Entre Avesso escrita por River Herondale


Capítulo 1
Haru


Notas iniciais do capítulo

Ansiosa para começar um novo projeto!



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Era o dia de uma grande prova de química para Haru. Haru havia dormido com dificuldades, já que essa grande prova determinaria se ficaria de recuperação ou não. Mas quando Haru abriu seus olhos, não estava em seu quarto. O povo de seu corpo era diferente, a dimensão e energia contrarias do que estava acostumada.

Um frio na barriga subiu por Haru. Havia sido sequestrada? Por quê? Não tinha dinheiro nem segredos, nenhuma explicação plausível que justificasse o que estava acontecendo com uma garota de dezesseis anos onde sua maior preocupação no momento era uma prova de química.

Ao levantar as mãos, viu dedos diferentes dos seus, o que deu um susto imediato em si. Então começou a apalpar seu corpo e rosto. Estava em um corpo de garoto? O que estava acontecendo?

Se Haru não fosse uma garota de poucas palavras já havia feito um escândalo. Mas sempre foi assim: ela sente em silêncio, tenta resolver as coisas sem alardes ou desespero.

Tudo bem, haviam todos os motivos para se desesperar. Mas talvez fosse só um sonho. Eu sou mesmo Haru, uma garota? Haru se questionou. Talvez estivesse enganada a vida inteira.

Ou não.

Haru pegou o celular que estava ao seu lado. Era um desses celulares caros e novos, que imediatamente passeou em seus dedos. Haru não estava acostumada com coisas caras.

No plano de fundo estava uma imagem da capa do álbum do Pink Floyd, The Dark Side Of The Moon. Haru queria destravar o celular, mas não tinha ideia de que senha poderia ser. Viu que tinham mais de oito conversas sem responder nas mensagens, o que a questionou porque essa pessoa que ela não sabia ser, mas no momento ela era, não abria nenhuma.

— Giovanni, você quer perder a van da escola? Levante-se logo! – Uma voz gritou do corredor. Giovanni? Era esse o nome da pessoa a quem esse corpo pertencia? Haru não conseguia assimilar nada que acontecia.

— Pai? – Haru perguntou, cuidadosamente, tentando entender o que acontecia.

— Pai? Sai dessa Giovanni, nunca me chamou assim, qual é?

Ok, não é pai, anotou Haru. Deve ser padrasto.

Haru colocou o uniforme que estava pendurado na porta da mesa de estudos posta ao lado da cama e guardou cuidadosamente na mochila da escola o celular. No momento era seu contato com Giovanni mais próximo, e ela descobriria algum meio de descobrir o que acontecera com ele. Com eles.

Quando Haru saiu do quarto, espantou-se. A cara era lindamente decorada, cheirosa e elegante. Nunca em sua vida Haru tinha entrado na casa de alguém rico, o que lhe causou desconforto. Sentia que a qualquer momento esbarraria em algum dos quadros no corredor ou nas estátuas no chão e quebraria em mil pedaços.

— Giovanni, por que demorou? Quer perdeu a van pela 7538 vez nesse ano? – Disse quem deveria ser a mãe de Giovanni. Era uma bela mulher de quase cinquenta anos, com batom vermelho nos lábios e cabelos pintados de loiro. Usava uma saia lápis um número menor e uma camisa decotada. Era vaidosa, Haru pôde notar. E não tirava os olhos de seu celular. Parecia entretida por algo fascinante.

— Desculpa.

A mãe tirou os olhos do celular e encarou o filho assustada.

— O que foi?

— Nada. Só achei inusitado você falando alguma coisa. Ainda mais se desculpando.

Giovanni não se desculpa, Haru anotou. E também não costuma falar muito com sua mãe.

Ainda que toda a loucura não tivesse sentido algum na mente de Haru, não havia o que fazer por ora. O que a impedia de perder totalmente a cabeça era a curiosidade que tinha em saber quem era esse Giovanni e porque estava ali, em seu corpo.

E talvez, só talvez, Haru acreditasse que havia algo de são nas maiores loucuras.

O barulho de campainha tocou, e Haru soube que era a van de Giovanni que tinha chegado. Viu que havia uma porta que dava para fora ali na cozinha e foi até ela para sair.

