Ela chegava às escadas da torre oeste do castelo, como já era de costume nos últimos anos desde que chegara a Hogwarts.... E encontrava ali seus convivas de casa, debatendo entre si para descobrir o enigma da Águia encantada de bronze, como também já era esperado...

Até gostava daqueles debates filosóficos, desde que chegara ali... Sonhara tanto com o dia que receberia a carta... Tinha motivos para pensar que ela não viria, e finalmente estava ali, participando de tudo aquilo...

Pensou que com o tempo enjoaria daquele modo incomum de entrar num salão comunal, pois outras casas como Grifinória ou Sonserina tinham uma senha e pronto! Mas em Corvinal era diferente! E ela amava a diferença...

Ensaiou alguns argumentos para participar do debate sobre o enigma, pois a hora de todos os alunos dormirem chegara, e alguns deles já se acumulavam nas escadas... Porém dentre tantos rostos conhecidos de amigos e amigas houve um que não encontrou e lhe fez falta...

Então, aparentemente sem que mais ninguém a notasse ela se esgueirou pelos degraus passando entre os outros convivas, distraídos com o debate... Ela intencionava sair dali discretamente... Quando sentiu um puxão leve em seu ombro, e virou-se ...

—Ei! Moonshinne Moonshinne... Onde vai a esta hora...? Cuidado com Nargulés...

— Que susto Xeno! 

— Desculpe, não quis te assustar... Mas é tarde para andar por aí sozinha...

— Não se preocupe, vou ficar bem...

— Hum... Bom, não vejo Zonzóbulos na sua cabeça, então você parece mesmo bem... Por enquanto...

O garoto loiro e meio desajeitado retirou os óculos coloridos e grandes que usava, revelando os olhos azuis e um tanto vesgos... E oferecia o objeto à amiga...

— Eu mesmo os fiz, os inventei! Eles são para caçar zonzóbulos, quer experimentar?

— Talvez depois Lovegood... Preciso ir agora! 

— Quer que eu vá com você? No... Na... Onde quer que esteja indo...

— Não se incomode Xeno... Depois nos falamos...

— Então não demore, pois já é tarde... E cuidado com os nargulés!

— Ueh, Xeno... Mas eles não dão nos visgos? Creio que não vou encontrar nenhum... - ela sorriu levemente.

— Bom ver que você lembra das coisas que falo Flammae...

— Por que não lembraria? Somos amigos... Bom, mas agora preciso mesmo ir... 

Ela então sorriu gentilmente e se desvencilhou do garoto, que por instantes a seguiu com um olhar vago e curioso, embora um dos olhos apontasse para o próprio nariz... Em seguida ao perdê-la de vista recolocou os estranhos óculos e se juntou ao grupo de alunos nas escadas da Torre da Corvinal.

Logo a garota caminhava pelo sétimo andar do Castelo... Às escuras e sozinha passou pelo corredor, em frente à tapeçaria, com a mente focada na singela face da pessoa que necessitava encontrar... 

Já conhecia aquela parte da escola, e sabia bem o que precisava... Passou então novamente pelo local... E em seguida mais uma vez, com a mesma necessidade fixa na mente...

E então uma porta foi se desenhando na parede ao seu lado, por onde ela sorrateiramente entrou, fechando-a atrás de si... Era a Sala Precisa que encontrara, naquele momento parecida com um confortável quarto de dormir, uma série de camas macias em cores claras e lindos abajures ao lado a de cada uma... 

O teto e as paredes encantados para parecerem com o espaço infinito num tranquilo mar de estrelas, quase parecido com o próprio teto do Salão Comunal da Corvinal, embora com cores diferentes -  avermelhadas. 

"Um ambiente talvez perfeito para uma boa noite de sono... Ou uma profunda reflexão..." - Srta. Moonshinne pensou.

Possuía a certeza absoluta de que alguém já havia feito aquele mesmo caminho antes dela... Observava cada cama na penumbra para verificar se estaria ocupada... Foi quando avistou a quem procurava. A pessoa levantava a cabeça em uma das camas metros à frente...

—Flammae!  O que está fazendo aqui...? Você sempre me encontra! Nem vou perguntar como me achou... De novo! - a voz sonolenta.

—Quem mais preferiria vir para a Sala Precisa a decifrar o enigma da águia? Priss Goldheart, é a resposta! Você não perde esta mania desde o primeiro ano... - respondeu à amiga com um sorriso enquanto a mesma buscava ascender o abajur ao lado da cama, uma luz turva saiu dele...

—Não tenho paciência para os enigmas daquela gárgula! Pois é o que ela parece, nos impedindo de passar! 

