Segunda-Feira, 6:00 P.M

—E aí, como foi?— Aiden perguntou para seu treinador, enquanto limpava o suor do rosto com uma toalha e bebia um gole de água.O garoto odiava ter que ficar na escola até mais tarde para fazer todas aquelas avaliações físicas logo no primeiro dia de aula, mas se aquilo era necessário para manter o seu posto no time de futebol americano, então o sacrifício valia a pena.

O colégio em questão era o Bayshore High School, localizado na cidade de San Francisco, na Califórnia. Este já era o terceiro e último ano de Aiden naquele lugar. Depois disso, a vida de adolescente sairia de cena e seria substituída pelo fardo de ser um adulto e ter suas próprias responsabilidades e metas a atingir, e isso era motivo o suficiente para o menino querer aproveitar o máximo que pudesse daquele ano.

—Você foi ótimo, como sempre.— O treinador Parker disse, sorrindo de modo simpático, fazendo algumas anotações aqui e ali em sua prancheta. A cabeça careca do homem brilhava ao refletir o sol escaldante que se fazia presente naquele dia, e o suor que se mostrava evidente em seu rosto fazia parecer que ele havia dado aquelas duas voltas ao redor do campo junto com Aiden, quando na verdade, havia ficado parado ali o tempo todo. —A única coisa que eu me vejo praticamente obrigado a comentar é sobre a distância que os seus lançamentos alcançam.— Aiden agora encarava o homem, receoso. Ele nunca havia recebido quaisquer comentários negativos quanto aos seus lançamentos de bola, então não entendia o que estava acontecendo. Eles andavam até a parte coberta das arquibancadas, enquanto o homem continuava a falar. —A distância vem diminuindo gradativamente, quando comparada com as avaliações dos anos passados.— Parker agora retirava três papéis de sua prancheta e os mostrava para Aiden, que apenas olhava para estes como se estivesse entendendo algo, rezando silenciosamente para que o técnico lhe explicasse o que diabos todos aqueles números e tópicos significavam. —Estas são as avaliações do seu primeiro e segundo ano. Aqui, olhe como as distâncias começam a diminuir. Foi de 13 metros para 12,5 e agora 11. Isso é um problema.— O garoto apenas ergueu as sobrancelhas, surpreso. Como ele havia conseguido regredir tanto?

—E como eu arrumo isso?— Perguntou Aiden, tentando mascarar o leve tom de desespero em sua voz, sentando-se ao lado de Parker em um dos bancos da arquibancada. E se aquilo acabasse dando motivos para o treinador tirá-lo da posição de capitão do time?

—Hm, é uma boa pergunta.— Parker ponderou, passando as mãos pelo seu bigode em um gesto pensativo. —Vejamos, você anda se alongando bem?

—...Sim? — Respondeu ele, com um pouco de dúvida em sua voz, já que não sabia qual era a definição exata de “se alongar bem”. Após mais alguns momentos pensando sobre a pergunta e considerando o fato de que ele nem conseguia tocar as pontas dos pés com as pernas esticadas, trocou sua resposta. —Quer dizer, eu não sou nenhum ginasta, mas...

—Talvez esse seja o problema.— O treinador voltou a falar. —Muitos pensam que não, mas ter uma boa flexibilidade é muito bom quando se trata de futebol americano. Ter um corpo alongado ajuda bastante na hora de realizar lançamentos, por exemplo. Acho que é isso que falta para você.

—...Tá. Então é só eu passar mais tempo de treino me alongando que tudo volta ao normal?— Perguntou o garoto, meio incerto, ainda não entendendo muito bem aonde o homem queria chegar com tudo isso.

—Eu não acho que seria uma coisa boa gastar tempo de treino se alongando. Vocês precisam treinar jogadas.— Disse o homem, voltando ao estado pensativo. —Acho que você deveria fazer isso em algum outro lugar, fora do horário de treinamento. Ah, claro!— Parker levou a mão a testa, como se tivesse acabado de se lembrar de algo que poderia resolver este problema. —Você poderia começar a frequentar as aulas de alongamento da professora Yekaterina.