— Por que você vai sair por aí? Quer ir para o quintal? – A mãe questionou enquanto mastigava uma torrada com algo que Haru supôs ser geleia.

Haru não podia perguntar como sair, seria estranho. Então voltou para o corredor, onde encontrou a sala e saiu pela porta da frente.

Ao entrar na van, ouviu sussurros. Giovanni parecia ser conhecido de alguma forma, mas Haru tinha dúvidas se era de uma forma positiva. Não havia ninguém ali que Haru poderia supor que era seu amigo ou parceiro de van. Então por isso sentou-se no primeiro banco, ao lado da moça da van que abria e segurava a porta.

O bairro onde Giovanni morava era de classe média alta. As casas, em sua maioria com um andar e piscina era do tipo de bairro que Haru só via em novelas. Tentou descobrir em que cidade estava, tentando ter alguma pista pelas placas pelo qual passava.

Sorocaba. Interior de São Paulo. Ela nunca tinha ido para Sorocaba.

Quando chegou na escola, era uma grande escola particular com alunas de longos cabelos bem cuidados e alunos com corpo de esportista. Tento encontrar um lugar onde talvez Giovanni pertença, mas não há grupo que eu diria ser dele.

Tudo bem, as coisas apenas começaram a acontecer. Quem sou eu para julgar quem Giovanni é ou pode ser?

Giovanni é muito magro. Do tipo que fazem piadinhas sobre sua magreza. Seu cabelo é muito preto e grosso, o que lembra o de Haru de certa maneira. Seu rosto tem algumas espinhas, o que é normal, já que ele deve ter mais ou menos a idade dela. Giovanni não se veste como os garotos estilosos da escola, o que se nota pelo corte cabelo e seu tênis. Talvez ele seja dos meninos mais estudiosos, mas é possível dizer com certeza. Quando pegou sua mochila, Haru vasculhou por algo que pudesse dizer um pouco sobre a personalidade dele, e entre os livros de escola estava a folha de boletim, onde Haru pode notar que suas notas não eram as mais brilhantes possíveis.

O sinal logo tocou, fazendo com que Haru se desesperasse para saber qual sala era a de Giovanni. Tentando estimar que ano ele poderia estar, Haru entrou na sala do Terceiro ano do Ensino Médio, onde foi recebida com risadinhas e deboches.

— Ô, estranho, se perdeu na escola é? – Um garoto do fundo da sala disse. Ele tinha seus dois pés em cima da carteira e um sorriso irritante.

Foi quando Haru sentiu alguém puxando seu braço para fora da sala. Era uma garota negra pequena, com um cabelo que cheirava baunilha e expressão preocupada.

— Gio, você está bem?

Haru pensou que talvez ela fosse alguma amiga, mas não tinha como ela ter certeza. Decidiu que era melhor segui-la, entretanto, já que estar ali naquela sala tinha se mostrado humilhante.

— Estou.

— Por que você entrou na sala do terceiro ano?

— Estava meio aéreo. Só isso.

A garota o acompanhou até a frente de outra sala. Ela levantou a mão para tocá-lo no ombro, mas acabou desistindo.

— Se cuide. Qualquer coisa você pode ir na minha sala procurar por mim.

Haru viu a garota entrando em outra sala, na sala do Primeiro ano do Ensino Médio. Ele era do Segundo, afinal, o mesmo que Haru. Ela supôs que ele também tinha dezesseis anos.

Uma única carteira estava vazia, bem no fundo da sala. Haru percebeu que ele preferia passar despercebido. As pessoas ao redor de sua carteira não pareciam ser seus amigos, já que não olhavam para ele. Era como se fosse invisível.

Por algum motivo, Haru se preocupou com ele.

O dia de aula passou lentamente, sem grandes desafios além de algumas matérias que Haru ainda não tinha chegado em sua escola. Ninguém a incomodava. Ninguém parecia gostar dele.

Haru ficou pensando de quem poderia ser aquelas mensagens no celular de Giovanni.

Na espera de ir embora, a garota que havia ajudado a achar a sala de aula deu um tchauzinho para ele de longe. Ela estava em um grupo de amigas que pareciam felizes. Haru pensou que se as conhecesse em seu corpo, provavelmente seria amiga delas.