Moonshinne ria-se do desabafo da amiga, enquanto Goldheart continuava:

—E se alguém não estiver simplesmente com saco para responder...? Aliás, você me disse que estaria comigo quando que eu precisasse entrar para me ajudar nisso... Quem curte filosofar aqui é você!

—Desculpe... De verdade... Perdi a hora na biblioteca! Mas... Você ainda acha que foi selecionada para a casa errada?

Flammae Moonshinne se aproximou para encarar Priss Goldheart, que colocava os óculos, e sentando-se na beira da cama disse:

— Sem dúvida, Flammae! Eu esperava ir para Grifinória! E sei que na verdade era lá que eu deveria estar... A nossa casa é legal, mas você sabe quando você tem certeza de qual é o seu lugar...?

— Ora,ora Priss... Já falamos disto várias vezes... Você tinha de ter debatido com o Chapéu Seletor sobre sua preferência na época...

— Fui um Hatstall! E tenho certeza que ele fez a escolha errada... Grifinória é minha casa!

— Bom, mas crises de identidade à parte... Acho que fiz um amigo da tua querida Grifinória hoje, na biblioteca... Por causa dele me atrasei tanto!

— Só porque você foi pra lá sem mim... Precisava atrasar mais de uma hora! Quem é essa pessoa? Será que eu conheço? Tenho amigos de lá...

Flashback On

Flammae Moonshinne estava naquele mesmo fim de tarde tateando as estantes da biblioteca na sessão de Criaturas das Trevas com grande interesse e concentração...

Após pegar um certo livro sobre o assunto, estava indo para uma mesa com ele aberto, folheando-o com a capa voltada para fora, utilizava com naturalidade um feitiço de levitação simples para mantê-lo junto a si enquanto as mãos o mexiam por dentro e ela caminhava lentamente...

Foi quando passou por uma das mesas e notou que um garoto sentado ali a observava fixamente. Ergueu os olhos do livro e viu que ele havia abandonado seu próprio livro aberto sobre a mesa e olhava para o seu com a face indecifrável, a boca entreaberta e os olhos cor de âmbar arregalados... Parecendo expressar clara reprovação...

Flammae franziu o cenho... Se aproximou, suspendendo o feitiço segurou o livro com as mãos centímetros diante dele e deu um suspiro queixoso pesadamente... Na capa do livro, lia-se grafado em letras grandes: "Fundamentos de Licantropia e Lobisomens"

— Que foi? Se não gosta do livro é simples, basta não lê-lo! Não precisa julgar quem se interessa pelo assunto...

— Ju-julgar...? - o garoto respondeu hesitante, a voz serena baixa, e ainda com os olhos arregalados...

— Claro, posso ver o espanto na tua cara! E o preconceito! Vocês são sempre assim...

— Pre...Preconceito...!? 

— Sim, seu olhar de reprovação! Um preconceito velado pelo assunto do livro que escolhi... Nunca concordei com todo este tabu estúpido com isso! Parece até coisa de trouxas... 

— Ta-tabu...?

—Sim! E vocês de Grifinória e Sonserina são preconceituosos por natureza! Não é a primeira vez que um de vocês me julga assim, implicam com tudo o que é diferente! Pelo menos você não me intimidou debochadamente, como vocês fazem...

Ela foi elevando o tom de voz sem perceber, logo escutando um "SsssshhhSsssshhh" sonoro por parte de Madame Pince, que a interrompeu... E revirava os olhos, suspirando pesado de novo com cara de poucos amigos, calando-se por um instante...

— Bom, se me permite dizer... Mas... Agora é você quem esta sendo preconceituosa... Julgando pessoas por suas casas... Desculpe de verdade se alguém da minha casa algum dia lhe ofendeu!

Ele havia finalmente conseguido vencer a timidez para falar sem hesitar tanto, pois não era dado a conversar muito com pessoas que não conhecia, embora naquele momento ficasse um pouco vermelho ao fazê-lo... 

...Ela estranhou a serenidade em sua voz e achou sua gentileza incomum... O que a fez parar e contemplá-lo por um instante... 

Desta vez a garota foi quem arregalou os olhos sem sequer perceber... E o encarou com face pensativa, sem dizer palavra, repousando o livro sobre a mesa...

— Ah, me desculpe! Eu te ofendi? Foi sem a mínima intenção de ofender...

— Na-não! Você me fez pensar... Você... é bem perspicaz! Eu é que estava muito na defensiva... Talvez eu não tenha boas relações com muitas pessoas fora da Corvinal... Qual é teu nome...?

— Ah... É... Lupin... Remus Lupin...

— Sou Flammae Moonshinne...

Flashback Off

— ...E resumindo nos ficamos lá conversando até quase agora... Quando três amigos dele apareceram e eu saí de lá...