—Quem?— O menino perguntou, franzindo as sobrancelhas em confusão. Como se já não bastasse aquela conversa sem sentido, ele ainda tinha que enfiar um nome difícil no meio disso tudo?

—Yekaterina. Ela é professora do clube de balé da escola, e também tem um estúdio de dança logo ao lado. Ela sempre dá uma hora de aulas de alongamento antes de começar as aulas de balé. Você poderia começar a ir, eu posso até falar com ela. — Parker finalmente explicou, deixando tudo mais claro para Aiden.

—Bem, se isso for me ajudar com os lançamentos, então eu posso ir sim...— O menino concordou, por mais que estivesse morrendo lentamente só de pensar na ideia de entrar em um estúdio de balé para fazer aulas. Mas, como sempre, ele colocaria seu cargo de capitão do time de futebol americano em primeiro lugar.

—Eu tenho certeza de que isso vai resolver o problema. Vamos, eu vou te dar o cartão com as informações do estúdio. Acho que ainda tenho alguns em meu escritório.

Depois de acompanhar o treinador Parker até sua sala e pegar o tal cartão, Aiden agora fazia o caminho de volta para sua casa, pensativo e aflito. Pelo que ele leu, as aulas de alongamento começavam às 7:30 da manhã e acabavam as 8:30, o que deixava meia hora de sobra para que ele saísse dali e fosse direto para a escola, que era logo ao lado. Aiden estava acostumado a acordar mais cedo que o normal, esse definitivamente não era o seu maior problema.

Ir para um estúdio de balé que era.

Não que ele estivesse com medo de ser tachado de viadinho ou coisa assim por ser visto no local, muito longe disso. Não era como se dança fosse definir a sexualidade de alguém, e Aiden estava ciente desse fato. O problema maior era o fato de que ele provavelmente não conheceria ninguém daquele lugar, e isso o deixaria  nervoso  —já que, apesar de ser uma pessoa muito popular e conhecida na escola, é muito tímido—, e ficar nervoso com certeza iria fazer com que ele passasse alguma vergonha.

Rapidamente, o menino tirou seu telefone do bolso, teclando rapidamente o número de Jayce, um de seus melhores amigos. Rapidamente, o menino atendeu:

—E aí, cara? Como foi a avaliação?— Perguntou o menino do outro lado da linha. Como som de fundo da chamada era possível ouvir a batida alta de uma música eletrônica, que dificultava bastante na hora de entender as palavras de Jayce.

—Eu te liguei justamente para falar sobre isso mas, primeiramente, onde você está? Eu não acredito que você foi pra uma balada logo em uma segunda feira e depois do primeiro dia de aula!— Exclamou Aiden, incrédulo.

—Que balada o quê, meu filho? Eu tô é no meu quarto escutando música alta, só isso.— Jayce responde, e logo o volume da música é diminuído abruptamente. —Mas por que você queria falar comigo sobre a avaliação? Não me diga que você não passou? Seu gordo!— Aiden só pôde revirar os olhos com o comentário.

—Pra sua informação, eu passei sim. O problema é que o treinador citou a minha falta de flexibilidade como um problema que precisava urgentemente ser resolvido.

—Tá, e…?

—E aí que agora ele quer que eu faça aulas de alongamento no estúdio de balé aqui do lado.

Uma risada esganiçada é ouvida do outro lado da linha. —Parece que alguém vai virar o Cisne Negro, hein?

—Isso foi racista.— Aiden brincou, rindo, e olhando rapidamente para as costas de sua mão livre, encarando a pele morena.

—Ah, cala a boca. — Jayce retrucou. —Mas tá, você vai virar uma bailarina. O que eu tenho a ver com isso?

—As aulas começam amanhã às 7:30 da manhã. Você vai ir comigo.

—Piada engraçada. Conta mais.

—Eu não tô brincando! Você vai ir comigo, porque você é meu amigo e sabe que eu sempre pago micão quando sou deixado sozinho em uma sala cheia de gente que eu não conheço.