Quando a van a deixou em casa, ouviu um tumulto da cozinha. A mãe de Giovanni estava entre berros contra seu marido, o que deixou Haru constrangida. Não é sua família, então ela logo subiu para o quarto de Giovanni, torcendo que dali não houvesse perturbações.

Haru voltou a pegar o celular de Giovanni, disposta a descobrir a senha e assim ver um pouco da vida de Giovanni. Tentou procurar vestígios em todo quarto algo que pudesse dar uma dica dos dígitos. Ao ligar o computador, viu que também estava com senha, o que dificultou todo o trabalho. Procurou entre as gavetas por algum diário ou agenda.

Giovanni era um total mistério.

Seu quarto tinha paredes brancas e peladas, sem quadros ou pôsteres que pudessem demonstrar algum traço de personalidade. Havia uma simples prateleira logo acima da mesa de estudos, com alguns livros. Haru tentou ver se havia algo entre os livros.

Não havia nada.

Decidiu procurar embaixo da cama também, encontrando só poeira e meias sujas. Haru não podia desistir, estava entrando quase em desespero.

Voltou a tentar combinações básicas, nada funcionando. Como poderia habitar um corpo em que sabia de nada? Bem quando se sentou na cadeira da mesa de estudos, a mãe de Giovanni abriu a porta do quarto.

— Giovanni, vai se atrasar para o inglês. – E fechou a porta de novo. Droga, aulas de inglês, pensou Haru. Ela não sabe quase nada, como iria se passar por Giovanni?

Sua mãe o levou de carro para o centro da cidade. Sorocaba mesmo sendo uma cidade do interior é bem grande.

Se Haru pensou que teria dificuldades na aula, esteve enganada. Percebeu que a professora não fazia muitas perguntas para Giovanni, que se isolava no canto da sala. Isso facilitou, já que não teve que participar de muitas conversações e simplesmente escreveu qualquer coisa em sua apostila de inglês, não se envergonhando.

Ao chegar em casa, estava quase anoitecendo. As luzes dos postes já estavam acesas. Haru foi jantar.

A primeira reação de Haru foi de surpresa. Tanto a mãe quanto o padrasto comiam unidos na mesa. Um costume que Haru não tem em sua casa. Mas era estranho. A energia envolvendo a mesa era pesada, como se muitas coisas não fossem ditas entre eles.

— Me passe a pimenta. – A mãe de Giovanni pediu friamente. Haru pegou o frasco de pimenta. – Não esse, Giovanni! Sabe que odeio esse. O outro, mais claro.

O padrasto de Giovanni bufou, impaciente. O que fez a mãe de Giovanni se irritar.

— Você não cansa de ser insuportável? – A mãe de Giovanni elevou a voz.

— Você não cansa de reclamar? – Haru percebeu que o padrasto de Giovanni apenas cutucava a comida, sem comer.

— Eu já te disse 7538 vezes para parar de implicar com coisas tão pequenas!

— Olha quem diz! Quem implica com efemeridades aqui é você!

7538 vezes? Já tinha ouvido a mãe usar esse número para reclamar antes. Haru pegou o celular do bolso e digitou como senha esses números embaixo da mesa.

Imediatamente desbloqueou.

— Giovanni, você está mexendo no celular? Quantas vezes terei que te pedir para ter respeito? – A mãe berrou. Haru guardou de volta o celular, tentando não esquecer a sequência de números.

Tentou terminar o mais rápido possível a refeição e subiu rapidamente em seu quarto. Marcou os números em um papel de cima da mesa de estudos de Giovanni e desbloqueou o celular. Com calma, entrou nas ultimas mensagens.

Algumas mensagens eram de amigos. Então ele tem amigos, pensou Haru. Eles perguntavam se ele estava bem, se ele estava lá. Estranho, Haru não conseguiu deixar de notar. Era uma preocupação exacerbada, como se ele estivesse em perigo. Não demorou muito para ver que todos eram amigos virtuais. Isso explica muita coisa.

Quando subiu novamente as mensagens, uma mensagem de um número não registrado tinha há pouco chegado. Um súbito frio na barriga subiu por sua espinha quando notou que era seu número.

“Vi que descobriu minha senha. Não demoraria para minha mãe ficar repetindo essa merda de números quando ficasse brava. Bem, prazer Haru. Eu sou Giovanni, que está vivendo sua vida por algum motivo inexplicável”.


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Notas finais do capítulo

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