— Três... Com ele quatro... Hum... nossa! Acho que já ouvi falar deles sim! Dizem que eles vivem aprontando com os novatos e com um garoto da Sonserina... Eles o detestam! - Priss dizia já sem nenhum sinal de sono.

— Aprontando!? Eu sinceramente não poderia imaginar aquele garoto aprontando com alguém...

—As aparências podem enganar Flammae! Mas porque você se incomodou tanto com o modo como ele olhou teu livro...? Acho que você deu uma pirada, amiga!

— Talvez... Mas foi porque eu odeio pessoas que julgam sem conhecer, sabe... Só em nome do medo ou pelo que todo mundo diz... Por tabus idiotas! Você me conhece...

— Sim, conheço... Se bem que...  Até eu concordo que certas doenças são piores que maldições!

— Aff... Se até você pensa assim como posso querer que alguém que eu mal conheço não tenha preconceito com este assunto...? 

—Eu nunca vou entender porque você se preocupa tanto com isso...

— Porque acredito que uma mesma coisa que é tratada como doença, poderia ser peculiaridade apenas... Se não existissem tabus! A diferença entre dom e maldição está no que você faz do que a vida fez com você...

— Aafff... Fugi da águia e você vai vir filosofar AQUI? Aí, você vai começar a dizer de novo que acha que lobisomens e outras criaturas das trevas são só mal compreendidos... 

— E são! A maioria deles pelo menos... Por isso que o medo estampado nos olhos daquele garoto me incomodou tanto! Sempre vai ser assim, enquanto as pessoas pensarem assim...

—Quero ver VOCÊ continuar pensando "assim" no dia que encontrar um licantropo de verdade! Aí vai parar de idealizar sobre isso...

— Engraçado... Lupin me disse o mesmo! Mas eu vou te dizer o que disse a ele... Que neste dia posso muito bem conseguir provar que um deles pode conseguir ser tão gentil como qualquer bruxo ou bruxa, como você ou eu, ou talvez até mais! 

E ao dizer isso Flammae começou a rir, aparentemente sem motivo... Priss ajeitou os óculos o olhou-a sem compreender, apesar de já estar acostumada com como ela mudava de humor num piscar de olhos...

— Qual é a graça agora?

— Quando eu disse exatamente isso ao Lupin ele ficou mudo... E tão vermelho que pensei que ele fosse explodir! Quando eu defendi os lobisomens... Acho que o deixei sem argumentos, por mais medo deles que ele tenha... 

— ...Ou ele só se cansou de debater com você... Se você falou com ele com toda essa convicção...

— Talvez se nos tornarmos mesmo amigos e o ajude a diminuir o preconceito contra lobisomens... Quem sabe?

— Hum! E o que Xenophilius Lovegood vai achar de você com tanta intimidade com um grifinório?

—Aaaff... Nada haver! Só conversamos uma vez... 

— Por mais de uma hora!

—Só amizade mesmo, Priss!... Nos dois casos...! 

— Se bem que... Lupin pode ser cedo pra dizer, não é?

— Não sei! Se você diz, Goldheart...

Flammae havia concordado mais por querer encerrar a discussão do que de fato por pensar assim... "Talvez nem nos falemos de novo! E também, ele tem medo do que me dá curiosidade... Acho que isto é um enigma!" - ela pensava com o olhar vago ...

Foi quando Priss sacudiu a mão diante de seus olhos com um sorriso, mesmo sabendo que quando a amiga a chamava pelo sobrenome, como fizera minutos antes, era porque estava se irritando.

—Pensando em alguém "Moonshinne" querida?

— Pensando que devemos voltar para o dormitório, isto sim... Ainda vão te pegar dormindo aqui!

— Já faço isso há tempos e nunca pegaram...

— Mas vim te buscar e não volto sem você!

Logo Flammae Moonshinne e Priss Goldheart subiam juntas as escadas em espiral da Torre da Corvinal. Os alunos que ali estavam antes já haviam entrado. Priss então bateu na porta, de leve para não correrem o risco de acordar ninguém... A aldrava encantada em formato de Águia fez a pergunta:

—"Qual o real valor da verdade?"

A Srta. Moonshinne pensou por alguns instantes, enquanto a Srta. Goldheart soltava um bocejo, o sono retornando com força... Louca por voltar à dormir virava os olhos, pois não era tão dada a ficar acordada até tão tarde como a amiga... Então Flammae finalmente respondeu:

— Pode mesmo a verdade ter um único real valor...? Já que não existe "A verdade", e sim várias verdades...

 A Águia aceitou a resposta para o enigma, porta se abriu e as duas amigas entraram no dormitório.