—Só corrigindo: uma sala cheia de bailarinas gostosas que provavelmente estudam na escola e vão cair matando em cima de você.

—Você fala como se fosse a coisa que eu mais desejasse nesse mundo.—Aiden retrucou.

—E não é?

—Não. Você sabe que eu odeio ser o centro das atenções.

—Mesmo se as atenções vierem de um bando de meninas?

—Se você acha essas meninas tão maravilhosas, então por que não vai comigo para elas caírem matando em cima de você?— Aiden perguntou, rezando silenciosamente para que aquele argumento fosse o bastante para fazer a cabeça de Jayce. O garoto agora já estava abrindo a porta da frente de casa, com o telefone ainda ligado.

—Boa tentativa. Não.

—E por que não?

—Porque balé é muito gay.

—Primeiramente, balé é uma dança, então é meio que impossível ele ter uma sexualidade. E eu não tô indo lá pra fazer balé, eu tô indo lá pra tentar tocar meus pés com as pernas esticadas. A gente não vai ficar rodopiando pra lá e pra cá com um tutu.— O garoto passou como um raio pela sala e cozinha de sua casa, cumprimentando seus pais rapidamente antes de subir as escadas e entrar em seu quarto.  

—Quem te garante?

—O meu cérebro, que sabe diferenciar uma aula de alongamento de uma aula de balé em si.

—Me chamou de burro, é isso mesmo?

—Vai comigo, por favor.

—Não.

—Por favorzinho.

—Não.

—Você sabe que eu iria se a situação fosse reversa. Por favor.

—....

—Isso é um sim?

—...É. Seu chantagista barato.

Aiden sorriu contra o telefone, feliz de saber que sua tática havia funcionado.

—Muito obrigado, sério, eu fico te devendo uma! Te encontro na frente do estúdio às 7:10, okay?

—Tá, né.

—Valeu, valeu! Agora eu preciso desligar, mas obrigado por quebrar esse galho, te amo! Tchau.

—Para de ser gay, menino.

Aiden apenas riu e desligou, suspirando aliviado logo após isso. Menos uma coisa para se preocupar sobre. Exausto, o garoto rapidamente se despiu— jogando suas roupas em uma pilha no canto do quarto— e foi para o banheiro tomar um banho gelado. Logo após isso, o cansaço que estava sentindo depois daquele dia corrido se manifestou, dando ânimo apenas para o garoto vestir uma cueca e uma bermuda qualquer antes de se jogar na cama, dormindo quase que instantâneamente.

Terça-Feira, 6:00 A.M

O som estridente do alarme tocando foi o que fez Aiden levantar da cama, mais mal-humorado do que o normal, afinal, se não fossem aquelas malditas aulas de alongamento, ele teria mais duas horas para dormir antes de ter que acordar e ir para o colégio. A única que o motivou a tirar a cabeça do travesseiro foi o seu amor pelo título de capitão do time de futebol de americano.

Após fazer sua higiene matinal e tomar um banho gelado para acordar de vez, Aiden agora se encontrava na dúvida do que vestir. Bailarinas usam calças leggings para treinar, mas ele (a) não iria usar uma dessas nem que fosse obrigado e (b) ele também não tinha nada no seu guarda roupa mais apropriado do que bermudas de academia, então era isso ou ir pelado.

Depois de se vestir e pegar sua mochila —na qual ele havia colocado outra muda de roupas para se trocar quando chegasse ao colégio— o menino desceu rapidamente até a cozinha, encontrando sua mãe já a mesa, tomando café da manhã. Seu pai provavelmente tinha saído mais cedo de casa para ir até a igreja resolver alguma dessas coisas de pastor que Aiden não sabia explicar muito bem.

—Acordou cedo hoje!— Disse Annalise, sua mãe, com um olhar surpreso, mas com um sorriso gentil no rosto, seus dentes brancos contrastando-se com a pele escura. —Venha tomar café!

