali e que ele sofria por ela.  Você está fazendo ele sofrer Temari. Você tem que deixar ele ir embora. Ou você vai fazer ele entrar na sua escuridão.  Ele não merece isso. Ele merece algo muito melhor que você. O coração dela se contraia com cada novo pensamento. Ela sabia que era o certo afastá-lo, mas ela sofria com esse conhecimento. As lágrimas começaram a correr de seus olhos, e Shikamaru colocou uma mão sobre a dela, tentando lhe dar conforto. Em um instinto depreciativo, Temari puxou a mão com pressa, mas soube imediatamente – ela vira? ela sentira? ela não sabia dizer como, mas ela sabia – que ele ficou triste com o gesto dela, então logo que ele começou  a deslizar sua mão para retirar o toque, ela colocou  sua mão sobre a dele , num pedido silencioso de que ele se mantivesse ali. Como você é egoísta. Você vai só afundá-lo, mas ainda quer ele com você. Ela apertou a mão dele levemente, pedindo, desejando algum tipo de conforto, de apoio, enquanto soluços se juntavam às suas lágrimas, que já corriam soltas.

Shikamaru devolveu o aperto à mão dela, tentando lhe confortar. “Eu estou aqui com você Temari. Eu não vou sair daqui.”  Temari baixou a cabeça e se encolheu levemente, apertando mais a mão de Shikamaru, que colocou sua outra mão sobre seus cabelos. “Esse é o problema!!!!” Sua voz saiu esganiçada, chorosa, e ela precisava fazer muito esforço para  que sua voz saísse razoavelmente inteligível.  “Você é muito bom pra mim. Você não merece passar por isso.  Eu não mereço você-” Seu choro aumentou. Ela não conseguia se expressar bem com tudo que sentia. Falar aquilo doía , doía demais, seu peito se contraía. Shikamaru não devia estar ali. Ele não devia ter que sofrer com ela.

“Tem...” Ele começou, lhe apertando mais a mão, enquanto ela perdia o ar de tanto chorar. Ela estava tão cansada. Ela só queria que tudo acabasse logo. O Nara se levantou do chão, se ajeitando para tentar sentar no sofá com ela. De frente para ela. Ele lhe afagava os cabelos. Ela queria que ele fosse embora, mas também queria que ele nunca a deixasse.  “Tem... você é uma mulher incrível. Você merece tudo e muito mais. Você sofreu muito, e está sofrendo agora, eu posso ver isso. Mas você é incrível. Extraordinária.  Você merece tudo de bom. Você merece ser feliz.” A medida que ele falava, Temari tentava se esconder, seu choro aumentava. Ela queria – queria muito— acreditar nisso. Mas ela sabia que não era... “às vezes eu também me pergunto se eu mereço você. Você é tão maravilhosa! E eu... sou só eu.” Ele continuava a lhe afagar o cabelo. E estava a olhando – ela sabia disso, mesmo sem ver ela podia sentir. Ela queria que ele a abraçasse, mas não tinha coragem de pedir. Você não merece isso. E Shikamaru também não fazia nenhuma menção de que faria isso. “Mas eu deixo você decidir isso. Eu posso decidir se eu quero ficar com você. E eu quero, Tem! Eu quero muito!” Ele adicionou depressa, dando ênfase. “Eu te amo Temari, e eu quero ficar com você! E eu preciso acreditar que você sabe escolher por si própria, e só você pode decidir se deve ou não me ter por perto. Não cabe a mim fazer essa decisão por você.”  Ele lhe dizia amavelmente. Temari mantinha seus olhos fechados enquanto chorava. “Então, se você quiser que eu vá embora, se você achar que eu não sou o suficiente para você-” ela apenas apertou a mão dele nessa parte, tentando lhe dizer que não era isso, mas sem conseguir falar. “se for assim, eu irei. Eu sairei da sua vida. Mas, se você quiser estar comigo, eu lhe peço, por favor...” Shikamaru a puxou pelo queixo,  a fazendo olhar para ele. Os olhos dele brilhavam, lhe suplicando “por favor, não escolha por mim.  Não deixe as suas dúvidas, ou o seu sofrimento me afastarem de você. Eu quero estar aqui, eu quero estar com você, nos bons e nos maus momentos. Eu te amo Temari. Deixe eu decidir por mim mesmo se você é suficiente para mim. E acredite Temari, você é mais que suficiente, você é muito mais do que eu jamais poderia pedir. Eu te amo tanto...” Dessa vez foi ele que lhe apertou a mão, e então Temari se jogou sobre o tronco de Shikamaru, chorando e o abraçando. Ela queria acreditar nele. Ela queria que ele decidisse ficar com ela. Ela queria muito.

Dessa vez sim Shikamaru a abraçou. Com amor, com cuidado, com zelo. Era um abraço forte, que lhe oferecia conforto, mas sem machucar. Era um abraço possessivo, desejando que ela nunca saísse dali. E ela não queria sair. Mesmo sentindo que devia. Era um abraço compreensivo,  cheio de sentimento, lhe afirmando que ele não iria a lugar algum, não faria coisa  alguma, sem que ela quisesse. Naquele momento, aquele abraço era o único lugar do mundo que Temari queria estar.

Mesmo que ela não devesse. “Eu-“ ela tentou, mas sua voz se cortou num soluço. No choro. “eu não sei se eu consigo...”  Ele lhe afagava as costas, mantendo o abraço protetor. “... Se eu consigo... escapar disso.” Temari admitiu, ainda chorando, mas sentindo que talvez – só talvez – Shikamaru realmente pudesse querer ficar com ela. Ele a apertou levemente , puxando-a ainda mais contra seu peito. “Nós vamos passar por isso, Temari. Juntos. Nós vamos passar por isso. Eu não vou a lugar algum.” Ele lhe garantiu, afastando-a sutilmente para olhá-la nos olhos. Temari pode ver o brilho intenso daqueles olhos , todo o amor contido neles. Um amor que você não merece Temari. Sua voz interna lhe dizia. Mas ela queria ignorá-la, e acreditar em Shikamaru. Que juntos eles poderiam passar por isso.  “Eu vou estar aqui com você sempre que você precisar. Provavelmente vai ser difícil, vai ser demorado, vai ser doloroso. Mas eu não vou te deixar Temari. Eu prometo, se você me deixar, eu estarei aqui sempre. Sempre.” Novas lágrimas escorreram sobre o rosto de Temari.  Olhando para aqueles olhos negros, intensos, brilhantes, uma nova esperança surgia dentro de si. Novamente ela enterrou seu rosto no peito dele. Ele voltou a lhe abraçar.  “Eu te amo, Temari.”

E foi assim que Temari adormeceu, acolhida pelos braços do homem que amava. Esperando – tocendo, sonhando – que talvez ele pudesse lhe mostrar como sair disso. E que  juntos eles poderiam passar por isso. Que junto a ele, ela teria forças para caminhar por esse caminho. Que mesmo com todo o sofrimento, talvez houvesse algo bom para viver. Algo incrível e maravilhoso. Algo assim como, por exemplo, poder estar ali nos braços dele por quanto tempo quisesse.

 


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Notas finais do capítulo

Capítulo não betado porque eu estava muito ansiosa para postar. Qualquer coisa me escrevam!



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