—Tudo bem, mas eu tenho que ser rápido, preciso chegar cedo na escola hoje.—Falou o menino, sentando-se a mesa e pegando duas torradas grandes.

—Hm… O que tem pra fazer tão cedo no colégio?

—Ah… Reunião do time de futebol.—Disse ele, enquanto passava geléia nas torradas. Aiden não tinha certeza do porquê de não ter falado para sua mãe que estava indo para um estúdio de balé, afinal, ele não tinha problema nenhum com isso. Depois de momentos divagando, o menino apenas deu de ombros mentalmente, marcando este como um tópico no qual ele deveria pensar sobre apenas mais tarde. —Mas e o salão? Tem muitas clientes hoje?

—Só tenho alguns cabelos para trançar e unhas para fazer, nada de mais. Inclusive, senhorzinho, você precisa comprar lã para eu poder retocar esses dreads. Olha o tamanho dessa raiz!— Annalise comentou, batendo levemente na cabeça de seu filho, que agora tinha seus dreads amarrados em um coque desarrumado.

—Eu sei, eu sei. Prometo que compro amanhã. Mas agora eu preciso ir, sim? Tchau!— Aiden falou, acabando de comer sua última torrada e dando um beijo na bochecha de sua mãe antes de sair pela porta da frente como um raio.

7:10 A.M. - Lipnitskaya Ballet Studio

Aiden encarava a parte da frente do estúdio com um olhar desconfiado. Por que diabos Jayce não estava ali ainda? Pois o garoto poderia ser muitas coisas, mas atrasado não era uma delas, muito pelo contrário, ele talvez era a pessoa mais pontual que Aiden conhecia. “Bom, ele ainda tem cinco minutos para aparecer.” Aiden pensou, enquanto se escorava na parede da construção de dois andares, e esperou.

Quando o relógio marcou 7:20, Aiden já tinha xingado Jayce de todos os palavrões que ele conseguia se lembrar. Revirando os olhos e respirando fundo, o garoto apenas resolveu entrar no local de uma vez já que, aparentemente, ele havia sido abandonado.

Ao empurrar a porta de vidro do local, o garoto se deparou com a recepção, além de um corredor com diversas portas espalhadas por ele. Ao ver que uma mulher baixinha de cabelos loiros já estava se sentando na cadeira atrás do balcão de recepção, andou até ela, hesitante.

—Oi. Ah… Bom dia. Você… Você saberia me dizer onde que dão as aulas de alongamento por aqui?— Perguntou o garoto, socando-se mentalmente por ter gaguejado tanto. O nervosismo já havia se manifestado. Droga.

—Você é o tal menino do time de futebol que o treinador Parker falou sobre?— Perguntou a mulher, olhando para Aiden de cima a baixo. Ao ver o menino acenar positivamente com a cabeça, ela continuou: —Segunda sala à a direita. Pode esperar pela professora lá dentro mesmo.

—Obrigado. —Disse o garoto, com um sorriso amarelo, começando a andar lentamente até a sala indicada, enquanto tentava se acalmar o mesmo tempo.

No masters or kings when the ritual begins…

A letra e melodia da música Take Me To Church chamaram a atenção de Aiden no meio do caminho. Aquela era uma de suas músicas favoritas, e ele sempre aproveitava para escutá-la quando estava fora de casa, já que seu pai tinha proibido a mesma após descobrir que o clipe da música mostrava dois homossexuais.

Aiden agora seguia a melodia da música, olhando dentro de cada sala e procurando quem estava a escutando, até que um sinal de movimento no quarto ao lado do qual ele deveria estar lhe chamou a atenção.

Uma silhueta de cabelos longos e negros dançava ao som da canção,  girando rapidamente, quase como uma bailarina de caixinha de música, só que mais bonito ainda. Por alguns momentos, Aiden ficou curioso para ver o rosto da menina que praticava a coreografia mas, depois de mais alguns segundos olhando fixamente para a pessoa, ele percebera traços masculinos demais para uma bailarina. Era um garoto.

E Aiden não conseguia parar de olhar para ele.